Bento XVI decreta enriquecedoras precisões ao Direito Canônico – II

Diác. Carlos Adriano, EP         

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     “Uma vez católico, sempre católico.” Este axioma, que se encontrava em vigor na legislação da Igreja no Código de 1917, volta a possuir sua força ao serem inseridas novas modificações à atual lei, decretadas por Bento XVI pelo Motu Proprio Omnium in Mentem, após consulta à Congregação para a Doutrina da Fé e ao Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e considerada a utilidade pastoral das leis eclesiásticas.

            Este documento retira o termo “abandono formal da religião” dos cânones que tratam sobre o matrimônio, para efeitos de sua validade. A partir desta mudança, todos os batizados na Igreja, ou nela recebidos, devem se submeter à forma canônica para que o casamento seja considerado válido, ainda que tenham abandonado formalmente a religião.

            O cânon 11 do Código de Direito Canônico de 1983 prescreve que os batizados da Igreja Católica, ou nela recebidos, estão obrigados às leis eclesiásticas, a não ser que o direito disponha de forma diferente.

            A forma sacramental para a validade do matrimônio é uma lei eclesiástica, portanto, todos os batizados necessitariam dela para a celebração válida de seus casamentos.

            Ademais, existe um princípio na legislação canônica que diz o seguinte: semel catholicus, semper catholicus.

            Ocorre, entretanto, que o Código instituíra algumas exceções à norma do cânon 11 e a este princípio, determinando que os fiéis que se separassem da Igreja por um ato formal, não estariam vinculados às leis eclesiásticas relativas à forma canônica do matrimônio (cf. can.. 1117). Estes não precisariam da dispensa do impedimento de disparidade de culto (cf. can. 1086), nem mesmo da licença requerida para os matrimônios mistos (cf. can. 1124). Segundo o Motu Proprio, “a razão e o propósito desta exceção à norma geral do can. 11, tinha por escopo evitar que os matrimônios contraídos por aqueles fiéis fossem nulos por defeito de forma, ou por impedimento de disparidade de culto.”

            Isto significa que, de acordo com o Código de 1983, aquele que abandonava formalmente a fé católica, poderia se casar validamente mesmo sem a forma canônica, e não precisava da dispensa da mesma ou de licença para contrair matrimônio com pessoas de outra religião. A aplicação desta norma, contudo, vinha gerando muitos problemas pastorais: “Primeiramente, pareceu difícil a determinação e a configuração prática, nos casos individuais, deste ato formal da separação da Igreja, seja quanto à sua substância teológica, como ao próprio aspecto canônico.” O Pontifício Conselho para os textos legislativos chegou a publicar um comunicado para esclarecer o mencionado abandono formal.  “Ademais, surgiram muitas dificuldades tanto na ação pastoral quanto na praxe dos tribunais. De fato, se observava que da nova lei parecia nascer, ao menos indiretamente, uma certa facilidade, ou, por assim dizer, um incentivo à apostasia naqueles lugares onde os católicos são escassos em número, ou onde vigoram leis matrimoniais injustas, que estabelecem discriminação entre os cidadãos por motivos religiosos; além disso, ela tornava difícil o regresso daqueles batizados que desejavam firmemente contrair um novo matrimônio canônico, após o fracasso do anterior; enfim, omitindo outros, muitíssimos desses matrimônios tornavam-se, de fato, para a Igreja, matrimônios considerados ilegais.”

            Por isso, o Motu Proprio veio modificar esta situação, abolindo a regra introduzida no corpo da lei canônica atualmente em vigor. Decretou-se que fica eliminada do Código esta expressão: “e não separada dela por um ato formal” do can. 1117 , “e não separada dela por um ato formal” do can. 1086 § 1 º, bem como “e não separado dela mesma por um ato formal” do can. 1124.

            Seguem os trechos do documento que estabelecem as modificações:

            Art. 3. O texto do can. 1086 § 1 do Código de Direito Canônico seja assim modificado:

“É inválido o casamento entre duas pessoas, das quais uma é batizada na Igreja Católica ou nela recebida, e a outra não batizada”.

            Art. 4. O texto do can. 1117 do Código de Direito Canônico seja modificado como segue:

“A forma supra estabelecida deve ser observada se ao menos uma das partes contraentes do matrimônio for batizada na Igreja Católica ou nela recebida, salvo a disposição do can. 1127 § 2”.

            Art. 5. O texto do can. 1124 do Código de Direito Canônico seja assim modificado:

“O matrimônio entre duas pessoas batizadas, das quais uma seja batizada na Igreja Católica ou nela admitida depois do batismo, enquanto o outro, pelo contrário, seja pertencente a uma Igreja ou comunidade eclesial que não esteja em plena comunhão com a Igreja Católica, não pode ser celebrado sem expressa licença da autoridade competente”.

            Com isso, torna-se mais fácil o retorno à Igreja daqueles batizados, que, estando fora dela contraíram um matrimônio que depois “não deu certo”. Os batizados na Igreja Católica ou nela recebidos após batismo válido em outra Igreja ou Comunidade eclesial, mesmo que tenham deixado a Igreja Católica, se não se casam conforme a forma canônica (“na Igreja”), não tem mais o seu casamento considerado válido. Para validade canônica de tal matrimônio seria necessária a prévia dispensa da forma canônica ou do impedimento, a ser dada pelo Bispo diocesano.

 

Ver mais sobre este artigo: http://presbiteros.blog.arautos.org/2009/12/29/bento-xvi-decreta-enriquecedoras-precisoes-ao-direito-canonico/

Bento XVI decreta enriquecedoras precisões ao Direito Canônico

Diác. Carlos Adriano, EP

ord-diaconalNaqueles dias, como crescesse o número dos discípulos, houve queixas dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas teriam sido negligenciadas na distribuição diária. Por isso, os Doze convocaram uma reunião dos discípulos e disseram: Não é razoável que abandonemos a palavra de Deus, para administrar. Portanto, irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais encarregaremos este ofício. Nós atenderemos sem cessar à oração e ao ministério da palavra. Este parecer agradou a toda a reunião. Escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo; Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram-nos aos apóstolos, e estes, orando, impuseram-lhes as mãos. (At. 6, 1-6).

        

            Por muitos anos, a tradição teológica fundamentou a origem do ministério diaconal neste trecho da Sagrada Escritura. Os próprios textos do Concílio Vaticano II – por exemplo, Lumen Gentium, n. 20 – se utilizam desta passagem para afirmar que os apóstolos tiveram distintos colaboradores no seu ministério (Cf. ARNAU-GARIA, 1995).

            Objetivando facilitar os estudos a respeito das novas mudanças no atual Código de Direito Canônico, decretadas pelo Motu Proprio Omnium in Mentem, procuraremos sintetizar e esclarecer, por meio deste artigo, as modificações mais diretamente relacionadas com este membro da Igreja – o diácono. O Papa Bento XVI decidiu fazer alterações, que descreveremos em seguida, a fim de haver mais unidade entre a doutrina teológica e a legislação canônica, conforme elucida o próprio documento mencionado.

             A doutrina da Igreja definiu que os diáconos recebem o sacramento da ordem “não para o sacerdócio, mas para o serviço” (LG29). Por isso, enquanto o bispo e o presbítero agem “in persona Christi Capitis” (na pessoa de Cristo Cabeça) (LG10), o diácono é configurado com Cristo servo dos servos de todos e age, portanto, in persona Christi Servitoris.

            A fim de que se aclarasse esta doutrina no Catecismo da Igreja Católica, o Papa João Paulo II, a conselho da Congregação para a Doutrina da Fé, adequou o ponto 1581 ao número 29 da Lumen Gentium. O Catecismo afirmava o seguinte: “Pela ordenação, a pessoa se habilita a agir como representante de Cristo, Cabeça da Igreja, em sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei.” Trata-se de uma imprecisão. O texto aponta que a ordenação habilita a pessoa a agir na pessoa de Cristo Cabeça. Ocorre, entretanto, que a ordenação não configura o diácono com Cristo Cabeça, mas com Cristo Servidor.

            A imprecisão se deu também no Código de Direito Canônico de 1983:

             Cân. 1008 Por divina instituição, graças ao sacramento da ordem, alguns entre os fiéis, pelo caráter indelével com que são assinalados, são constituídos ministros sagrados, isto é, são consagrados e delegados a fim de que, personificando a Cristo Cabeça, cada qual no seu respectivo grau, apascentem o povo de Deus, desempenhando o múnus de ensinar, santificar e governar.

            Escutando o parecer do Pontifício Conselho para os textos legislativos, o Papa Bento XVI estabeleceu  que as palavras deste cânon fossem modificadas, e que fosse acrescido um terceiro parágrafo no cânon 1009. Segue o trecho do Motu Proprio, que institui tal modificação:

            Por isso, tendo ouvido sobre o mérito a Congregação para a Doutrina da Fé e do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e tendo igualmente solicitado o parecer de S. R. E. Nossos Veneráveis Irmãos Cardeais responsáveis pelos Dicastérios da Cúria Romana, decretamos o quanto segue:

Art. 1. O texto da can. 1008 do Código de Direito Canônico seja alterado de modo que doravante seja:

“Com o sacramento da ordem por instituição divina alguns dentre os fiéis, mediante o caráter indelével com o qual são marcados, são constituídos ministros sagrados; isto é, aqueles que são consagrados e destinados a servir, cada um no seu grau, com novo e peculiar título, o povo de Deus”.

Art. 2. O can. 1009 do Código de Direito Canônico doravante tenha três parágrafos, dos quais no primeiro e no segundo se manterá o texto do canônico vigente, enquanto o terceiro texto seja redigido de modo que o can. 1009 § 3 assim resulte:

Aqueles que são admitidos na ordem do episcopado ou do presbiterato recebem a missão e a faculdade de agir na pessoa de Cristo Cabeça, os diáconos, ao invés, estão habilitados a servir o povo de Deus na diaconia da liturgia, da palavra e da caridade”.

 

Ver mais sobre este documento em: http://presbiteros.blog.arautos.org/2009/12/30/bento-xvi-decreta-enriquecedoras-precisoes-ao-direito-canonico-ii/