Carta de Dom Odilo aos Padres para o início do Ano Sacerdotal

Estimados Padres

da Arquidiocese de São Paulo,

Com a solenidade do Sagrado Coração de Jesus, iniciamos o Ano Sacerdotal proclamado pelo papa Bento XVI para recordar os 150 anos do falecimento de São João Maria Vianney, patrono dos sacerdotes. O santo Cura de Ars, de fato, foi um sacerdote extraordinário, animado por um ardoroso zelo pastoral, dedicado inteiramente ao povo, ao atendimento das confissões, à catequese, à Eucaristia e ao serviço dos pobres e doentes.

E ainda encontrava um jeito para socorrer outros padres no cuidado pastoral do povo e dedicava tempo à oração, ao estudo e à preparação das homilias; eu mesmo fiquei impressionado, ao visitar a casa paroquial de Ars, vendo a boa quantidade de livros pertencentes ao santo Cura, muito sublinhados e anotados.

O povo, de todos os extratos sociais, reconhecia nele um verdadeiro homem de Deus e seus conselhos eram muito apreciados. Por isso, o papa Bento XVI proclama o Cura de Ars patrono de todos os sacerdotes, que podem ver nele a imagem do verdadeiro pastor do rebanho de Cristo.

Para nós, que também temos a graça de participar do sacerdócio de Cristo e de desempenhar este serviço sagrado, em seu nome, para o bem da Igreja e de toda a humanidade, o Ano Sacerdotal é uma ocasião especial para renovar nosso apreço pessoal e comunitário pelo dom que nos foi dado pessoalmente, mas em beneficio do povo de Deus.

Como São Paulo convidava Timóteo, seu jovem colaborador, a “renovar em si o dom recebido pela imposição das mãos” (cf 2Tm 1,6), assim a Igreja nos pede para redescobrirmos plenamente a grandeza, a dignidade e a beleza do nosso sacerdócio. Desta forma, olhando para Cristo, Sacerdote da nova e eterna Aliança, também nós podemos renovar o dom recebido pela imposição das mãos do bispo que nos ordenou, renovando também nossas disposições pessoais para continuar servindo a Cristo nos irmãos. Um dia Ele nos cativou e chamou ao seu seguimento; e é no renovado encontro com Ele que podemos sentir novamente nosso coração arder e se inflamar de gratidão e entusiasmo.

Ao mesmo tempo, este ano será de grande proveito para nós e para nosso povo recordar grandes sacerdotes, que tanto bem fizeram à Igreja ao longo da história; além do Cura de Ars, penso por exemplo, em S. João Bosco, S. Afonso Maria de Ligório, S. Filipe Néri, S. Inácio de Loyola, S.Francisco Xavier… Mas também perto de nós, tantas belas figuras de sacerdotes dedicados e zelosos, dão um testemunho extraordinário de vida sacerdotal e edificam o povo de Deus. Sacerdotes santos pisaram este chão paulistano e nos precederam na edificação da Igreja de Cristo nesta Metrópole: penso em no santo Frei Galvão, nos bem-aventurados padres Mariano e.Anchieta… E cada um lembra, certamente, outros grandes sacerdotes, que marcaram sua vida pessoal. Convido, pois, a redescobrir e valorizar, durante este Ano Sacerdotal, esses homens de Deus que nos precederam nas paróquias e nos serviços da Igreja, hoje confiados a nós.

Mais do que nunca, isso é necessário em nossos dias, quando a imagem do padre e a credibilidade de sua atuação no meio do povo foi seriamente comprometida por maus exemplos e lamentáveis casos de escândalo; o povo de Deus precisa receber novos sinais de credibilidade do nosso serviço e de nossa missão sacerdotal. Os bons exemplos precisam ser colocados em maior evidência; e, não há dúvidas, na Igreja há muito mais exemplos de sacerdotes exemplares e dedicados do que os lastimáveis casos de escândalo!

O Ano Sacerdotal também pode tornar-se, para nossa Igreja, uma ocasião favorável para dinamizar a pastoral das vocações sacerdotais; esta, de fato, é uma tarefa de todos os padres e, com eles, de todas as comunidades da Igreja; os padres são os principais promotores de outras vocações sacerdotais e, cada um de nós, deveria ter a preocupação de apresentar ao seminário bons vocacionados, de maneira que, depois de nós, haja quem continue nossa missão. Questão fundamental é que em cada paróquia e comunidade haja um serviço de animação vocacional e que seja promovida a oração intensa e perseverante pelas vocações.

Convido, pois, todos os padres da nossa Arquidiocese a viverem intensamente este Ano Sacerdotal, que se estenderá até a solenidade do Sagrado Coração de Jesus de 2010. Para tanto, estejamos atentos às motivações, orientações e iniciativas que serão propostas em vários níveis da vida eclesial: do próprio Papa Bento XVI e da Santa Sé; da CNBB Nacional e Regional e  da nossa Arquidiocese. Cada padre também pense nas iniciativas que poderá promover nos âmbitos de suas próprias responsabilidades, sobretudo com o povo das respectivas comunidades paroquiais.

Dentre as várias sugestões já apresentadas para a vivência do Ano Sacerdotal na nossa Arquidiocese, desde agora, já posso indicar duas iniciativas: a) a celebração, com todo o clero arquidiocesano, da Missa do Crisma na 5ª. feira santa de 2010; e também o retiro do clero, em comum, em Itaici, de 8 a 12 de março de 2010. Destaque especial seja dado, em agosto de 2009, à comemoração do Dia do Padre, nas paróquias, e à confraternização do clero, no dia 27 de julho de 2009.

Confio à iniciativa do Conselho de Presbíteros da Arquidiocese e da Comissão de Presbíteros de cada Região Episcopal, bem como aos encarregados da animação da Pastoral Presbiteral a promoção de outras iniciativas para a devida valorização do Ano Sacerdotal. Encorajo também os padres a valorizarem as reuniões do clero já previstas normalmente e a promoverem encontros espontâneos de oração, vida fraterna e apoio recíproco durante este ano.

O Regional Sul 1 também já está organizando uma peregrinação a Aparecida com todo o clero do Estado de São Paulo, em ocasião a ser ainda definida e divulgada oportunamente. Desde logo, convido todo o nosso clero a aderir a essa iniciativa.

Nas paróquias e comunidades, seja promovido o dia semanal de adoração eucarística e de oração pelas vocações sacerdotais. Para tanto, os Párocos poderão envolver as associações o organizações laicais (Apostolado da Oração, Movimentos, Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão, grupos diversos…), sem deixar de se envolver também pessoalmente na promoção dessa e de outras iniciativas semelhantes. Teremos também uma oração pelos sacerdotes, a ser divulgada e promovida no meio do povo. Os jubileus sacerdotais e os aniversários de ordenação são outras ocasiões a serem valorizados especialmente neste ano.

Antes de encerrar esta carta, desejo ainda acrescentar isso: é minha convicção que o melhor efeito do Ano Sacerdotal será obtido mediante nosso testemunho de convicta e alegre gratidão a Deus pelo dom do sacerdócio, que nos foi dado, e pelo generoso, humilde e atento serviço ao povo, “nas coisas de Deus”. O povo, na sua fé simples e correta, vê em nós “homens de Deus” e espera receber de nós a “Bênção” de Deus (bênção grande!) e que o ajudemos a chegar mais perto de Deus. E tem razão, pois é esta mesma a missão que a Igreja nos confia e para isso unge nossas mãos. A todos sirvamos, portanto, em nome de Jesus Cristo, com renovada consciência e gratidão!

De minha parte, prometo escrever-lhes cada mês uma carta pessoal, abordando vários aspectos da vivência do sacerdócio. Acompanho-os e, nas suas missões, estou a seu lado com minha oração diária. Que o exemplo de vida sacerdotal do santo Cura de Ars inspire o zelo pastoral de todos. E São Paulo, Patrono de nossa Arquidiocese, interceda por nós e nos ajude a sermos discípulos e missionários de Jesus Cristo nesta cidade imensa!

Saúdo e abençoo a cada um, no afeto do coração sacerdotal de Cristo Jesus!


São Paulo, 19 de junho de 2009,

Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, abertura do Ano Sacerdotal.



Card. D. Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo

Fonte: Site Diocese São Paulo

Oração para o Ano Sacerdotal

Senhor Jesus,

Vós quisestes dar a Igreja, em São João Maria Vianney, uma imagem vivente e uma personificação da caridade pastoral.

Ajudai-nos a viver bem este Ano Sacerdotal, em sua companhia e com o seu exemplo.

Fazei que, a exemplo do Santo Cura D’Ars, possamos aprender como estar felizes e com dignidade diante do Santíssimo Sacramento, como seja simples e quotidiana a vossa Palavra que nos ensina, como seja terno o amor com o qual acolheu os pecadores arrependidos, como seja consolador o abandono confiante à vossa Santíssima Mãe Imaculada e como seja necessária a luta vigilante e fiel contra o Maligno.

Fazei, ó Senhor Jesus que, com o exemplo do Cura D’Ars, os nossos jovens possam sempre mais aprender o quanto seja necessário, humilde e glorioso, o ministério sacerdotal que quereis confiar àqueles que se abrem ao vosso chamado.

Fazei que também em nossas comunidades, tal como aconteceu em Ars, se realizem as mesmas maravilhas de graça que fazeis acontecer quando um sacerdote sabe “colocar amor na sua paróquia”.

Fazei que as nossas famílias cristãs saibam descobrir na Igreja a própria casa, na qual os vossos ministros possam ser sempre encontrados, e saibam fazê-la bela como uma igreja.

Fazei que a caridade dos nossos pastores anime e acenda a caridade de todos os fiéis, de tal modo que todos os carismas, doados pelo Espírito Santo, possam ser acolhidos e valorizados.

Mas, sobretudo, ó Senhor Jesus, concedei-nos o ardor e a verdade do coração, para que possamos dirigir-nos ao vosso Pai Celeste, fazendo nossas as mesmas palavras de São João Maria Vianney:

Eu Vos amo, meu Deus, e o meu único desejo é amar-Vos até o último suspiro da minha vida.
Eu Vos amo, Deus infinitamente amável, e prefiro morrer amando-Vos a viver um só instante sem Vos amar.
Eu Vos amo, Senhor, e a única graça que Vos peço é a de amar-Vos eternamente.
Eu Vos amo, meu Deus, e desejo o céu para ter a felicidade de Vos amar perfeitamente.
Eu Vos amo, meu Deus infinitamente bom, e temo o inferno porque lá não haverá nunca a consolação de Vos amar.
Meu Deus, se a minha língua não Vos pode dizer a todo o momento que Vos amo, quero que o meu coração Vo-lo repita cada vez que respiro.
Meu Deus, concedei-me a graça de sofrer amando-Vos e de Vos amar sofrendo.
Eu Vos amo, meu divino Salvador, porque fostes crucificado por mim e porque me tendes aqui em baixo crucificado por Vós.
Meu Deus, concedei-me a graça de morrer amando-Vos e de saber que Vos amo.
Meu Deus, à medida que me aproximo do meu fim, concedei-me a graça de aumentar e aperfeiçoar o meu amor.

Amém.

S. João Maria Vianney

Homilía de S.S. Benedicto XVI al inaugurar el Año Sacerdotal

REZO DE LAS SEGUNDAS VÍSPERAS
DE LA SOLEMNIDAD DEL SAGRADO CORAZÓN DE JESÚS

INAUGURACIÓN DEL AÑO SACERDOTAL
EN EL 150° ANIVERSARIO DE LA MUERTE
DE SAN JUAN MARÍA VIANNEY

HOMILÍA DE SU SANTIDAD BENEDICTO XVI

Basílica de San Pedro
Viernes 19 de junio de 2009

Queridos hermanos y hermanas:
En la antífona del Magníficat dentro de poco cantaremos: “El Señor nos ha acogido en su corazón”- “Suscepit nos Dominus in sinum et cor suum”. En el Antiguo Testamento se habla 26 veces del corazón de Dios, considerado como el órgano de su voluntad: en referencia al corazón de Dios, el hombre es juzgado. A causa del dolor que su corazón siente por los pecados del hombre, Dios decide el diluvio, pero después se conmueve ante la debilidad humana y perdona. Luego hay un pasaje del Antiguo Testamento en el que el tema del corazón de Dios se expresa de manera totalmente clara: se encuentra en el capítulo 11 del libro del profeta Oseas, donde los primeros versículos describen la dimensión del amor con el que el Señor se dirige a Israel en la aurora de su historia: “Cuando Israel era niño, yo le amé, y de Egipto llamé a mi hijo” (v. 1). En realidad, a la incansable predilección divina, Israel responde con indiferencia e incluso con ingratitud. “Cuanto más los llamaba –constata el Señor–, más se alejaban de mí” (v. 2). Sin embargo, Él no abandona Israel en las manos de los enemigos, pues “mi corazón -dice el Creador del universo– está en mí trastornado, y a la vez se estremecen mis entrañas” (v. 8).
¡El corazón de Dios se estremece de compasión! En la solemnidad del Sagrado Corazón de Jesús, la Iglesia presenta a nuestra contemplación este misterio, el misterio del corazón de un Dios que se conmueve y ofrece todo su amor a la humanidad. Un amor misterioso, que en los textos del Nuevo Testamento se nos revela como inconmensurable pasión de Dios por el hombre. No se rinde ante la ingratitud, ni siquiera ante el rechazo del pueblo que ha escogido; es más, con infinita misericordia envía al mundo a su unigénito Hijo para que cargue sobre sí el destino del amor destruido; para que, derrotando el poder del mal y de la muerte, pueda restituir la dignidad de hijos a los seres humanos esclavizados por el pecado. Todo esto a caro precio: el Hijo unigénito del Padre se inmola en la cruz: “habiendo amado a los suyos que estaban en el mundo, los amó hasta el extremo” (Cf. Juan 13, 1). Símbolo de este amor que va más allá de la muerte es su costado atravesado por una lanza. En este sentido, un testigo ocular, el apóstol Juan, afirma: “uno de los soldados le atravesó el costado con una lanza y al instante salió sangre y agua” (Cf. Juan 19,34).
Queridos hermanos y hermanas: gracias, pues respondiendo a mi invitación, habéis venido en gran número a esta celebración en la que entramos en el Año Sacerdotal. Saludo a los señores cardenales y a los obispos, en particular al cardenal prefecto y al secretario de la Congregación para el Clero, junto a sus colaboradores, y al obispo de Ars. Saludo a los sacerdotes y a los seminaristas de los colegios de Roma; a los religiosos y religiosas y a todos los fieles. Dijo un saludo especial a Su Beatitud Ignace Youssef Younan, patriarca de Antioquía de los Sirios, venido a Roma para visitarme y manifestar públicamente la “ecclesiastica communio” [comunión eclesial, ndt.] que le he concedido.
Queridos hermanos y hermanas: detengámonos a contemplar juntos el Corazón traspasado del Crucificado. Una vez más acabamos de escuchar, en la breve lectura tomada de la Carta de san Pablo a los Efesios, que “Dios, rico en misericordia, por el grande amor con que nos amó, estando muertos a causa de nuestros delitos, nos vivificó juntamente con Cristo – por gracia habéis sido salvados y con él nos resucitó y nos hizo sentar en los cielos en Cristo Jesús” (Efesios 2,4-6). Estar en Cristo Jesús significa ya sentarse en los cielos. En el Corazón de Jesús se expresa el núcleo esencial del cristianismo; en Cristo se nos revela y entrega toda la novedad revolucionaria del Evangelio: el Amor que nos salva y nos hace vivir ya en la eternidad de Dios. Escribe el evangelista Juan: “Tanto amó Dios al mundo que dio a su Hijo único, para que todo el que crea en él no perezca, sino que tenga vida eterna” (3,16). Su Corazón divino llama entonces a nuestro corazón; nos invita a salir de nosotros mismos, y a abandonar nuestras seguridades humanas para fiarnos de Él y, siguiendo su ejemplo, a hacer de nosotros mismos un don de amor sin reservas.
Si es verdad que la invitación de Jesús a “permanecer en su amor” (Cf. Juan 15, 9) se dirige a todo bautizado, en la fiesta del Sagrado Corazón de Jesús, Jornada de Santificación Sacerdotal, esta invitación resuena con mayor fuerza para nosotros sacerdotes, en particular esta tarde, solemne inicio del Año Sacerdotal, que he convocado con motivo del 150° aniversario de la muerte del santo Cura de Ars. Me viene inmediatamente a la mente una hermosa y conmovedora afirmación, referida en el Catecismo de la Iglesia Católica: “El sacerdocio es el amor del Corazón de Jesús” (n. 1589). ¿Cómo no recordar con conmoción que directamente de este Corazón ha manado el don de nuestro ministerio sacerdotal? ¿Cómo olvidar que nosotros, presbíteros, hemos sido consagrados para servir, humilde y autorizadamente, al sacerdocio común de los fieles? Nuestra misión es indispensable para la Iglesia y para el mundo, que exige fidelidad plena a Cristo y una incesante unión con Él; es decir, exige que busquemos constantemente la santidad como hizo san Juan María Vianney. En la carta que os he dirigido con motivo de este año jubilar especial, queridos sacerdotes, he querido subrayar algunos aspectos que califican nuestro ministerio, haciendo referencia al ejemplo y a la enseñanza del santo Cura de Ars, modelo y protector de todos los sacerdotes, y en particular de los párrocos. Espero que este texto mío os sea de ayuda y aliento para hacer de este año una ocasión propicia para crecer en la intimidad con Jesús, que cuenta con nosotros, sus ministros, para difundir y consolidar su Reino, para difundir su amor, su verdad. Y, por tanto, “a ejemplo del santo cura de Ars, dejaos conquistar por Él y seréis también vosotros, en el mundo de hoy, mensajeros de esperanza, reconciliación y paz”.
¡Dejarse conquistar totalmente por Cristo! Este fue el objetivo de toda la vida de san Pablo, al que hemos dirigido nuestra atención durante el Año Paulino, que se encamina ya hacia su conclusión; esta ha sido la meta de todo el ministerio del santo cura de Ars, a quien invocaremos particularmente durante el Año Sacerdotal; que éste sea también el objetivo principal de cada uno de nosotros. Para ser ministros al servicio del Evangelio es ciertamente útil y necesario el estudio con una atenta y permanente formación pastoral, pero todavía es más necesaria esa “ciencia del amor”, que sólo se aprende de “corazón a corazón” con Cristo. Él nos llama a partir el pan de su amor, a perdonar los pecados y a guiar al rebaño en su nombre. Precisamente por este motivo no tenemos que alejarnos nunca del manantial del Amor que es su Corazón atravesado en la cruz.
Sólo así seremos capaces de cooperar eficazmente con el misterioso “designio del Padre”, que consiste en “hacer de Cristo el corazón del mundo”. Designio que se realiza en la historia en la medida en que Jesús se convierte en el Corazón de los corazones humanos, comenzando por aquellos que están llamados a estar más cerca de él, los sacerdotes. Nos vuelven a recordar este constante compromiso las “promesas sacerdotales”, que pronunciamos el día de nuestra ordenación y que renovamos cada año, el Jueves Santo, en la Misa Crismal. Incluso nuestras carencias, nuestros límites y debilidades deben volvenos a conducir al Corazón de Jesús. Si es verdad que los pecadores, al contemplarle, deben aprender el necesario “dolor de los pecados” que los vuelve a conducir al Padre, esto se aplica aún más a los ministros sagrados. ¿Cómo olvidar que nada hace sufrir más a la Iglesia, Cuerpo de Cristo, que los pecados de sus pastores, sobre todo de aquellos que se convierten en “ladrones de ovejas” (Juan 10, 1 y siguientes), ya sea porque las desvían con sus doctrinas privadas, ya sea porque las atan con los lazos del pecado y de muerte? También para nosotros queridos sacerdotes se aplica el llamamiento a la conversión y a recurrir a la Misericordia Divina, e igualmente debemos dirigir con humildad incesante la súplica al Corazón de Jesús para que nos preserve del terrible riesgo de dañar a aquellos a quienes debemos salvar.
Hace poco he podido venerar, en la Capilla del Coro, la reliquia del santo cura de Ars: su corazón. Un corazón inflamado de amor divino. Que se conmovía ante el pensamiento de la dignidad del sacerdote y hablaba a los fieles con tonos tocantes y sublimes, afirmando que ¡”después de Dios, el sacerdote lo es todo!… Él mismo no se entenderá bien sino en el cielo” (Cf. Carta para el Año Sacerdotal, p. 2). Cultivemos queridos hermanos, esta misma conmoción, ya sea para cumplir nuestro ministerio con generosidad y dedicación, ya sea para custodiar en el alma un verdadero “temor de Dios”: el temor de poder privar de tanto bien, por nuestra negligencia o culpa a las almas que nos han sido confiadas o de poderlas dañar. ¡Que Dios no lo permita! La Iglesia tiene necesidad de sacerdotes santos; de ministros que ayuden a los fieles a experimentar el amor misericordioso del Señor y sean sus testigos convencidos. En la adoración eucarística, que seguirá a la celebración de las Vísperas, pediremos al Señor que inflame el corazón de cada presbítero con esa caridad pastoral capaz de asimilar su personal “yo” al de Jesús sacerdote, para así poderlo imitar en la más completa entrega de uno mismo. Que nos obtenga esta gracia la Virgen Madre, de quien mañana contemplaremos con viva fe el Corazón inmaculado. El santo cura de Ars vivía una filial devoción por ella, hasta el punto de que en 1836, anticipándose a la proclamación del dogma de la Inmaculada Concepción, ya había consagrado su parroquia a María “concebida sin pecado”. Y mantuvo la costumbre de renovar a menudo esta ofrenda de la parroquia a la santa Virgen, enseñando a los fieles que “basta con dirigirse a ella para ser escuchados”, por el simple motivo que ella “desea sobretodo vernos felices”. Que nos acompañe la Virgen santa, nuestra Madre, en el Año Sacerdotal que hoy iniciamos, para que podamos ser guías firmes e iluminados para los fieles que el Señor confía a nuestros cuidados pastorales ¡Amen!

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2009/documents/hf_ben-xvi_hom_20090619_anno-sac_sp.html

Bento XVI proclama um novo Ano Sacerdotal

CARTA DO SUMO PONTÍFICE

BENTO XVI

PARA A PROCLAMAÇÃO

DE UM ANO SACERDOTAL

POR OCASIÃO DO 150.º ANIVERSÁRIO

DO DIES NATALIS DO SANTO CURA D’ARS

Amados irmãos no sacerdócio,

Na próxima solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, sexta-feira 19 de Junho de 2009 – dia dedicado tradicionalmente à oração pela santificação do clero – tenho em mente proclamar oficialmente um «Ano Sacerdotal» por ocasião do 150.º aniversário do «dies natalis» de João Maria Vianney, o Santo Patrono de todos os párocos do mundo.[1] Tal ano, que pretende contribuir para fomentar o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um seu testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo, terminará na mesma solenidade de 2010. «O sacerdócio é o amor do Coração de Jesus»: costumava dizer o Santo Cura d’Ars.[2] Esta tocante afirmação permite-nos, antes de mais nada, evocar com ternura e gratidão o dom imenso que são os sacerdotes não só para a Igreja mas também para a própria humanidade. Penso em todos os presbíteros que propõem, humilde e quotidianamente, aos fiéis cristãos e ao mundo inteiro as palavras e os gestos de Cristo, procurando aderir a Ele com os pensamentos, a vontade, os sentimentos e o estilo de toda a sua existência. Como não sublinhar as suas fadigas apostólicas, o seu serviço incansável e escondido, a sua caridade tendencialmente universal? E que dizer da fidelidade corajosa de tantos sacerdotes que, não obstante dificuldades e incompreensões, continuam fiéis à sua vocação: a de «amigos de Cristo», por Ele de modo particular chamados, escolhidos e enviados?

Eu mesmo guardo ainda no coração a recordação do primeiro pároco junto de quem exerci o meu ministério de jovem sacerdote: deixou-me o exemplo de uma dedicação sem reservas ao próprio serviço sacerdotal, a ponto de encontrar a morte durante o próprio acto de levar o viático a um doente grave. Depois repasso na memória os inumeráveis irmãos que encontrei e encontro, inclusive durante as minhas viagens pastorais às diversas nações, generosamente empenhados no exercício diário do seu ministério sacerdotal. Mas a expressão utilizada pelo Santo Cura d’Ars evoca também o Coração traspassado de Cristo com a coroa de espinhos que O envolve. E isto leva o pensamento a deter-se nas inumeráveis situações de sofrimento em que se encontram imersos muitos sacerdotes, ou porque participantes da experiência humana da dor na multiplicidade das suas manifestações, ou porque incompreendidos pelos próprios destinatários do seu ministério: como não recordar tantos sacerdotes ofendidos na sua dignidade, impedidos na sua missão e, às vezes, mesmo perseguidos até ao supremo testemunho do sangue?

Infelizmente existem também situações, nunca suficientemente deploradas, em que é a própria Igreja a sofrer pela infidelidade de alguns dos seus ministros. Daí advém então para o mundo motivo de escândalo e de repulsa. O máximo que a Igreja pode recavar de tais casos não é tanto a acintosa relevação das fraquezas dos seus ministros, como sobretudo uma renovada e consoladora consciência da grandeza do dom de Deus, concretizado em figuras esplêndidas de generosos pastores, de religiosos inflamados de amor por Deus e pelas almas, de directores espirituais esclarecidos e pacientes. A este respeito, os ensinamentos e exemplos de S. João Maria Vianney podem oferecer a todos um significativo ponto de referência. O Cura d’Ars era humilíssimo, mas consciente de ser, enquanto padre, um dom imenso para o seu povo: «Um bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus, é o maior tesouro que o bom Deus pode conceder a uma paróquia e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina».[3] Falava do sacerdócio como se não conseguisse alcançar plenamente a grandeza do dom e da tarefa confiados a uma criatura humana: «Oh como é grande o padre! (…) Se lhe fosse dado compreender-se a si mesmo, morreria. (…) Deus obedece-lhe: ele pronuncia duas palavras e, à sua voz, Nosso Senhor desce do céu e encerra-se numa pequena hóstia».[4] E, ao explicar aos seus fiéis a importância dos sacramentos, dizia: «Sem o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar a sua peregrinação? O sacerdote. Quem a há-de preparar para comparecer diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote, sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer [pelo pecado], quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. (…) Depois de Deus, o sacerdote é tudo! (…) Ele próprio não se entenderá bem a si mesmo, senão no céu».[5] Estas afirmações, nascidas do coração sacerdotal daquele santo pároco, podem parecer excessivas. Nelas, porém, revela-se a sublime consideração em que ele tinha o sacramento do sacerdócio. Parecia subjugado por uma sensação de responsabilidade sem fim: «Se compreendêssemos bem o que um padre é sobre a terra, morreríamos: não de susto, mas de amor. (…) Sem o padre, a morte e a paixão de Nosso Senhor não teria servido para nada. É o padre que continua a obra da Redenção sobre a terra (…) Que aproveitaria termos uma casa cheia de ouro, senão houvesse ninguém para nos abrir a porta? O padre possui a chave dos tesouros celestes: é ele que abre a porta; é o ecónomo do bom Deus; o administrador dos seus bens (…) Deixai uma paróquia durante vinte anos sem padre, e lá adorar-se-ão as bestas. (…) O padre não é padre para si mesmo, é-o para vós».[6]

Tinha chegado a Ars, uma pequena aldeia com 230 habitantes, precavido pelo Bispo de que iria encontrar uma situação religiosamente precária: «Naquela paróquia, não há muito amor de Deus; infundi-lo-eis vós». Por conseguinte, achava-se plenamente consciente de que devia ir para lá a fim de encarnar a presença de Cristo, testemunhando a sua ternura salvífica: «[Meu Deus], concedei-me a conversão da minha paróquia; aceito sofrer tudo aquilo que quiserdes por todo o tempo da minha vida!»: foi com esta oração que começou a sua missão.[7] E, à conversão da sua paróquia, dedicou-se o Santo Cura com todas as suas energias, pondo no cume de cada uma das suas ideias a formação cristã do povo a ele confiado. Amados irmãos no sacerdócio, peçamos ao Senhor Jesus a graça de podermos também nós assimilar o método pastoral de S. João Maria Vianney. A primeira coisa que devemos aprender é a sua total identificação com o próprio ministério. Em Jesus, tendem a coincidir Pessoa e Missão: toda a sua acção salvífica era e é expressão do seu «Eu filial» que, desde toda a eternidade, está diante do Pai em atitude de amorosa submissão à sua vontade. Com modesta mas verdadeira analogia, também o sacerdote deve ansiar por esta identificação. Não se trata, certamente, de esquecer que a eficácia substancial do ministério permanece independentemente da santidade do ministro; mas também não se pode deixar de ter em conta a extraordinária frutificação gerada do encontro entre a santidade objectiva do ministério e a subjectiva do ministro. O Cura d’Ars principiou imediatamente este humilde e paciente trabalho de harmonização entre a sua vida de ministro e a santidade do ministério que lhe estava confiado, decidindo «habitar», mesmo materialmente, na sua igreja paroquial: «Logo que chegou, escolheu a igreja por sua habitação. (…) Entrava na igreja antes da aurora e não saía de lá senão à tardinha depois do Angelus. Quando precisavam dele, deviam procurá-lo lá»: lê-se na primeira biografia.[8]

O exagero devoto do pio hagiógrafo não deve fazer-nos esquecer o facto de que o Santo Cura soube também «habitar» activamente em todo o território da sua paróquia: visitava sistematicamente os doentes e as famílias; organizava missões populares e festas dos Santos Patronos; recolhia e administrava dinheiro para as suas obras sócio-caritativas e missionárias; embelezava a sua igreja e dotava-a de alfaias sagradas; ocupava-se das órfãs da «Providence» (um instituto fundado por ele) e das suas educadoras; tinha a peito a instrução das crianças; fundava confrarias e chamava os leigos para colaborar com ele.

O seu exemplo induz-me a evidenciar os espaços de colaboração que é imperioso estender cada vez mais aos fiéis leigos, com os quais os presbíteros formam um único povo sacerdotal[9] e no meio dos quais, em virtude do sacerdócio ministerial, se encontram «para os levar todos à unidade, “amando-se uns aos outros com caridade fraterna, e tendo os outros por mais dignos” (Rm 12, 10)».[10]Neste contexto, há que recordar o caloroso e encorajador convite feito pelo Concílio Vaticano II aos presbíteros para que «reconheçam e promovam sinceramente a dignidade e participação própria dos leigos na missão da Igreja. Estejam dispostos a ouvir os leigos, tendo fraternalmente em conta os seus desejos, reconhecendo a experiência e competência deles nos diversos campos da actividade humana, para que, juntamente com eles, saibam reconhecer os sinais dos tempos». [11]

O Santo Cura ensinava os seus paroquianos sobretudo com o testemunho da vida. Pelo seu exemplo, os fiéis aprendiam a rezar, detendo-se de bom grado diante do sacrário para uma visita a Jesus Eucaristia.[12] «Para rezar bem – explicava-lhes o Cura –, não há necessidade de falar muito. Sabe-se que Jesus está ali, no tabernáculo sagrado: abramos-Lhe o nosso coração, alegremo-nos pela sua presença sagrada. Esta é a melhor oração».[13] E exortava: «Vinde à comunhão, meus irmãos, vinde a Jesus. Vinde viver d’Ele para poderdes viver com Ele».[14] «É verdade que não sois dignos, mastendes necessidade!».[15] Esta educação dos fiéis para a presença eucarísticapara a comunhão adquiria um eficácia muito particular, quando o viam celebrar o Santo Sacrifício da Missa. Quem ao mesmo assistia afirmava que «não era possível encontrar uma figura que exprimisse melhor a adoração. (…) Contemplava a Hóstia amorosamente».[16] Dizia ele: «Todas as boas obras reunidas não igualam o valor do sacrifício da Missa, porque aquelas são obra de homens, enquanto a Santa Missa é obra de Deus».[17] Estava convencido de que todo o fervor da vida de um padre dependia da Missa: «A causa do relaxamento do sacerdote é porque não presta atenção à Missa! Meu Deus, como é de lamentar um padre que celebra [a Missa] como se fizesse um coisa ordinária!».[18] E, ao celebrar, tinha tomado o costume de oferecer sempre também o sacrifício da sua própria vida: «Como faz bem um padre oferecer-se em sacrifício a Deus todas as manhãs!».[19]

Esta sintonia pessoal com o Sacrifício da Cruz levava-o – por um único movimento interior – do altar ao confessionário. Os sacerdotes não deveriam jamais resignar-se a ver os seus confessionários desertos, nem limitar-se a constatar o menosprezo dos fiéis por este sacramento. Na França, no tempo do Santo Cura d’Ars, a confissão não era mais fácil nem mais frequente do que nos nossos dias, pois a tormenta revolucionária tinha longamente sufocado a prática religiosa. Mas ele procurou de todos os modos, com a pregação e o conselho persuasivo, fazer os seus paroquianos redescobrirem o significado e a beleza da Penitência sacramental, apresentando-a como uma exigência íntima da Presença eucarística. Pôde assim dar início a um círculo virtuoso. Com as longas permanências na igreja junto do sacrário, fez com que os fiéis começassem a imitá-lo, indo até lá visitar Jesus, e ao mesmo tempo estivessem seguros de que lá encontrariam o seu pároco, disponível para os ouvir e perdoar. Em seguida, a multidão crescente dos penitentes, provenientes de toda a França, haveria de o reter no confessionário até 16 horas por dia. Dizia-se então que Ars se tinha tornado «o grande hospital das almas».[20] «A graça que ele obtinha [para a conversão dos pecadores] era tão forte que aquela ia procurá-los sem lhes deixar um momento de trégua!»: diz o primeiro biógrafo.[21] E assim o pensava o Santo Cura d’Ars, quando afirmava: «Não é o pecador que regressa a Deus para Lhe pedir perdão, mas é o próprio Deus que corre atrás do pecador e o faz voltar para Ele».[22] «Este bom Salvador é tão cheio de amor que nos procura por todo o lado».[23]

Todos nós, sacerdotes, deveríamos sentir que nos tocam pessoalmente estas palavras que ele colocava na boca de Cristo: «Encarregarei os meus ministros de anunciar aos pecadores que estou sempre pronto a recebê-los, que a minha misericórdia é infinita».[24] Do Santo Cura d’Ars, nós, sacerdotes, podemos aprender não só uma inexaurível confiança no sacramento da Penitência que nos instigue a colocá-lo no centro das nossas preocupações pastorais, mas também o método do «diálogo de salvação» que nele se deve realizar. O Cura d’Ars tinha maneiras diversas de comportar-se segundo os vários penitentes. Quem vinha ao seu confessionário atraído por uma íntima e humilde necessidade do perdão de Deus, encontrava nele o encorajamento para mergulhar na «torrente da misericórdia divina» que, no seu ímpeto, tudo arrasta e depura. E se aparecia alguém angustiado com o pensamento da sua debilidade e inconstância, temeroso por futuras quedas, o Cura d’Ars revelava-lhe o segredo de Deus com um discurso de comovente beleza: «O bom Deus sabe tudo. Ainda antes de vos confessardes, já sabe que voltareis a pecar e todavia perdoa-vos. Como é grande o amor do nosso Deus, que vai até ao ponto de esquecer voluntariamente o futuro, só para poder perdoar-nos!».[25] Diversamente, a quem se acusava de forma tíbia e quase indiferente, expunha, através das suas próprias lágrimas, a séria e dolorosa evidência de quão «abominável» fosse aquele comportamento. «Choro, porque vós não chorais»:[26] exclamava ele. «Se ao menos o Senhor não fosse assim tão bom! Mas é assim bom! Só um bárbaro poderia comportar-se assim diante de um Pai tão bom!».[27] Fazia brotar o arrependimento no coração dos tíbios, forçando-os a verem com os próprios olhos o sofrimento de Deus, causado pelos pecados, quase «encarnado» no rosto do padre que os atendia de confissão. Entretanto a quem se apresentava já desejoso e capaz de uma vida espiritual mais profunda, abria-lhe de par em par as profundidades do amor, explicando a inexprimível beleza de poder viver unidos a Deus e na sua presença: «Tudo sob o olhar de Deus, tudo com Deus, tudo para agradar a Deus. (…) Como é belo!»[28] E ensinava-lhes a rezar assim: «Meu Deus, dai-me a graça de Vos amar tanto quanto é possível que eu Vos ame!».[29]

No seu tempo, o Cura d’Ars soube transformar o coração e a vida de muitas pessoas, porque conseguiu fazer-lhes sentir o amor misericordioso do Senhor. Também hoje é urgente igual anúncio e testemunho da verdade do Amor: Deus caritas est (1 Jo 4, 8). Com a Palavra e os Sacramentos do seu Jesus, João Maria Vianney sabia instruir o seu povo, ainda que frequentemente suspirava convencido da sua pessoal inaptidão a ponto de ter desejado diversas vezes subtrair-se às responsabilidades do ministério paroquial de que se sentia indigno. Mas, com exemplar obediência, ficou sempre no seu lugar, porque o consumia a paixão apostólica pela salvação das almas. Procurava aderir totalmente à própria vocação e missão por meio de uma severa ascese: «Para nós, párocos, a grande desdita – deplorava o Santo – é entorpecer-se a alma»,[30] entendendo, com isso, o perigo de o pastor se habituar ao estado de pecado ou de indiferença em que vivem muitas das suas ovelhas. Com vigílias e jejuns, punha freio ao corpo, para evitar que opusesse resistência à sua alma sacerdotal. E não se esquivava a mortificar-se a si mesmo para bem das almas que lhe estavam confiadas e para contribuir para a expiação dos muitos pecados ouvidos em confissão. Explicava a um colega sacerdote: «Dir-vos-ei qual é a minha receita: dou aos pecadores uma penitência pequena e o resto faço-o eu no lugar deles».[31] Independentemente das penitências concretas a que se sujeitava o Cura d’Ars, continua válido para todos o núcleo do seu ensinamento: as almas custam o sangue de Cristo e o sacerdote não pode dedicar-se à sua salvação se se recusa a contribuir com a sua parte para o «alto preço» da redenção.

No mundo actual, não menos do que nos tempos difíceis do Cura d’Ars, é preciso que os presbíteros, na sua vida e acção, se distingam por um vigoroso testemunho evangélico. Observou, justamente, Paulo VI que «o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas».[32] Para que não se forme um vazio existencial em nós e fique comprometida a eficácia do nosso ministério, é preciso não cessar de nos interrogarmos: «Somos verdadeiramente permeados pela Palavra de Deus? É verdade que esta é o alimento de que vivemos, mais de que o sejam o pão e as coisas deste mundo? Conhecemo-la verdadeiramente? Amamo-la? De tal modo nos ocupamos interiormente desta palavra, que a mesma dá realmente um timbre à nossa vida e forma o nosso pensamento?».[33] Assim como Jesus chamou os Doze para estarem com Ele (cf. Mc 3, 14) e só depois é que os enviou a pregar, assim também nos nossos dias os sacerdotes são chamados a assimilar aquele «novo estilo de vida» que foi inaugurado pelo Senhor Jesus e assumido pelos Apóstolos.[34]

Foi precisamente a adesão sem reservas a este «novo estilo de vida» que caracterizou o trabalho ministerial do Cura d’Ars. O Papa João XXIII, na carta encíclica Sacerdotii nostri primordia – publicada em 1959, centenário da morte de S. João Maria Vianney –, apresentava a sua fisionomia ascética referindo-se de modo especial ao tema dos «três conselhos evangélicos», considerados necessários também para os presbíteros: «Embora, para alcançar esta santidade de vida, não seja imposta ao sacerdote como própria do estado clerical a prática dos conselhos evangélicos, entretanto esta representa para ele, como para todos os discípulos do Senhor, o caminho regular da santificação cristã».[35] O Cura d’Ars soube viver os «conselhos evangélicos» segundo modalidades apropriadas à sua condição de presbítero. Com efeito, a sua pobreza não foi a mesma de um religioso ou de um monge, mas a requerida a um padre: embora manejasse com muito dinheiro (dado que os peregrinos mais abonados não deixavam de se interessar pelas suas obras sócio-caritativas), sabia que tudo era dado para a sua igreja, os seus pobres, os seus órfãos, as meninas da sua «Providence»,[36] as suas famílias mais indigentes. Por isso, ele «era rico para dar aos outros e era muito pobre para si mesmo».[37] Explicava: «O meu segredo é simples: dar tudo e não guardar nada».[38] Quando se encontrava com as mãos vazias, dizia contente aos pobres que se lhe dirigiam: «Hoje sou pobre como vós, sou um dos vossos».[39] Deste modo pôde, ao fim da vida, afirmar com absoluta serenidade: «Não tenho mais nada. Agora o bom Deus pode chamar-me quando quiser!».[40] Também a sua castidade era aquela que se requeria a um padre para o seu ministério. Pode-se dizer que era a castidade conveniente a quem deve habitualmente tocar a Eucaristia e que habitualmente a fixa com todo o entusiasmo do coração e com o mesmo entusiasmo a dá aos seus fiéis. Dele se dizia que «a castidade brilhava no seu olhar», e os fiéis apercebiam-se disso quando ele se voltava para o sacrário fixando-o com os olhos de um enamorado.[41] Também a obediência de S. João Maria Vianney foi toda encarnada na dolorosa adesão às exigências diárias do seu ministério. É sabido como o atormentava o pensamento da sua própria inaptidão para o ministério paroquial e o desejo que tinha de fugir «para chorar a sua pobre vida, na solidão».[42] Somente a obediência e a paixão pelas almas conseguiam convencê-lo a continuar no seu lugar. A si próprio e aos seus fiéis explicava: «Não há duas maneiras boas de servir a Deus. Há apenas uma: servi-Lo como Ele quer ser servido».[43] A regra de ouro para levar uma vida obediente parecia-lhe ser esta: «Fazer só aquilo que pode ser oferecido ao bom Deus».[44]

No contexto da espiritualidade alimentada pela prática dos conselhos evangélicos, aproveito para dirigir aos sacerdotes, neste Ano a eles dedicado, um convite particular para saberem acolher a nova primavera que, em nossos dias, o Espírito está a suscitar na Igreja, através nomeadamente dos Movimentos Eclesiais e das novas Comunidades. «O Espírito é multiforme nos seus dons. (…) Ele sopra onde quer. E fá-lo de maneira inesperada, em lugares imprevistos e segundo formas precedentemente inimagináveis (…); mas demonstra-nos também que Ele age em vista do único Corpo e na unidade do único Corpo».[45] A propósito disto, vale a indicação do decreto Presbyterorum ordinis: «Sabendo discernir se os espíritos vêm de Deus, [os presbíteros] perscrutem com o sentido da fé, reconheçam com alegria e promovam com diligência os multiformes carismas dos leigos, tanto os mais modestos como os mais altos».[46] Estes dons, que impelem não poucos para uma vida espiritual mais elevada, podem ser de proveito não só para os fiéis leigos mas também para os próprios ministros. Com efeito, da comunhão entre ministros ordenados e carismas pode brotar «um válido impulso para um renovado compromisso da Igreja no anúncio e no testemunho do Evangelho da esperança e da caridade em todos os recantos do mundo».[47] Queria ainda acrescentar, apoiado na exortação apostólica Pastores dabo vobis do Papa João Paulo II, que o ministério ordenado tem uma radical «forma comunitária» e pode ser cumprido apenas na comunhão dos presbíteros com o seu Bispo.[48]É preciso que esta comunhão entre os sacerdotes e com o respectivo Bispo, baseada no sacramento da Ordem e manifestada na concelebração eucarística, se traduza nas diversas formas concretas de uma fraternidade sacerdotal efectiva e afectiva.[49] Só deste modo é que os sacerdotes poderão viver em plenitude o dom do celibato e serão capazes de fazer florir comunidades cristãs onde se renovem os prodígios da primeira pregação do Evangelho.

O Ano Paulino, que está a chegar ao fim, encaminha o nosso pensamento também para o Apóstolo das nações, em quem refulge aos nossos olhos um modelo esplêndido de sacerdote, totalmente «doado» ao seu ministério. «O amor de Cristo nos impele – escrevia ele –, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram» (2 Cor 5, 14). E acrescenta: Ele «morreu por todos, para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles» (2 Cor 5, 15). Que programa melhor do que este poderia ser proposto a um sacerdote empenhado a avançar pela estrada da perfeição cristã?

Amados sacerdotes, a celebração dos cento e cinquenta anos da morte de S. João Maria Vianney (1859) segue-se imediatamente às celebrações há pouco encerradas dos cento e cinquenta anos das aparições de Lourdes (1858). Já em 1959, o Beato Papa João XXIII anotara: «Pouco antes que o Cura d’Ars concluísse a sua longa carreira cheia de méritos, a Virgem Imaculada aparecera, noutra região da França, a uma menina humilde e pura para lhe transmitir uma mensagem de oração e penitência, cuja imensa ressonância espiritual há um século que é bem conhecida. Na realidade, a vida do santo sacerdote, cuja comemoração celebramos, fora de antemão uma viva ilustração das grandes verdades sobrenaturais ensinadas à vidente de Massabielle. Ele próprio nutria pela Imaculada Conceição da Santíssima Virgem uma vivíssima devoção, ele que, em 1836, tinha consagrado a sua paróquia a Maria concebida sem pecado e havia de acolher com tanta fé e alegria a definição dogmática de 1854».[50] O Santo Cura d’Ars sempre recordava aos seus fiéis que «Jesus Cristo, depois de nos ter dado tudo aquilo que nos podia dar, quis ainda fazer-nos herdeiros de quanto Ele tem de mais precioso, ou seja, da sua Santa Mãe».[51]

À Virgem Santíssima entrego este Ano Sacerdotal, pedindo-Lhe para suscitar no ânimo de cada presbítero um generoso relançamento daqueles ideais de total doação a Cristo e à Igreja que inspiraram o pensamento e a acção do Santo Cura d’Ars. Com a sua fervorosa vida de oração e o seu amor apaixonado a Jesus crucificado, João Maria Vianney alimentou a sua quotidiana doação sem reservas a Deus e à Igreja. Possa o seu exemplo suscitar nos sacerdotes aquele testemunho de unidade com o Bispo, entre eles próprios e com os leigos que é tão necessário hoje, como o foi sempre. Não obstante o mal que existe no mundo, ressoa sempre actual a palavra de Cristo aos seus apóstolos, no Cenáculo: «No mundo sofrereis tribulações. Mas tende confiança: Eu venci o mundo» (Jo 16, 33). A fé no divino Mestre dá-nos a força para olhar confiadamente o futuro. Amados sacerdotes, Cristo conta convosco. A exemplo do Santo Cura d’Ars, deixai-vos conquistar por Ele e sereis também vós, no mundo actual, mensageiros de esperança, de reconciliação, de paz.

Com a minha bênção.

Vaticano, 16 de Junho de 2009.

[Benedictus PP. XVI]


[1] Assim o proclamou o Sumo Pontífice Pio XI, em 1929.

[2] «Le Sacerdoce, c’est l’amour du cœr de Jésus», in Le Curé d’Ars. Sa pensée – son cœur, obra cuidada por Abbé Bernard Nodet (ed. Xavier Mappus, Foi Vivante, 1966), pág. 98. Em seguida, será citada: Nodet. A mesma frase aparece no Catecismo da Igreja Católica, n. 1589.

[3] Nodet, 101.

[4] Ibid., 97.

[5] Ibid., 98-99.

[6] Ibid., 98-100.

[7] Ibid., 183.

[8] MONNIN A., Il Curato d’Ars. Vita di Gian-Battista-Maria Vianney, vol. I (ed. Marietti, Turim 1870), pág. 122.

[9] Cf. Lumen gentium, 10.

[10] Presbyterorum ordinis, 9.

[11] Ibid., 9.

[12] «A contemplação é o olhar de fé, fixado em Jesus. “Eu olho para Ele e Ele olha para mim” – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d’Ars em oração diante do sacrário» (Catecismo da Igreja Católica, n. 2715).

[13] Nodet, 85.

[14] Ibid., 114.

[15] Ibid., 119.

[16] MONNIN A., o.c., II, pág. 430ss.

[17] Nodet, 105.

[18] Ibid., 105.

[19] Ibid., 104.

[20] MONNIN A., o.c., II, pág. 293.

[21] Ibid., II, pág. 10.

[22] Nodet, 128.

[23] Ibid., 50.

[24] Ibid., 131.

[25] Ibid., 130.

[26] Ibid., 27.

[27] Ibid., 139.

[28] Ibid., 28.

[29] Ibid., 77.

[30] Ibid., 102.

[31] Ibid., 189.

[32] Evangelii nuntiandi, 41.

[33] BENTO XVI, Homilia na Missa Crismal (9 de Abril de 2009).

[34] Cf. BENTO XVI, Discurso à Assembleia plenária da Congregação do Clero (16 de Março de 2009).

[35] Parte I.

[36] Este foi o nome que deu à casa onde fez alojar e educar mais de 60 meninas abandonadas. Para mantê-la, a nada se poupava: «J’ai fait tous les commerces imaginables» – dizia ele sorrindo (Nodet, 214).

[37] Nodet, 216.

[38] Ibid., 215.

[39] Ibid., 216.

[40] Ibid., 214.

[41] Cf. ibid., 112.

[42] Cf. ibid., 82-84.102-103.

[43] Ibid., 75.

[44] Ibid., 76.

[45] BENTO XVI, Homilia na Vigília de Pentecostes (3 de Junho de 2006).

[46] N. 9.

[47] BENTO XVI, Discurso aos Bispos amigos do Movimento dos Focolares e da Comunidade de Santo Egídio (8 de Fevereiro de 2007).

[48] Cf. n. 17.

[49] Cf. JOÃO PAULO II, Exort. ap. Pastores dabo vobis, 74.

[50] Carta enc. Sacerdotii nostri primordia, parte III.

[51] Nodet, 244.

Fonte