O chamado à perfeição

vaticanoDiác. José Victorino de Andrade, EP

“Sede perfeitos como vosso Pai do Céu é perfeito” (Mt 5, 48). Para São Tomás de Aquino, esta proposta que Nosso Senhor nos faz na sequência do Sermão das Bem-Aventuranças não pode ser inatingível pelo homem, pois neste caso jamais lhe poderia ser prescrito pela lei divina.[1] Portanto, tem de ser possível chegar à perfeição nesta vida, e esta consiste, de acordo com Santo Agostinho, na ausência dos desejos desordenados que se opõem à caridade. O Aquinate acrescenta a esta doutrina tudo quanto possa impedir que o afeto da mente se dirija totalmente a Deus, sem o que não poderá haver caridade, que é a perfeição da vida cristã.[2] O Catecismo da Igreja Católica aclara esta questão:

O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade, que é o “vínculo da perfeição” (Cl 3,14); é a forma das virtudes, articulando-as e ordenando-as entre si; é fonte e termo de sua prática cristã. A caridade assegura e purifica nossa capacidade humana de amar, elevando-a à perfeição sobrenatural do amor divino.[3]

 

Embora alguns autores prefiram distinguir o convite à perfeição da vocação à santidade, os termos se interpenetram na medida em que a perfeição pode e deve ser um notável caminho para a santificação.[4] De acordo com São Paulo (cf. Cl 1, 28), é a perfeição em Cristo que os homens devem almejar para se apresentar diante de Deus. O próprio Concílio recordou que “todos os fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”,[5] ou seja, à santidade.

A aliança estabelecida por Deus com os homens trouxe-lhes, já no Antigo Testamento, um forte apelo à santidade, na medida em que cumprissem os preceitos por Ele estabelecidos. Mais do que os ritos prescritos,[6] este convite abrangia as variadas dimensões morais do Povo Eleito, manifestando-se, por exemplo, quando o Senhor fala pela boca de Isaías e se revela adverso em relação ao culto prestado por aqueles cuja malícia está em seu coração, e exorta a uma purificação, a fim de os homens se voltarem para a caridade e a justiça (cf. Is 1, 15-17). Assim, através de uma vida coerente com a Lei e o culto, Deus, só Ele Santo, deseja comunicar a sua santidade ao povo que cumpre Suas exigências e formar uma nação santa (cf. Ex 19,6).

Pedro, em sua Primeira Epístola, recordará este chamado à santidade (cf. I Pd 1, 15-16) retomando-o e dotando-o de uma nova perspectiva, iluminada pela Redenção, exortando assim a uma peregrinação terrena configurada com Cristo e conformada ao caráter soteriológico de sua encarnação.

VICTORINO DE ANDRADE, José. Editorial. in: Revista Lumen Veritatis. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n.8, jul-set 2009, p. 3-5.

[1] Cf. Sum. Theol. II-II Q. 184, a. 2.

[2] Idem.

[3] Catecismo da Igreja Católica n. 1827.

[4] Ver a este respeito NETTO DE OLIVEIRA, José. Perfeição ou Santidade e outros textos espirituais. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.

[5] Lumen Gentium, 40

[6] Ver Ex 22, 30; Lv 11, 44; 19, 2.

 

 

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