Pe. José Manuel de Andrade, EP
Há uma tendência de querer ver na Igreja apenas um lado carismático, pretendendo dispensá-la do aspecto jurídico, sendo que este não é desprovido de um significado e uma missão. Ele existe para que, havendo uma sociedade eclesial de instituição definida, se crie de forma acabada e com os devidos contornos, em seu tempo e em seu lugar, uma ordem baseada nos valores evangélicos e participa do fim a que se propõe a Igreja: a salvação das almas.
São Paulo ensina que a justificação não se realiza pelas obras da lei, mas por meio da fé (cf. Rm 3, 28; cf. Gl 2, 16), porém, não exclui a obrigatoriedade do Decálogo (cf. Rm 13, 8-10; cf. Gl 5, 13-25; 6, 2), nem nega a importância da disciplina na Igreja de Deus (cf. 1 Cor 5-6). Já o primeiro Concílio, de Jerusalém, presidido por Pedro, compreendia uma parte dogmática e moral e outra disciplinar.[1]
Assim sendo, a necessidade do direito na Igreja não deve traduzir-se por uma simples conveniência, por muito intensa que seja. Esta dimensão jurídica é fundamental, porque sem ela não é compreensível a Igreja tal como foi fundada por Cristo.[2] Conforme João Paulo II:
“Como principal documento legislativo da Igreja, baseado na herança jurídico-legislativa da Revelação e da Tradição, o Código deve ser considerado instrumento indispensável para assegurar a devida ordem tanto na vida individual e social como na própria atividade da Igreja. Por isso, além dos elementos fundamentais da estrutura hierárquica e orgânica da Igreja, estabelecidos por seu Divino Fundador ou fundamentados na tradição apostólica ou em tradições antiquíssimas, e além das principais normas referentes ao exercício do tríplice múnus confiado à Igreja, é necessário que o Código defina também certas regras e normas de ação”.[3]
Assim sendo, o Direito dentro do Povo de Deus não é só uma ordenação de condutas, mas também uma estrutura da sociedade; ele ordena e organiza o grupo social criando vínculos, estabelecendo situações jurídicas, delimitando âmbitos de competência e autonomia, outorgando poderes e direitos, etc.[4] Conforme afirmava Paulo VI: “A vida da Igreja não pode existir sem um ordenamento jurídico”.[5]
[1] Cf. BÍBLIA SAGRADA (anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra) Braga: Edições Theologica, 1990. Vol. II. p. 257.
[2] Ver Mt 16, 19 e Jo 21, 17.
[3] JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica Sacrae Disciplinae Leges. In: Communicationes, XV (1983).
[4] Cf. INSTITUTO MARTÍN DE AZPILCUETA. Comentário Exegético al Código de Derecho Canónico. 3. ed. Pamplona: EUNSA, 2002. Vol. I. p. 40-41.
[5] “Vita ecclesialis sine ordinatione iuridica nequit exsistere”. (Apud Herranz, J. Il Dirito Canonico, Perché? Lezione all’Università Cattolica di Milano. 29 aprile 2002 tradução minha).