Quando a lei se corrompe

 Pe. José Victorino de Andrade, EP

A mentalidade contemporânea ao desprezar a natureza humana e a lei revelada, nega a existência de uma verdade absoluta e relativiza a moral, insistindo numa legislação desprovida de valores eternos que gera consequências funestas para a pessoa, a família e a sociedade. No seu discurso aos membros da Comissão Teológica Internacional em 5 de Outubro de 2007, Bento XVI consciencializou os presentes sobre esta matéria de modo magistral:

Hoje, em não poucos pensadores parece predominar uma concepção positivista do direito. Segundo eles, a humanidade ou a sociedade, ou de fato a maioria dos cidadãos, torna-se a fonte derradeira da lei civil. […] Na raiz desta tendência está o relativismo ético, no qual alguns vêem uma das principais condições da democracia, porque o relativismo garantiria a tolerância e o respeito recíproco das pessoas. Mas se fosse assim, a maioria de um momento tornar-se-ia a última fonte do direito. A história demonstra com grande clareza que as maiorias podem errar. […] Quando estão em jogo as exigências fundamentais da dignidade da pessoa humana, da sua vida, da instituição familiar, da equidade do ordenamento social, isto é, os direitos fundamentais do homem, nenhuma lei feita pelos homens pode subverter a norma escrita pelo Criador no coração humano, sem que a própria sociedade seja dramaticamente golpeada naquilo que constitui a sua base irrenunciável.[1]

Importa-nos dissertar sobre alguns aspectos dos elementos que validam a lei, os quais são enumerados por São Tomás de Aquino ao citar Santo Isidoro. [2] Assim sendo, é requisito necessário que a lei positiva humana seja honesta, justa e possível:

1. Deve ser honesta, isto é, não pode ser contrária a outra lei superior, natural ou positiva;

2. Deve ser justa em relação ao fim, que deve ser o bem da comunidade; em relação ao autor, que deve ser o superior legítimo e em relação à forma, de modo que a divisão dos deveres seja proporcionada às condições de cada um;

3. Deve ser possível na medida em que não pode ser demasiadamente difícil ou gravosa.

Sem estes elementos pode redundar ao homem a impossibilidade ou a não obrigatoriedade do cumprimento da lei e a sua objeção de consciência quando agride a moral, ou mesmo os sãos valores da ética. A discriminação em relação às minorias ou a todo um povo, a agressão de valores exponenciais como a vida, a perseguição à Fé e à Religião, constituem uma grave transgressão das competências legais de um Estado e da instância legisladora humana. Infelizmente, a História está coalhada de exemplos de Estados que extravasaram suas competências invadindo um campo que não lhes pertence e entrando em conflito com a lei emanada pelo próprio Deus, e de regimes que nos trazem à memória um profundo desrespeito pela liberdade e dignidade humana.

O Papa João Paulo II, na sua Evangelium Vitæ, relembrava a atualidade da encíclica Pacem in Terris de João XXIII, ao citá-la abundantemente e elucidar a respeito da validade das leis:

Se a autoridade não reconhecer os direitos da pessoa, ou os violar, não só perde ela a sua razão de ser como também as suas disposições estão privadas de qualquer valor jurídico. […] A autoridade é exigência da ordem moral e promana de Deus. Por isso, se os governantes legislarem ou prescreverem algo contra essa ordem e, portanto, contra a vontade de Deus, essas leis e essas prescrições não podem obrigar a consciência dos cidadãos. Neste caso, a própria autoridade deixa de existir, degenerando em abuso do poder. O mesmo ensinamento aparece claramente em São Tomás de Aquino, que escreve: ‘A lei humana tem valor de lei enquanto está de acordo com a reta razão, derivando, portanto, da lei eterna. Se, porém, contradiz a razão, chama-se lei iníqua e, como tal, não tem valor, mas é um ato de violência’. E ainda: ‘Toda a lei constituída pelos homens tem força de lei só na medida em que deriva da lei natural. Se, ao contrário, em alguma coisa está em contraste com a lei natural, então não é lei, mas sim corrupção da lei’ (n. 71-72).[3]

É preciso ter em conta que a lei eterna e natural é anterior a qualquer lei positiva criada pelo homem e pela sua inviolabilidade, universalidade e imutabilidade necessitam reconhecimento e respeito. Os próprios direitos humanos perdem o seu sentido mais profundo se se ignora que eles pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa por força do ato criador do qual ela se origina.[4]


[1] Presso non pochi pensatori sembra oggi dominare una concezione positivista del diritto. Secondo costoro, l’umanità, o la società, o di fatto la maggioranza dei cittadini, diventa la fonte ultima della legge civile. […] Alla radice di questa tendenza vi è il relativismo etico, in cui alcuni vedono addirittura una delle condizioni principali della democrazia, perché il relativismo garantirebbe la tolleranza e il rispetto reciproco delle persone. Ma se fosse così, la maggioranza di un momento diventerebbe l’ultima fonte del diritto. La storia dimostra con grande chiarezza che le maggioranze possono sbagliare. […] Quando sono in gioco le esigenze fondamentali della dignità della persona umana, della sua vita, dell’istituzione familiare, dell’equità dell’ordinamento sociale, cioè i diritti fondamentali dell’uomo, nessuna legge fatta dagli uomini può sovvertire la norma scritta dal Creatore nel cuore dell’uomo, senza che la società stessa venga drammaticamente colpita in ciò che costituisce la sua base irrinunciabile”. (Insegnamenti, III, 2 (2007). p. 420-421. Tradução minha).

[2] Cf. S. Th. I-II, q. 6 a. 3.

[3] In: AAS 87 (1995) 5.

[4]Cf. BENEDETTO XVI. Ai membri della Commissione Teologica Internazionale, Giovedì 1º dicembre. In: Insegnamenti, I (2005). p. 914.

O sigilo na confissão

Pe. Caio Newton de Assis Fonseca, EP

Sigilo vem do latim sigillum, selo, lacre. Como em tempos já bem idos, se fechavam as cartas ou documentos contendo coisas reservadas com um selo ou lacre, a palavra metaforicamente passou a designar segredo.

Na Teologia da Penitência, chama-se sigilo a obrigação absoluta, perpétua e inviolável que tem o confessor de guardar segredo sobre a matéria da confissão. Ou, mais laconicamente, sigillum est debitum confessionem celandi: obrigação de ocultar a confissão (AQUINO, Tomás de. Suplemento de la Suma, q. 11, a. 3, ad resp.).

Porém, não é só sobre o sacerdote que pende a obrigação do segredo da matéria da confissão. Ela pende também sobre o intérprete, se houver, e sobre todos aqueles a quem, por qualquer motivo, tenha chegado o conhecimento de pecados por meio de confissão. Mas, neste caso, tal obrigação se chama segredo de confissão.

Esta distinção entre sigilo para o confessor e segredo de confissão para todos os outros a estabeleceu o CIC de 1983, atualmente vigente (c. 983). Antes dele, o CIC de1917 não fazia semelhante distinção, como se vê:

889 § 1. O sigilo sacramental é inviolável; guarde-se, pois, muito bem o confessor de revelar no mais mínimo o pecador nem por palavra, nem por algum sinal, nem de qualquer outro modo e por nenhuma causa.

§ 2. Estão do mesmo modo obrigados a guardar o sigilo sacramental o intérprete e todos aqueles a quem de um modo ou de outro tivesse chegado a notícia da confissão.

A proposta de santidade impele à perfeição na caridade

Pe. José Victorino de Andrade, EP

“Sede perfeitos como vosso Pai do Céu é perfeito” (Mt 5, 48). Para São Tomás de Aquino, esta proposta que Nosso Senhor nos faz na sequência do Sermão das Bem-Aventuranças não pode ser inatingível pelo homem, pois neste caso jamais lhe poderia ser prescrito.[1] Portanto, tem de ser possível chegar à perfeição nesta vida, e esta consiste, de acordo com Santo Agostinho, na ausência dos desejos desordenados que se opõem à caridade. O Aquinense acrescenta a esta doutrina tudo quanto possa impedir que o afecto da mente se dirija totalmente a Deus, sem o que não poderá haver caridade, que é a perfeição da vida cristã.[2]

O Catecismo da Igreja Católica aclara esta questão:

O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade, que é o ‘vínculo da perfeição’ (Cl 3,14); é a forma das virtudes, articulando-as e ordenando-as entre si; é fonte e termo de sua prática cristã. A caridade assegura e purifica nossa capacidade humana de amar, elevando-a à perfeição sobrenatural do amor divino (n. 1827).

Embora alguns autores prefiram distinguir o convite à perfeição da vocação relativamente à santidade, os termos se interpenetram na medida em que a perfeição pode e deve ser um notável caminho para a santificação.[3] De acordo com São Paulo (Cl 1, 28), é a perfeição em Cristo que os homens devem almejar para se apresentar diante de Deus e dos demais. A Lumen Gentium recorda que “todos os fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (n. 40), ou seja, à santidade.

Esta comum vocação de todos os homens à santidade, seja qual for o seu estado, é atestada pelo Catecismo da Igreja Católica[4] e por numerosos documentos do Concílio Vaticano II.[5] Conforme Bento XVI: “No contexto da vocação universal à santidade (I Ts 4, 3) encontra-se a vocação especial para a qual Deus exorta todos os indivíduos”.[6]

A Constituição Dogmática Lumen Gentium dedica-lhe um capítulo inteiro,[7] exortando o cristão a ser exemplo para todo o próximo na medida em que, praticando os conselhos evangélicos, edifica toda a sociedade:

A prática destes conselhos, abraçada sob a moção do Espírito Santo por muitos cristãos, quer privadamente quer nas condições ou estados aprovados pela Igreja, leva e deve levar ao mundo um admirável testemunho e exemplo desta santidade (n. 39).

E que maior caridade poderá haver do que aquela que se manifesta na santidade? Esta é a verdadeira caridade, que permanecerá sempre, conforme nos explica o Papa Bento XVI na sua encíclica, caridade na verdade. Por isso afirmava já São Tomás: “Quem vive na caridade, participa em todo o bem que se faz no mundo”,[8] e ainda: “O ato de um realiza-se mediante a caridade do outro, daquela caridade por meio da qual todos nós somos um só em Cristo”.[9]


[1] Cf. S. Th. II-II Q. 184, a. 2.

[2] Loc. Cit.

[3] Ver a este respeito NETTO DE OLIVEIRA, José. Perfeição ou Santidade e outros textos espirituais. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.

[4] Ver, por exemplo, n. 941, 1533, 2013.

[5] Entre outros: Lumen Gentium, n. 32; Gaudium et Spes, n. 34 ; Gravissimum Educationis, n. 2; Presbyterorum Ordinis, n. 2.

[6] Visita Ad Limina Apostolorum dos Bispos do Canadá – Atlântico. 20 mai. 2006. Disponível em : <www.vatican.va>.

[7] Capítulo V: A Vocação de todos à santidade na Igreja.

[8] Symb. Apost.

[9] IV Sent. d. 20, a. 2; q. 3 ad 1.

Haverá esperança para uma cultura centrada na mera ciência?

Pe. François Bandet, EP

A fim de melhorar o entendimento da ciência quotidiana, é necessário tomar em conta duas características da ciência que influenciam tremendamente: a sua refletividade e a sua tecnicalidade.

Por refletividade, entendemos o meio de integração da dimensão da consciência no campo da ciência e, a partir daí, atingindo uma dimensão filosófica.

Pela sua tecnicalidade, a ciência distancia-se de toda a teoria e torna-se exclusivamente a técnica. Os dados tornam-se o mais importante e no seu caminho tentam “possuir” as leis da natureza.

Como a ciência sempre desejou “transformar” o mundo, está ligada à humanidade no seu ato de ser, no seu corpo e no seu espírito, tocando atualmente em problemas políticos, éticos e colocando em questão a própria humanidade.

Surge então um dilema para a humanidade: seguir a mentalidade lógica e técnica da ciência, olhando por cima de todas as considerações éticas, criando tensões e conflitos e concentrando-se na expansão e no desenvolvimento da “transformação” do mundo; ou encontrar (ou inventar) uma nova moralidade ética para justificar as novas conquistas.

Através da sua capacidade de transformar o mundo, a ciência criou novos problemas para a humanidade. Considerada, formalmente, um elemento de unificação, tornou-se hoje muito controversa devido aos excessos que produziu. Pense-se, por exemplo, nos atuais problemas e desastres ecológicos.

O futuro do homem e a sua existência parecem encontrar-se totalmente e irreparavelmente ligados à ciência e à tecnologia de amanhã. Por isso se deve desenvolver uma nova relação com a Fé, que deve ser respeitada e encorajada.

O conflito que surge pode ser encontrado ao nível do homem, da sua existência e da urgência de submeter a ciência aos valores morais humanos. Por outro lado, a Fé não deve mostrar um completo desinteresse em relação à ciência; poderá até tornar-se uma forte fonte de inspiração para ajudar a encontrar um senso de moralidade que irá fazer com que se produzam abundantes frutos de diálogo e unidade no mundo.

A ambiguidade da ciência moderna reside no fato de ter contribuído para o progresso da humanidade, mas que também está na origem de várias tensões, aberrações e desastres.

Cada vez se torna mais evidente que não é possível lidar com o problema do significado da vida, com questões éticas, e com um sistema de valores, no contexto de uma cultura centrada apenas na ciência.

Tradução de Pe. José Manuel Victorino de Andrade do original em inglês para Lumen Veritatis, n. 6, 2009.

Só Deus sacia por completo todos os desejos do coração humano

L'AngelusPe. José Victorino de Andrade, EP

Dificilmente se encontrará alguém que não anseie e procure a felicidade. Esta demanda foi posta por Deus no coração de todos os homens que, à semelhança de Santo Agostinho, apenas descansam quando O encontram e n’Ele “repousam” (Confissões I, 1). O início do Catecismo da Igreja Católica começa exactamente com esta temática, lembrando que o homem é capaz de Deus. Entretanto, esta insaciabilidade leva não só ao desejo de uma realização pessoal, no âmbito da vocação específica de cada um, como também da sociedade doméstica à qual pertence, e mesmo da comunidade, na qual se insere e vive.

Ensina-nos o Compêndio de Doutrina Social da Igreja que “o bem comum da sociedade não é um fim isolado em si mesmo; ele tem valor somente em referência à obtenção dos fins últimos da pessoa e ao bem comum universal de toda a criação” (n. 170). Ou seja, a realização pessoal nunca se faz de um modo isolado, mas num contexto, numa sociedade, peregrinação nesta terra herdada para o Homem a dominar através do seu trabalho, e colher os frutos, obtendo o alimento com o suor do rosto (Gn 1, 28-29; 3, 19).

Assim, a felicidade terrena, imperfeita, não se torna “num mar de alegrias, de contínua beatitude, que, durará sempre” (Is 35, 10), pois falta-lhe a visão beatífica – totus sed non totaliter -, de Deus. Peregrinando pelo mundo, a felicidade será sempre relativa, mas essa busca incessante estará por trás de tudo aquilo que o homem opera.

É impossível que a criatura racional dê um só passo voluntário que não esteja encaminhado, de uma ou outra forma, para a sua própria felicidade, já que, […] todo agente racional obra por um fim, que coincide com um bem (aparente ou real) e, pelo mesmo, conduz à felicidade (ROYO MARÍN, Antonio. Teología Moral para Seglares. 7. ed. Madrid: BAC, 2007. Vol. I. p. 22).

Por isso, explica São Tomás de Aquino que todos desejam alcançar a beatitude, entretanto, diferem nos meios para obtê-la, procurando-a através de riquezas, prazeres, ou outras coisas. Porém, o fim, ainda que implicitamente, permanece o sumo bem para o qual tendem todos os homens (S. Th. I-II, q. 1. a. 7.). Ora, este é identificado pelo Pe. Royo Marín, OP como sendo o próprio Deus:

Não é nem pode ser outro que o próprio Deus, Bem infinito, que sacia por completo o apetite da criatura racional, sem que absolutamente nada possa desejar fora dele. É o Bem perfeito e absoluto, que exclui todo o mal e enche e satisfaz todos os desejos do coração humano (Op. cit.  p. 23).

A castidade não é nociva nem ao corpo, nem à alma

San Luis Gonzaga ciaPe. Eduardo Frizzarini, EP

Algumas correntes científicas consideram a castidade ou o celibato contra a natureza do homem, argumentando a contrariedade com exigências físicas, psicológicas e afetivas legítimas, cuja realização é necessária para completar e madurar a personalidade humana. Se Deus deu esse instinto ao homem, por que a Igreja ordena uma lei contraria ao instinto, ainda mais impedindo que se aproveite juventude?

Pode-se responder tal objeção sob vários pontos de vista. Para argumentar em um plano meramente natural, é preciso considerar a opinião de alguns cientistas que sob a orientação do Doutor James Paget, da Universidade de Londres, que após extensivas pesquisas puderam concluir: “A castidade não é nociva nem ao corpo, nem à alma. Sua disciplina é preferível a qualquer outra… Nada é mais funesto à longevidade, nem diminui tão certamente o vigor da vida, nem favorece tanto o esgotamento como a falta de castidade na juventude”. (APUD NYSTEN, 1978, p. 342)

O que é corroborado pelo Doutor Lionel Beale, emérito professor de anatomia patológica da Universidade de Londres, ao afirmar: “Não é demais sempre repetir que a abstinência e a pureza mais absolutas são perfeitamente compatíveis com as leis fisiológicas e morais e que a satisfação de certas inclinações não encontra a sua justificativa nem na fisiologia, nem na psicologia, como também nem na moral e nem na religião”. (APUD FONSECA, 1929, p. 15)

Conforme o Doutor Abel Pacheco (AZEVEDO PIRES, 1950, p. 48) “Afirmar à juventude que a função sexual é de necessidade fisiológica, constitui mentira ignóbil em face da ciência”. Assim pois, com o beneplácito da ciência os Papas manifestam a antiga, atual e eterna posição da Igreja, tomada da experiência dos antigos e aplicada nos costumes da Igreja primitiva. Esta é a razão pela qual o Papa PAULO VI (1967, n. 53) afirma: “O homem, criado a imagem e semelhança de Deus, não é somente carne, nem o instinto sexual é o seu todo; o homem é também, e, sobretudo, inteligência, vontade, liberdade; Graças a essas faculdades ele se deve ter como superior ao universo; essas faculdades o fazem dominador dos próprios apetites físicos, psicológicos e afetivos”.

PIO XII (1954, n.34) ainda é mais incisivo: “Apartam-se do senso comum, a que a Igreja sempre atendeu, aqueles que vêem no instinto sexual a mais importante e a mais profunda, das tendências humanas, e concluem daí que o homem não pode coibir durante toda a sua vida sem perigo para o organismo e sem prejuízo do equilíbrio da sua personalidade”.

O Concílio Vaticano II condenou como falsa a doutrina segundo a qual a continência perfeita é impossível ou é nociva ao desenvolvimento humano Pois, segundo Dom José CARDOSO SOBRINHO (2004, p. 36): “Se o exercício da atividade sexual fosse necessário para a saúde corporal ou psíquica, Deus não prescreveria a continência perfeita a todos aqueles que, por qualquer motivo e mesmo independentemente da própria vontade, vivem fora do matrimônio. Não pode haver contradição entre as leis divinas e o autentico bem-estar do ser humano. O Homem pode e deve orientar e dominar suas tendências físicas, psicológicas e afetivas”.

Igual é a opinião do Doutor Moreira da FONSECA (1929, p. 12) que inteiramente conforme a Doutrina Católica afirma: “A castidade se impõe ao gênero humano como uma lei natural, visto como Deus não poderia exigir de sua criatura o cumprimento de um dever que fosse contrário à sua natureza”.

Ainda há aqueles que ousam dizer que a felicidade esta na luxúria. Logo, o celibatário não é feliz pela continência que deve exercer sobre seus apetites físicos. Pode-se então, responder com São Paulo Apóstolo (1Cor 7, 28-40):

“A respeito das pessoas virgens, não tenho mandamento do Senhor; porém, dou o meu conselho, como homem que recebeu da misericórdia do Senhor a graça de ser digno de confiança. Julgo, pois, em razão das dificuldades presentes, ser conveniente ao homem ficar assim como é. Estás casado? Não procures desligar-te. Não estás casado? Não procures mulher. Mas, se queres casar-te, não pecas; assim como a jovem que se casa não peca. Todavia, padecerão a tribulação da carne; e eu quisera poupar-vos. Mas eis o que vos digo, irmãos: o tempo é breve. O que importa é que os que têm mulher vivam como se a não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não usassem. Porque a figura deste mundo passa. Quisera ver-vos livres de toda preocupação. O solteiro cuida das coisas que são do Senhor, de como agradar ao Senhor. O casado preocupa-se com as coisas do mundo, procurando agradar à sua esposa. A mesma diferença existe com a mulher solteira ou a virgem. Aquela que não é casada cuida das coisas do Senhor, para ser santa no corpo e no espírito; mas a casada cuida das coisas do mundo, procurando agradar ao marido. Digo isto para vosso proveito, não para vos estender um laço, mas para vos ensinar o que melhor convém, o que vos poderá unir ao Senhor sem partilha. Se alguém julga que é inconveniente para a sua filha ultrapassar a idade de casar-se e que é seu dever casá-la, faça-o como quiser: não há falta alguma em fazê-la casar-se. Mas aquele que, sem nenhum constrangimento e com perfeita liberdade de escolha, tiver tomado no seu coração a decisão de guardar a sua filha virgem, procede bem. Em suma, aquele que casa a sua filha faz bem; e aquele que não a casa, faz ainda melhor. A mulher está ligada ao marido enquanto ele viver. Mas, se morrer o marido, ela fica livre e poderá casar-se com quem quiser, contanto que seja no Senhor. Contudo, em minha opinião, ela será mais feliz se permanecer como está. E creio que também eu tenho o Espírito de Deus”.

Neste texto de São Paulo ressalta sob o ponto de vista escatológico a utilidade da virgindade e do casamento recomendando que geralmente a escolha do estado de vida é facultativa, porém, se tal estado por causa “das tribulações da carne” põe dificuldades relevantes à vida espiritual e a salvação eterna, o mesmo Apóstolo ressalta como o bom cristão sem receio deve escolher o estado que mais convenha à salvação de sua alma. O Apóstolo dos Gentios também recorda que a felicidade se alcança somente quando o homem procura sua finalidade, nesta busca da “união com Deus sem partilha” e não nos prazeres terrenos como os da carne, pois, conforme afirma São Tomás de AQUINO (2004, V, p. 90): “Nunca um bem criado pode saciar o desejo humano de felicidade. Somente Deus o pode saciar e o faz infinitamente”.

Essa felicidade de situação do indivíduo casto reflete-se inteiramente no semblante, na vida e na personalidade daquele que optou pela castidade. Como Doutor Moreira FONSECA (1929, p. 8  ) observa: “Na fisionomia do jovem casto reina uma santa alegria, o seu olhar tem algo de mais nobre, a sua consciência goza de agradável paz e o seu ideal não rasteja pela terra nem mergulha no lodaçal do vício, mas sim paira em regiões mais elevadas e alcança a esfera dos anjos”.

Ainda sobre o semblante do casto, o Evangelho (Mt 6, 21-23) ressalta como a concupiscência dos olhos escurece ou empana o brilho da fisionomia: “O olho é a luz do corpo. Se teu olho é são, todo o teu corpo será iluminado. Se teu olho estiver em mau estado, todo o teu corpo estará nas trevas. Se a luz que está em ti são trevas, quão espessas deverão ser as trevas!”

Como escreveu Goethe (TOTH, 1965, p. 79): “É justiça na terra que o espírito se manifeste no semblante”. Poder-se-ia dizer que tal observação é subjetiva, porém, irrefutavelmente, até mesmo os que impugnam o celibato admitem a superioridade de caráter do celibatário como Donald COZZENS (2008, p. 19) em seu opúsculo Liberar o Celibato:

Os celibatários sãos e vigorosos são atraentes; pode ser que não sejam fisicamente atraentes, mas são dotados de uma atração irresistível que nasce do centro contemplativo da alma, único lugar em que as pessoas se sentem bem consigo mesmas. Com notáveis exceções, os celibatários parecem ser menos absorvidos em si mesmos do que a maioria, e muitos parecem verdadeiramente interessados nos outros. Muitas vezes eles projetam uma aura espiritual que demonstra ser seguro aproximar-se e seguro revelar.

Dizer que a realização das funções genésicas é necessária para completar e madurar a personalidade humana também seria exagero, pois senão, muitos dos grandes filósofos da antiguidade e mesmo cientistas tempos modernos, como também Maria Santíssima, os Santos e Santas, não teriam possuído uma personalidade humana completa e madura por serem celibatários. Por sua vez, a própria humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo seria em algo incompleta e não-madura; dizer isso seria, no mínimo, blasfemo. Pois, foram celibatários o maior numero de sábios da antiguidade, fato que faz CHATEAUBRIAND (1860, p. 48) afirmar: “A continência no sábio, transforma-se em estudo; e em meditação no solitário. Não há aí homem que lhe não desfrute as vantagens em trabalhos de espírito, por isso que ela é caráter essencial da alma, e força intelectiva”.

Para o Cardeal Cláudio HUMMES (2007) comentando a Encíclica Sacerdotalis Caelibatus, “o celibato aumenta a idoneidade do sacerdote para a escuta da palavra de Deus e para a oração, e o capacita para depositar sobre o altar toda sua vida, que leva os sinais do sacrifício”. Portanto, afirmar que o celibato contraria o desenvolvimento da maturidade da personalidade humana não concorda com a Ciência, com a História e com a Teologia.

Não escolhemos viver, porque haveremos de escolher morrer?

Fe Notre Dame ParisPe. José Victorino de Andrade, EP

A opção fundamental de um católico deve tender sempre a adoptar uma cultura de vida, uma vez que em Deus está a vida em abundância (Jo 10, 10), Jesus morreu para nos libertar do pecado e da morte (Rm 8, 2) e o próprio Jesus identificou-se como “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14, 6). Entretanto, não são apenas motivações de carácter bíblico ou teológico que levam a Igreja a ser a favor da vida. A Fé caminha juntamente com a razão, à semelhança de um pássaro que voa com as duas asas. Por isso, a Filosofia ajuda a tornar a Fé algo bem maior e mais nobre do que a falsa fé, mero sentimento ou obséquio irracional.

Nesta perspectiva, a fuga ao sofrimento, seja no suicídio ou na eutanásia, para um estado no qual se deixa de sofrer, pois se deixa de existir, pode ser analisada sobre duas dinâmicas ou prismas: individual e coletivo. Não é apenas do ponto de vista da sociedade que o homem deve conservar a vida, pois ainda que alguém fosse acidentalmente parar num local desértico, teria obrigações relativamente à sua própria pessoa, de procurar alimento, hidratação, descanso, cultivar o intelecto e a memória, pensar em modos de alerta e resgate, ainda que as possibilidades de salvamento fossem remotas. E não são tão raros os históricos casos de resgatados em semelhantes condições.

Por isso, o suicídio:

— Do ponto de vista individual:

1. Atenta contra os direitos humanos – decálogo da razão humana e fruto do amadurecimento das raízes cristãs Ocidentais –, em que o respeito pela vida, deve também englobar a própria vida;

2. Vai contra os instintos do homem. Enquanto participação da própria natureza animal, ele procura em todas as circunstâncias preservar a vida, sendo capaz até de feitos extraordinários para conservá-la. Ou seja, faz parte do nosso ser, conservar o ser. E isso pode encontrar-se em qualquer animal: torna-se agressivo, defende-se, esconde-se, etc. para não morrer às mãos do caçador ou do predador;

3. A opção pela morte é uma recusa a aceitar que a vida é feita de dificuldades, e sofrimentos, alguns deles até grandes, mas que não se resolvem ou justificam com a aniquilação do próprio ser;

4. É também o abandono a algo que é fundamental na vida de todos: a esperança, e já diz o velho adágio, essa deve ser sempre “a última a morrer”;

5. Devemos estimar-nos e amarmos a nós mesmos, e o suicídio ou a eutanásia é um abandono da justa auto-estima que devemos devotar à nossa pessoa;

6. Em último lugar, poder-se-ia colocar a derrota, ou mesmo a deserção, no momento em que simplesmente se abandona a grande batalha da vida, preferindo a morte, trocando-se o positivo pelo negativo, a coragem pela covardia. Este exemplo já era dado por Platão, na sua Apologia de Sócrates.

*

— Do ponto de vista coletivo, uma vez que vivemos em sociedade:

1. O mau exemplo perante os demais membros da sociedade, de alguém que desistiu de viver;

2. Causa um sofrimento enorme nos outros, sobretudo amigos e familiares. É um egoísmo pensar apenas em si e não no sofrimento causado, quando alguém põe termo à sua existência, abruptamente;

3. Abandona-se a sociedade e a participação nela, seja como membros de uma família, trabalhadores, colaboradores, a amizade, as ideias, a original personalidade estética e intelectual, quantas coisas vão antecipadamente para “debaixo da terra”.

4. Causa prejuízos aos que permanecem, a todos os níveis, não só financeiros, o que seria secundário, mas também morais, pessoais, entre muitos outros.

5. Acarreta consigo aquela peculiar sensação de culpa, o peso de consciência, seja daqueles que não lograram evitar o trágico desfecho, mas sobretudo os cúmplices, que com a morte precoce colaboraram formal ou materialmente.

É semelhante ao corredor que evitou os obstáculos, saindo da pista, pois acharia que seria mais fácil chegar à meta… Enquanto isso, outros permanecem na corrida, pulando os obstáculos, por vezes caindo e voltando a levantar-se, mas a caminho da meta. Que impressão ficará nos espectadores que estão na bancada. Com quem ficarão edificados, com os que saíram da pista, ou com aqueles que, mesmo caindo, se voltam a levantar, e não desistem… Quem receberá a medalha? São Paulo (Fl 3, 14) usa uma metáfora semelhante, para justificar o prêmio, daqueles que se esforçaram por alcançar a meta. Ele mesmo considerou ter chegado ao fim da corrida (2 Tm 4, 7), merecendo a coroa de glória (2 Tm 4, 8).

A vida é um dom gratuito. Quem escolheu existir? Ninguém. É algo que foi dado (por Deus), transmitido (pelos pais). Se recebemos esse bem, sem pedir, porque haveremos de desfazer-nos dele? Não será uma revolta contra aqueles que deram a vida? Não escolhemos viver, porque haveremos de escolher morrer? A vida parece ser um grande dom para nós tomarmos conta, tratarmos bem, com todo o cuidado. Imagine que alguém recebesse uma empresa para gerir. Ele tem de prestar contas ao patrão. Não lhe compete destruir a empresa… pois não foi ele que a criou. Foi-lhe dada. Poderá incendiá-la, arrasá-la, destruí-la… mas não é dele. Quando estiver diante daquele a quem compete de fato, daquele que lhe deu, do senhor a quem pertence… receberá então “o justo salário”.

Uma palavra mais concreta quanto à eutanásia, e um facto. Este último, como dizem os italianos, “si non  è vero, è bene trovato”:

Os médicos fazem o juramento de hipócrates, no início da carreira, o que significa que faz parte da vocação deles promover a vida, e não a morte. A medicina chegou a tais avanços, que, hoje, é possível manter com dignidade o paciente até à morte natural, inclusive com ausência parcial ou total de dor. Ao autor da vida cabe, também ser o autor da morte. Não se aplica aos agentes de saúde abreviar a vida e conceder a morte, pois o trabalho deles é simplesmente diferente do carrasco. E uma vez que já superamos a pena de morte em grande número de nações, por quê darmos um fim aos doentes que, e ainda bem, já não damos nem sequer aos piores entre os criminosos? Não parece nem justo, nem mesmo racional.

Existe um especialista mundial em Ética, cujo nome é preferível omitir, por variadas razões, autor de numerosos e populares livros traduzidos em várias línguas do mundo, muito afamado na internet, que defende a eutanásia, com toda a logorreia. Certo dia, a mãe dele ficou muito doente, acamada e debilitada. Perguntaram-lhe porque ele não a encomendava a uma instituição que pudesse exercer a eutanásia, e abreviar-lhe a vida. Mas isso era para os outros. Ele amava a sua mãe, e a solução drástica ele só dava para quem não fosse mais útil na sociedade. A mãe dele ainda era objecto de algo, talvez o principal: o amor, capaz de vencer o utilitarismo…

A Bioética cristã é a mais preparada para responder ao homem de hoje

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Pe. José Victorino de Andrade, EP

O Papa Bento XVI,  na Caritas in Veritate chamava a atenção para o perigo que existe na adopção de uma ética sem um forte compromisso cristão, pois acaba-se por “designar conteúdos muito diversos, chegando-se a fazer passar à sua sombra decisões e opções contrárias à justiça e ao verdadeiro bem do homem” mas é necessário uma ética “amiga da pessoa” (n. 45). Ora, continua ele, a Igreja “tem um contributo próprio e específico para dar, que se funda na criação do homem ‘à imagem de Deus’ (Gn 1, 27), um dado do qual deriva a dignidade inviolável da pessoa humana e também o valor transcendente das normas morais naturais” (n. 45).

O problema com uma dignidade meramente ética é que ela permanece sempre relativa e sujeita a juizos morais em desenvolvimento, instáveis. Torna-se necessário o recurso a uma dignidade humana que seja ontológica, e, portanto, inevitávelmente tendente à metafísica, além de uma dignidade teológica que se fundamente no absoluto, complementando-se ambas.1 Há que prestar atenção, pois quando se faz um apelo à ética, esta não deve consistir num qualquer sistema, vazio ou alienado em conteúdos. Esta questão envolve uma importância que deve estar longe de ser descurada. É perigoso considerá-la um negócio, passar por um jogo de interesses ou mesmo algo passageiro, mas tem de tornar-se um compromisso sério, radicado numa ética original e originária.2

Quando a bioética se funda em qualquer ética, corre-se sempre o risco de atropelar dignidade humana com ideologias impregnadas de utilitarismo, consequencialismo, e processualismo, aliás, várias faces de uma mesma moeda, cunhada inicialmente por Bentham e Mill, baseando em cálculos de felicidade e utilidade para os homens, valorizando o hedonismo, e julgado a bondade ou maldade do acto por sua utilidade, e não pelo facto em si, parecendo repetir o dito maquiavélico de que os fins justificam, ou absolvem os meios,3 desde que a satisfação, no seu geral, seja alcançada.

Não se tardaria a cair em morais populistas como as de Peter Singer, com todos os seus erros perniciosos, pois o homem não tardaria também a ser avaliado segundo esse modelo: assim, aqueles que não possuem uso da razão, quer seja porque não o possuem, ou porque o perderam, deixam de estar incluídas na categoria de pessoas, talvez por não serem úteis…4. Parecem estar assim justificados alguns dos maiores crimes que se cometem hoje contra a dignidade da pessoa.

A Bioética, para ser, de facto, uma ética da vida, terá de ter um referencial que a transcenda. Nós não inventamos a existência, ela é-nos dada, portanto, dom gratuito. Do ponto de vista da vida que recebemos, desse acto de amor de Deus criador, o nosso ponto rector tem necessariamente de se transcender, pois materialmente falando, não fundamenta nem justifica o nosso ser. Um mundo que vira as costas ao seu autor, e que dirige a visão para causas puramente materiais, torna-se incapaz de dar o necessário valor à vida, e ao próprio homem, para relativizá-los.

Escreveu de modo acurado o Cardeal Elio Sgreccia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, que o “silêncio da metafísica”, deu lugar ao relativismo, a uma ética racionalista laica, que não deveria deixar de se confrontar com o absoluto, pois a razão pede ao homem que se confronte com valores humanos e normas éticas cuja origem é transcendental.5 Realmente, uma ética sem qualquer fundamentação teológica ou metafísica está sujeita às frágeis bases do compromisso social.6

Acrescenta o Côn. Jorge Teixeira Cunha, no seu excelente Manual de Bioética, que a falta de confrontação com a evidência metafísica e o Absoluto nos pressupostos desta matéria, leva a um “bater de asas no vazio de uma egolatria sem horizonte”, pois “justificar racionalmente a norma do bem moral” não deve excluir, quanto ao seu juízo, a consideração do pensamento religioso e teológico cristão.7

Vemos, deste modo, que um conúbio entre a ética e a mística é fundamento e base para a vida em plenitude do homem peregrinante nesta terra, dom do Criador, preâmbulo daquela mesma felicidade eterna à qual todos estão chamados. Nas belas palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:

“Se o nosso fim próprio é conhecer, amar, louvar e servir a Deus, nossa natureza, máxime enquanto elevada à ordem sobrenatural, deve tender inteiramente para este fim. Ou seja, todas as nossas atividades mentais e físicas devem dirigir-se para o conhecimento da verdade e prática do bem. Tanto quanto no Céu, esta finalidade é real na vida terrena, pois nossa natureza se orienta toda para o que será na eternidade. Suas tendências fundamentais já são o que eternamente serão.

E como a vida terrena não pode ser contrária à nossa natureza, segue-se que ela já é de algum modo, a sua substância, no que tem de mais interno, essencial e íntimo, no plano natural como no sobrenatural, a mesma vida de contemplação, amor, louvor e serviço de Deus que teremos no Céu”.8

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1Cf. ALZATE RAMÍREZ, Luis Hernando; OSORIO, Byron. Op. Cit., p. 47; 50-51.

2 “El reto que se plantea para la ética es fundamental. Las posiciones éticas cotidianas  de los cristianos simplemente se confunden con la ética dominante que puede ser una defensa coyuntural de los derechos humanos. O también puede aparecer la iglesia defendiendo un vago humanismo como cualquier Organización no Gubernamental. O se predica un amor a los demás, universalizante y abstracto sin compromiso de la persona. La ética no se reduce a ser un ‘buen negocio’. El recurso al compromiso ético no es cuestión de ‘imagen’ (se puede ser ético para obtener ganancias y estatus) o de estar a la moda, sino de fundamentación y fundamentación en una ética original y originaria. Original por ser propia del cristianismo y originaria pues es fundante de toda acción social en el mundo”. (ARBOLEDA MORA, Carlos. Experiencia y testimonio. Medellín: UPB, 2010. p. 22).

3 Cf. MAQUIAVEL. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Ediouro, 2005. p. 73.

4 “Niños muy pequeños, débiles mentales, ancianos en demencia y sujetos permanentemente inconscientes no deberían ser considerados personas ni serían, por tanto, sujetos de los derechos básicos que habitualmente adscribimos a las personas. Desde semejante planteamiento tienen cabida el aborto, la eutanasia y todos aquellos males que se ciernen sobre los débiles de la sociedad”. CARRODEGUAS NIETO, Celestino. El concepto de persona a la luz del Vaticano II. In: Lumen Veritatis. São Paulo.  No. 12 (Jul. – Sept., 2010); p. 44.

5 Cf. SGRECCIA, Elio. Manuale de Bioetica. 4. ed. Milão: V&P, 2007. Vol. 1. p. 30.

6 Esta ideia está fundamentada na conferência feita pelo Arcebispo Jean-Louis Bruguès, abordando a Encíclica de João Paulo II Veritatis Splendor, no Seminário São Tomás de Aquino (São Paulo – Brasil) no dia 1 nov. 2010. Ver também o nº 53 do documento.

7 Cf. TEIXEIRA DA CUNHA, Jorge. Bioética Breve. Apelação (Portugal): Paulus, 2002. p. 6.

8 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A contemplação terrena, prenúncio da visão beatífica. Em: Revista Dr. Plinio. São Paulo. Ano IV. No. 42 (Set., 2001); p. 21.

O principal direito do ser humano

viewPe. Leopoldo Werner, EP

Enquanto ser vivo, o homem deve respeitar o ser que recebeu de Deus, o que o obriga a zelar pela manutenção de sua vida e de sua saúde e o proíbe matar-se.

Como corolário desta lei, não está em nosso poder o matar ou ferir nossos semelhantes, a não ser em legítima defesa, em determinadas condições. Este direito à vida está fundamentado na dignidade da pessoa humana, e ele se estende desde a concepção até sua morte natural. Esta dignidade diz respeito, por sua vez, aos bens do espírito tanto quanto aos bens do corpo, pois enquanto se está nesta vida eles são inseparáveis.

O direito à vida tem seus corolários: tudo o que se opõe à vida, à sua integridade física e moral, sua dignidade como pessoa humana, constituem violações que prejudicam gravemente o progresso da civilização, degradam os costumes e as instituições humanas e ofendem gravemente a honra devida ao Criador.

O mesmo Concílio Vaticano II, no quadro do devido respeito pela pessoa humana, oferece uma ampla exemplificação de tais atos: ‘Tudo quanto se opõe à vida, como são todas as espécies de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador’ (JOÃO PAULO II, 1993: 80).

Estes mesmos conceitos são também defendidos por homens de vários campos do saber. É como explica o conhecido jurísta brasileiro Ives Gandra:

“É evidente que o direito à vida implica outros direitos que lhe permitam ser exercido, que também são de direito natural, como o direito à educação, à liberdade de associação, ao trabalho, à saúde, à dignidade pertinente ao ser humano, à intimidade, a não ser afastado da convivência social, senão se lhe trouxer mal superior, a partir dos indícios de sua atuação pregressa.

O direito à vida é o principal direito do ser humano. Cabe ao Estado preservá-lo, desde a sua concepção, e preservá-lo tanto mais quanto mais insuficiente for o titular deste direito. Nenhum egoísmo ou interesse estatal pode superá-lo. Sempre que deixa de ser respeitado, a história tem demonstrado que a ordem jurídica que o avilta perde estabilidade futura e se deteriora rapidamente”. (GANDRA, 2009: 3)