O Menino que reverteu a História

Mons. João S. Clá Dias, EP

Entremos numa certa gruta e ali veremos um Menino adorado por sua Mãe Santíssima e São José, reunidos em família, oferecendo mais glória a Deus do que toda a humanidade idólatra, e até mesmo mais do que os próprios anjos do Céu em sua totalidade. Já em seu nascimento, numa singela manjedoura, aquele Divino Infante reparava os delírios de glória egoísta sofregamente procurada pelos pecadores. Ele se encarnava para fazer a vontade do Pai e, assim, dar-nos o perfeitíssimo exemplo de vida.

Nenhum pensamento, desejo, palavra ou ação surgida de sua alma divinamente santa terá outro fim que não seja o de glorificar o Pai, a quem tudo consagrou desde o primeiro instante. Não tardarão muitos séculos, depois daquele natal, para os altares dos falsos deuses serem arrasados, os ídolos quebrados, os templos pagãos destruídos — ou convertidos em santuários — e os próprios demônios se calarem. Sim, aquele Menino nascido numa gruta reverterá o trabalho realizado por Satanás durante milênios, e a Roma pagã será a sede do Cristianismo; transformada na Cidade Eterna, dentro de ­suas muralhas, sobre uma pedra inabalável, se estabelecerá até o fim dos tempos  uma infalível cátedra da moral e da verdade.

Arautos do Evangelho, n. 73

A Liturgia de Natal tem de ser anúncio de Jesus Cristo

D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboad-jose-policarpo
In: Agência Ecclesia
http://www.agencia.ecclesia.pt/

A Igreja tem, como missão prioritária, anunciar a salvação definitivamente realizada em Jesus Cristo. Fá-lo de muitos modos, mas o mais eficaz é o testemunho da vida, a fé traduzida em experiência de salvação. É a densidade do testemunho que dá autenticidade à palavra. As expressões da fé vivida que mais tocam os corações são a sua celebração pela comunidade crente e o amor fraterno. É por isso que a Liturgia é, na sua verdade mais profunda, anúncio da salvação e meio para a missão evangelizadora da Igreja.

Na Liturgia, de modo particular na celebração da Eucaristia, a comunidade cristã escuta a Palavra do Senhor com o coração aberto e comovido, acolhe o dom de Jesus Cristo que se entrega de novo à Sua Igreja, expressão do infinito amor de Deus por nós, une-se e identifica-se com Cristo a ponto de se entregar pela salvação de todo o género humano. Na Liturgia, a Igreja vive a salvação, identifica-se com Cristo, deseja renovar-se com a força do seu amor e participa já do júbilo da Pátria celeste. A celebração da Eucaristia é o momento da verdade da Igreja, que lhe dá autoridade para anunciar a salvação. A partir dela, os crentes são enviados, sempre de novo, para o meio do mundo, para anunciarem com a vida e com a palavra o dom da vida nova. A força anunciadora dessa vida e dessa palavra, é a da Eucaristia que celebraram. Toda a evangelização parte da Eucaristia e converge para a Eucaristia.

Estamos a celebrar o Natal. A Liturgia desta noite tem de ser anúncio de Jesus Cristo, a expressão do amor de Deus por nós que Ele encarnou, isto é, humanizou, exprimiu na nossa realidade humana. O Natal é uma festa cristã enriquecida culturalmente de forma muito bela, exprimindo valores e anseios fundamentais da família humana: a harmonia, a paz, o calor da convivência, a partilha de dons, a descoberta da dimensão festiva da vida. Mas só a densidade da celebração litúrgica tem a força transformadora de um anúncio, se nela acolhermos de novo o Filho de Deus feito homem como manifestação do amor de Deus por nós, se nos abrirmos mais radicalmente ao dom da salvação.

[…]

 Esta celebração, pela densidade da sua fé, tem de ser anúncio, antes de mais para nós que aqui estamos reunidos com o Senhor e em seu nome. É a partir de nós, através do nosso testemunho, que será inevitável e espontâneo, à nossa sociedade, aos nossos irmãos e irmãs que celebram o Natal sem lhes captar a mensagem, a densidade da alegria. Que aqueles três anúncios da Palavra de Deus inspirem o nosso coração para acolher, de novo, o anúncio da salvação e orientem o nosso testemunho às pessoas que nos rodeiam. Sintetizemos o conteúdo dessa mensagem:

 * Antes de mais, Jesus, o Menino que nasceu em Belém, é o Filho de Deus. Ele é chamado Filho do Deus Altíssimo, tem todo o poder sobre os seus ombros, que se manifestará plenamente depois da ressurreição. Ele tem a realeza do Messias esperado: os cristãos aprenderam a chamar-lhe Senhor. Contemplar o presépio sem acreditar na divindade daquele Menino é não permitir que o nosso olhar penetre na profundidade do mistério.

 * Ele é o Salvador, porque é Deus, tem o poder de recriar. Só Deus nos pode salvar. Porque é homem, sabe como este último desafio de Deus se pode concretizar na nossa realidade humana. Ele sabe que o segredo do homem é o seu coração, e que se aceitar de Deus um coração novo, toda a sua vida mudará, porque será transformada pelo amor. Maria, a Mãe, a mulher de coração imaculado, diz-nos como isso é possível e onde nos levará.

 * Apontam-se, depois, os primeiros frutos da salvação nos corações renovados: a alegria, a paz, a justiça. O mundo actual perdeu o sentido da verdadeira alegria, e vai-se afastando dela. Procura-a por caminhos frenéticos de excitação, na busca de prazeres, de interesses, de fruição dos bens materiais, tudo isto em ritmos alucinantes, que provocam a solidão e, quase sempre, a tristeza. A alegria é experiência simples e profunda, brota dos corações puros e generosos.

A encarnação do Verbo de Deus ensina-nos que só o amor generoso, a experiência da generosidade, do dom e da partilha, a contemplação da beleza dos outros homens, meus irmãos, são caminhos da verdadeira paz. Só o Natal nos faz perceber que a justiça é a concretização da verdade profunda do homem, chamado a viver em comunhão com os outros homens e que só homens justos podem ser obreiros da justiça.

 4. Acolhamos a mensagem desta celebração, empenhando-nos nela e faremos, talvez, a experiência de uma alegria, que sendo humana, não se reduz a nenhuma realidade deste mundo. Talvez percebamos de novo o que queremos dizer uns aos outros quando nos saudamos, desejando “Bom Natal”, “Santo Natal”.

Veja o sermão na integra: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?tpl=&id=76916

O Natal não é uma mera recordação histórica

uma grande alegria_dIrmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP

A festa de Natal encerra um significado litúrgico extraordinário: embora o Santo Sacrifício seja oferecido todos os dias nos altares de tantas igrejas espalhadas pelo mundo, ele se reveste de uma unção e densidade simbólicas particulares na noite de 24 para 25 de dezembro.

Não se trata apenas da recordação de fatos históricos envoltos nas brumas do passado, mas de uma realidade mais profunda do que aquela que captamos através dos sentidos. A Liturgia do Natal traz um conjunto de graças vinculadas a esse mistério, as quais se derramam sobre nossos corações quando o celebramos com fervor sincero.

“O ano litúrgico – ensinava o Sumo Pontífice Pio XII – que a piedade da Igreja alimenta e acompanha, não é uma fria e inerte representação de fatos que pertencem ao passado, ou uma simples e nua evocação da realidade de outros tempos. É, antes, o próprio Cristo, que vive sempre na sua Igreja e que prossegue o caminho de imensa misericórdia por Ele iniciado, piedosamente, nesta vida mortal, quando passou fazendo o bem, com o fim de colocar as almas humanas em contato com os Seus mistérios e fazê-las viver por eles, mistérios que estão perenemente presentes e operantes, não de modo incerto e nebuloso, de que falam alguns escritores recentes, mas porque, como nos ensina a doutrina católica e segundo a sentença dos doutores da Igreja, são exemplos ilustres de perfeição cristã e fonte de graça divina pelos méritos e intercessão do Redentor”.1

Hoje não vemos, como os pastores, o Divino Menino deitado sobre as palhas, mas contemplamo-Lo, com os olhos da Fé, na Hóstia imaculada que o sacerdote apresenta para a adoração dos fiéis; não ouvimos as vozes dos anjos fazendo ecoar o “Glória!” pelas vastidões dos céus, mas chega até nós o apelo da Igreja, convidando seus filhos: “Venite gentes et adorate!”.

Se grande foi a Fé daqueles homens simples ao acreditarem que, naquele pequenino vindo à terra em tal despojamento, e aquecido tão-só pelo bafo dos animais, ocultava-Se o próprio Deus, a nossa Fé poderá alcançar grau mais elevado se considerarmos esse mesmo Deus escondido na Eucaristia. E poderemos, nós também, ser contados entre os homens que o Senhor chamou de bem-aventurados: “Felizes aqueles que crêem sem ter visto!” (Jo 20, 29).

Jesus, a Beleza suprema, vela-Se em vão aos olhos de quem tem Fé: apesar da infância à qual O reduziu seu amor, seu poder se manifesta nesse dia, e só Ele – quer sob a figura de frágil criança, quer sob as espécies eucarísticas – derrota os infernos e resgata a humanidade da vil escravidão do pecado.

Quantas graças de alegria e consolação concedidas por ocasião do Natal! A cada ano, em todas as épocas da Era Cristã, esta festa máxima abre uma “clareira” alegre e luminosa no curso normal, por vezes tão cheio de sofrimentos e angústias, da vida de todos os dias. Dominados pelas preocupações concretas ou pela ilusão deste mundo passageiro, os homens esquecem-se facilmente da eternidade que os espera e olham para esta terra como para seu fim último.

Todos se afanam em busca da felicidade; entretanto, só uma é a verdadeira, e o Divino Menino vem para apontar o único caminho que a ela conduz: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6). E nessa noite silenciosa, todos param diante da gruta de Belém, gozando, ainda que por alguns instantes, dessa alegria envolvente, trazida pelo Redentor. “Ali, os maus cessam seus furores, ali, repousam os exaustos de forças, ali, os prisioneiros estão tranqüilos, já não mais ouvem a voz do exator. Ali, juntos, os pequenos e os grandes se encontram, o escravo ali está livre do jugo do seu senhor” (Jó 3, 17-19).

1 Pio XII, Mediator Dei, n. 150.

(Revista Arautos do Evangelho, Dez/2008, n. 84, p. 20 a 23)