Relação da Igreja com a sociedade temporal

igrejaMons. João Scognamiglio Clá Dias

Afirmar que Cristo é o centro da História equivale a dizer que a Igreja, Seu Corpo Místico, igualmente o é. O desenrolar histórico está, pois, condicionado à aceitação ou rejeição da Igreja pela sociedade, uma vez que a verdadeira ordem, conforme à Lei Natural, só é mantida estavelmente quando os homens correspondem à graça divina (LG, 17). Sem o auxílio desta, as civilizações decaem vertiginosamente, atingindo as piores aberrações morais. E não é preciso esquadrinhar os documentos já envoltos na poeira do tempo para comprovar tal realidade. Basta-nos constatar a situação moral do mundo hodierno.

A título ilustrativo, mencionemos um fenômeno social nunca antes verificado na História da humanidade: o enfraquecimento da instituição da família, monogâmica e indissolúvel, e a generalização das uniões livres. Que conseqüências terá para a civilização esta mudança tão profunda na base da sociedade?

Os Papas, ao alertarem os cristãos para os graves riscos dessa crise moral, não deixaram de relembrar, ao mesmo tempo, que o verdadeiro sustentáculo da civilização é a Igreja:

A prosperidade dos povos e das nações vem de Deus e de Suas bênçãos. (…) É a religião que produz concórdia e afeição entre marido e esposa, amor e reverência entre os pais e seus filhos; que faz os pobres respeitarem as propriedades dos outros, e faz com que os ricos façam um uso justo de sua riqueza. Desta fidelidade ao dever, e deste respeito pelos direitos dos outros vem a ordem, a tranqüilidade, e a paz, que formam uma parte tão importante da prosperidade de um povo e de um Estado. (Leão XIII, Dall’Alto Dell’Apostolico Seggio, n. 12).

Muitas outras citações do Magistério da Igreja se poderiam aqui mencionar, confirmando esta verdade, como esta de São Pio X:

 [A civilização] é tanto mais verdadeira, mais durável, mais fecunda em frutos preciosos, quanto mais puramente cristã; tanto mais decadente, para grande desgraça da sociedade, quanto mais se subtrai à idéia cristã. Por isto, pela força intrínseca das coisas, a Igreja torna-se também de fato a guardiã e protetora da Civilização Cristã. (São Pio X, Il Fermo Propósito, de 11/6/1905, Bonne Presse, Paris, vol. II, p. 92)

Já no meio-dia do século XX, o Concílio Vaticano II uma vez mais insistia na necessidade de que o mundo hodierno endireitasse suas vias se quisesse colher os frutos de um verdadeiro progresso cultural. Pois, este, furtando-se à solicitude retificadora da Igreja, acabaria desviando-se de sua própria finalidade que é a elevação do espírito humano:

A boa nova de Cristo renova continuamente a vida e a cultura do homem decaído e combate e elimina os erros e males nascidos da permanente sedução e ameaça do pecado. Purifica sem cessar e eleva os costumes dos povos. Fecunda como que por dentro, com os tesouros do alto, as qualidades de espírito e os dotes de todos os povos e tempos; fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo. Deste modo, a Igreja, realizando a própria missão, já com isso estimula e ajuda a cultura humana, e com a sua atividade, incluindo a liturgia, educa o homem à liberdade interior (GS, 58).

 

DIAS, João Scognamiglio Clá. Considerações sobre a gênese e o desenvolvimento do movimento dos Arautos do Evangelho e seu enquadramento jurídico, 2008. Tese de Mestrado em Direito Canônico — Pontifício Instituto de Direito Canônico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. p. 15-16.