Lembra-te, homem, de que és pó

Mons. João S. Clá Dias, EPMuerte Catedral de Salamanca 004

Por meio do Ciclo Litúrgico, com sabedoria e didática, rememora a Igreja ao longo do ano os mais importantes episódios da existência terrena do Verbo Encarnado. As solenidades da Anunciação e do Natal, as comemorações do Tríduo Pascal e da Ascensão de Nosso Senhor aos Céus, entre outras, compõem um variado caleidoscópio, apresentando à piedade dos fiéis diferentes aspectos da infinita perfeição de nosso Redentor. As graças dispensadas pela Providência em cada um desses momentos históricos revivem, de certo modo, e se derramam sobre aqueles que devotamente participam dessas festividades.

Precedendo as solenidades mais importantes — o Nascimento do Salvador e sua Paixão, Morte e Ressurreição — a Igreja destina dois períodos de preparação: o Advento e a Quaresma, pois convém que, para celebrar tão elevados e sublimes mistérios, os fiéis purifiquem suas almas das misérias e apegos, tornando-as mais aptas a receber as dádivas celestes.

Na Quarta-Feira de Cinzas têm início os quarenta dias que antecedem a Semana Santa. As três leituras desse dia — uma passagem do Profeta Joel, um trecho de uma epístola de São Paulo e outro do Evangelho — nos falam da necessidade do jejum e da penitência como meios de melhor combater os vícios, pela mortificação do corpo, e propiciar a elevação da mente a Deus. Pois, segundo nos ensina o Papa São Leão Magno, “nós nos mortificamos para extinguir em nós a concupiscência. E o resultado da mortificação deve ser o abandono das ações desonestas e dos desejos injustos”.

Como mais adiante veremos, os textos litúrgicos em questão fazem referência, sobretudo, a um tipo de penitência que agrada especialmente a Deus e que é essencial para nossa vida espiritual. Trata-se de evitar os exageros do amor próprio, procurando não atrair as atenções dos outros sobre si mesmo, de maneira que a alma, limpa e ornada da virtude da humildade, ofereça ao Senhor um sacrifício de agradável perfume.

De forma cogente, a liturgia da Quarta-Feira de Cinzas recorda-nos também nossa condição de mortais: “Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris — Lembra-te, homem, de que és pó e ao pó hás de voltar”, diz, de modo categórico, uma das duas fórmulas usadas pela Igreja para a imposição das cinzas.2 Após a cerimônia, a fronte dos fiéis fica marcada por um traço escuro cujo aspecto trágico e carente de beleza parece proclamar:  “De uma hora para outra, podemos ser levados pela morte, retornando ao pó!”.

A consideração da árdua passagem desta vida para a eternidade muitas vezes nos inquieta. Entretanto, tal pensamento é altamente benfazejo para compenetrar-nos da necessidade de evitar o pecado que, sem o arrependimento e o imerecido perdão, poderá fechar-nos, para sempre, as portas do Céu: “Lembra-te de teu fim, e jamais pecarás” (Eclo 7, 40).

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