Um estudo jurídico sobre os atuais responsáveis pela formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio

Diác. Carlos Adriano Santos dos Reis, EPord-diaconal

1. Pressupostos doutrinários

Considerando que este trabalho tem por fim principal desenvolver uma exposição canônica a respeito dos principais responsáveis pela formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio, devemos iniciá-lo com alguns conceitos sobre o sacerdócio em si, para então entendermos os motivos pelos quais se deve deitar uma especial atenção nos que recebem a incumbência de formar doutrinariamente os seminaristas.

Por isso, estudaremos nesta breve introdução o conceito do Sacramento da Ordem, buscando demonstrar que a própria noção do que é o sacerdócio católico justifica a exigência de uma sólida formação doutrinária para os ministros sagrados, e que, portanto, a necessidade desta formação decorre do próprio ministério em si.

Um Sacramento a serviço da comunhão e da missão

A Igreja Católica Apostólica Romana tem por missão nesta terra, anunciar e instaurar o Reino de Deus entre todos os povos. Essa missão se estende a cada um dos fiéis cristãos, que possuem, segundo a condição própria de cada um, a grave responsabilidade de exercer este mandato que Deus confiou para a Igreja cumprir no mundo. Na definição que o atual Código de Direito Canônico dá a respeito dos fiéis, encontramos esta prescrição:

Cân. 204 § 1. Fiéis são os que, incorporados a Cristo pelo batismo, foram constituídos como povo de Deus e assim, feitos participantes, a seu modo, do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, são chamados a exercer, segundo a condição própria de cada um, a missão que Deus confiou para a Igreja cumprir no mundo. 

O cânon fala da condição própria em que cada um deve cumprir a missão da Igreja. Arrieta aprofunda essa questão (2001, p. 121):

Ainda que todos os fiéis possuam o mesmo estatuto jurídico proveniente do batismo, “nem todos vão pelo mesmo caminho” (LG, 32). Existem entre eles modalidades diversas de vida, que evidenciam uma variedade enriquecedora da Igreja.

Essa condição, por meio da qual o fiel batizado irá cumprir com seu chamado na Igreja, pode ser modificada e definida de maneira especial por meio de dois Sacramentos — Ordem e Matrimônio — apresentados pelo Catecismo da Igreja Católica como Sacramentos a serviço da comunhão e da missão. Eles estão ordenados à salvação de outrem; se também contribuem para a salvação pessoal, isso acontece por meio do serviço ao próximo.

Esses dois Sacramentos conferem uma graça especial para um encargo particular na Igreja, que se cumpre por meio de um serviço para a edificação do povo de Deus, além de contribuírem em particular para a comunhão eclesial e para a salvação das almas (cf. CEC, 1534 ). E continua:

Nestes Sacramentos, aqueles que já foram consagrados pelo Batismo e pela Confirmação para o sacerdócio comum de todos os fiéis, podem receber consagrações particulares. Os que recebem o Sacramento da Ordem são consagrados para ser, em nome de Cristo, “com a palavra e a graça de Deus, os pastores da Igreja” (CEC, 1535).

Ocorre, entretanto, que o Sacramento da Ordem, mais diretamente relacionado com o tema deste artigo, possui algumas particularidades que lhe são muito próprias, conforme se verifica na sintética definição oferecida pelo recente publicado Compêndio do Catecismo:

O que é o Sacramento da Ordem?

É o sacramento graças ao qual a missão confiada por Cristo aos seus Apóstolos continua a ser exercida na Igreja, até o final dos tempos. (CEC, COMPÊNDIO, 322)

O atual Código de Direito Canônico também conceitua o Sacramento da Ordem em seu cânon 1008, sublinhando de maneira especial a missão que cabe ao ministro sagrado:

Cân. 1008. Por divina instituição, graças ao Sacramento da Ordem, alguns entre os fiéis, pelo caráter indelével com que são assinalados, são constituídos ministros sagrados, isto é, são consagrados e delegados, a fim de que, personificando a Cristo Cabeça, cada qual no seu respectivo grau, apascentem o Povo de Deus, desempenhando o múnus de ensinar, santificar e governar.

A Constituição Dogmática Lumen Gentium está entre as principais fontes dessas definições que acabamos de estudar. Como era de se imaginar, esse documento também ressalta a missão do sacerdote: “Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e o oferece a Deus em nome de todo o povo” (LG 10).

Tornar-se pastor da Igreja, exercer a missão confiada por Cristo aos Seus Apóstolos, fazer as vezes do próprio Cristo oferecendo o sacrifício eucarístico em nome do Povo de Deus; todos esses são encargos conferidos ao sacerdote a partir de sua ordenação. Sendo assim tão sério o ministério sacerdotal, concluímos imediatamente como deve ser também a preparação daqueles que se destinam ao Sacramento da Ordem.

Segundo as exposições do Concílio Vaticano II, o ministério da Palavra é um elemento essencial no ministério do presbítero:

O Povo de Deus é reunido antes de mais pela palavra de Deus vivo, que é justíssimo esperar receber da boca dos sacerdotes. Com efeito, como ninguém se pode salvar se antes não tiver acreditado, os presbíteros, como cooperadores dos Bispos, têm, como primeiro dever, anunciar a todos o Evangelho de Deus, para que, realizando o mandato do Senhor: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a todas as criaturas” (Mc 16, 15), constituam e aumentem o Povo de Deus. Com efeito, é pela palavra da salvação que a fé é suscitada no coração dos infiéis e alimentada no coração dos fiéis; e é mercê da fé que tem início e se desenvolve a assembleia dos crentes, segundo aquele dito do Apóstolo: “A fé vem pelo ouvido, o ouvido, porém, pela palavra de Cristo” (Rm 10, 17). Por isso, os presbíteros são devedores de todos, para comunicarem a todos a verdade do Evangelho, de que gozam no Senhor (PO, 4).

Como, entretanto, falar daquilo que não se conhece? O sacerdote deve ser um conhecedor exímio das verdades da Fé, a fim de que, pela palavra e pelo exemplo, comunique a doutrina aos fiéis e aos infiéis. Deduz-se então o quanto o sacerdote deve ser bem formado doutrinariamente em função do ministério que ele exerce, e o quanto se deve dar importância àqueles a quem cabe a responsabilidade de lhes transmitir a doutrina. Conforme ressalta o prefácio do atual Código de Direito Canônico (2008, p. 23), “a ignorância, mãe de todos os erros, deve ser evitada, principalmente nos sacerdotes de Deus”.

2. Formação intelectual – Integligência da fé

O estudo dos cânones que delimitam a formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio não tem sentido se não for guiado pela clave de leitura que encontramos na Exortação Apostólica Pós-sinodal Pastores dabo vobis. Como veremos adiante, o documento incita a que os formadores dos seminaristas não apresentem os estudos que os preparam para o sacerdócio com caráter meramente científico. Por isso, não podemos fazer uma análise jurídica sobre os responsáveis pela formação seminarística, sem antes compreender o que a Igreja entende por essa formação doutrinal.

Conforme o Concílio Vaticano II,

A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele constantemente conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador (GS 19, I).

Com base nesta explicitação, o Catecismo da Igreja Católica nos ensina que o homem tem em si um desejo de Deus estando, por isso, sempre em busca dAquele para o qual foi criado (cf. CEC 27).

A resposta adequada a esse constante chamado de Deus, por meio do desejo de Absoluto posto por Ele em cada homem, é a Fé — uma submissão completa da inteligência e da vontade do homem à vontade divina (cf. CEC 142 e 143).

A formação intelectual dos candidatos ao sacerdócio deve prepará-los, antes de tudo, para esta submissão, conduzindo-os, conforme nos ensina a já referida Exortação Apostólica Pós-sinodal, a adquirir uma sabedoria que se abre e se orienta para o conhecimento e a adesão a Deus, motivo pelo qual essa formação deve estar fortemente atrelada à formação humana e espiritual:

A formação intelectual, embora possua a sua especificidade, liga-se profundamente com a formação humana e espiritual, a ponto de constituir uma sua expressão necessária: configura-se efetivamente como uma exigência irreprimível da inteligência pela qual o homem “participa da luz da inteligência de Deus” e procura adquirir uma sabedoria que, por sua vez, se abre e orienta para o conhecimento e a adesão a Deus (n. 51).

Gianfranco Ghirlanda (2007, p. 149), ao iniciar sua exposição sobre a formação doutrinal dos ministros sagrados, afirma, com base no mesmo trecho do documento supracitado, que “essa formação deve ser colocada em estreita relação com a vida de fé e a vida espiritual dos alunos, enquanto a própria fé, sustentada por uma sã doutrina, é alimentada por esta”.

Ademais, existem dois sérios motivos apontados pelo mesmo documento, que justificam o profundo conhecimento que devem possuir os seminaristas a respeito dos mistérios divinos: a própria natureza do ministério ordenado, já apontada anteriormente, e o desafio da “nova evangelização”:

Se já cada cristão — escrevem os Padres sinodais — deve estar pronto a defender a fé e a dar a razão da esperança que vive em nós (cf. 1 Pd 3, 15), com muito maior razão os candidatos ao sacerdócio e os presbíteros devem manifestar um diligente cuidado pelo valor da formação intelectual na educação e na atividade pastoral, dado que, para a salvação dos irmãos e irmãs, devem procurar um conhecimento cada vez mais profundo dos mistérios divinos. Além disso, a situação atual, profundamente marcada pela indiferença religiosa e ao mesmo tempo por uma difusa desconfiança relativamente às reais capacidades da razão para atingir a verdade objetiva e universal, e pelos problemas e questões inéditos provocados pelas descobertas científicas e tecnológicas, exige prementemente um nível excelente de formação intelectual, que torne os sacerdotes capazes de anunciar, exatamente num tal contexto, o imutável Evangelho de Cristo, e torná-lo digno de credibilidade diante das legítimas exigências da razão humana (PDV 51).

Não é sem razão que os estudos teológicos preenchem uma grande parte da vida de quem se prepara para o sacerdócio. A Exortação Apostólica Pós-sinodal conclui demonstrando que a formação intelectual não constitui de modo nenhum um componente exterior e secundário do crescimento humano, cristão, espiritual e vocacional dos seminaristas: “[…] na realidade, por meio do estudo, particularmente da teologia, o futuro sacerdote adere à Palavra de Deus, cresce na sua vida espiritual e dispõe-se a desempenhar o seu ministério pastoral” (PDV 51).

Por isso, como já advertimos anteriormente, nos estudos que precedem a ordenação sacerdotal deve-se ter o cuidado de não proporcionar para candidatos ao sacerdócio uma consciência equivocada a respeito de sua formação doutrinal. Eles não podem estudar acreditando que estão se formando em meros cientistas da fé:[1]

Para que possa ser pastoralmente eficaz, a formação intelectual deve ser integrada num caminho espiritual marcado pela experiência pessoal de Deus, de modo a poder superar uma pura ciência conceptual e chegar àquela inteligência do coração que sabe “ver” primeiro o mistério de Deus e depois é capaz de comunicá-lo aos irmãos (PDV 51). 

3. Documentos basilares para o estudo da formação dos seminaristas

Para se estabelecer um estudo a respeito da formação seminarística nos dias de hoje e sobre os diversos elementos que a compõem, é preciso delimitar onde se encontram as principais diretrizes que tenham servido de fonte para a elaboração da atual legislação do Código, ou para a interpretação da mesma.

Primeiramente, deve-se atentar para o decreto Optatam Totius sobre a formação sacerdotal, do Concílio Vaticano II:

[…] o Concílio Vaticano II, que teve como objetivo último a renovação de toda a Igreja, advertiu também a estreita relação entre essa desejada renovação e o ministério dos sacerdotes. Fruto deste convencimento dos Padres conciliares é o decreto Optatam Totius, em que se proclama a transcendental importância da formação sacerdotal e se expõem os princípios fundamentais que devem inspirá-la, conservando e confirmando o já provado pelos séculos de experiência, e inovando ao mesmo tempo com o que as novas circunstâncias podem exigir (RINCÓN-PEREZ, 1991, p. 178 — tradução minha).

Como se poderá observar, o documento não descarta a experiência da Igreja na formação dos sacerdotes, muito pelo contrário, valoriza-a, mas exorta a que, nas leis eclesiásticas dirigidas para a formação sacerdotal, sejam introduzidas inovações que correspondam à evolução dos tempos.

O sagrado Concílio reconhece que a desejada renovação de toda a Igreja depende, em grande parte, do ministério sacerdotal, animado do espírito de Cristo; proclama, por isso, a gravíssima importância da formação dos sacerdotes e declara alguns dos seus princípios fundamentais, pelos quais sejam confirmadas as leis já aprovadas pela experiência dos séculos e se introduzam nelas as inovações que correspondam às suas constituições e decretos e à evolução dos tempos. Esta formação sacerdotal, por causa da unidade do mesmo sacerdócio, é necessária aos dois cleros e de qualquer rito. Portanto, estas prescrições, que se referem diretamente ao clero diocesano, devem ser acomodadas na devida proporção a todos os sacerdotes (OT, proêmio).

O decreto conciliar trata sobre diversos temas atinentes à formação sacerdotal: desde a promoção das vocações, organização dos seminários maiores, formação espiritual e ainda outros assuntos de exclusiva relevância.

Além desse documento, o presente estudo deve ter como base a Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, e a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis:

O Concílio Vaticano II dedicou um decreto (Optatam Totius) à formação para o sacerdócio. A disciplina do CIC responde às suas orientações, que recolhem uma tradição multissecular, com as adaptações necessárias às circunstâncias atuais. Ademais, existe para a Igreja universal, um plano de formação (Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis), cujas linhas básicas devem ser seguidas pelas Conferências Episcopais e pelos regulamentos dos seminários (cf. cc. 242-243). Em 25.III.1992, João Paulo II publicou a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, que trata da formação dos sacerdotes na situação atual (CENALMOR E MIRAS, 2004, p. 178).

A Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, que consiste em normas fundamentais para a formação sacerdotal, foi elaborada pela Congregação para a Educação Católica, e publicada primeiramente em 6 de janeiro de 1970, deixando de vigorar com a promulgação do Código de Direito Canônico de 1983.

Adaptando-se à necessidade de se criar uma nova Ratio, a Congregação para a Educação Católica publicou novas diretrizes em 10 de março de 1985, acrescentando, na verdade, muito poucas mudanças em relação ao documento anterior (cf. Enchiridium, p. 326).

Todos esses documentos têm uma particular influência na legislação atual em relação aos responsáveis pela formação dos seminaristas. Entretanto, caberá estudar as diversas orientações presentes em cada um deles na medida em que forem sendo vistos os diversos cânones relacionados com o tema deste artigo e suas fontes.

4. A liberdade religiosa e o dever/direito da Igreja quanto à formação dos que se destinam aos ministérios sagrados

“Os homens de hoje tornam-se cada vez mais conscientes da dignidade da pessoa humana e, cada vez em maior número, reivindicam a capacidade de agir segundo a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por coação, mas levados pela consciência do dever” (DIGNITATIS HUMANAE, 1).

Considerando a consciência do homem hodierno a respeito de sua dignidade, o Concílio Vaticano II promulgou um documento a propósito da liberdade religiosa. A defesa deste princípio confere à Igreja, conforme observaremos mais adiante, alguns direitos e mesmo deveres:

Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. (DH 2).

Esse princípio, segundo explicita o mesmo documento, tem consequências no próprio campo civil: “Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil (DH 2).”

Entre as implicações que a observação do princípio da liberdade religiosa gera no campo civil, está o direito de formação dos ministros religiosos, como ressalta a Dignitates Humanae, 4:

Também compete às comunidades religiosas o direito de não serem impedidas por meios legais ou pela ação administrativa do poder civil, de escolher, formar, nomear e transferir os próprios ministros, de comunicar com as autoridades e comunidades religiosas de outras partes da terra, de construir edifícios religiosos e de adquirir e usar os bens convenientes.

A competência afirmada no trecho dessa declaração se desdobra em um dever/direito afirmado pela própria Igreja, presente no cânon 232 do atual Código, de formar de maneira exclusiva os seus próprios ministros: “É dever e direito próprio e exclusivo da Igreja, formar os que se destinam aos ministérios sagrados”.

Segundo Ghirlanda (2007, p. 135), a “Igreja como tal é o sujeito comunitário responsável pela formação de seus ministros”.

Conforme explica Davide Cito (2002, p. 214, tradução minha), este cânon é semelhante ao cânon 1352 do Código de 1917. Entretanto, o Código anterior:

[…] se limitava a proclamar o direito da Igreja para proteger sua independência e sua liberdade frente às eventuais ingerências ilegítimas do poder secular.

[…] o cânon [232 do Código de 1983] salienta em primeiro lugar o dever que tem a comunidade eclesial de prover a formação de seus ministros, enquanto que o direito se desprende como lógica consequência para poder cumprir com esta obrigação.

Ademais, ressalta Hortal (2008, p. 232):

As normas relativas à formação dos candidatos ao ministério sagrado (e consequentemente ao estado clerical) encontravam-se, no antigo Código, sob a rubrica do Magistério Eclesiástico. Isso lhes dava um saber quase exclusivamente acadêmico. Agora, foram colocadas aqui [Capítulo I – Da Formação dos Clérigos], precisamente para sublinhar os múltiplos aspectos da formação: psicológica, afetiva, acadêmica, espiritual, etc.

Tal normativa implica alguns efeitos práticos para cada autoridade eclesiástica, que estudaremos com detalhes, mas que já podem ser vistas de modo sintético na exposição de Ghirlanda (2007, p. 131):

O c. 232 afirma que a Igreja tem o dever/direito próprio e exclusivo de formar aqueles que são destinados ao ministério sagrado. O cânon quer excluir todo tipo de ingerência por parte da autoridade civil. A autoridade competente é antes de tudo a Santa Sé para a disciplina comum em toda a Igreja universal; depois, as Conferências dos bispos (c. 242) depois, cada bispo diocesano para os clérigos diocesanos; ordinário militar para os clérigos que são incardinados no ordinariato, para os membros dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica, os moderadores competem segundo as constituições de cada instituto ou sociedade; por fim, para os membros de uma prelazia pessoal, o prelado. Quanto é dito para aqueles que se preparam para o ministério sagrado a ser exercido entre o clero secular, vale também para os membros dos institutos religiosos, tendo em conta o plano dos estudos de cada instituto (c. 659, § 3).

5. A responsabilidade das conferências episcopais: Estabelecimento de um Plano de Formação em cada nação

Uma questão que merece destaque quando se trata da formação dos candidatos ao sacerdócio é a dificuldade para a elaboração de leis muito específicas. A Igreja e os candidatos a esse ministério se encontram em todas as partes do mundo, e em cada local se encontram realidades muito diversas e dificuldades muito peculiares a ser enfrentadas pelos sacerdotes.

Por isso, o documento do Concílio dedicado à formação dos seminaristas — Optatam Totius — considerando a variedade dos povos, culturas, regiões etc., se presta unicamente a instituir regras gerais, exigindo assim, de cada nação, um esforço para o estabelecimento de um plano de formação a ser promulgado pelas diversas conferências, que deve ser aprovado pela Santa Sé, e reexaminado de tempos em tempos.

Um dos principais pontos salientados pelo decreto é a obrigação de que a formação sempre corresponda às necessidades daquelas regiões onde o sacerdote irá atuar:

Uma vez que não podem dar-se senão leis gerais para tão grande variedade de povos e regiões, estabeleça-se em cada nação ou rito um peculiar Plano de Formação sacerdotal que há de ser promulgado pela Conferência Episcopal, revisto periodicamente e aprovado pela Santa Sé. Por ele se acomodem as leis universais às condições particulares dos tempos e dos lugares, de maneira que a formação corresponda sempre às necessidades daquelas regiões em que há de exercer-se o ministério sacerdotal (OT 1).

Essas diretrizes estão entre as principais fontes do cânon 242 do atual Código, que prescreve exatamente a necessidade da criação, por parte das Conferências dos Bispos, de um plano de formação, tendo por base as normas dadas pela Santa Sé.

Cân. 242 § 1. Deve haver em cada nação as Diretrizes básicas para a formação sacerdotal, que devem ser estabelecidas pela Conferência dos Bispos, levando em conta as normas dadas pela suprema autoridade da Igreja, e aprovadas pela Santa Sé. Devem ser adaptadas às novas circunstâncias, com nova aprovação da Santa Sé. Nelas sejam definidos os princípios básicos e as normas gerais da formação a ser dados no seminário, adaptados às necessidades de cada região ou província.

§ 2. As normas das Diretrizes, mencionadas no § 1, sejam observadas em todos os seminários, diocesanos ou interdiocesanos.

É verdade que, conforme ressalta a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, o sacerdote deve possuir em todos os tempos e lugares uma mesma fisionomia essencial que jamais pode mudar: a de Cristo.

Quando vivia sobre a terra, Jesus ofereceu em Si mesmo o rosto definitivo do presbítero, realizando um sacerdócio ministerial do qual os Apóstolos foram os primeiros a ser investidos; aquele é destinado a perdurar, a reproduzir-se incessantemente em todos os períodos da História. O presbítero do terceiro milênio será, neste sentido, o continuador dos padres que, nos precedentes milênios, animaram a vida da Igreja. Também no ano 2000 a vocação sacerdotal continuará a ser o chamamento a viver o único e permanente sacerdócio de Cristo (PDV 5).

A Igreja, entretanto, não se exime de se adaptar às diversas épocas e ambientes, a fim de alcançar seus objetivos apostólicos:

Mas é igualmente certo que a vida e o ministério do sacerdote se deve ‘adaptar a cada época e a cada ambiente de vida’. Da nossa parte, devemos, por isso, procurar abrir-nos o mais possível à superior iluminação do Espírito Santo, para descobrir as orientações da sociedade contemporânea, reconhecer as necessidades espirituais mais profundas, determinar as tarefas concretas mais importantes, os métodos pastorais a adotar e, assim, responder de modo adequado às expectativas humanas (PDV 5).

E é por isso que se justifica uma legislação de caráter universal, e outra de nível particular, que fica ao encargo das Conferências Episcopais, conforme nos explica Davide Cito (2002, p. 241 – tradução minha):

A grande diversidade de situações eclesiais e a necessidade de que a formação sacerdotal, ainda que orientada por uma identidade comum do presbítero, saiba adequar-se às diferentes condições de vida e de cultura, justifica o fato de que junto com uma legislação de caráter universal, exista uma normativa particular acomodada às exigências concretas de cada situação.

Segundo o mesmo autor, as disposições sobre as Rationes nacionais têm caráter obrigatório, e têm sido observadas por boa parte das Conferências Episcopais. A Ratio de cada nação, como apontamos anteriormente, deve ser revista e aprovada pela Santa Sé, mesmo em caso de meras modificações. Se faltarem tais orientações em nível nacional, devem-se aplicar as normas emanadas pela Sé Apostólica e as próprias de cada seminário (cf. CITO, 2002).

E continua Cito (2002, p. 242 – tradução minha):

[…] As disposições contidas nas Rationes aprovadas pela Santa Sé antes da entrada em vigor do CIC mantêm seu vigor nas partes que não contradizem as disposições codiciais.

A Ratio nacional deve conter os princípios essenciais e normas gerais da formação seminarística. Como se colocou com exatidão, o fato de que se deva basear-se nas normas emanadas da Santa Sé exige que os princípios essenciais devam sempre inspirar-se nos documentos da Sé Apostólica, deixando, portanto, às normas gerais a possibilidade de se adaptar às necessidades pastorais. Deste modo, sobre uma fisionomia essencial que garanta a identidade sacerdotal comum na Igreja, existe a flexibilidade oportuna para responder às diferentes situações eclesiais.

Ghirlanda destaca que também a formação doutrinal dos candidatos ao presbiterado deve ser amoldada às diversas circunstâncias nas quais eles irão exercer seu ministério: “Toda a formação doutrinal deve ser adaptada às diversas culturas, de tal modo que os alunos possam anunciar o Evangelho de modo aceitável aos homens aos quais se dirigem” (2007, p. 150).

O autor fundamenta a relação que deve haver entre a formação doutrinal dos presbíteros, e o ambiente no qual eles operarão, nas normas fundamentais para a formação sacerdotal emanadas pela Congregação para a Educação Católica:

Em toda formação doutrinal deve-se procurar cuidadosamente a acomodação às diversas culturas, para que os alunos possam entender e explicar a mensagem de Cristo segundo a forma própria de cada cultura, e para que, com isso, possam acomodar a vida cristã à índole e ao caráter de cada uma delas.

Por isso, os professores de filosofia e de teologia não omitam comparar, em suas explicações, a doutrina cristã com as ideias íntimas com as quais se formaram os homens, segundo suas tradições, de Deus, do mundo, e, o quanto seja possível, enriquecer com elas o saber científico e a inteligência da fé (RFIS, 64 – tradução minha).

Convém advertir que as Ratios nacionais devem ser elaboradas pelas Conferências Episcopais, observando a Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, à qual nos referimos anteriormente.

6. Um dos papéis do Bispo: velar sobre a formação doutrinal dos seminaristas

Nas diversas legítimas comunidades de fiéis que compõem esta sociedade visível que é a Igreja, deve haver um primeiro representante de Cristo na formação sacerdotal:

O primeiro representante de Cristo na formação dos sacerdotes é o bispo. Poder-se-ia dizer do bispo, de cada bispo, quanto nos diz o evangelista Marcos no texto, já várias vezes citado: “Chamou a Si aqueles que quis e eles foram ter com Ele. Constituiu Doze de entre eles que estivessem com Ele, e também para os enviar” (Mc 3, 13-14). Na realidade, a chamada interior do Espírito precisa de ser reconhecida como autêntico chamamento pelo bispo. Se todos podem “ir ter” com o Bispo enquanto Pastor e Pai de todos, podem fazê-lo de forma particular os seus presbíteros pela comum participação do mesmo sacerdócio e ministério: o Bispo, diz o Concílio, deve considerá-los e tratá-los como “irmãos e amigos”. O mesmo se pode dizer analogamente de quantos se preparam para o sacerdócio. A propósito do “estar com ele”, com o bispo, revelar-se-á muito significativo para as suas responsabilidades formativas com os candidatos ao sacerdócio, que o Bispo os visite frequentemente e de certa maneira “esteja” com eles (PDV 65).

Ortiz e Perez (1991, p. 182 – tradução minha), ao comentarem os órgãos de direção e formação dos seminários, sintetizam a respeito da responsabilidade dos bispos:

É claro que o primeiro responsável pela formação de seus sacerdotes é o bispo. A ele compete decidir tudo quanto concerne à alta direção do seminário, em conformidade com o Direito Universal e com o Plano de formação emanado pela Conferência Episcopal. Assim, ao bispo corresponde o direito e o dever de visitar pessoalmente e com frequência o seminário, de supervisionar a formação e o ensinamento que se ministram nele, e de se informar acerca da vocação, caráter e aproveitamento dos alunos (c. 259).

Segundo Cito (2002), o cânon 259 define a responsabilidade do bispo sobre os seminários de maneira análoga ao modo como fazia o Código de 1917, dando-lhe, além do estabelecido em outros cânones (235, § 1, 241, 243, 253 § 1, 257 § 2, 263, 264 § 1) todas as atribuições que concernem ao governo espiritual e material do seminário.

Por ser o primeiro responsável pela formação dos seminaristas, cabe então ao bispo, conforme institui o cânon 259 § 2, velar sobre os estudos filosóficos e teológicos:

O bispo diocesano ou, se se tratar de seminário interdiocesano, os bispos interessados, visitem eles mesmos os seminários com frequência, velem sobre a formação dos seus alunos, como também sobre o ensino filosófico e teológico aí ministrado; informem-se sobre a vocação, a índole, a piedade e o aproveitamento dos alunos, sobretudo em função do conferimento das ordens sagradas.

Este parágrafo manifesta a responsabilidade pessoal que o bispo tem sobre a formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio. O fato de ele se valer da colaboração dos superiores do seminário para desempenhar esta função que a ele cabe, não o exonera do dever de intervir pessoalmente nesta formação.

7. Moderatum Studiorum

Apesar de o bispo ser um dos grandes responsáveis pela formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio, ele pode e deve fazê-lo por meio da criação de algumas funções e ofícios. O atual Código e a Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, a qual nos referimos anteriormente, elenca alguns moderadores que devem ser nomeados para os seminários, entre os quais o prefeito ou moderador dos estudos (cânon 254), a quem caberia o dever de velar para que haja verdadeira unidade na doutrina ensinada pelos professores:

Todos eles [os professores] exercem um verdadeiro ofício na Igreja por mandato, e devem ser solícitos para manter a unidade e harmonia de toda a doutrina, de tal modo que os alunos não sejam simples receptores, mas que os ensine a pensar (c. 254 § 2). Por esta razão deveria haver um prefeito ou moderador de estudos (cc 254 § 1, 261, § 2) com uma dupla função: prestar atenção na unidade e harmonia da doutrina da fé e ajudar o reitor na coordenação dos professores. Nada obsta para que este cargo possa ser desempenhado por um sacerdote professor já jubilado nas classes (RUIZ et al, 2006, p. 202).

Esta figura, segundo os comentários de Hortal (2008, p. 141), “é nova na legislação canônica comum, embora de longa tradição em muitas instituições”. Sua missão, considera Cito (2002), consiste em dispor o plano de estudos dos seminaristas, por meio de uma ação de estímulo, coordenação e vigilância junto aos professores, a fim de proporcionar aos candidatos uma formação teológica mais orgânica, sintética e íntegra.

A Pastores dabo vobis, 54, insiste para que os alunos sejam ajudados a realizar uma síntese que lhes favoreça possuir uma visão completa e unitária das verdades reveladas por Deus, em Jesus Cristo, e da experiência de fé da Igreja. Por isso, o prefeito de estudos deve empenhar-se para que os seminaristas conheçam todas as verdades cristãs de modo orgânico, sem fazer opções arbitrárias.

Devido à importância da formação intelectual e doutrinal dos seminaristas, o § 2 do cânon 261 confia uma competência específica ao moderador dos estudos e ao reitor, no que tange ao devido cumprimento do cargo dos professores:

Cân. 261 § 2. O reitor do seminário e o diretor dos estudos cuidem com diligência que os professores cumpram devidamente o seu ofício, de acordo com as Diretrizes básicas para a formação sacerdotal e com o regulamento do seminário.

8. Os professores do seminário

Entre os que devem compor o seminário, encontram-se os que se destinam a ministrar a formação doutrinal aos seminaristas, de acordo com a prescrição do cânon 239 § 1:

Cân. 239 § 1. Em cada seminário haja o reitor que o presida, e, se for o caso o vice-reitor, o ecônomo e, se os alunos fazem os estudos no próprio seminário, também professores que ensinem as diversas disciplinas coordenando-as entre si.

Segundo o que nos explica Davide Cito (2002, p. 232 – tradução minha) a respeito dessa prescrição, “o cânon descreve os principais ofícios destinados a dirigir a vida do seminário. Os titulares destes ofícios se apresentam como os colaboradores mais diretos do bispo na tarefa de formar o clero de sua diocese”. É verdade que o cânon menciona os professores que desenvolvem seu ofício dentro dos próprios seminários. O que não quer dizer que os demais não atuem também como longa manus do bispo no que tange à formação doutrinal. Ao menos, é o que se pode concluir de um dos trechos da Pastores dabo vobis, 67:

Todos quantos introduzem e acompanham os futuros sacerdotes na sacra doutrina, por meio do ensino da teologia, assumem uma particular responsabilidade educativa, que a experiência demonstra ser muitas vezes mais decisiva, no desenvolvimento da personalidade presbiteral, que a dos outros educadores.

É tal a importância que se deve dar ao cargo de professores das disciplinas filosóficas, teológicas e jurídicas em um seminário, que cabe aos bispos interessados a nomeação deles. Ademais, todos eles devem ser doutores, ou ao menos licenciados em alguma universidade, ou faculdade, aprovada pela Santa Sé:

Cân. 253 § 1. Para o encargo de professor nas disciplinas filosóficas, teológicas e jurídicas, sejam nomeados pelo bispo ou pelos bispos interessados somente os que, eminentes em virtudes, tenham conseguido doutorado ou licença numa universidade ou faculdade reconhecida pela Santa Sé.

Nas explicitações que a esse respeito desenvolve Gianfranco Ghirlanda (2007), afirma-se a necessidade de consulta ao reitor e ao colégio de professores já existente, para a nomeação dos professores de um seminário, bem como a possibilidade de proposta de candidatos por parte desses. E ainda acrescenta:

O código não diz nada se esses professores devem ser só clérigos, ou se podem ser também leigos, mas a RFIS 33 determina que para o ensino das disciplinas sagradas estes sejam normalmente sacerdotes. Portanto, excepcionalmente para ensinar essas matérias, podem ser nomeados leigos.

As normativas atuais se distinguem inteiramente do que definia o cânon 1360 § 1 do Código de 1917, que preceituava a obrigatoriedade da condição sacerdotal para os professores. Entretanto, os professores leigos não deixam de estar submetidos à autoridade eclesiástica.

Para delimitar o alcance do cânon [253] é preciso observar com caráter preliminar que, ao ser o seminário uma estrutura pública própria da organização eclesiástica, ainda que o cânon contemple diretamente os professores de disciplinas filosóficas, teológicas ou jurídicas, coloca também os professores de outras matérias em uma situação de particular dependência da autoridade eclesiástica e, portanto, a eles se aplica analogamente a normativa prevista para os docentes das disciplinas sagradas.

É preciso dizer, em segundo lugar, que o fato de os alunos do seminário realizarem em outro lugar os estudos filosófico-teológicos não míngua a responsabilidade de vigilância que tem o bispo e os superiores sobre a qualidade do ensino ministrada aos seus próprios seminaristas, e ainda que não possuam o poder de remoção indicado no § 3, têm o dever de informar as autoridades acadêmicas sobre as eventuais irregularidades que se verifiquem nos professores (CITO, 2002, p. 271).

Outro requisito que aparece no cânon 253 para a nomeação dos professores de um seminário, é que estes sejam eminentes em virtudes:

Em particular, a especificidade e o êxito formativo dos professores de teologia mede-se pelo fato de eles serem, antes de mais, homens de fé e cheios de amor pela Igreja, convencidos de que o sujeito adequado do conhecimento do mistério cristão continua a ser a Igreja enquanto tal, persuadindo-se, portanto, de que a sua tarefa de ensinar é um autêntico ministério eclesial, serem ricos de sentido pastoral para discernir não só os conteúdos mas também as formas adequadas para o exercício deste ministério. Particularmente se requer dos professores a fidelidade plena ao Magistério. De fato, ensinam em nome da Igreja e por isso são testemunhas da fé (PDV 67).

Por isso, os professores devem estar compenetrados da grande responsabilidade a eles distinguida, de serem formadores, nada mais, nada menos, de futuros ministros sagrados.

Essa consciência deve ser mostrada em seu sensus Eclesiae e no obséquio para com o magistério. É verdade que os professores devem ter a peito o progresso doutrinal, gozando da devida liberdade de pesquisa. Mas, levando em conta os diversos graus de certeza teológica, devem claramente ensinar aquilo que deve ser aceito como doutrina de fé, e distinguir disso o que é opinião de outros autores ou até pessoais (GHIRLANDA, 2007, p.138).

Podemos encontrar sólidas sustentações para essas explicitações de Ghirlanda na Instrução publicada pela Congregação para a doutrina da fé, Donun Veritatis:

A vontade de apresentar fielmente os ensinamentos do Magistério sobre as questões de per si irreformáveis deve ser a regra. No entanto, um teólogo pode, conforme a situação, levantar questões sobre a atualidade, a forma, ou até mesmo o conteúdo das intervenções magisteriais. Neste caso, o teólogo vai precisar, em primeiro lugar, avaliar com precisão a autoridade dos ensinamentos expressos, de acordo com a natureza dos documentos, a insistência com que a doutrina é repetida, e a maneira como foi expressa (Donun Veritatis, 24 de maio de 1990, n. 24, in AAS 82, 1990, 1550-1570 − tradução minha).

Concluindo, podemos sintetizar os requisitos de caráter pessoal que devem constar nos professores dos seminários basicamente em três: reta doutrina, testemunho de vida cristã e capacidade pedagógica (CITO, 2002). Desta maneira, torna-se mais clara a prescrição do cânon 833, 6º, de que os professores de filosofia e teologia estejam obrigados a emitir a profissão de fé e juramento de fidelidade na presença do Ordinário do lugar ou um representante seu. Também se pode compreender melhor o § 3 do cânon 253, que, em consonância com o cânon 810, § 1, prescreve a remoção do ofício de professor pela autoridade competente, para aqueles que faltem gravemente ao seu dever: “Can, 253 § 3. Magister qui a munere suo graviter deficiat, ab auctoritate, de qua in § 1, amoveatur.[2]

A respeito do quadro de professores que deve compor a formação dos seminaristas, o § 2 do mesmo cânon parece reforçar as determinações do Código anterior, cânon 1366, pois também prescrevia distintos professores para cada uma das disciplinas fundamentais.

Cân. 253 § 2. Cuide-se que sejam nomeados professores distintos para o ensino da Sagrada Escritura, teologia dogmática, teologia moral, liturgia, filosofia, direito canônico, história eclesiástica e de outras disciplinas que devem ser dadas segundo método próprio.

Por fim, convém ressaltar o quanto todos os componentes da equipe de formação dos seminários, incluindo os professores, são solidariamente responsáveis para que se observem fielmente as normativas prescritas para tal finalidade.

O professor de teologia, como qualquer outro educador, deve permanecer em comunhão e colaborar cordialmente com todas as outras pessoas empenhadas na formação dos futuros sacerdotes e apresentar com rigor científico, generosidade, humildade e paixão, o seu contributo original e qualificado, que não é apenas a simples comunicação de uma doutrina — mesmo sendo a sacra doctrina —, mas é sobretudo a oferta da perspectiva que unifica no desígnio de Deus, os diversos conhecimentos humanos e as várias expressões de vida (PDV 61).

É o que se depreende do cânon 261 § 1:

O reitor do seminário e também, sob sua autoridade os moderadores e professores, na parte que lhes compete, cuidem que os alunos observem fielmente as normas prescritas pelas Diretrizes básicas da formação sacerdotal e pelo regulamento do seminário.

ADRIANO, Carlos. in: in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 9, Out-Dez 2009. p. 83-102.

Referências Bibliográficas

ARRIETA, Juan. in: Manual de derecho canónico. 2. ed. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra – EUNSA, 1991.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA: Edição revisada de acordo com o texto oficial em latim. 9. ed. São Paulo: Loyola, 2006.

CENALMOR, Daniel; MIRAS, Jorge. El Derecho de la Iglesia: Curso Básico de Derecho Canónico. Quito: Corporación de Estudios y Publicaciones, 2004.

CITO, Davide. in: Comentario exegético al Código de Derecho Canónico. 3. ed. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra – EUNSA, 2002.

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO: Codex Iuris Canonici. Bilingue. 17. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

COMPÊNDIO do Catecismo da Igreja Católica. Tradução de Orlando MOREIRA, Marcelo PERINE. São Paulo: Loyola; Paulus, 2005.

ENCHIRIDION: La Formación Sacerdotal: Documentos de la Iglesia sobre la Formación Sacerdotal. Madrid: Editorial EDICE, 1999.

GHIRLANDA, Gianfranco. Introdução ao Direito Eclesial. Tradução de Roberto Leal FERREIRA. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

HORTAL, Jesús. Código de Direito Canônico. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

RINCÓN-PEREZ, Tomás. in: Manual de derecho canónico. 2. ed. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra – EUNSA, 1991.

RUIZ, Teodoro et al. Derecho Canónico: El Derecho del Pueblo de Dios. V. 1. Madrid: BAC, 2006.


[1] “Outro problema, sentido sobretudo onde os estudos seminarísticos são confiados a instituições acadêmicas, diz respeito à relação entre o rigor científico da teologia e o seu objetivo pastoral, e, por conseguinte, à natureza pastoral da teologia. Trata-se, na realidade, de duas características da teologia e do seu ensino, não se opõem entre si, antes concorrem ambas, ainda que em perspectivas diversas, para uma “inteligência da fé” mais completa. Efetivamente a pastoralidade da teologia não significa uma teologia menos doutrinal, ou inclusivamente destituída da sua cientificidade; significa antes que essa teologia habilita os futuros sacerdotes a anunciar a mensagem evangélica através dos modos culturais do seu tempo e a considerar a ação pastoral segundo uma autêntica visão teológica. E assim, por um lado, um estudo respeitador da cientificidade rigorosa de cada uma das disciplinas teológicas contribuirá para uma mais completa e profunda formação do pastor de almas como mestre da fé; por outro, a adequada sensibilidade ao objetivo pastoral tornará verdadeiramente formativo para os futuros sacerdotes o estudo sério e científico da teologia”. (PDV 55)

[2] Tradução: Cân. 253 § 3. O professor que faltar gravemente em seu ofício, seja destituído pela autoridade mencionada no § 1.

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