Sermão do Primeiro Domingo do Advento (1655) – PADRE ANTÓNIO VIEIRA

pe-antonio-vieiraTudo passa, e nada passa. Tudo passa para a vida, e nada para a conta. A verdade e desengano de que tudo passa (que é o nosso primeiro ponto) posto que seja por uma parte tão evidente, e que parece não há mister prova., é por outra tão dificultoso, que nenhuma evidência basta para o persuadir. Lede os filósofos, lede os profetas, lede os apóstolos, lede os santos padres, e vereis como todos empregaram a pena, e não uma senão muitas vezes, e com todas as forças da eloqüência, na declaração deste desengano, posto por si mesmo tão claro.

Sabiamente falou quem disse que a perfeição não consiste nos verbos, senão nos advérbios: não em que as nossas obras sejam honestas e boas, senão em que sejam bem feitas. E para que esta condicional tão importante se estendesse também às coisas naturais e indiferentes, inventou o apóstolo S. Paulo um notável advérbio. E qual foi? Tanquam non, como senão: Ut qui habent uxores, tanquam non habentes sint: et qui flent, tanquam non flentes: et qui gaudent, tanquam nan gaudentes: et qui emunt, tanquam non possidentes: et qui utuntur hoc mundo, tanquam non utantur. Sois casado? (diz o apóstolo) pois empregai todo o vosso cuidado em Deus, como se o não fôreis. Tendes ocasiões de tristezas? pois chorai, como se não choráreis. Não são de tristeza, senão de gosto? pois alegrai-vos, como se não vos alegráreis. Comprastes o que havíeis mister, ou desejáveis? pois possuí-o, como se não possuíreis. Finalmente usais de alguma outra coisa deste mundo? pois usai dela, como se não usáreis. De sorte que quanto há, ou pode haver neste mundo, por mais que nos toque no amor, na utilidade, no gosto, a tudo quer S. Paulo que acrescentemos um, como se não, tanquam non. Como se não houvera tal coisa, como se não fora nossa, como se não nos pertencera. E por quê? Vede a razão:Præterit enim figura hujus mundi (3) . Porque nenhuma coisa deste mundo pára, ou permanece; todas passam. E como todas passam e são como se não foram, assim é bem que nós usemos delas, como se não usáramos: Tanquam non utantur. Por isso a essas mesmas coisas não lhes chamou o oráculo do terceiro céu coisas, senão aparências, e ao mundo não lhe chamou mundo, senão figura do mundo:Præterit enim figura hujus mundi.

Considerai-me o mundo desde seus princípios, e vêlo-eís sempre, como nova figura no teatro, aparecendo e desaparecendo juntamente, porque sempre está passando. A primeira cena deste teatro foi o paraíso terreal, no qual apareceu o mundo vestido de imortalidade, e cercado de delícias; mas quanto durou esta aparência? Estendeu Eva o braço à fruta vedada, e no brevíssimo espaço em que o bocado fatal passou pela garganta do homem, passou também com ele o mundo do estado da inocência ao da culpa, da imortalidade à morte, da pátria ao desterro, das flores aos espinhos, do descanso aos trabalhos, e da felicidade suma ao sumo da infelicidade e miséria. Oh miserável mundo, que se pararas assim, e te contentaras com comer o teu pão com o suor do teu rosto, foras menos miserável! Mas não serias mundo, se de uma miséria grande não passasses sempre, e por tua natural inclinação, a outra maior. Os homens naquela primeira infância do mundo todos vestiam de peles, todos eram de uma cor, todos falavam a mesma língua, todos guardavam a mesma lei. Mas não foi muita o tempo em que se conservaram na harmonia desta natural irmandade. Logo variaram e mudaram as peles com tanta diferença de trajos, que cada dia, dos pés à cabeça, aparecem com nova figura. Logo variaram e mudaram as línguas com tanta dissonância e confusão, como a da torre de Babel. Logo variaram e mudaram as cores com a diversidade das terras e climas, e com a mistura do sangue, posto que todo vermelho. Logo variaram e mudaram as leis, não com as de Platão, Sólon, ou Licurgo, mas com a do mais imperioso e violento legislador, que é o próprio alvedrio. Tudo mudaram, ou tudo se mudou, porque tudo passa.

As vidas naquele princípio costumavam ser de sete, de oito, de novecentos e quase de mil anos; e que brevemente se acabou este bom costume? Então o viver muitos séculos era natureza, hoje chegar, não a um século, mas perto dele, é milagre. Tardaram em passar até Noé, e também passaram. Com aquelas vidas não só cresciam os anos, senão também os corpos: e dos filhos de Deus, que eram os descendentes de Set, e das filhas dos homens, que eram as descendentes de Caim, nasceram os gigantes, de quem diz a Escritura: Erant gigantes super terram .Alguns ossos que ainda duram destes que o mesmo texto sagrado chama varões famosos, demonstraram pela simetria humana, que não podiam ser menos que de vinte, e mais côvados: e ainda na história das batalhas de Davi temos memória de outros quatro, posto que de muito menor estatura Mas, enfim, acabou a era dos gigantes; porque tudo nesta vida, e mais depressa o que é grande, acaba e passa.

Diminuídos os homens nos corpos e nas idades, quando tinham a morte mais perto da vista (quem tal crera! ) então cresceram mais na ambição e soberba. E sendo todos iguais e livres por natureza, houve alguns que entraram em pensamento de se fazer senhores dos outros por violência, e o conseguiram. O primeiro que se atreveu a pôr coroa na cabeça, foi Membroth, que também como o nome de Nino, ou Belo, deu princípio aos quatro impérios, ou monarquias do mundo. O primeiro foi o dos assírios e caldeus; e onde está o império caldaico? O segundo foi o dos persas; e onde está o império persiano? O terceiro foi o dos gregos; e onde está o império grego? O quarto, e maior de todos, foi o dos romanos; e onde está o império romano? Se alguma coisa permanece deste, é só o nome: todos passaram, porque tudo passa. Em três famosas visões representou Deus estes mesmos impérios a um rei, e a dois profetas. A primeira visão foi a Nabucodonosor na estátua de quatro metais; a segunda a Zacarias em quatro carroças de cavalos de diferentes cores; a terceira a Daniel em um conflito dos quatro ventos principais, que no meio do mar se davam batalha. Pois se todas estas visões eram de Deus e todas representavam os mesmos impérios, por que variou tanto a sabedoria divina as figuras, e sobre a primeira da estátua, tão clara e manifesta, acrescentou outras duas tão diversas em tudo? Porque a estátua, na dureza dos metais de que era composta, e no mesmo nome de estátua, parece que representava estabilidade e firmeza: e porque nenhum daqueles impérios havia de preservar firme e estável, mas todos se haviam de mudar sucessivamente, e ir passando de umas nações a outras; por isso os tornou a representar na variedade das carroças na inconstância das rodas, e na carreira e velocidade dos cavalos. Mas não parou aqui a energia da representação, como não encarecida ainda bastantemente. A estátua estava de pé, e as carroças podiam estar paradas. E porque aqueles impérios correndo mais precipitadamente que a rédea solta, não haviam de parar no mesmo passo, nem por um só momento, e sempre se haviam de ir mudando, e passando; por isso, finalmente, os representou Deus na causa mais inquieta, mudável, e instável, quais são os ventos, e muito mais quando embravecidos e furiosos: Et ecce quatuor venti cœli pugnabant in mari magno.

Sermões, col. Obras Imortais da Nossa Literatura,  Rio de Janeiro: Editora Três, 1974.

Deus é um Pai e uma Mãe

 Pe. José Victorino de Andrade, EP

A filiação, do latim filiatio – palavra da família de filius (filho) – significa o ato de filiar algo, ou seja, tornar filho. O termo afiliação, no Brasil, semanticamente, está relacionado a questões de reconhecimento e associação legais. Embora haja certa tendência para diferenciar afiliar – uma determinada associação entre duas pessoas (jurídicas) ou de alguém a uma determinada entidade –, e filiar – que é o ato de reconhecer, inclusive juridicamente, alguém como filho ou o vínculo relativamente a um grupo ou instituição –, ambos os termos são passíveis de uso, e possuem traços semânticos comuns. Postas de lado essas querelas linguísticas, o caminho fica livre para entender melhor a questão do ponto de vista sobrenatural.

E para tal, nada como partir da Sagrada Escritura, a fim de tomarmos as múltiplas riquezas aí presentes, que nos possibilitarão evidenciar desde logo a essência teológica de uma filiação adotiva:[1] esta se compreende à luz de Deus enquanto criador, por um inefável ato de sabedoria e amor, que se manifesta e comunica conosco à semelhança do amor de um pai para com o seu filho (cf. Os 11, 1), e até mesmo mais forte, se comparado ao de uma mãe (cf. Is 49, 14-15).

É pelo batismo que nos tornamos filhos de Deus, ao recebermos o Espírito, e é pela Confirmação que nos enraizamos mais profundamente na filiação divina. Por isso, São Paulo afirma na sua epístola aos Romanos que o Paráclito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus, fazendo-nos clamar: “Abbá, ó Pai!” (cf. Rm 8, 15-16). Sem a graça obtida no mistério Pascal, não participaríamos desta vida nova em Cristo.


[1] 1 Ver Ex 4,22-23; Dt 1,31; Sb 2, 18 e 18, 13; Os 11,1.

Ao abraçarem o pecado, os homens se fecham à luz procedente do Verbo

moco-ricoMons. João Clá Dias, EP

O Evangelho de São João, apresenta Cristo enquanto luz, vida e verdade, que se revela aos homens submersos nas trevas da ignorância e do pecado, e através dessa revelação, eleva-os à contemplação dos misteriosos e infinitos horizontes sobrenaturais da fé. Vemos, assim, o quanto é densa de significação essa aproximação que São João faz a respeito de vida e luz. Por outro lado, podemos deduzir até que ponto o pólo oposto estaria colocado na morte e trevas, não no sentido de que se possa considerá-las como uma potência incriada e em luta contra Deus como desejariam os maniqueus, ou os gnósticos, por exemplo. Mas de fato inteiramente aplicáveis aos que se blindam em relação à luz, ou seja, à Palavra de Deus, e depois de se lançarem nas trevas, acabam por conferir a morte ao seu espírito.

Se a vida se torna tal só quando se reconhece chamada por Deus e só nesta compreensão — de ser “luz” — é vida, é necessário que tenha também a possibilidade de recusar tal compreensão e tornar-se “trevas”. Trevas em S. João não significa, como no gnosticismo, uma substância eterna e contrária a Deus; mas é um ato histórico, isto é, a revolta que perpassa toda a história do homem contra o apelo da palavra divina e o fechar-se do homem em si mesmo. Por isso a condição do homem fechado em si e que procura manter essa orgulhosa auto-suficiência é caracterizada por João como matar a verdade e ser mentiroso (8, 30-47), buscar a glória (isto é, a luz aparente) dos homens em vez da glória (a verdadeira luz) de Deus (5,44; 7,18; 12,43)[1].

Em contraste com as “trevas”, compreendemos ainda melhor a pulcritude da “luz”, como também o porquê da afirmação de Jesus: “O teu olho é a luz de teu corpo. Se o teu olho for simples, todo o teu corpo será luminoso” (Mt 6, 22). De fato, pode-se assegurar que se teu olho é simples, teu interior será luminoso. Se tua intenção é reta, teu interior estará penetrado de luz. Se teu coração é puro, verá as coisas como realmente são. Assim, ter o interior luminoso significa ver as coisas em sua verdadeira luz, apreciá-las segundo seu justo valor, de dentro do prisma da eternidade e em função de suas relações com o Verbo de Deus.

Ao se perguntar Santo André de Creta, bispo, em seu sermão de Domingo de Ramos:

“Que luz é esta?”, respondeu logo a seguir com toda clareza: “Só pode ser aquela que ilumina a todo homem que vem ao mundo (cf. Jo 1,9). A luz eterna, luz que não conhece o tempo e revelada no tempo, luz manifestada pela carne e oculta por natureza, luz que envolveu os pastores e se fez para os magos guia do caminho. Luz que desde o princípio estava no mundo, por quem foi feito o mundo e o mundo não a conheceu. Luz que veio ao que era seu, e os seus não a receberam”[2].

Aí está esse Deus que “habita uma luz inacessível” (1 Tm 6, 16) na realização de Seu eterno desejo de comunicar Sua própria vida, “a luz dos homens” (Jo 1, 4). E daí se entende o porquê de os homens, quando abraçam o pecado, fecharem os olhos à luz procedente do Verbo, Vida de nossa vida, Luz de nossa inteligência. À salvação, prefere o pecador as desordenadas trevas de suas paixões, de suas más inclinações.

Aquela vida é a luz dos homens, mas os corações insensatos não podem compreendê-la, porque seus pecados não lhes permitem; e para que não suponham que essa luz não existe, pelo fato de que não podem vê-la, prossegue: “A luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a compreenderam”. Por isso, irmãos, assim como o homem cego colocado diante do sol, embora estando em sua presença, se considera como ausente dele, dessa maneira todo insensato, todo iníquo, todo ímpio é cego de coração. Está diante da sabedoria, mas como um cego, seus olhos não a podem enxergar: ela não está longe dele, mas ele é quem está longe dela[3].

CLÁ DIAS, João. Lumen Veritatis. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho, n.2. jan-mar 2008. p. 22; 29-30. (adptado)

[1] RATZINGER, Joseph. Dicionário de Teologia, de Heinrich Fries – III vol. – pág. 207 – Edições Loyola – São Paulo – 1987).

[2] Liturgia das Horas, Vol. II, tradução para o Brasil da 2ª edição, 1999, Editoras Vozes, p. 366

[3] AUGUSTINOS, In Evangelium Ioanenis Tractatus Centum Viginti Quatro, § 18-19. Disponível em <htpp://www.sant-agostino.it/latino/comento_vsg/index2.htm>. Acesso em: 24 jun. 2007. Tradução nossa.

O insuperável exemplo de Cristo

Mons. João S. Clá Dias, EP

A Igreja nos ensina que sem a graça, a qual nos é dada mais especialmente por meio dos Sacramentos, o cumprimento da Lei se torna muito dificultado. O homem pode até cumprir vários mandamentos, mas o fará só por certo tempo e não em sua integridade. “Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,5).

Com efeito, a natureza humana, depois do pecado, ficou enfraquecida e não consegue, sem a graça, se mover estavelmente em direção ao bem.

Além da graça, a natureza humana necessita de exemplos. É muito conhecida a frase: “As palavras movem, os exemplos arrastam”. Essa regra, que se aplica aos vários campos de atividades do homem, mostra-se ainda mais verdadeira no tocante à vida sobrenatural. Uma pessoa instruída na doutrina pode até ficar convencida, mas não arrebatada. O que arrebata é o exemplo, e esse foi dado aos homens de maneira insuperável pelo próprio Cristo.

É em torno dessas considerações que se situam as admoestações de São Paulo aos judeus de seu tempo, sempre tendentes a olhar para a letra e não para o espírito. A Lei de si não salva, diz ele:

Pois a Lei nada levou à perfeição. Apenas foi portadora de uma esperança melhor que nos leva a Deus (Hb 7, 19).

A Lei, por ser apenas a sombra dos bens futuros, não sua expressão real, é de todo impotente para aperfeiçoar aqueles que assistem aos sacrifícios que se renovam indefinidamente cada ano (Hb 10, 1).

Essa lição de São Paulo — o Apóstolo dos Gentios —, dirigindo-se ao seu próprio povo, vale para todos os tempos da História da Salvação, e devemos retê-la também, quando pensarmos em evangelização. Assim procederam aqueles doutores e confessores, sacerdotes e mártires, aquelas virgens e mulheres fortes que se entregaram ao apostolado desde os alvores da vida da Igreja: souberam, eles e elas, ser eficazes não só pelo ensino da doutrina, da Lei, mas especialmente pela oração e pelo exemplo.

Fundamento bíblico do primado petrino

Pe. Eduardo Caballero Baza, EP

São Pedro ocupa posição preeminente no Novo Testamento, onde é mencionado 114 vezes nos Evangelhos e 57 vezes nos Atos dos Apóstolos.

Fala em nome de todos os Apóstolos (Lc 12, 41, Mt 19, 27, Mc 10, 28, Lc 18, 28), responde por eles (Jo 6, 68, Mt 16, 16, Mc 8, 29) e age por todos (Mt 14, 28, Mc  8, 32, Mt 16, 22, Lc 22, 8, Jo 18, 10). Outras vezes  os evangelistas referem- se aos Apóstolos dizendo  “Pedro e os seus” (Mc 1, 36, Lc 8, 45; 9, 32, Mc 16, 7,  At 2, 14. 37). Jesus o elege depois de fazer um  grande milagre (Lc 5, 1-11); serve-Se de sua barca  para pregar às multidões (Lc 5, 3); hospeda-Se em  sua casa (Mc 1, 29); associa-o a Si no pagamento do tributo (Mt 17, 23-26); escolhe-o, com Tiago e João,  para assistir à ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,  37), à transfiguração (Mc 9, 2) e à agonia no  Getsêmani (Mc 14, 33); é o primeiro a quem aparece  ressuscitado (Lc 24, 34). É o único dos Doze que o  anjo nomeia para ser-lhe comunicada a mensagem  da Páscoa (Mc 16, 7). São João espera a chegada  de São Pedro, para deixá-lo entrar primeiro no  Sepulcro de Jesus (Jo 20, 2-8).

Depois da Ascensão e de Pentecostes, vemos São  Pedro exercendo a autoridade máxima na Igreja.  Completa o Colégio Apostólico com a eleição de São  Matias (At 1, 5ss); fala em nome dos Apóstolos  no dia de Pentecostes (At 2, 14ss); defende perante  as autoridades judaicas o direito dos Apóstolos, de  pregar a Fé em Cristo (At 4, 8-12); condena Ananias  e Safira (At 5, 1-11); é inspirado a abrir as portas da   Igreja também aos pagãos, com a conversão do  centurião Cornélio (At 10, 47); preside o Concílio de  Jerusalém (At 15, 6ss); toda a Igreja orava por sua  libertação, quando foi encarcerado por ordem de  Herodes (At 12, 5).

Por outro lado, São Paulo assinala de modo preeminente a importância de São Pedro como  cabeça da Igreja. Depois de sua estada na Arábia,  dirige-se a Jerusalém para vê-lo (Gal 1, 18);  reconhece nele uma das colunas da Igreja (Gal 2, 9);  coloca-o como o primeiro entre as testemunhas das aparições de Cristo ressuscitado (Cor 15, 5); e mesmo quando lhe resiste “em face” em Antioquia,  age como quem reconhece sua autoridade e, portanto, confirma de algum modo seu primado (Gal  2, 11-14).

Três aspectos do banquete pascal

Pe. Alex Barbosa de Brito, EP

O Banquete Eucarístico é, ao mesmo tempo, Banquete de Sacrifício e Convívio, Banquete de Ação de Graças e Banquete da Nova Aliança.

A ideia do banquete nos remete ao convívio estreito, familiar e amigo de uma mesa igualmente farta de guloseimas e caridade fraterna, propriamente um ágape[1].

À mesa é que as amizades se consolidam, rendem-se graças por benefícios recebidos, decreta-se a paz, selam-se concordatas, decide-se o destino de povos ou simplesmente se solidifica a união familiar. Não raros acontecimentos sagrados se atualizam de alguma forma pela lembrança viva da festa que se celebra. No Antigo e no Novo Testamento encontram-se comovedoras passagens nesse sentido. Recorde-se Jetro, que desejando agradecer o defensor de suas filhas e rebanhos, convida o anônimo benfeitor para “que coma alguma coisa” (Ex 2,20), refeição que uniu e comprometeu, pois Moisés aceitou e ficou na casa, casando-se com a filha do pastor de Madiã. (Ex 2,21).

Abraão não ofereceu aos três misteriosos mensageiros um repasto com perfume sacrifical, pão para lhes restaurar as forças? (Gn 18, 3-5) E eles comeram. Outra vez é um mensageiro celeste que vem em socorro do fatigado e ígneo profeta do Carmelo, Elias, o qual recupera suas forças depois de comer um pão angelical sub cineribus[2]. (II Rs 19,6). Anjos comendo alimentos humanos, homens comendo alimentos angélicos. O que une naturezas tão diversas? O alimento.

Noutra passagem, encontramos o costume anual em que familiares e vizinhos se juntam a estrangeiros, suspendem temporariamente distâncias, rixas ou desavenças, para comerem juntos amargas ervas, celebrando as dores passadas, pães ázimos, para recordar aqueles cuja pressa da fuga não lhes deu tempo para fermentar; e o suave cordeiro, memorial da passagem (páscoa) da escravidão à liberdade. Ceia ritual que recorda o passado, edifica o presente e lança para o futuro a esperança de tempos melhores (Ex. 12).

E quando faltou alimento, um delicado pão cai do alto (Ex. 16) para alimentar murmuradores […] com sabores tão variados que podiam contentar a todos os caprichos dos filhos ingratos: omne delectamentum in se habentem – “contendo em si todas as delicias e adaptando-se a todos os gostos” (Sb 16, 20).

A Eucaristia, sem deixar de ser sacrifício, é também banquete sacrifical[3] “Ceia e cruz, Mesa e altar. Altar que é mesa. Mesa que é altar”. (SARAIVA MARTINS, 2005, p. 233). Por isso o Angélico doutor nos ensina que Cristo entregou à Igreja, sua esposa, a memória da sua morte sob a forma de banquete: “tertio consideratur effectus huius sacramenti ex modo quo traditur hoc sacramentum, quod traditur per modum cibus et potus”[4]. (Suma III q. 79 a. 1 ad resp).

Por isso, cumprindo os antigos ritos estabelecidos por Moisés, perto do primeiro dia dos ázimos, os discípulos perguntaram a Nosso Senhor onde deveriam fazer os preparativos para comer a Páscoa. (Mt 26,17). Aquela seria uma Páscoa diferente das outras, o sacrifício da Cruz se tornaria presente mediante dois alimentos simples e cotidianos. Nada mais íntimo entre amigos do que comer juntos à mesma mesa; nada mais simples do que aqueles dois alimentos: pão de trigo e vinho de uva; sobretudo, nada mais comovedor do que o afeto de Cristo: “tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa” (Lc 22,15).

O Senhor Jesus, que quis ficar presente nos sinais do pão e do vinho, também convidou os discípulos dizendo: “Tomai e comei, tomai e bebei”. Foi na previsão desse sublime momento que Ele disse desejar ardentemente comer essa Páscoa com seus discípulos (Cf. Lc. 22,15).

A gratidão é talvez a mais frágil das virtudes. São Lucas, ao narrar a cura de dez leprosos, recorda que apenas um retornou para agradecer. Se é verdade que os Evangelhos não registram nenhuma queixa de Nosso Senhor por tudo quanto passou nesta terra, entretanto, diante da ingratidão ululante, seus lábios divinos deixam entrever uma suave censura: “Onde estão os outros nove? Não se achou senão esse estrangeiro que voltasse para agradecer a Deus?” (Lc 17,17-18). Jesus conhecia bem essa debilidade humana.

Em sentido oposto, convidado Levi para o discipulado, a gratidão se fez sentir imediata e com largueza. Abandonando tudo, “deu-Lhe um grande banquete em sua casa” (Lc 5,29), ele quis marcar com aquela refeição, a sua mudança de vida, a gratidão pelo chamado de Jesus.

Também o Divino Mestre, tomando os pães, “rendeu graças”[5] e os distribuiu milagrosamente multiplicados. (Jo 6,11), e quando próximo de ser entregue pelos homens, tomando o cálice, “deu graças” [6] (Lc 22,17).

Assim se exprime eminente teólogo dominicano: “o sacrifício do altar é sacrifício eucarístico por antonomásia, porque é o mesmo Cristo quem se imola por nós e oferece a seu Eterno Pai um sacrifício de ação de graças que iguala, e até supera, os benefícios imensos que d’Ele temos recebido.” (ROYO MARIN, 1994, p. 176-177).

“Per ipsum, et cum ipso et in ipso”: é toda a ordem criada que dá louvor, honra e glória ao Pai. João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, recorda que “o Filho de Deus, fez-se homem para, num supremo ato de louvor, devolver toda a criação Àquele que a fez surgir do nada” (EE 8), sendo em verdade este o “Mysterium fidei que se realiza na Eucaristia: o mundo saído das mãos de Deus criador volta a ele redimido por Cristo”. (Ibidem).

A Teologia, inclusive a ciência moderna, assumiu os valores da tipologia bíblica (tipoV = figura), por onde todo o Antigo Testamento deve ser visto na sua perspectiva futura, como nos explica São Paulo a propósito dos exemplos dos castigos sofridos por Israel (1 Cor, 10,6 e 11; cf. PIOLANTE, 1983, p. 52).

É nessa perspectiva que devemos compreender a Aliança estabelecida entre Deus e o Povo de Israel, cuja principal festa era a Páscoa, a imolação do cordeiro, a festa dos ázimos, as ervas amargas… “Viram a Deus, depois comeram e beberam” (Ex 24,11)[7]. (Cf. Ibidem).

O termo berith, de origem hebraica, significa um pacto estabelecido entre duas pessoas, sancionado por um juramento ritual. No início consistia na troca de sangue entre as duas partes contraentes, significando “comunhão de vida e de interesses”. Com o tempo esse sacrifício foi substituído por memoriais erigidos para formalizar o acordo. (Cf. PIOLANTE, 1983, p. 61).

As duas partes contraentes na Antiga Aliança eram Deus e do outro lado as doze tribos de Israel. No Sacrifico ritual, Deus era representado pelo Altar e o Povo pelas doze pedras que se colocavam em derredor do mesmo. (Ibidem, p. 62)

Ora, quando o Senhor Jesus celebrou a Páscoa com os seus apóstolos, eram eles as doze pedras fundamentais do novo Povo, e Ele, o altar e a vítima, o pão oferecido e o cordeiro que seria imolado de modo cruento no Calvário. Diz-se Nova Aliança porque, na última ceia, Cristo, ao dizer: “isto é o meu sangue da nova aliança”, ab-rogou a aliança do Sinai estabelecida entre Deus e Moisés: “eis o sangue da aliança, que o Senhor concluiu convosco”. (Ex 24).

Na Missa, o sacerdote, ao consagrar o cálice, “anuncia o sacrifício redentor de Cristo e renova a aliança selada com o seu sangue”. (SARAIVA MARTINS, 2005, p. 248), à imagem do que se fazia na antiga aliança, quando se comemorava, todos os anos, a ceia do cordeiro pascal, sacrificado e comido pelos hebreus em banquete. Completa o ilustre Cardeal:

A Eucaristia é vista também nesta ótica, que é essencial para se ter uma ideia exata da sua verdadeira natureza. Nela não só Cristo se imola sacramentalmente e o povo cristão dá graças pelo inefável dom da salvação, mas, além disso, é renovada a nova e eterna aliança instituída na última ceia. (Id ibidem).


[1] Ágape –(agaph) é o amor próprio de Deus (1 Jo 4-8 – agaph tou Theou) Trata-se portanto de um amor desinteressado, pleno de solicitudes (Cf. DCE 3 e 7), pode ter o significado de refeição fraterna e, na concepção Cristã, o termo se tornou também nome da Eucaristia; “nesta o ágape de Deus vem corporalmente a nós, para continuar a sua ação em nós e através de nós”. (DCE, 14).

[2] Sub cineribus é o pão cozido sob as cinzas com algumas brasas vivas, não necessariamente em forno, pois no deserto não os havia, como no tempo de Abraão, que era nómade.

[3] São João Crisóstomo exortava, comovido, que se venerasse “esta mesa, na qual participam os crentes em Cristo morto por nós, sacrifício colocado sobre esta mesa”. (PG 34, 704).

[4] “A partir do fato de que ele nos é dado em forma de comida e bebida”.

[5] A grande consideração atribuída à refeição em comum continuou no hebraísmo antigo. Mas acrescentou-se lhe um elemento completamente novo: a oração antes e depois da refeição. O pai tomava o pão, levantando-o de modo que todos o pudessem ver e, em nome de todos os presentes, pronunciava sobre ele uma doxologia: “Louvor a vós, Senhor, nosso Deus, rei do mundo, que fazeis nascer o pão da terra”. Depois da refeição se recitava a oração de agradecimento [o dono ou um hóspede a quem ele quisesse fazer uma deferência] […] em seguida, com a mão direita levantava o “cálice da bênção”(1 Cor 10,16) um palmo acima da mesa e, com os olhos voltados para ele, recitava a oração final. (JEREMIAS, 2006, p. 244 e 245).

[6] “Deu graças” (eucaristein= eucaristein)

[7] A Páscoa judaica era ordinariamente comemorada todos os anos, no dia 14 de Nisã, que corresponde às luas do meses de março e abril, no período da primavera.

O Filho de Deus com a Sua encarnação uniu-se, de certo modo, a todo o homem

Diác. Francisco Berrizbeitia, EP

Trata-se aqui de um antigo ensinamento enraizado no Novo Testamento[1] e que o Concílio Vaticano II propõe: “O Filho de Deus com a encarnação uniu-se, de certo modo, a todo o Homem.” Isto nos esclarece que, por um lado, a união hipostática só a fez Cristo uma vez com a Encarnação na Sua humanidade em concreto e, portanto, essa hipóstase está completa nEle e não com a humanidade.

Podemos dizer também que graças a esse “certo modo” que se deu com a Encarnação, a união com toda a humanidade se fez no plano salvífico, pois constitui a base pela qual Cristo elevou o homem de sua miséria fazendo-o partícipe de Sua vida divina. Por isso, a Igreja ao proclamar na sua liturgia “O félix culpa[2], canta a alegria do Povo de Deus por, ao pecarem nossos primeiros pais, o Verbo fazer-se carne e resgatar o gênero humano com sua morte e ressurreição e nos conceder o dom do Espírito. Uma coisa está clara e é o mistério, a grandeza e a beleza a qual Cristo elevou o homem de sua prostração a participar de um convívio com a Trindade, a uma comunio com ela. Sem falar da promessa da Sua presença diária na Eucaristia. Jesus não se deixa vencer em graça e generosidade para com o homem.

A tradição dos primeiros padres da Igreja quis explicar-nos o contexto na figura do Bom Pastor e da ovelha perdida como símbolo de toda a humanidade pecadora. Assim o descreve Gregório de Nisa (contra Apoliarem XVI):[3]

Esta oveja somos nosotros, los hombres. Que nos hemos separado con el pecado de las cien ovejas razonables. El Salvador carga sobre las espaldas la oveja toda entera.  Porque no se ha perdido solo una parte, sino porque se había perdido toda entera, por eso toda entera ha sido acompañada. El pastor la lleva en sus espaldas, o sea en su divinidad. Por esta asunción llega a ser una sola cosa con Él.

É interessante constatar como esta idéia de Cristo estava enraizada profundamente na Igreja, de tal forma que as interpretações mais antigas na arte paleocristã, que se conhece de Cristo, pintam-no ou esculpem-no como o Bom Pastor, levando sobre os seus ombros a ovelha. Também na Liturgia está assinalado o quarto domingo depois da Páscoa, justamente como a festividade do Bom Pastor.

Santo Agostinho comenta o fato, também resgatado da tradição de que:

Cuando ora el cuerpo del Hijo no se separe de sí a su Cabeza, de tal manera que ésta sea un solo salvador de su cuerpo, nuestro Señor Jesucristo Hijo de Dios, que ora por nosotros, ora en nosotros y es invocado por nosotros.[4]

Esta constitui a misteriosa conexão que se estabeleceu na Encarnação de Cristo, como cabeça que salva o corpo e que, sendo cabeça, ficou indissoluvelmente unida ao corpo, de tal maneira que a plenitude deste último, causada pela cabeça, constitui a salvação do mesmo Cristo, já não pensável sem o corpo da sua Igreja. Portanto, temos dois movimentos: um da cabeça ao corpo e outro do corpo à cabeça. Nada do que ocorre na cabeça é alheio ao corpo e vice-versa.

Conclui-se com um pensamento do teólogo, hoje Papa Bento XVI, em 1968, sobre a GS 22:

Pela primeira vez num documento da Igreja temos uma versão completamente nova da teologia cristocêntrica. Sobre a base de Cristo, esta ousa apresentar a teologia como antropologia e se mostra radicalmente teológica pelo fato de ter incluído o homem no discurso de Deus por meio de Cristo, manifestando deste modo a profunda unidade da teologia.[5]


[1] Ver Jo 1, 12-14; Fl 2, 5-7; 4, 4-7; Ef 4, 20-23; Hb 2, 17; 1Jo 15, 19.

[2] O félix culpa, quae talem et tantum meruit habere redemptorem (Precónio da Vigília Pascal).

[3] LADARIA L.,  “Jesucristo, salvación de todos”, San Pablo-U.Comillas, Madrid 2007, p. 105.

[4] Idem, p. 106.

[5] GALLAGHER M., “Ludici per il corso TFC004”7, PUG, Roma 200, p. 10. (tradução nossa)

O inédito sobre os Evangelhos!

A coleção de livros é publicado por Mons. João Clá, Fundador dos Arautos do Evangelho, apresentado pelo Cardeal Franc Rodé, CM, do Vaticano, traz comentários inéditos sobre a Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 Assim diz o Cardeal:

“Encontramos caracterizada com frequência nestas páginas a solução aos problemas espirituais do homem do século XXI”

Nosso Senhor Jesus Cristo nos convida a acompanhá-lo ao longo de todo o Ano Litúrgico! Assim o façamos, estimado leitor, junto com o fundador dos Arautos, nesta coleção composta de sete volumes, que terá lançamento internacional: português, espanhol, italiano e inglês serão as línguas em que você poderá acompanhar o ciclo litúrgico.

Faça a sua reserva:

Internet (evangelhocomentado.arautos.org)

Telefone (11) 2971-9040

O Filho de Deus com a Sua encarnação uniu-se, de certo modo, a todo o homem

Diác. Francisco Berrizbeitia, EP

Trata-se aqui de um antigo ensinamento enraizado no Novo Testamento[1] e que o Concílio Vaticano II propõe: “O Filho de Deus com a encarnação uniu-se, de certo modo, a todo o Homem.” Isto nos esclarece que, por um lado, a união hipostática só a fez Cristo uma vez com a Encarnação na Sua humanidade em concreto e, portanto, essa hipóstase está completa nEle e não com a humanidade.

Podemos dizer também que graças a esse “certo modo” que se deu com a Encarnação, a união com toda a humanidade se fez no plano salvífico, pois constitui a base pela qual Cristo elevou o homem de sua miséria fazendo-o partícipe de Sua vida divina. Por isso, a Igreja ao proclamar na sua liturgia “O félix culpa[2], canta a alegria do Povo de Deus por, ao pecarem nossos primeiros pais, o Verbo fazer-se carne e resgatar o gênero humano com sua morte e ressurreição e nos conceder o dom do Espírito. Uma coisa está clara e é o mistério, a grandeza e a beleza a qual Cristo elevou o homem de sua prostração a participar de um convívio com a Trindade, a uma comunio com ela. Sem falar da promessa da Sua presença diária na Eucaristia. Jesus não se deixa vencer em graça e generosidade para com o homem.

A tradição dos primeiros padres da Igreja quis explicar-nos o contexto na figura do Bom Pastor e da ovelha perdida como símbolo de toda a humanidade pecadora. Assim o descreve Gregório de Nisa (contra Apoliarem XVI):[3]

Esta oveja somos nosotros, los hombres. Que nos hemos separado con el pecado de las cien ovejas razonables. El Salvador carga sobre las espaldas la oveja toda entera.  Porque no se ha perdido solo una parte, sino porque se había perdido toda entera, por eso toda entera ha sido acompañada. El pastor la lleva en sus espaldas, o sea en su divinidad. Por esta asunción llega a ser una sola cosa con Él.

É interessante constatar como esta idéia de Cristo estava enraizada profundamente na Igreja, de tal forma que as interpretações mais antigas na arte paleocristã, que se conhece de Cristo, pintam-no ou esculpem-no como o Bom Pastor, levando sobre os seus ombros a ovelha. Também na Liturgia está assinalado o quarto domingo depois da Páscoa, justamente como a festividade do Bom Pastor.

Santo Agostinho comenta o fato, também resgatado da tradição de que:

Cuando ora el cuerpo del Hijo no se separe de sí a su Cabeza, de tal manera que ésta sea un solo salvador de su cuerpo, nuestro Señor Jesucristo Hijo de Dios, que ora por nosotros, ora en nosotros y es invocado por nosotros.[4]

Esta constitui a misteriosa conexão que se estabeleceu na Encarnação de Cristo, como cabeça que salva o corpo e que, sendo cabeça, ficou indissoluvelmente unida ao corpo, de tal maneira que a plenitude deste último, causada pela cabeça, constitui a salvação do mesmo Cristo, já não pensável sem o corpo da sua Igreja. Portanto, temos dois movimentos: um da cabeça ao corpo e outro do corpo à cabeça. Nada do que ocorre na cabeça é alheio ao corpo e vice-versa.

Conclui-se com um pensamento do teólogo, hoje Papa Bento XVI, em 1968, sobre a GS 22:

Pela primeira vez num documento da Igreja temos uma versão completamente nova da teologia cristocêntrica. Sobre a base de Cristo, esta ousa apresentar a teologia como antropologia e se mostra radicalmente teológica pelo fato de ter incluído o homem no discurso de Deus por meio de Cristo, manifestando deste modo a profunda unidade da teologia.[5]


[1] Ver Jo 1, 12-14; Fl 2, 5-7; 4, 4-7; Ef 4, 20-23; Hb 2, 17; 1Jo 15, 19.

[2] O félix culpa, quae talem et tantum meruit habere redemptorem (Precónio da Vigília Pascal).

[3] LADARIA L.,  “Jesucristo, salvación de todos”, San Pablo-U.Comillas, Madrid 2007, p. 105.

[4] Idem, p. 106.

[5] GALLAGHER M., “Ludici per il corso TFC004”7, PUG, Roma 200, p. 10. (tradução nossa)