Diác. José de Andrade, EP
Deus chama determinadas almas para O seguirem de uma forma radical e para cumprirem determinadas missões. Foi o caso, por exemplo, dos profetas do Antigo Testamento. Também no Novo Testamento se verifica o mesmo fenômeno, originando-se nos primeiros séculos da Igreja o monaquismo: indivíduos (os eremitas) ou comunidades de monges que se afastavam do mundo para se dedicarem unicamente ao serviço de Deus e à contemplação. Este movimento não fez senão crescer ao longo dos séculos, revestindo múltiplas formas. Sobretudo, nas épocas de grande fervor religioso, constata-se um grande incremento de vocações religiosas. Pois a vida consagrada é uma forma de viver mais intensamente o Evangelho, de almejar a santidade, através da prática dos conselhos evangélicos, pela profissão dos três votos: obediência, castidade e pobreza.
Sua importância na Igreja sempre foi reconhecida, pois, como lembrava João Paulo II (1997, p.39), a vida consagrada constitui “memória viva da forma de existir e atuar de Jesus” (Vita consecrata, n.20). Além de ser, através do testemunho de vida, um convite constante aos fiéis a aspirarem à santidade. Por isso, sempre houve um grande empenho, em todas as épocas, em fomentar as vocações religiosas.
No século XX, constata-se um crescimento das vocações religiosas até aos finais da década de sessenta, havendo então uma inflexão dessa tendência que até nossos dias não se inverteu.
Podemos encontrar uma das causas desse decrescimento vocacional na secularização da sociedade moderna. Fenômeno apontado pelos últimos papas. Mas também na permeação da mentalidade secularista, na Igreja. Alguns autores, como o Cardeal Franc Rodé em 2008, porém, apontam outro fator que não pode ser desprezado. Chama ele a atenção para o modo como foi interpretado o Concílio Vaticano II, que ele denomina de “hermenêutica de ruptura”, sobretudo, neste assunto específico, no que diz respeito à reforma da vida religiosa. Em vez de se fazer uma necessária adaptação da vida religiosa às circunstâncias modernas, conservando, porém, o espírito fundacional e a essência da vida religiosa, houve como que uma ruptura com o estilo de vida anterior e uma diluição da radicalidade com que os religiosos devem seguir a Cristo, cuja conseqüência foi a diminuição de novas vocações e o abandono da vida religiosa por muitos. Sob pretexto de reforma, assimilou-se o secularismo. No mesmo sentido se expressa também outra autoridade eclesiástica, D. Demetrio Fernández (2009), bispo diocesano de Tarazona:
Vivemos tempos de crise, também na vida consagrada. A secularização, ou seja, viver como se Deus não existisse, acomodando-se aos critérios e aos modos do mundo, penetrou também no estilo de vida consagrada. […]
Parece uma contradição, mas infelizmente é assim. Uma vida consagrada na que não se esteja disposto a viver com radicalidade a entrega a Jesus Cristo, com a loucura de amor ao estilo de São Paulo, é uma vida pouco atraente e nada estimulante para os jovens de hoje. Aqui está uma das razões da escassez de vocações. […] Os Institutos que se acomodaram a este mundo não têm vocações, e vão se extinguindo paulatinamente (tradução nossa).
VICTORINO DE ANDRADE, José et all. A vocação religiosa católica: características e novidades na atualidade. Centro Universitário Ítalo-Brasileiro. São Paulo, 2009. p. 62-63.