A vocação de Santa Teresinha nos seus manuscritos

Pe. Alex Barbosa Brito, EPsta-teresinha

Ao analisarmos os Manuscritos foram encontrados diversos trechos em que aparece o termo Santidade e o seu correlato: a Perfeição. Através de tais excertos, pudemos depreender qual o conceito que a autora possui a tal respeito, bem como as diversas idéias que se entrelaçam com esta temática.

No primeiro trecho, vemos como Santa Teresinha, pergunta-se a si mesma porque todas as almas não recebiam igual medida de graças. Admira-se ela de vê-lo prodigalizar favores extraordinários a santos que o tinham ofendido, como São Paulo, Santo Agostinho, e aos quais forçava, por assim dizer, a receberem suas graças. Por outro lado, nossa santa contempla outros que eram acariciados por Nosso Senhor deste o berço até o túmulo, sem lhes deixar no caminho o menor tropeço que os tolhesse de se levantarem até Ele, predispondo essas almas com tantos favores, a ponto de não empanarem o brilho imaculado de sua veste batismal. Diante disto, questiona-se a respeito do fato de os pobres selvagens, por exemplo, morrerem em grande número, antes mesmo de ouvir pronunciar o nome de Deus.

Levando em consideração esta questão, tal Doutora da Igreja assevera que foi o próprio Jesus que lhe desvendou este mistério, pondo-lhe diante dos olhos o livro da natureza, através do qual ela compreendeu que todas as flores por Ele criadas são formosas, que o esplendor da rosa e a brancura do lírio não eliminam a fragrância da violetinha, nem a encantadora simplicidade da bonina, entendendo, desta maneira, que se todas as pequenas flores quisessem ser rosas, perderia a natureza sua gala primaveril (MENINO JESUS, 2003). De tal figura tira o seguinte ensinamento para a vida espiritual:

Outro tanto acontece no mundo das almas, que é o jardim de Jesus. Quis Ele criar os grandes Santos que podem comparar-se aos lírios, e às rosas; mas criou também os mais pequenos (sic), e estes devem contentar-se em serem boninas ou violetas, cujo destino é deleitar os olhos do Bom Deus, quando as humilha debaixo de seus pés. Consiste a perfeição em fazer sua vontade, em ser o que Ele quer que sejamos… (MENINO JESUS, 2003: 26-27, grifo nosso).

Como observamos no trecho acima, o que há de relevante para aquele que busca a perfeição, é a total conformidade com a vontade de Deus e, conseqüentemente a total fidelidade aos desígnios a seu respeito. É a essa realidade que alude Santa Teresinha no trecho supracitado, no qual percebemos na autora uma consciência muito clara da diversidade de vias para as quais os homens são chamados.

No segundo excerto selecionado, Santa Teresinha conta um fato de sua infância, no qual Leônia, sua irmã, procurou-a e sua outra irmã, Celina, com uma cesta cheia de vestidos e lindos retalhos, oferecendo-lhes tudo. Esta tomou um pacotinho de cordões. Nossa Santa, após uma curta reflexão, declarou: – Escolho tudo! Apoderando-se da cesta sem nenhuma formalidade (MENINO JESUS, 2003).

A respeito deste fato, tece a seguinte consideração:

“E compreendi que para se tornar santa era preciso sofrer muito, ir sempre atrás do mais perfeito e esquecer-se a si mesmo [sic]. Compreendi que na perfeição havia muitos graus e que cada alma era livre no responder às solicitações de Nosso Senhor, no fazer muito ou pouco por Ele, numa palavra, no escolher entre os sacrifícios que exige. Então, como nos dias de minha primeira infância, exclamei: “Meu Deus, escolho tudo”. Não quero ser santa pela metade. Não me faz medo sofrer por vós, a única coisa que me dá receio é a de ficar com minha vontade. Tomai-a vós, pois “escolho tudo” o que vós quiserdes!…” (MENINO JESUS, 2003: 42)

No terceiro trecho a ser considerado, Santa Teresinha comenta como era a formação que, nos tempos de infância, recebia de sua irmã Maria, a qual lhe explicava a importância de não deixar passar nenhuma oportunidade sem procurar juntar as riquezas celestes, dando a entender a grande infelicidade daqueles que nem querem se dar ao trabalho de estender a mão para as agarrar, deixando-as passar ao largo. Desse modo, consoante deixa explícito, sua irmã lhe ensinava a fidelidade nas mínimas coisas (MENINO JESUS, 2003).

Nossa Santa elogia a eloqüência de Maria, imaginando em sua pueril inocência que, se os pecadores mais empedernidos a ouvissem, converter-se-iam (MENINO JESUS, 2003).

Conta, também, neste excerto, um fato que se deu em sua minoridade, no qual uma de suas mestras da Abadia lhe perguntou o que fazia nos dias de folga quando estava sozinha. Teresinha respondeu-lhe que se punha atrás de sua cama, num vão que ali havia, fácil de se fechar com o cortinado, ficando a “pensar”. Sua professora, então, lhe perguntou no que pensava, ao que ela respondeu que cogitava em Deus, na vida, na eternidade… Afinal, que pensava… Muito se divertindo tal religiosa à sua custa (MENINO JESUS, 2003). Sobre este episódio, acrescenta nossa Santa: “Compreendo agora que, sem o saber fazia oração, e que o bom Deus já me instruía em segredo”. (MENINO JESUS, 2003: 89)

No quarto trecho, Santa Teresinha manifesta que foi sempre seu grande desejo ser santa, entristecendo-se pelo fato de a distância que havia entre os Santos e ela poder se comparar à que existe entre uma montanha e um grão de areia, espezinhado pelos transeuntes (MENINO JESUS, 2003).

Ao invés de desanimar, argumenta que o Bom Deus não seria capaz de inspirar-lhe desejos irrealizáveis, não sendo sua pequenez um obstáculo (MENINO JESUS, 2003).

Deste modo, nossa Santa procura um meio de ir para o céu por uma trilha bem reta, bem curta e inteiramente nova. Assim, introduz a figura do elevador, que, naquele tempo, acabara de ser inventado, afirmando que gostaria de encontrar um elevador para se reerguer até Jesus, buscando nos Sagrados Livros uma indicação do objeto de seus desejos. Com efeito, encontra neles as seguintes palavras: “Se alguém é pequenino, venha a mim” contidas no capítulo 94 do livro dos Provérbios, indo com o pressentimento de haver achado o que procurava, com a vontade de saber o que Deus faria a um pequenino que respondesse ao Seu chamado (MENINO JESUS, 2003). Continuando suas reflexões, encontra o seguinte trecho no mesmo capítulo aludido acima: “Como uma mãe acaricia o filhinho, assim vos consolarei, e vos acalentarei em meu regaço” (MENINO JESUS, 2003), a respeito do que faz a seguinte exclamação: “Oh! nunca vieram alegrar minha alma palavras mais ternas e mais melodiosas! O elevador que me conduzirá até ao céu, são vossos braços, ó Jesus! Por isso, não preciso ficar grande. Devo, pelo contrário, conservar-me pequenina, que venha a ser sempre mais”. (MENINO JESUS, 2003: 226-227)

O quinto e último excerto é o mais sublime de todos, pois é nele que Teresinha explicita a sua vocação à Santidade.

Ela inicia tal pensamento da seguinte maneira: “Ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser mãe das almas pela união contigo, deveria ser bastante para mim… Mas assim não acontece… Sem dúvida, as três prerrogativas constituem exatamente minha vocação: Carmelita, Esposa, e Mãe” (MENINO JESUS, 2003: 211).

Depois do que afirma sentir em si outras vocações:

“Sinto em mim a vocação de GUERREIRO, de SACERDOTE, de APÓSTOLO, de DOUTOR, e de MÁRTIR. Sinto, afinal, a necessidade, o desejo de realizar por ti, Jesus, todas as obras, as mais heróicas… Sinto na alma a coragem de um Cruzado, de Zuavo Pontifício. Desejaria morrer no campo de batalha pela defesa da Igreja…[…]” (MENINO JESUS, 2003: 211).

Como seus desejos a martirizavam, abriu as epístolas de São Paulo, dando com os olhos nos capítulos 12 e 13 da primeira aos Coríntios. Comenta que leu no primeiro deles que nem todos podem ser apóstolos, profetas, doutores, etc e que a Igreja se compõe de membros diversos, de modo que o olho não pode ser mão ao mesmo tempo.

Dando continuação esta leitura, deparou-se com uma passagem na qual o Apóstolo convida seus destinatários a buscar os dons maiores, mostrando que os mais perfeitos não são nada sem o Amor, o qual é o caminho por excelência, que leva a Deus com segurança. (MENINO JESUS, 2003). Ao que acrescenta que

“a resposta era clara, mas não satisfazia os meus anseios, não me dava paz… Como Madalena insistia em debruçar-se sobre o túmulo vazio e acabou encontrando o que procurava, assim também, debruçando-me até as profundezas do meu nada, ergui-me a tal altura, que pude alcançar o meu objetivo… A resposta era clara, mas não satisfazia os meus anseios, não me dava paz… Encontrara, enfim, tranqüilidade… Tomando em consideração o corpo místico da Igreja, não me identificava em nenhum dos membros descritos por São Paulo, por outra, queria identificar-me em todos eles. A caridade deu a chave de minha vocação. […] Compreendi que o AMOR ABRANGE TODAS AS VOCAÇÕES, ALCANÇANDO TODOS OS TEMPOS E TODOS OS LUGARES… NUMA PALAVRA, É ETERNO…” (MENINO JESUS, 2003: 213).

E, para concluir tal raciocínio, faz de uma maneira vibrante e entusiasmada, a seguinte assertiva: “Então, no transporte de minha delirante alegria, pus-me a exclamar: Ó Jesus, meu amor, minha vocação, encontrei-a afinal: MINHA VOCAÇÀO É O AMOR!….” (MENINO JESUS, 2003: 214)

Considerando o que acima foi explicitado nós podemos concluir, de acordo com o pensamento da Doutora da Igreja aqui focalizado:

1) Que a santidade consiste antes de tudo em estar disposto por completo a fazer a vontade de Deus.

2) Que para tanto se faz necessário o sofrimento.

3) Que os meios para obter a santidade são a oração e a fidelidade nas pequenas coisas.

4) Que se faz necessário deixar-se levar, sem impor obstáculos, por esse Divino Elevador, que é Jesus Cristo, através da compenetração da própria fragilidade, da confiança, e da completa fidelidade às suas luzes e graças.

5) Que a vocação específica de Santa Teresinha é o Amor.

Santidade segundo o carisma e a espiritualidade carmelitanos

sta-teresinhaPe. Alex Brito, EP

O carisma carmelitano, sem escapar da definição geral proposta pela Doutrina Católica, possui particularidades que cumpre serem ressaltadas aqui.

Uma delas é a idéia de um Deus absoluto com leis absolutas, o qual governa o universo com bondade e misericórdia, sem deixar de exercer sua justiça para com aquelas criaturas que obstinadamente fogem de Seu Amor Misericordioso que constantemente as atrai para Si. O que trás como conseqüência lógica um desejo de reparação através de uma vida inteiramente dedicada ao seu serviço. É a isso que se refere implicitamente Berardino (1995: 75) ao falar sobre o primado de Deus na vida do carmelita. Para tanto, toma como arquétipo Maria Santíssima, a qual de tal maneira tinha a Deus como centro absoluto de sua vida, que mereceu conter o Verbo de Deus em seu claustro virginal, e a respeito da qual afirmam as Escrituras: “Sua mãe guardava todas estas coisas em seu coração”[1] (BÍBLIA SAGRADA, 2002: 1349), significando a maneira com que ela se dispunha a cumprir inteiramente a missão que lhe foi confiada, acompanhando todos os acontecimentos relacionados ao seu Divino Filho com grande atenção, tal era o seu ardente desejo de dedicar-se inteiramente a Ele.

Do que foi dito acima concluímos pertencer à tônica do carisma carmelitano um grande zelo pela glória de Deus, que se traduz num não menor zelo pela reparação de tantas ofensas perpetradas contra ela, e pela salvação das almas. O zelo ardoroso é o que define tal espiritualidade, que toma como protótipo o Profeta Elias, o qual ao ser interpelado por Deus no alto do Monte Horeb, respondeu-lhe: “Estou devorado de zelo pelo Senhor, o Deus dos Exércitos”[2] (BIBLIA SAGRADA, 2002: 392).

Outro aspecto relevante diz respeito ao despojamento de si mesmo que caracteriza o espírito carmelitano. Sem assumir os extremismos a que chegaram certas correntes quietistas que transformaram o processo de santificação numa espécie de busca nihilista muito semelhante em seus aspectos essenciais a certas religiões orientais, em especial o budismo, tem bem presente diante de si a vacuidade das criaturas contingentes com as quais se depara, procurando esvaziar-se de todo apego desordenado a elas, com o objetivo de aderir com todas as veras da alma ao Único Necessário. Para o Carmelita, tal busca é inspirada pelo próprio Deus, e trás como resposta a ação divina, ora por meio de purificações dolorosas, ora por meio de graças especialíssimas de consolação que conduzem certas almas privilegiadas até, usando a expressão de Saint-Laurent (1997), às alturas vertiginosas dos êxtases.

Faz-se preciso salientar que tais favores extraordinários não devem ser o objetivo final de uma alma autenticamente carmelitana, mas somente meios através dos quais a Providência lhe manifesta o seu apreço e a incentiva à perseverança. Para o carmelita, antes de tudo, tais favores não consistem na santidade, mas são uma via posta por Deus para alcançá-la. A santidade consiste antes de tudo na vontade inteiramente voltada para o Altíssimo, mesmo em meio aos mais atrozes sofrimentos e obscuridades. Amar não significa sentir amor, significa querer amar, viver o amor, morrer de amor. O principal favor que uma alma imbuída dessa espiritualidade deseja possuir é o amor de Deus, mesmo que para tanto se faça necessário o mais duro dos sacrifícios, ou seja, o absurdo da rejeição por parte de Deus. Mesmo se tal se sucedesse, o que é de potentia Dei ordinata[3] impossível, a alma continuaria a amá-lo com todas as suas veras.

Tal ideal parece mergulhar na impossibilidade diante da realidade do instinto de conservação que pertence à natureza humana. Entretanto, pode ser alcançado, desde que a pessoa humana se abandone inteiramente nas mãos de Deus. E é o abandono um dos pontos que mais merece destaque no carisma carmelitano.

Um outro aspecto interessante reside no fato de esse amor ser uma fonte de inspiração para uma vida autenticamente apostólica, pois o zelo pela glória de Deus trás como conseqüência o desejo de vê-lo inteiramente servido pela universalidade dos homens, porque a alma se dinamiza ao perceber tal não ser ainda realidade. É por esta causa que Saint-Laurent (1997) chama Santa Teresa de Ávila a Santa do Apostolado.


[1] Lc 2, 51

[2]1Rs 19,10

[3] Expressão latina que se refere ao poder de Deus ordenado a um fim por Ele estabelecido.