Santidade segundo o carisma e a espiritualidade carmelitanos

sta-teresinhaPe. Alex Brito, EP

O carisma carmelitano, sem escapar da definição geral proposta pela Doutrina Católica, possui particularidades que cumpre serem ressaltadas aqui.

Uma delas é a idéia de um Deus absoluto com leis absolutas, o qual governa o universo com bondade e misericórdia, sem deixar de exercer sua justiça para com aquelas criaturas que obstinadamente fogem de Seu Amor Misericordioso que constantemente as atrai para Si. O que trás como conseqüência lógica um desejo de reparação através de uma vida inteiramente dedicada ao seu serviço. É a isso que se refere implicitamente Berardino (1995: 75) ao falar sobre o primado de Deus na vida do carmelita. Para tanto, toma como arquétipo Maria Santíssima, a qual de tal maneira tinha a Deus como centro absoluto de sua vida, que mereceu conter o Verbo de Deus em seu claustro virginal, e a respeito da qual afirmam as Escrituras: “Sua mãe guardava todas estas coisas em seu coração”[1] (BÍBLIA SAGRADA, 2002: 1349), significando a maneira com que ela se dispunha a cumprir inteiramente a missão que lhe foi confiada, acompanhando todos os acontecimentos relacionados ao seu Divino Filho com grande atenção, tal era o seu ardente desejo de dedicar-se inteiramente a Ele.

Do que foi dito acima concluímos pertencer à tônica do carisma carmelitano um grande zelo pela glória de Deus, que se traduz num não menor zelo pela reparação de tantas ofensas perpetradas contra ela, e pela salvação das almas. O zelo ardoroso é o que define tal espiritualidade, que toma como protótipo o Profeta Elias, o qual ao ser interpelado por Deus no alto do Monte Horeb, respondeu-lhe: “Estou devorado de zelo pelo Senhor, o Deus dos Exércitos”[2] (BIBLIA SAGRADA, 2002: 392).

Outro aspecto relevante diz respeito ao despojamento de si mesmo que caracteriza o espírito carmelitano. Sem assumir os extremismos a que chegaram certas correntes quietistas que transformaram o processo de santificação numa espécie de busca nihilista muito semelhante em seus aspectos essenciais a certas religiões orientais, em especial o budismo, tem bem presente diante de si a vacuidade das criaturas contingentes com as quais se depara, procurando esvaziar-se de todo apego desordenado a elas, com o objetivo de aderir com todas as veras da alma ao Único Necessário. Para o Carmelita, tal busca é inspirada pelo próprio Deus, e trás como resposta a ação divina, ora por meio de purificações dolorosas, ora por meio de graças especialíssimas de consolação que conduzem certas almas privilegiadas até, usando a expressão de Saint-Laurent (1997), às alturas vertiginosas dos êxtases.

Faz-se preciso salientar que tais favores extraordinários não devem ser o objetivo final de uma alma autenticamente carmelitana, mas somente meios através dos quais a Providência lhe manifesta o seu apreço e a incentiva à perseverança. Para o carmelita, antes de tudo, tais favores não consistem na santidade, mas são uma via posta por Deus para alcançá-la. A santidade consiste antes de tudo na vontade inteiramente voltada para o Altíssimo, mesmo em meio aos mais atrozes sofrimentos e obscuridades. Amar não significa sentir amor, significa querer amar, viver o amor, morrer de amor. O principal favor que uma alma imbuída dessa espiritualidade deseja possuir é o amor de Deus, mesmo que para tanto se faça necessário o mais duro dos sacrifícios, ou seja, o absurdo da rejeição por parte de Deus. Mesmo se tal se sucedesse, o que é de potentia Dei ordinata[3] impossível, a alma continuaria a amá-lo com todas as suas veras.

Tal ideal parece mergulhar na impossibilidade diante da realidade do instinto de conservação que pertence à natureza humana. Entretanto, pode ser alcançado, desde que a pessoa humana se abandone inteiramente nas mãos de Deus. E é o abandono um dos pontos que mais merece destaque no carisma carmelitano.

Um outro aspecto interessante reside no fato de esse amor ser uma fonte de inspiração para uma vida autenticamente apostólica, pois o zelo pela glória de Deus trás como conseqüência o desejo de vê-lo inteiramente servido pela universalidade dos homens, porque a alma se dinamiza ao perceber tal não ser ainda realidade. É por esta causa que Saint-Laurent (1997) chama Santa Teresa de Ávila a Santa do Apostolado.


[1] Lc 2, 51

[2]1Rs 19,10

[3] Expressão latina que se refere ao poder de Deus ordenado a um fim por Ele estabelecido.

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