O desafio da Evangelização nas grandes cidades

Pe. José Victorino de Andrade, EP

A vida na cidade é tentadora para aqueles que vão trocando as histórias em torno da matriarca e do patriarca pela caixinha mágica cujas novelas quebram tabus e mitificam a pseudo felicidade das grandes urbes. É a floresta de cimento que acolhe em suas ruas uma legítima aspiração de realização pessoal e dignidade de vida. Aí o relacionamento humano torna-se muitas vezes impessoal, distante, e assim se torna também o relacionamento com o sobrenatural. Não havendo lugar para um Deus Providência, próximo ao homem, Ele acaba por ocupar um pequeno e distante espaço de mantenedor da felicidade, da riqueza e da saúde, coisa que nós descobrimos que nem mesmo os grandes centros urbanos são totalmente eficazes em nos oferecer.

A religiosidade do homem nas grandes cidades é um dos maiores desafios em nossos dias e deve ser fruto de uma renovada e continuada reflexão. Quem oferecerá ao homem pós-moderno citadino a satisfação integral que ele tanto almeja? Os Shoppings, cujas galerias se enchem mais que as assembleias, quais novos templos onde as divindades do marketing regalam materialmente os mortais consumistas? As dependências ou vícios capazes de alienar o ser para novas e perturbadoras místicas? E se na vida prática da cidade, ao dobrar da esquina se encontra uma padaria, drogaria ou mercadinho, porque não procurar o espaço religioso mais próximo, ainda que de outro credo? A vida plural da cidade não oferece todas as facilidades? Deus junto à minha porta, ou mesmo na minha casa, dentro de mim, à minha medida…

Deus é grande demais para se submeter e limitar às minhas elaborações e à minha imaginação, é um Deus pessoal e não individual, um Deus que se fez homem, não um homem que faz deus… Viver nas grandes urbes não deve significar uma autonomia fria e distante de um Deus que se fez carne, quis ter um rosto e falou ao homem de todos os tempos e de todas as nações, do campo ou da cidade. Há muitos que O procuram e cabe a cada um de nós conduzi-los e favorecer aquele mesmo encontro que nos seduziu e conquistou. Ele está presente no centro e na periferia, onde dois ou mais estiverem reunidos em Seu Nome, naqueles cristãos lábios que o pronunciam e anunciam. É com alegria que o Evangelho deve ser anunciado, e o Papa Francisco deixou-o bem claro na sua última Exortação Apostólica. Afinal, um cristão triste, é sempre um triste cristão.

A missão não ficou tão distante como em outros tempos. Hoje, ela começa na sua casa, junto a seus vizinhos, em seu bairro, na sua cidade e dispõe de variados e eficazes meios, além do pessoal e da proximidade que são insubstituíveis e de grande importância, complementados com a internet, redes sociais, celular, entre muitos outros. É este estado permanente de missão que o plano pastoral da CNBB nos propõe para este grande Brasil, partindo de um encontro e uma experiência com Nosso Senhor Jesus Cristo e da alegria do anúncio da sua Palavra. 

Missão de Arautos do Evangelho no Direito Canônico

Pe. Antônio Guerra, EP

Em relação ao CIC17 e ao modo de pensar anterior, encontramos uma novidade fundamental relativa às missões no atual CIC 83. Até o início do século XX consideravam-se na Igreja dois tipos de territórios. De um lado se encontravam os “territórios da cristandade” onde a Igreja estava estabelecida com dioceses e todos os seus organismos de governo. De outro lado haviam as chamadas “terras de missão”, onde a maioria da população não era católica. Nos “territórios da cristandade”, a maioria da população era constituída por católicos ― mais ou menos praticantes ― e isto fazia com que o surgimento de vocações ao sacerdócio e à vida consagrada fossem suficientes para atender aos fiéis desses territórios e, inclusive, proporcionava a possibilidade de que alguns saíssem a outros povos para levar a “Boa Nova do Evangelho.

Nas “terras de missão” não existia propriamente uma hierarquia estabelecida de modo completo, ou então esta era constituída por clérigos vindos de outros países. O pequeno número de vocações locais fazia necessário que se recebessem missionários para pregarem o Reino de Cristo.

Esses missionários ad gentes eram o que Pio XII denominou “arautos do Evangelho” em sua Encíclica de 1951[1]. Nela pedia “aos veneráveis irmãos patriarcas, primazes, arcebispos, bispos e outros ordinários locais em paz e comunhão com a Sé Apostólica […] para que a ação dos missionários se torne cada vez mais eficaz e para que não se perca em vão nem uma só gota do seu suor e do seu sangue[2]. E justificava a necessidade de um novo impulso missionário

É sumamente oportuno nestes tempos procelosos e ameaçadores, em que muitos povos se sentem divididos por interesses opostos, recomendar de novo a causa das missões, pois os arautos do evangelho são mensageiros da bondade humana e cristã, e a todos exortam à fraternidade e compreensão mútua, capaz de superar os conflitos dos povos e as fronteiras das nações[3].

O Papa Pacelli via na pregação e na aceitação do Evangelho a superação de muitos conflitos entre povos, e a instauração de um período de “bondade humana e cristã[4] contraposto aos “tempos procelosos e ameaçadores[5] em que vivia.

O Concílio julgou um dever chamar novamente a atenção dos católicos para a missão. Agora não somente ad gentes, mas também ad intra. Lembrou que, por meio do batismo, todos somos missionários por vocação divina.

Não apenas aqueles que, por especial chamado, podem ser denominados “Arautos do Evangelho”, pois deixam os “territórios da cristandade” para irem às “terras de missão”. Toda a Igreja é missionária. Nesse sentido, a missão ad gentes faz parte de sua constituição divina. Assim o comenta García Martín[6]

O Concílio Ecumênico Vaticano II afirmou claramente e proclamou solenemente que a Igreja por sua natureza é missionária[7]. O código de direito canônico recebeu esta doutrina determinando que o povo de Deus seja a Igreja à qual Deus confiou uma missão para ser cumprida no mundo […] [8]. A legislação eclesiástica no curso dos séculos foi reformada para responder fielmente à sua missão. Portanto, a novidade da legislação atual se refere, seja à natureza da Igreja como povo de Deus, seja à sua missão[9].

O CIC também explicita essa mesma doutrina de modo claro

c. 781 − Sendo que a Igreja toda é missionária por sua natureza e que a obra de evangelização é dever fundamental do povo de Deus, todos os fiéis conscientes da própria responsabilidade, assumam cada um a sua parte na obra missionária[10].

Toda a Igreja é missionária por natureza. Ora, esta missão foi dada por Deus quando a fundou, no momento em que o Sangue preciosíssimo de Cristo mesclado com a linfa saiu do seu costado aberto pela lança. E este primeiro ato foi eminentemente missionário; a linfa, caindo nos olhos do centurião cego deu-lhe a vista do corpo e da alma.

[1] Pio XII, Carta Encíclica Evangelii Praecones sobre o fomento das Missões, 2/6/1951, 19. AAS 43 (1951), 497-528.

[2] Evangelii Praecones, 19. AAS 43 (1951), 497-528.

[3] Ibidem, 2. 19.

[4] Ibidem.

[5] Ibidem.

[6] Martin, Garcia. L’Azione missionaria nel Codex Iuris canonici, Ediurcla, Roma, 2005, 2º ed., p. 47.

[7] Nota do texto original: Conc. Ecum. Vaticano II, Const. Dogm. Lumen gentium, 17; decr. Ad Gentes, 2, 35. La suddetta espressione tottavia non è molto frequente, cfr. Ochoa, X., Index verborum cum documentis concilii Vaticani II, Romae 1966.

[8] Nota do texto original: Can 204, § 1. Il can. 781 riprende gli stessi principi.

[9] “Il concilio ecumenico Vaticano II ha affermato chiaramente e proclamato solennemente che la Chiesa per sua natura è missionaria. Il Codice di canonico ha recepito questa dottrina determinando che il popolo di Dio è la Chiesa cui Dio ha affidato una missione da compiere nel mondo… La legislazione ecclesiastica nel corso dei secoli è stata riformata per rispondere fedelmente alla sua missione. Pertanto la novità della legislazione attuale riguarda sia ecclesiastica nel corso dei secoli è stata riformata per rispondere fedelmente alla sua missione. Pertanto la novità della legislazione attuale riguarda sia la natura della Chiesa come popoli di Dio sia la sua missione” (Tradução minha).

[10] c. 781  Cum tota Ecclesia natura sua sit missionaria et opus evangelizationis ha­bendum sit fundamentale officium populi Dei, christifideles omnes, propriae res­ponsabilitatis conscii, partem suam in opere missionali assumant.

Desafios para a Nova Evangelização e lições da História

CruzMons. João Clá Dias, EP

Quem esteja medianamente informado sobre a situação à qual a Igreja Católica tem de fazer face atualmente, em matéria de evangelização, não pode deixar de se perguntar que caminho seguir.

Com efeito, levemos em consideração alguns poucos dados, já de si eloquentes e decisivos.

A sociedade de hoje está atingida por uma profunda crise moral. Por um lado, a família cristã, monogâmica e indissolúvel, parece fadada ao desaparecimento, ou pelo menos a ficar reduzida a uma proporção tão pequena que corresponderia, na prática, à extinção. Mesmo entre católicos praticantes, o aborto, o divórcio, as uniões ilícitas vão fazendo estragos. Os meios de comunicação social utilizam-se largamente da pornografia, e nem mesmo a mais tenra infância é respeitada. Cresce, assustadoramente, o número de crianças que se iniciam muito cedo em práticas imorais.

De outro lado, espalham-se por toda parte o ateísmo e o paganismo, com uma característica que não tinha grande importância até há pouco: especialmente nos continentes europeu e norte-americano, proliferam ateus e pagãos que se apresentam como tais, sem esconder sua hostilidade não só contra a Igreja Católica, mas contra tudo quanto tenha nome de cristão. Há países da antiga Cristandade européia — como a França, a Inglaterra e a Alemanha — nos quais a proporção de pessoas nessas condições já é superior 30%.

No lado especificamente eclesial, as vocações religiosas são tão poucas que em várias das antigas Ordens religiosas é bem reduzido o número de membros jovens. Analistas bem colocados em postos importantes manifestam o temor de que algumas delas se vejam obrigadas a fechar seus seminários nas Américas e na Europa, por falta de vocações.

No Brasil, o número de fiéis católicos está pouco acima de 70% da população, sendo que em algumas áreas periféricas de São Paulo e do Rio de Janeiro seu número já é inferior ao dos não-católicos. E, pior ainda, os católicos são em grande parte não-praticantes, e muitos nem conhecem bem sua religião.

Vista de uma perspectiva meramente humana, a atual situação pode parecer desanimadora para quem tem a missão de evangelizar.

Não obstante, nem tudo está perdido. Ante essa situação, a Igreja poderia dizer com Cícero: “Alios vidi ventos, alias prospexi animo procellas” (Eu vi outros ventos e enfrentei sem temor outras tempestades). E essa afirmação pode ser corroborada pelos exemplos históricos.

Quando os primeiros cristãos começaram a levar a Boa Nova a todos os rincões do Império Romano, encontraram uma situação hostil, num ambiente eivado de erros de todos os matizes, e imerso numa ciclópica corrupção moral. Entretanto, a Igreja triunfou sobre o paganismo, elevou a humanidade e construiu uma ordem cristã baseada no Evangelho. Outras épocas da História houve, nas quais ela passou por situações adversas e delas também triunfou.

Qual o segredo desse triunfo? E que lições nos trazem os acontecimentos anteriores à nossa época?

Não é possível investigarmos as oportunidades que se abrem para a Igreja no século XXI sem nos colocarmos tais questões. Afinal, como diz o consagrado aforismo, “a História é a mestra da vida”.

Devemos crer “firmemente que Deus é o Senhor do mundo e da História”[1]. Conhecendo Seu modo de agir ao longo dos tempos, teremos critérios mais apropriados para julgar o presente e o dia de amanhã.

 CLÁ DIAS, João. Oportunidades para a Igreja no século XXI. Elaboração do projeto de pesquisa: elementos constitutivos – 1ª. Parte. Centro Universitário Ítalo Brasileiro. São Paulo, 2007. p. 7-9.


[1] Catecismo da Igreja Católica, n. 314.