Gênese do conceito de contemplação

Inácio Almeida, EP

capela-subiacoA palavra contemplação tem sua origem etimológica na raiz latina templum (do grego temnein: para cortar ou dividir). É formada de cum, com, e templum, templo. Significa também examinar e considerar profunda e atentamente uma coisa, já espiritual, já visível e material, olhar com determinação ou complacência a uma pessoa.

Na filosofia grega a palavra contemplação era denominada teoria, por oposição a práxis, ou ação. Por isso, os gregos designavam a vida contemplativa como vida teórica, por oposição à vida ativa, ou vida prática. Alguns autores afirmam que a etimologia da palavra “teoria” deriva de um verbo grego que significa ver; deste verbo é que se origina também o nome Deus, que em grego se diz Teos, ou “Aquele que vê”. Com o tempo, essa nomenclatura veio também a ser utilizada na língua latina, resultando dizer que a vida teórica seria a vida contemplativa e a práxis, a vida ativa.

Porém, contemplar no sentido teológico, e é deste que trataremos, é segundo São Tomás (S. The. II, II, qq, 179-182) “a aplicação voluntária do entendimento aos dogmas sobre a divindade com o desejo vivo de gozar das grandes verdades nelas contidas” ou de acordo com Tanquerey (1955, p. 44) “uma intuição ou vista simples e afetuosa de Deus ou das coisas divinas.” Pode ser chamada também de contemplação adquirida quando “é fruto da nossa atividade auxiliada pela graça; infusa, quando, ultrapassando essa atividade, é operada por Deus com o nosso consentimento”.

Quanto ao uso da palavra “contemplação” nas Sagradas Escrituras, ele propriamente não acontece. No entanto, “se a expressão não existe, a realidade é claramente descrita”, especialmente no Capítulo X do Evangelho de São Lucas:

Indo eles de viagem, entrou Jesus em uma povoação; e uma mulher, de nome Marta, recebeu-O em sua casa. Tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, sentando-se aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra. Marta, pelo contrário, andava atarefada com muito serviço. Deteve-se, então, e disse: “Senhor, não te importas que minha irmã me tenha deixado só a servir? Diz-lhe, pois, que me ajude”. Mas o Senhor respondeu-lhe: “Marta, Marta, inquietas-te e te confundes com muitas coisas; mas uma só coisa é necessária, e Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada” (Lc 10, 38-42).

 

Entretanto, cumpre recordar que as primeiras referências sobre a importância da contemplação são anteriores ao cristianismo. Sabe-se que Platão tratou desse tema, bem como Aristóteles e Plotino. Mas, sobretudo no século V com o início do monaquismo cristão, é que a primazia da contemplação sobre a ação foi mais defendida, e teve como um dos seus principais expoentes um monge chamado João de Cassiano, o qual publicou uma série de 24 conferências, que são um relato das conversas tidas entre ele e os monges que habitavam o deserto do Egito a respeito de diversos temas da vida espiritual.

Essas conferências foram elogiadas por São Bento[1] em sua regra. São Domingos, o fundador da Ordem dos Pregadores, à qual pertencia São Tomás, dedicou-se com especial empenho ao estudo desses textos[2]. Tocco (2007) nos recorda que o próprio Aquinate, à imitação de seu fundador, lia com frequência algumas páginas das 24 Conferências[3].

ALMEIDA, Inácio. A contemplação no ensino de São Tomás. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho, n. 5, out-dez 2008. p. 60-62.


[1] In: Regra de São Bento, C. 73.

[2] Conf. Beato Jordão de Saxônia: Origem da Ordem dos Pregadores, C.8. In: Santo Domingo de Guzman, su vida, su orden, sus escritos; Madrid, BAC, 1947; p. 170.

[3] Conf. In Guillelmus de Tocco: Vita Sancti Thomae Aquinatis, C. 21.