O Direito de Associação no Vaticano II e no CIC: As Associações Privadas de Fiéis

EncontroMons. João S. Clá Dias, EP

1. Explicitação do Direito de Associação no Concílio Vaticano II

A noção do papel de todos os fiéis na vida da Igreja foi notavelmente ressaltada no Concílio Vaticano II. E, com ela, a concepção ainda mais clara e precisa de que os fiéis possuem um direito de se associar, inclusive para finalidades espirituais, de caridade, de apostolado e, enfim, religiosas de um modo geral.1 Nesse sentido, diz o Decreto Apostolicam Actuositatem:

18. Os cristãos são chamados, como indivíduos, a exercerem o apostolado nas diversas circunstâncias de sua vida. Lembrem-se, no entanto, que o homem é por natureza social e aprouve a Deus reunir os fiéis em Cristo num povo de Deus (cf. 1 Pd 2, 5-10) e num só corpo (cf. 1 Cor 12, 12). […] Exerçam, pois, os fiéis, o apostolado em espírito de unidade. Façam-se apóstolos tanto em suas comunidades familiares quanto nas paroquiais e diocesanas — comunidades que por sua vez exprimem a índole comunitária do apostolado — como também em agrupamentos livres aos quais decidiram agregar-se.

O apostolado de grupo é de grande importância também porque, nas comunidades da Igreja ou em diversos ambientes, muitas vezes exige que seja realizado por uma ação comum. Os grupos constituídos para a ação apostólica comunitária sustentam seus membros e os formam para o apostolado, organizam e dirigem seu trabalho apostólico, de forma a se poder esperar daí frutos bem mais abundantes do que no caso de agirem todos em separado.

Nas atuais circunstâncias, pois, é de extrema necessidade que no ambiente da atividade dos leigos se fortaleça a forma de apostolado em grupo organizado. É só a união estreita de forças que pode atingir plenamente os fins todos do apostolado moderno e ainda defender vigorosamente seus benefícios. […]

19. Grande é a variedade que existe entre as associações de apostolado. […]

Salva a devida relação com a autoridade eclesiástica, é direito dos leigos fundarem grupos e dirigirem-nos, bem como inscreverem-se nos existentes (AA 18-19).

2. O direito de reunião e de associação no atual CIC

Uma das grandes inovações introduzidas no ordenamento jurídico canônico pelo atual CIC consiste no reconhecimento, aos fiéis católicos em geral, ou seja, clérigos e leigos2, das liberdades de associação e de reunião, nos termos do cân. 215:

Os fiéis têm o direito de fundar e dirigir livremente associações para fins de caridade e piedade, ou para favorecer a vocação cristã no mundo, e de se reunir para a consecução comum dessas finalidades.

Manzanares (2005, p. 127), em nota a esse cânon, destaca o reconhecimento não só do direito de associação, mas também do de simples reunião, e manifesta a origem conciliar desses conceitos: “Refere-se o cânon tanto ao direito de associação como ao de simples reunião. Veja-se sua motivação e sua clara afirmação doutrinal em AA 18-19”.

Em dicção semelhante, embora sem mencionar explicitamente a liberdade de reunião, o Código repete o conceito no que se refere aos clérigos seculares, ou seja, afirma claramente o direito de associar-se que lhes assiste, no cân. 278, § 1 e 2 3:

§ 1. É direito dos clérigos seculares associarem-se para finalidades conformes ao estado clerical.

§ 2. Os clérigos seculares dêem importância principalmente às associações que, tendo os estatutos aprovados pela autoridade competente, por uma organização de vida adequada e convenientemente aprovada e pela ajuda fraterna, são de estímulo à santidade no exercício no ministério e favorecem a união dos clérigos entre si e com o Bispo.

Segundo Hortal, o Código explicita, no cân. 278, o direito dos clérigos seculares à associação “não porque eles não sejam ‘fiéis cristãos’, mas porque historicamente esse direito lhes foi negado com freqüência” (HORTAL, 2008, p. 153). Quanto aos membros dos estados de vida consagrada, como também aponta Hortal4, estão eles sujeitos ao que estabelece o § 3 do cân. 307: “Os membros de institutos religiosos podem inscrever-se em associações, de acordo com o direito próprio e com o consentimento Superior.” Como o próprio Papa João Paulo II declarou, na Constituição Apostólica de promulgação do novo Código (2008, p. 15), as inovações nele contidas refletem o “grande esforço de transferir para a linguagem canonística, a própria eclesiologia conciliar”. E acrescenta: “A conseqüência é que a razão fundamental da novidade que, sem jamais afastar-se da tradição legislativa da Igreja, se encontra no Concílio Vaticano II, principalmente sua eclesiologia, constitui também a razão da novidade no novo Código” (p. 15).

Se o Concílio Vaticano II hauriu elementos antigos e novos do tesouro da Tradição e se sua novidade se constitui por estes e outros elementos, é manifesto que o Código deve possuir a mesma característica de fidelidade, conformando-se a ela em seu próprio campo e sua maneira especial de expressar-se (JOÃO PAULO II, 2008, p. 15 e 17).

E, como refere Gruszynski (1999, p. 20), no discurso de apresentação do novo CIC, João Paulo II afirma que:

[…] ele não pode ser adequadamente valorizado e corretamente interpretado se for considerado, de acordo com a ideologia das codificações civis, como um texto normativo autônomo, completo e exaustivo. Ele deve, pelo contrário, ser colocado ao lado do “Livro que contém os atos do Concílio”, em um acoplamento bem válido e significativo, que vê estes dois livros elaborados pela Igreja do século XX se integrarem numa unidade harmônica e complementar.

Conclui-se, pois, que as normas canônicas vigentes sobre os fenômenos associativos decorrem dos ensinamentos emanados do Concílio Vaticano II, são por eles complementados e a essa luz devem ser interpretados. Deve-se ter em vista, porém, que, em matéria de explicitação e precisão de definição, o CIC foi além do próprio Concílio, conforme a observação de Feliciani (2002, p. 120-121):

O Vaticano II, embora afirmando de modo claro o direito de associação dos fiéis, não se preocupou de propor uma definição formal e exaustiva. Pelo contrário, o novo Código chega, no cân. 215, a um reconhecimento totalmente explícito: “Os fiéis têm o direito de livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade e de piedade e para favorecer a vocação cristã no mundo e a reunir-se para atingir juntos esses fins”.

3. As Associações Privadas de Fiéis no atual CIC

Uma definição do que são as associações de fiéis nos é dada pelo cân. 298 § 1 5. Ele o faz em parte por exclusão, ao referir que se trata de associações “distintas dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica”; em parte designando os que delas podem ser membros, quais sejam clérigos ou leigos, quer sendo facultadas as associações compostas exclusivamente por clérigos ou exclusivamente por leigos, quer podendo haver clérigos e leigos conjuntamente em seus quadros; e, também, complementa a conceituação enumerando fins a que podem visar, enumeração essa que “é exemplificativa, não exclusiva” (HORTAL, 2008, p. 162).

Sobre a gama muito ampla de fins a que podem visar as associações privadas de fiéis, Fuentes (2002, p. 513) esclarece: “Qualquer fim próprio da condição de batizado pode ser pretendido pelos fiéis unidos em associação” (p. 513). Observa apenas que, em se tratando de associações privadas, “os fins que pretendem não os persigam em nome da Igreja”, o que, porém, não lhes diminui o caráter eclesial, ou restringe sua atuação ao âmbito temporal:

Isto não quer dizer que a missão destas associações seja menos eclesial, ou que estas associações sejam aquelas nas quais os fiéis se unem com fins civis, sociais, políticos ou culturais. As associações privadas de fiéis são associações na Igreja e para cumprir fins eclesiais, para cumprir aqueles fins que se assinalam no cân. 298, § 1 (cf. CD, 17 e AA, 19).6

Examinando o cân. 298, § 1, Ghirlanda (2007) destaca os elementos que considera fundamentais para se aferir a conveniência de aprovar-se e, enfim, discernir as características de uma associação de fiéis leigos. Embora o autor pretenda delimitar critérios para o reconhecimento de tais associações, eles também se prestam para uma melhor compreensão do que sejam as associações de fiéis em si mesmas. Ghirlanda (2007, p. 268-269) os vai recolher na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles Laici, resumindo-os como segue:

1) As associações devem ser instrumentos de santidade para seus membros. Isto verifica-se pela sua fidelidade para com o Senhor e pela docilidade ao Espírito; portanto, pelo uso de meios de santificação concordes com a doutrina, a disciplina e a tradição da Igreja.

2) Pelo respeito para com o magistério verifica-se a sua realidade de lugar de anúncio da fé e de formação integral.

3) Pelo testemunho de uma comunhão sólida e convicta com o Romano Pontífice e os bispos comprovam-se o amor sincero para com a Igreja e a vontade de inserção ativa na sua vida de oração e de ação apostólica para o seu incremento.

4) De acordo com a finalidade apostólica da Igreja deve ser manifesta a dinamicidade apostólica, e também missionária, ou então discreta na sociedade humana, na humildade e na capacidade de colaboração com todos os outros organismos ativos na Igreja tanto universal como particular.

5) Empenho no agir na sociedade humana a serviço da dignidade integral do homem, à luz da doutrina social da Igreja.

Além dos pontos destacados por Ghirlanda (2007), chama a atenção o último parágrafo da Christifideles Laici (n. 30), o qual ressalta a necessidade de se ter em vista os “frutos concretos que acompanharam a vida e as obras” da instituição.

Este critério nos faz lembrar o ensinamento evangélico de que “pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7, 20), e certamente está também nos fundamentos do que Feliciani (2003, p. 158) propõe como parâmetro para o reconhecimento eclesiástico:

[…] em toda esta matéria parece oportuno evitar o mais possível preocupações formalísticas e privilegiar o aspecto substancial. Em conseqüência, a autoridade deverá ter presente não só e não tanto os dados resultantes da documentação submetida ao seu exame, mas também e, sobretudo, a efetiva realidade da associação assim como a pode conhecer por experiência direta ou por testemunhas dignas de crédito.

CLÁ DIAS, João. Os carismas e as instituições jurídicas: A Graça e a Lei enquanto realidades harmônicas. Lumen Veritatis. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 11, abr-jun 2010. p. 23-28.

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1 Essa dificuldade de se compreender o papel e a liberdade dos leigos na Igreja e o correspondente direito de atuarem de forma associada chega a ser enunciada por Corral y Urteaga como algo que a autoridade eclesiástica por vezes repeliu e, segundo esse autor, teria ela chegado a ver nisso um perigo de subversão ou um obstáculo ao exercício de seu próprio poder: “O fenômeno associativo sempre foi muito importante na Igreja. Mas assim como na base, tanto clerical como secular, tinha uma vitalidade muito forte, contudo a autoridade eclesiástica nem sempre apreciou no seu valor este aspecto da vida eclesial. Assim como a Igreja é uma comunidade, dentro desta comunidade, por afinidades espirituais ou finalidades similares, os fiéis e os clérigos procuravam a comunidade de vida e atuações. Mas a autoridade via nisso antes um perigo de subversão ou de impedimento da ação da autoridade na Igreja. Daí que houvesse tantas limitações para a constituição destas associações, que no Direito antigo não se podiam constituir sem aprovação do legítimo superior eclesiástico (cf. cân. 708 do Código de 17). Essa força associativa na Igreja foi aumentada. O Concílio Vaticano II, acolhendo o fenômeno eclesial e avaliando positivamente a sua ação na Igreja, deu lugar a uma orientação mais favorável a essas associações, que já antes na Igreja, sobretudo da parte dos leigos, tinham conseguido um reconhecimento, principalmente na Ação Católica e organizações equiparadas”. (CORRAL Salvador, Carlos; URTEAGA Embil, José Maria. Dicionário de Direito Canônico. São Paulo: Loyola, 1997. Trad. Jesús Hortal et al. p. 698).

2 Como já foi referido e se depreende dos câns. 204 e 207, por fiéis o CIC entende “os que incorporados pelo batismo foram constituídos como povo de Deus e, assim, feitos participantes, a seu modo, do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, são chamados a exercer, segundo a condição própria de cada um, a missão que Deus confiou para a Igreja cumprir no mundo” (cân. 204). Ou seja, todos os batizados. Ainda conforme o cân. 207, §1, leigos são todos os fiéis que não são clérigos. E segundo o §2 do mesmo cânon, tanto clérigos quanto leigos podem, “pela profissão dos conselhos evangélicos, mediante votos ou outros vínculos sagrados, reconhecidos e sancionados pela Igreja”, consagrar-se “a Deus e contribuir para a missão salvífica da Igreja”. São aqueles que o CIC regula ao tratar “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”.

3 Que essas liberdades não são ilimitadas, deixam-no claro o § 3 do cân. 278 e o § 2 do 287, quanto aos clérigos seculares; e o cân. 223, §§ 1 e 2, entre outros, no que se refere a todos os fiéis. Extrapolaria os objetivos deste trabalho entrar em minúcias a respeito de tais limitações.

4 “Advirta-se, porém, que se trata [no cân. 278] dos clérigos seculares, pois os membros dos estados de vida consagrada, pela própria natureza das coisas, estão muito mais limitados no seu direito de associação” (Hortal, 2008, p. 153).

5 Cân. 298, §1. Na Igreja existem associações distintas dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica, nas quais os fiéis, clérigos ou leigos, ou conjuntamente clérigos e leigos, se empenham, mediante esforço comum, para fomentar uma vida mais perfeita, ou para promover o culto público ou a doutrina cristã, ou para outras obras de apostolado, isto é, iniciativas de evangelização, exercício de obras de piedade ou caridade, e animação da ordem temporal com espírito cristão.

6 Fuentes (2002, p. 514) prossegue tratando de uma delicada distinção entre as associações civis, que tendam a fins “que afetam mais ou menos diretamente à Igreja” (p. 514), e as associações eclesiais. Para não alongar demasiadamente o presente estudo e desviar o foco, que são propriamente as associações privadas de fiéis, deixamos de tratar desse interessante assunto aqui e recomendamos a quem nele deseje se aprofundar que consulte o próprio texto de Fuentes.

As associações privadas de fiéis

Mons. João Clá Dias, EPassociacao

O Código atual traz a auspiciosa novidade das associações privadas de fiéis. Os cânones 298 a 329 tratam das associações de fiéis, dividindo os textos legislativos em quatro capítulos. No primeiro, expõe as “normas comuns” (cân. 298-311); no segundo, prescreve normas sobre associações públicas de fiéis (cân. 312-320); o terceiro (cân. 321-326) trata das associações privadas de fiéis; por fim, no quarto (cân. 327-329), introduz algumas “normas especiais para as associações de leigos”.

As associações de fiéis — sejam elas integradas por clérigos e leigos, ou só por clérigos, ou só por leigos — são distintas dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica. Sua finalidade é, mediante o esforço em conjunto de seus membros, fomentar uma vida mais perfeita, promover o culto público, ensinar a doutrina cristã, além de outras obras de apostolado, isto é, iniciativas de evangelização, exercício de obras de piedade e caridade, e animação da ordem temporal com o espírito cristão (cf. cân. 298). As associações privadas não podem, obviamente, incluir entre suas finalidades o exercício de atividades que, por sua natureza, são exclusivas da autoridade eclesiástica (cf. cân. 301). Essa restrição, porém, não empana sua natureza eclesial.[1]

O cânone 215 garante a todos os fiéis o direito de fundar e dirigir associações. O cânone 299, § 1, reitera esse direito, especificando: “Por acordo privado, os fiéis têm o direito de constituir associações, para obtenção dos fins mencionados no cân. 298, § 1, salva a prescrição do cân. 301, § 1”. E acrescenta no § 2: “Essas associações, mesmo se louvadas ou recomendadas pela autoridade eclesiástica, denominam-se privadas”. E o cânone 321 garante aos fiéis o direito de dirigir e governar as associações privadas, nos termos de seus estatutos.

Em seu Dicionário de Direito Canônico, Salvador (1997, p. 65) designa as finalidades das associações como sendo “as mesmas da missão de Cristo e da Igreja”, da qual todo fiel participa em virtude do Batismo. Têm elas, portanto, fins religiosos.

Chiapetta (1994, p. 67) corrobora essa opinião, afirmando que do cân. 298, § 1 resulta claramente que as associações de fiéis “tendem a fins religiosos, correspondentes ou conexos com a missão da Igreja”. E acrescenta: “As associações cujos objetivos são profanos e temporais (econômicos, sindicais, políticos, profissionais, culturais etc.) não se enquadram nesse dispositivo e, como tais, são estranhas ao ordenamento canônico. Delas se ocupa a legislação civil”.

Em razão do ato fundacional algumas distinções e características se apresentam. Assim, dependendo de quem promova e efetive a fundação, a associação, esta será pública, se foi erigida por a autoridade eclesiástica competente, e privada, se por iniciativa dos fiéis.

Ainda com relação à iniciativa fundacional, cabe destacar que, segundo o cânone 301, § 1, somente a “autoridade eclesiástica competente” pode erigir associações que tenham por objetivo promover o culto público, ensinar a doutrina cristã em nome da Igreja ou alguma outra finalidade cuja obtenção esteja reservada, por sua natureza, à autoridade eclesiástica.

Outro tipo de associação é o caracterizado pelo cânone 302, o qual denomina “clericais” aquelas que satisfazem três condições: “São dirigidas por clérigos, assumem o exercício de ordem sagrada e são reconhecidas como tais pela autoridade competente”. Segundo Ferrer Ortiz (1991, p. 210), essas associações são sempre públicas e o termo “clerical” refere-se não só aos clérigos que as dirigem e ao fato de o ato constitutivo emanar da autoridade eclesiástica, mas também “a uma modalidade de exercício do ministério sagrado por seus membros”.[2]

Ghirlanda (2007, p. 269) chega a uma definição sintética de associação privada nos seguintes termos:

Associação privada é a que, surgida por iniciativa dos fiéis, leigos, clérigos ou religiosos, governada por eles segundo os estatutos próprios, estando sempre em relação com a autoridade eclesiástica que pode também erigi-la em pessoa jurídica privada, se propõe finalidades religiosas ou caritativas, exceto aquelas cuja obtenção é reservada somente à autoridade eclesiástica. A natureza privada da associação não diminui de nenhum modo sua eclesialidade.

O cânone 304 prescreve que todas as associações de fiéis — públicas ou privadas — precisam ter seus estatutos nos quais se determinem sua finalidade, sede, governo, regras para admissão de sócios etc. Os estatutos das associações privadas devem ter pelo menos o reconhecimento, recognitio, da autoridade eclesiástica.

Sem embargo, autores como Chiapetta entendem como legítima a existência de entidades privadas com fins religiosos, sem o reconhecimento dos estatutos. Navarro (2002, p. 431-432) opina no mesmo sentido, mencionando diversos doutrinadores, e afirma ser essa a posição adotada por “algumas Conferências Episcopais”. Entre estas, a Conferência Episcopal Italiana e a Francesa, as quais tratam do assunto em documentos por ele colecionados.

Não só isso: segundo ele, as referidas Conferências Episcopais tomam em consideração até associações que não têm estatutos, ou nem cheguem a ter propriamente estrutura e organização, mas cuja existência seria legítima, em decorrência dos direitos de associação e de reunião.

Consignemos também que as associações privadas podem possuir ou não personalidade jurídica na Igreja. Esta se adquire por um decreto formal da autoridade eclesiástica competente, à qual compete aprovar previamente os estatutos. Em síntese, pode-se dizer que existem três espécies de associações privadas distintas na atual legislação canônica:

– Associações de fato, baseadas exclusivamente na livre vontade dos seus componentes e sem qualquer reconhecimento, aprovação ou ereção por parte da autoridade eclesiástica.

– Associações com estatutos apenas reconhecidos, isto é, sem um decreto formal de aprovação.

– Associações com personalidade jurídica e estatutos aprovados, por meio de decreto formal da autoridade competente.

No que se refere aos efeitos do reconhecimento, só podem ser sujeitos de obrigações e de direitos as associações dotadas de personalidade jurídica (cf. cân. 310).

CLÁ DIAS, João. Os novos movimentos: Quando espírito e jurisprudência se encontram…

in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 6, jan-mar 2009. p. 24-26.


[1] Fuentes (2002, p. 514) trata de uma delicada distinção entre as associações civis, que tendam a fins “que afetam mais ou menos diretamente à Igreja”, e as associações eclesiais. Para não alongar demasiadamente o presente estudo e desviar o foco que são propriamente as associações privadas de fiéis, deixamos de tratar do interessante assunto aqui e recomendamos a quem nele deseje se aprofundar que consulte o próprio texto de Fuentes.

[2] Diz o autor: “[O Código de Direito Canônico] denomina clericais àquelas associações de fiéis que estão sob a direção de clérigos, fazem seu o exercício da ordem sagrada e são reconhecidas como tais pela autoridade competente (cân. 302). Emprega o termo clerical em sentido técnico-jurídico, fazendo referência não só a quem dirige a associação e ao ato constitutivo da mesma pela autoridade eclesiástica — que lhe confere o caráter de pública — senão também a uma modalidade no exercício do ministério sagrado por parte de seus membros. Por esta razão, uma associação formada exclusivamente por clérigos e destinada a fomentar entre seus sócios uma forma concreta de espiritualidade sacerdotal, no exercício do ministério e sob a dependência do próprio Ordinário, não terá a condição de clerical, será uma associação comum de fiéis e poderá ser tanto pública como privada (Gutiérrez)” (FERRER ORTIZ, 1991, p. 210).