Partida e permanência de Cristo

Pe. Alex Barbosa de Brito, EP

Ao chegar a plenitude dos tempos, a Luz verdadeira iluminou a obscuridade: “et Verbum caro factum est”[1], erguendo Sua tenda[2] no meio de nós.” (Jo 1,14). Deus, que “habita numa luz inacessível” (1 Tm 6,16), vem ao encontro do homem, mostra-Lhe sua humana face, “para acostumar o homem a apreender a Deus e acostumar Deus a habitar no homem.” (Irineu de Lião, Adv. Haer. III, 20,2).

Entretanto, concluída a missão terrena de Jesus, o Céu reclama o seu Rei. Depois de combater longamente, é chegada a hora do triunfo. São Pedro Julião Eymard[3] (2002, p. 44) afirma que Jesus “não quer abandonar sua nova família, os filhos que acaba de gerar: ‘Vou-me e venho a vós’, diz aos apóstolos.”

Partindo, permaneceu! “Jesus terá dois tronos, um de glória no Céu, outro de mansidão e de bondade na terra. Duas cortes: a corte celeste, triunfante, e a corte terrestre, composta daqueles que foram remidos por Ele.” (EYMARD, 2002, p. 44). Admirável, ousada e segura é a afirmação do santo da Eucaristia: “se não fosse possível permanecer simultaneamente cá e lá, havia de preferir ficar na terra conosco, a voltar ao Céu sem nós.” (Ibidem).

De fato, alguém que tivesse assistido ao desenrolar paulatino de todos os episódios da Paixão de Cristo, movido por fé e compaixão, e soubesse também de sua ressurreição e visse sua ascensão aos céus, poderia legitimamente pôr-se uma série de conjecturas: “Será que Ele vai voltar? Quanto tempo demorará? Ou será que Ele nunca mais virá à terra? Até o fim do mundo ninguém mais o verá? Depois dessa paixão tão cruel, das maravilhas da ressurreição e ascensão, será que poderá ficar ausente do convívio daqueles por quem tanto fez?” Oh! Ele disse que seria necessário partir para que fosse enviado o Consolador (Jo 16,7), mas prometeu permanecer junto dos homens: Ego vobiscum sum omnibus diebus usque ad consummationem saeculi (Mt 28,20).

Seria inadmissível que tivesse deixado definitivamente de conviver com os homens. Tudo clamava para que o Senhor não se separasse deles. Teria de haver algum modo de, partindo, permanecer, sem se perder nada de seu convívio. Esse paradoxo teria solução?

Na Carta Encíclica Dominum et vivificantem[4], João Paulo II ensina que esse voltar e permanecer de Cristo é obra do Espírito Santo: “Cristo, que partiu na humanidade visível, vem, está presente e atua na Igreja de forma tão íntima que faz dela o seu corpo” (DV 61) e “a expressão mais completa da ‘partida e permanência’ de Cristo, por meio do mistério da Cruz e da Ressurreição, é a Eucaristia” (DV 62). Só um Deus sumamente amoroso poderia arquitetar tão sublime solução.

Texto extraído e adaptado do trabalho de dissertação na disciplina de Direito Canônico apresentado no Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico


[1] “Da parte de Deus a última palavra foi dada: o seu Verbo eterno, que se entregou por nós” […] e na Eucaristia temos perenemente, no corpo ferido, no sangue derramado, a real e eficiente presença da sua última palavra, o “Sim” de Deus. “Na antropologia hebraica, termos como “carne” ou “corpo” não descrevem divisões ou dicotomias no homem. Significam, antes, o homem todo, considerado sob um determinado aspecto. O pedaço de pão distribuído por Jesus significa para os discípulos a certeza da presença de Jesus entre eles.” (EMANUEL BOUZON & KARL ROMER, A palavra de Deus, Ano B, p. 189).

[2] “O Logos presente no mundo como luz rejeitado pelos homens toma a carne humana, torna-se um homem: kai o logos sarx egeneto (kai logoV sarx egeneto) e o ‘Logos se fez carne’ (v. 14ª). O termo sarxsarx – (em hebraico, basar) designa na antropologia bíblica justamente o elemento de fraqueza e caducidade no homem. O Logos tornou-se perfeitamente solidário com o gênero humano (cf. 1 Jo 4,9 s; Gl 4,4s). Ele, que desde o início em pròs tòn Theón – “estava com Deus” – em determinado momento da história salvífica eskhnwsen en hmin (eskhnwsen en hmin): “lançou sua tenda entre nós” (cf. v. 14 b. O verbo eskhnóo (eskhnwo) indica justamente a ação do beduíno que arma a tenda.) (BOUZON & ROMER, Ano A, p. 42-43).

[3] EYMARD, Pedro Julião. In Escritos e Sermões: A Divina Eucaristia.  Trad. do francês de Mariana Nabuco.  Taubaté: Impresso pelas Irmãs Sacramentinas, distribuído pela Loyola.

[4] IOANNES PAULUS PP. II DOMINUM ET VIVIFICANTEM sobre o Espírito Santo na Vida da Igreja e do Mundo. Datada de 18 mai. 1986. Vide Referências Bibliográficas.