A história do sacerdócio no contexto bíblico

ord-diaconalMs. Thiago Geraldo

Antes mesmo da instituição do sacerdócio na Bíblia, outros povos exerciam esta função, formando uma hierarquia organizada e hereditária; assim descreve George (1972, p. 924) esse aspecto:

“Entre os povos civilizados que cercam Israel, a função sacerdotal é muitas vezes exercida pelo rei, notadamente na Mesopotâmia e no Egito; o rei é então assistido por um clero hierarquizado, no mais das vezes hereditário, que constitui uma verdadeira casta. Não há nada disso entre os patriarcas. Não existe então nem templo, nem sacerdotes especializados do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”.

No Antigo Testamento as fontes sacerdotais são de dois tipos: de forma narrativa e de leis (Cf. BORN, p. 1351). Numa primeira visualização acerca do sacerdócio no contexto bíblico, não se encontra o aspecto sacrifical ― que depois veio a ser exercido ―, mas o serviço da adivinhação (Cf. Jz 17,5; 18,5-6; 1 Sm 14,36-42) e a instrução sobre a Torá (Cf. Dt 27,9-10; 31,10-13). Segundo Monloubou (2003, p. 704): “Tanto quanto os profetas, os sacerdotes são moralistas que ensinam o povo a se dispor ao culto e a prolongar os efeitos por uma conduta digna”. Ademais, os chefes de cada família tinham o poder de sacrificar (Cf. Gn 8, 20; 31,54) aliás, como foi o caso do próprio Jetro ― sogro de Moisés ― que ofereceu holocausto e sacrifício no Sinai, depois comeu com Aarão e os anciãos de Israel (Cf. Ex 18,12).

A origem levítica provavelmente remonta a um ramo sacerdotal oriundo de Cades, com os quais Moisés mantinha relações firmes (BROWN, p. 287-288). Eles alegavam possuir a origem sacerdotal exclusiva (Ex 32, 25-28; Dt 33, 8-11). Juridicamente não possuíam terras (Cf. Dt 10, 9), por serem da tribo escolhida, mas zelavam pela tradição das leis sagradas dentro do povo (Cf. Dt 27, 14-26; 31, 24-28). A pessoa de Moisés era considerada levita (Cf. Ex 2, 1-2).

Sobre a origem levítica de Aarão ocorrem controvérsias. Em Ex 4, 13-16 ele é considerado levita e irmão de Moisés; no entanto, ora se torna intercessor junto a Moisés (Nm 12, 11-12), ora assume a condição de sacerdote de um bezerro de ouro idolátrico (Ex 32, 1-5). Este fato ligado à contenda entre Roboão e Jeroboão faz com que Aarão seja uma espécie de precursor do sacerdócio em Betel, pois Jeroboão também construiu um bezerro de ouro em Betel e outro em Dã e estabeleceu sacerdotes do meio do povo que não eram levitas (Cf. 1 Rs 12, 28-33).

Num período pré-monárquico em que ainda não havia rei, cada qual fazia o que lhe parecia melhor; foi assim que Mica, da montanha de Efraim, convidou um levita para tornar-se seu sacerdote, após a fundição de um ídolo com 200 moedas de prata encomendado por sua mãe (Cf. Jz 17). A imagem fundida com as 200 moedas e o sacerdote levita foram mais tarde sequestrados pela tribo de Dã, que queria estabelecer-se na cidade de Laís. O levita alegrou-se por se tornar como que pai e sacerdote de uma tribo em vez de uma família. Jônatas, filho de Gerson, filho de Manassés, constituiu-se, juntamente com seus filhos, sacerdote da tribo de Dã até o dia do cativeiro. O que tem como intento a legitimidade do sacerdócio, remontando-o até Moisés. Isto se passou enquanto a casa de Deus estava em Silo (Cf. Jz 18), onde Eli desempenhava o ofício sacerdotal por meio de sacrifícios e holocaustos (Cf. 1 Sm 1, 3). Após o declínio da família de Eli, tem-se notícia de uma cidade sacerdotal em Nobe. O chefe desta família, o sacerdote Aquimelec, dá alimento a Davi e seus companheiros. Por esse motivo, Saul determina que toda sua família seja exterminada, exceto Abiatar que se refugia com Davi (Cf. 1 Sm 22, 6-23).

Entrando no período monárquico, o sacerdócio ganha estruturação e a partir daí o culto no Templo torna-se vigoroso (Cf. BROWN, p. 288). Salomão organiza a estrutura de seu reino e com isso o culto fica centralizado no Templo em Jerusalém (Cf. 1 Rs 4, 1-6). No entanto, com o cisma samaritano os cultos locais ganham novamente realce (Cf. 1 Rs 12, 25-33). Nessa época o sacerdócio e a monarquia tinham uma firme aliança, como mostra o massacre dos filhos de Acab, no qual Jeú extermina a todos, inclusive os sacerdotes que serviam o rei (Cf. 2 Rs 10, 11). Isto não se passava somente em Israel, mas também em Judá, como o caso do refugiado Joás, que ficou seis anos escondido no Templo e depois, com a conspiração do sacerdote Jojada, torna-se rei (Cf. 2 Rs 11).

As classes sacerdotais formadas em comunhão com a monarquia foram respectivamente deportadas pelos conquistadores de seus reinos. Israel caiu com a invasão assíria e colonos se estabeleceram na Samaria (Cf. 2 Rs 17, 23). Algum tempo depois, sacerdotes são trazidos da deportação para ensinar a religião aos colonos (Cf. 2 Rs 17, 27-28), Judá é conquistada por Nabucodonosor e Sedecias, deportado para a Babilônia (Cf. 2 Rs 25, 7). Inclusive o sumo sacerdote Saraías e Sofonias, segundo sacerdote, são levados para o cativeiro (Cf. 2 Rs 25, 18).

Um passo importante para o sacerdócio de Judá, ocorrido antes da deportação para a Babilônia, deu-se com a descoberta do livro da aliança no Templo, pelo sumo sacerdote Helcias. Após as palavras da profetisa Holda, o rei Josias promoveu uma reforma geral no culto: renovando a aliança com Deus, ele ordenou a Helcias, aos sacerdotes de segunda ordem e aos porteiros que limpassem o Templo de todos os objetos idolátricos que lá havia; despediu os sacerdotes idólatras e os que adoravam os astros do céu e mandou profanar os lugares que tinham sido objeto de culto idolátrico, unificando, dessa forma, o culto ao Deus verdadeiro no templo de Jerusalém (Cf. 2 Rs 22;23, 1-28).

Na época exílica, com a condensação da lei sacerdotal levítica, ficou assegurado que a tribo sacerdotal por excelência seria a de Levi (Cf. Nm 18, 1-7), e mesmo assim nem todos os levitas seriam sacerdotes (Cf. 1Cr 23 , 2). A Aarão e seus filhos ficou reservada a função de sumo sacerdote (Cf. Ex 29, 29-30). No entanto, Ezequiel, ao divisar o “novo Israel” (capítulos 40-48) recorda que os levitas abandonaram o culto verdadeiro para seguir a ídolos, por isso, apenas teriam funções menores dentro do Templo (Cf. Ez 44, 10-14). Os cargos mais importantes, inclusive o de sumo sacerdote, estão reservados aos levitas descendentes de Sadoc, que permaneceram fiéis ao santuário enquanto os israelitas se afastavam (Cf. Ez 44, 15-16). Sadoc foi sacerdote pré-davídico da linhagem de Eleazar, filho de Aarão (Cf. 1 Cr 24, 1-3). Segundo Born (2004, p. 1352):

“Sob Davi aparece uma nova família, a de Sadoc, de origem obscura, mas na tradição sacerdotal ligada com Eleazar, filho mais velho de Aarão. Essa família suplantou a de Eli (1 Sm 2, 27-36) e outras que eram consideradas como descendentes do terceiro e do quarto filhos de Aarão, Nadab e Abiu, e obteve afinal a hegemonia em Jerusalém”.

A reconstrução pós-exílica levou em conta esta declaração de Ezequiel, o que tornou os sadoquitas sacerdotes principais, enquanto à descendência de Arão coube a parte do sacerdócio comum e os genitores levitas ficaram sendo os servos do Templo (Cf. BROWN, p. 288). Além da restauração e centralização do culto no Templo, a leitura e explicação da lei passou a ter um realce cada vez maior. Agora não só o aspecto sacrifical era preponderante, mas a especialização legalista das Escrituras Sagradas se torna cada vez mais relevante (Cf. Ne 8). Essa concepção legalista mais tarde ultrapassa a própria dignidade sacerdotal.

À época do Messias, os sacerdotes já estavam categorizados segundo normas anteriores. Para os sacerdotes comuns havia 24 divisões de serviços (Cf. 1 Cr 24), os quais poderiam exercer outras funções no tempo vago. Geralmente faziam as leituras e explicações da Torá nas sinagogas e eram encarregados das questões de pureza ritual (Cf. Lv 11-15). A hierarquia estabelecida funcionava de forma hereditária. Portanto, a separação entre os sacerdotes principais e os sacerdotes comuns era bem acentuada. Os levitas dessa época que deveriam viver em cidades levíticas (Cf. Lv 21), tinham como funções a de cantores (Cf. 1 Cr 6, 16-17) e demais serviços do Templo (Cf. 1 Cr 6, 33-34).