Documentos basilares para o estudo da formação dos seminaristas

Pe. Carlos Adriano, EP

Para se estabelecer um estudo a respeito da formação seminarística nos dias de hoje e sobre os diversos elementos que a compõem, é preciso delimitar onde se encontram as principais diretrizes que tenham servido de fonte para a elaboração da atual legislação do Código, ou para a interpretação da mesma.

Primeiramente, deve-se atentar para o decreto Optatam Totius sobre a formação sacerdotal, do Concílio Vaticano II:

[…] o Concílio Vaticano II, que teve como objetivo último a renovação de toda a Igreja, advertiu também a estreita relação entre essa desejada renovação e o ministério dos sacerdotes. Fruto deste convencimento dos Padres conciliares é o decreto Optatam Totius, em que se proclama a transcendental importância da formação sacerdotal e se expõem os princípios fundamentais que devem inspirá-la, conservando e confirmando o já provado pelos séculos de experiência, e inovando ao mesmo tempo com o que as novas circunstâncias podem exigir (RINCÓN-PEREZ, 1991, p. 178 — tradução minha).

Como se poderá observar, o documento não descarta a experiência da Igreja na formação dos sacerdotes, muito pelo contrário, valoriza-a, mas exorta a que, nas leis eclesiásticas dirigidas para a formação sacerdotal, sejam introduzidas inovações que correspondam à evolução dos tempos.

 O sagrado Concílio reconhece que a desejada renovação de toda a Igreja depende, em grande parte, do ministério sacerdotal, animado do espírito de Cristo; proclama, por isso, a gravíssima importância da formação dos sacerdotes e declara alguns dos seus princípios fundamentais, pelos quais sejam confirmadas as leis já aprovadas pela experiência dos séculos e se introduzam nelas as inovações que correspondam às suas constituições e decretos e à evolução dos tempos. Esta formação sacerdotal, por causa da unidade do mesmo sacerdócio, é necessária aos dois cleros e de qualquer rito. Portanto, estas prescrições, que se referem diretamente ao clero diocesano, devem ser acomodadas na devida proporção a todos os sacerdotes (OT, proêmio).

O decreto conciliar trata sobre diversos temas atinentes à formação sacerdotal: desde a promoção das vocações, organização dos seminários maiores, formação espiritual e ainda outros assuntos de exclusiva relevância.

Além desse documento, o presente estudo deve ter como base a Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, e a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis:

O Concílio Vaticano II dedicou um decreto (Optatam Totius) à formação para o sacerdócio. A disciplina do CIC responde às suas orientações, que recolhem uma tradição multissecular, com as adaptações necessárias às circunstâncias atuais. Ademais, existe para a Igreja universal, um plano de formação (Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis), cujas linhas básicas devem ser seguidas pelas Conferências Episcopais e pelos regulamentos dos seminários (cf. cc. 242-243). Em 25.III.1992, João Paulo II publicou a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, que trata da formação dos sacerdotes na situação atual (CENALMOR E MIRAS, 2004, p. 178).

A Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, que consiste em normas fundamentais para a formação sacerdotal, foi elaborada pela Congregação para a Educação Católica, e publicada primeiramente em 6 de janeiro de 1970, deixando de vigorar com a promulgação do Código de Direito Canônico de 1983.

Adaptando-se à necessidade de se criar uma nova Ratio, a Congregação para a Educação Católica publicou novas diretrizes em 10 de março de 1985, acrescentando, na verdade, muito poucas mudanças em relação ao documento anterior (cf. Enchiridium, p. 326).

Todos esses documentos têm uma particular influência na legislação atual em relação aos responsáveis pela formação dos seminaristas.

Vocação Universal à Santidade

Pe. José Victorino de Andrade, EP

A comum vocação de todos os homens à santidade, seja qual for o seu estado, é atestada pelo Catecismo da Igreja Católica1 e por numerosos documentos do Concílio Vaticano II.2 Conforme Bento XVI: “No contexto da vocação universal à santidade (cf. 1 Ts 4, 3) encontra-se a vocação especial para a qual Deus exorta todos os indivíduos”.3 A Constituição Dogmática Lumen Gentium dedica-lhe um capítulo inteiro,4 exortando o cristão a ser exemplo para todo o próximo na medida em que, praticando os conselhos evangélicos, edifica toda a sociedade.

Se bem que todos os homens sejam convidados à santidade, alguns o são de modo muito especial, sobretudo enquanto chamados a dar exemplo, pois pela própria perfeição estão chamados a aperfeiçoar os demais. São Tomás salienta entre estes, sobretudo, os bispos e aqueles que levam vida religiosa, pois abdicam de certos bens terrenos, que poderiam usufruir livremente, para se dedicarem de modo mais integral e livre ao serviço de Deus.5

A Constituição Dogmática Lumen Gentium6 hierarquiza-os deste modo:

1. Os Bispos, que devem fazer do seu ministério “um sublime meio de santificação” a fim de serem “modelos do rebanho” (cf. 1 Ped. 5, 3) e com o seu exemplo suscitarem na Igreja “uma santidade cada vez maior”.

2. Os presbíteros, à semelhança da ordem dos Bispos e sempre em fiel e generosa cooperação, para que crescendo no amor de Deus e do próximo sigam aqueles que “nos deixaram magnífico exemplo de santidade” a fim de alimentar e afervorar a sua ação “para alegria de toda a Igreja de Deus”.

3. Os diáconos, atendendo “a toda a espécie de boas obras diante dos homens” (cf. 1 Tim 3, 8-10. 12-13) e fazendo tudo para glória e honra de Deus. Aqui se incluem também todos aqueles que são chamados ao cumprimento de algum ministério para que, consagrando-se às atividades apostólicas, dêem fruto em abundância.

4. Os esposos e pais cristãos para que, na fidelidade mútua e imbuídos da doutrina cristã e das virtudes evangélicas eduquem a prole que amorosamente receberam de Deus dando “exemplo de amor incansável e generoso” e edificando a comunidade.

Por fim, incluem-se todos os fiéis, sejam quais forem as condições, tarefas ou circunstâncias de seu estado para, através de todas elas, “receberem tudo com fé da mão do Pai celeste e cooperarem com a divina vontade, manifestando a todos, na própria atividade temporal, a caridade com que Deus amou o mundo”.7

1) Ver, por exemplo, n. 941, 1533, 2013.

2) Entre outros: Lumen Gentium, n. 32; Gaudium et Spes, n. 34 ; Gravissimum Educationis, n. 2; Presbyterorum Ordinis, n. 2.

3) Visita Ad Limina Apostolorum dos Bispos do Canadá – Atlântico. 20 mai. 2006.

4) Capítulo V: A Vocação de todos à santidade na Igreja.

5) Cf. Sum. Theol. II-II Q. 184, a. 5.

6) Cf. Lumen Gentium, n. 41

7) Idem.

Concedei-me 1

Oração composta e rezada diariamente por São Tomás 2
São Tomás de Aquino 3

 

Concedei-me, Deus misericordioso,
Aquilo que vos agrada:
Ardentemente desejar,
Prudentemente investigar,
Sinceramente apreciar,
Perfeitamente consumar.
Para louvor e glória de vosso nome,
Ordenai o meu estado;
O que me quereis conceder,
Fazei-me conhecer;
O que é necessário e útil à minha alma,
Ajudai-me a exercer.
Que minha via rumo a Vós, Senhor, seja segura e reta,
Sem esmorecer nas prosperidades ou adversidades,
Agradecendo-Vos nas prosperidades,
Conservando a paciência nas adversidades,
Não me deixando exaltar por aquelas,
Nem desanimando com estas.
Que nada me alegre senão o que me leva a Vós,
Nem me entristeça, senão o que me afasta de Vós,
Que a ninguém deseje comprazer, ou temer desagradar, senão a Vós.
Que as coisas passageiras a mim se aviltem por Vós,
Estimadas me sejam todas as vossas coisas, mas Vós,
Ó Deus, mais que tudo.
Que me causem desgosto todas as alegrias sem Vós,
Que nada mais deseje além de Vós.
Que me deleite o trabalho por Vós,
E que me seja tedioso o repouso sem Vós.
Dai-me constantemente um coração por Vós elevado,
Com dor e propósito de emenda por minhas faltas, ponderado.
Fazei-me, meu Deus:
Humilde sem simulação,
Alegre sem dissipação,
Sério sem depressão,
Oportuno sem opressão,
Ágil sem frivolidade,
Veraz sem duplicidade,
Temendo-Vos sem desesperação,
Confiante sem presunção,
Corrigindo o próximo sem pretensão,
Edificando-o pela palavra
E pelo exemplo, sem ostentação;
Obediente sem contradição,
Paciente sem murmuração.
Dai-me, ó dulcíssimo Deus, um coração:
Vigilante, que não se afaste de Vós por nenhuma curiosa cogitação,
Nobre, que não o rebaixe nenhuma indigna afeição,
Invencível, para que não fraqueje sob nenhuma tribulação,
Íntegro, que não seja seduzido por nenhuma violenta tentação,
Reto, que não se desvie por nenhuma perversa intenção.
Concedei-me, generosamente, Senhor meu Deus:
Uma inteligência para Vos conhecer,
Um amor para Vos buscar,
Uma sabedoria para Vos encontrar,
Uma vida para Vos agradar,
Uma perseverança fiel para Vos esperar,
E, por fim, uma confiança para Vos abraçar.
Que eu seja transpassado por vossas penas, pela penitência,
Que no caminho seja agraciado por vossos benefícios, pela graça,
E possa gozar de vossas alegrias na Pátria, pela glória.
Amém.

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1) Texto latino da oração Concede michi extraído de: Guilelmus de Tocco. Ystoria sancti Thome de Aquino, cap. 29. In: Ibid. Ed. Claire Le Brun-Gouanvic. Toronto: Pontifical Institute of Mediaeval Studies, 1996, p. 156, l. 56-86. Tradução pelo Diác. Felipe de Azevedo Ramos, EP, com ligeiras adaptações para a língua portuguesa. Embora não conste o formato versificado no texto original acima mencionado, optou-se por dividi-lo em versos, a fim de obter uma melhor compreensão e destacar o estilo rimado do original.

2) A introdução completa a respeito desta oração lê-se em Guilherme de Tocco (cf. op. cit., p. 156, l.53-56): “De quo deuoto et sancto doctore dicitur quod infra scriptam orationem composuit, continentia completam, affectione deuotam et stilo politam, quam omni die dicebat. Oratio quam fecit beatus Thomas, quam omni die dicebat”.

3) Embora alguns catálogos mencionem esta oração como sendo de dúbia autenticidade, assignamos a autoria a São Tomás de Aquino por estar inserida na quarta e última revisão do próprio Guilherme de Tocco (feita aproximadamente em julho de 1323) à sua História de São Tomás de Aquino, quando se dedica ao tema da contemplação e da oração. Para mais detalhes sobre este texto e sua autenticidade: Cf. Doyle, A. I. A Prayer Attributed to St. Thomas d’Aquinas. Dominican Studies, l, 1948, p. 229-238; Editorial [Nota Editoris]. Sancti Thomae de Aquino Concede michi. Disponível em: <http://www.corpusthomisticum.org/d04n.html>. Acesso em: 12 fev. 2012.

A alma assistida pelo dom de sabedoria

Mons. João S. Clá Dias, EP

A alma assistida pelo dom de sabedoria conhece e julga através de critérios divinos, porque age por um especial instinto do Espírito Santo. Por isso, não será difícil para um justo, penetrado por um alto grau do dom de sabedoria, solucionar questões do mundo do pensamento, da esfera da ação concreta, ou da contemplação divina.1

O raciocínio lhe será necessário para construir uma exposição didática com vistas a instruir a terceiros, mas, para si, esse instinto do divino lhe bastará em profusa generosidade. 2 Sua atenção, além disso, não se deterá nas causas segundas; seu espírito voará diretamente à causa primeira, ou seja, o próprio Deus. A ordem da criação se lhe apresentará com uma luz especial. E, enquanto para outros essa ordem poderá estar na sombra, ou, quiçá, constituirá um mistério, para quem é movido pelo instinto do divino, o Espírito Santo faz incidir sobre sua alma uma luz pela qual tudo se lhe torna claro e assimilável.

Assim, o universo será para ele objeto de contemplação e análise. E até a História e os acontecimentos humanos poderão ser contemplados e julgados a partir do mirante da eternidade. 3 Desse mais alto patamar, todo o resto lhe ficará claro e compreensível.

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1) Philipon pondera, acertadamente, que alguma intuição está presente em todos os procedimentos da inteligência humana, da qual Deus pode fazer uso conforme seu beneplácito, tal qual um artista faz uso de seus dotes e instrumentos. Diz ele: “Au lieu de raisonner lentement, péniblement, à partir des réalités sensibles, à travers le long dédale des jugements successifs et discursifs, l’esprit de l’homme, sous l’action directe et illuminatrice de l’Esprit-Saint, pénètre d’un seul coup au fond des choses. Il juge de la connexion des causes secondes à la manière d’un Dieu vivant sur la terre. Il apprécie tout à la manière de Dieu, contemplant l’univers, dans la lumière de Celui qui en est la Cause suprême, selon un mode supra-discursif, supra-humain, quasi intuitif, déiforme, participation éminente de la Sagesse incréée, parvenant ainsi à la plus haute vie intellectuelle ici-bas” (PHILIPON, Marie-Michel. Les dons du Saint-Esprit, p. 227).

2) Os raciocínios habituais para compreender as coisas não são necessários à alma possuidora do dom de sabedoria, pois, segundo afirma Díaz-Caneja, é “característica propia de este don el procedimento por el que llega el alma a este profundo saber de una manera rápida, sin comprobaciones, sin datos. El hombre bajo este don siente que las cosas son así y no de otra manera, y aunque no lo pueda comprobar ni demostrar, está seguro de ello más aún que si lo viera, no con su entendimiento, sino con sus ojos. Siente a Dios en sí y con más seguridad que el sabio que, a fuerza de raciocinios llegara a convencerse de esa misma verdad. La fe de muchas almas descansa en este don” (DÍAZ-CANEJA, Moisés, p. 415).

3) Royo Marín, a esse respeito, é categórico ao afirmar: “Su juicio [del don de sabiduría] se extiende también a las cosas creadas, descubriendo en ellas sus últimas causas y razones, que las entroncan y relacionan con Dios en el conjunto maravilloso de la creación. Es como una visión desde la eternidad que abarca todo lo creado con una mirada escrutadora, relacionándolo con Dios, en su más alta y profunda significación, por sus razones divinas” (ROYO MARÍN, Antonio. Teología de la perfección cristiana, p. 529).

Relativismo e consciência

Diác. Inácio Almeida, EP

Uma das manifestações mais evidentes do relativismo contemporâneo liga-se a uma nova compreensão do conceito de consciência, que tem acarretado profundas implicações tanto no campo gnosiológico quanto moral.

Segundo essa nova teoria, cada consciência é autônoma, infalível e independente. Ela funciona como uma espécie de tribunal de última instância, capaz de ditar por si mesma as regras de toda conduta moral e social. Ratzinger considera esta interpretação do conceito de consciência como uma espécie de deificação da subjetividade, pois o critério da verdade acaba sendo ditado pelo próprio ego interior: “Consciência, na modernidade, tornou-se a divinização da subjetividade, enquanto que na tradição cristã é exatamente contrário. A consciência é a convicção de que o homem é transparente e pode sentir em si mesmo a voz da própria razão, a razão que dá fundamento do mundo”.1

Com efeito, a tradição cristã compreende a consciência como a capacidade que o homem tem de abrir-se à verdade objetiva e universal e que constitui não somente um direito, mas também um dever de buscar aquilo que é verdadeiro. 2 Dessa forma, a consciência deve ser entendida como unidade de conhecimento e verdade, sem ser confundida com a autoconsciência, pois viver conforme a consciência não significa encerrar-se na própria convicção.

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1) Dialogo fra Ratzinger e Galli della Loggia su storia, politica e religione. In: Tosatti, Marco. Il dizionario di papa Ratzinger: Guida al pontificato. Milano, Baldini Castoldi Dalai, p. 34 (tradução nossa): “Coscienza, nella modernità, diventa la divinizzazione della soggettività, mentre nella tradizione cristiana è proprio il contrario, è la convinzione che l’uomo è trasparente e può sentire in se stesso la voce della ragione stessa, della ragione fondante del mondo”.

2) Cf. Idem. El elogio de la conciencia: la Verdad interroga al corazón. Madrid: Palabra, 2010, p. 45.

A procura do Absoluto

pescadorMons. João Clá Dias, EP

Dentre as diversas formas do conhecimento analógico de Deus, a via eminentiae procura atribuir às coisas visíveis graus de perfeição superiores aos que possuem, como forma de elevar a alma a Deus na consideração admirativa do Universo.

Entende-se a importância primordial de uma correta impostação de espírito na consideração da criação, no sentido de favorecer os bons frutos da catequese e da formação cristã, pois ao se tomar uma pessoa, educada na escola da “procura do absoluto”,[1] para ela, acreditar nos conteúdos da Fé, torna-se algo quase conatural. Saber que aquele Deus, por ela tão almejado, revelou-Se misericordiosamente, produz-lhe um grande gáudio interior, levando-o a exclamar com Jeremias: “Bastava descobrir as tuas palavras e eu já as devorava, tuas palavras para mim são prazer e alegria do coração” (Jr 15, 16).

Quando São Tomás se pergunta — seguindo seu método clássico inspirado nas disputationes medievais — pela origem da desigualdade das coisas, defronta-se com algumas objeções, dentre as quais chamamos a atenção sobre a primeira, sobretudo pela resposta a ela dada pelo santo doutor. Com efeito, se Deus é o ótimo por essência, não pode ter criado senão coisas ótimas, as quais deveriam ser todas necessariamente iguais. Pois, a partir do momento que uma fosse melhor que a outra, a inferior deixaria de ser ótima. (cf S Th I, q. 47, a. 2)

Responde São Tomás com seu clássico estilo:

A un agente óptimo le corresponde producir todo su efecto de forma óptima. Sin embargo, no en el sentido de que cada una de las partes del todo que hace sea absolutamente óptima, sino que es óptima en cuanto proporcionada al todo. […] Así, de cada una de las criaturas se dice en el Gen 1, 4, Vio Dios que la luz era buena. Lo mismo se dice de las demás cosas. Pero de todas en conjunto dice (v.31): Vio Dios todo lo que había hecho y era muy bueno.

As perfeições de Deus, refletidas nas várias criaturas em diversos graus e modos, têm sua representação mais admirável no conjunto da Criação, a qual forma como que um imenso e magnífico mosaico que reproduz a Beleza incriada. O Universo é melhor do que cada uma das partes, por refletir com maior perfeição a grandeza e majestade de Deus.

Seguindo o divino exemplo, a alma que trilha as vias da “procura do absoluto” não deve se deter apenas na consideração de cada uma das obras de Deus isoladamente, mas é chamada a admirar a ordem do Universo no seu conjunto.

Entretanto, há uma obra na Criação que o fiel deve considerar com um amor que toca quase na adoração: é a Igreja Católica, Apostólica e Romana. Nela, se reflete de modo ainda mais perfeito a beleza infinita de Deus, pois ela é “toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5, 27). O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira assim falava da Santa Igreja, como obra-prima de Deus:

Deus Se reflete, ainda, em uma obra-prima mais alta e mais perfeita do que o Cosmos. É o Corpo Místico de Cristo, a sociedade sobrenatural que veneramos com o nome da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Constitui Ela mesma, todo um universo de aspectos harmônicos e variegados, que cantam e refletem, cada qual a seu modo, a formosura santa e inefável de Deus e do Verbo Encarnado.

Na contemplação, de um lado, do Universo e, de outro lado, da Santa Igreja Católica, podemos elevar-nos à consideração da beleza santa, infinita e incriada de Deus.[2]

in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 10, Jan-Mar 2010. p. 20-22.


[1] Tendo visto como pela busca do pulchrum se tende à perfeição, com magnanimidade e senso de hierarquia, compreende-se melhor essa contemplação das criaturas rumo ao que é mais elevado, que, por herança do Prof. Corrêa de Oliveira, na instituição dos Arautos se designa por “procura do Absoluto”, e em linguagem escolástica é chamada conhecimento analógico de Deus.

[2] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O Escapulário, a profissão e a consagração interior, in Mensageiro do Carmelo. São Paulo, 1959, ano 47, ed. especial, pp. 58-65.

A solução para os problemas sociais

Pe. José Victorino de Andrade, EP

O mandamento novo (Jo 13, 34) foi capaz de criar aqueles fundamentos que lançaram as suas raízes na sociedade, que cresceu e se espalhou pelo ocidente. Talvez esta nova et vetera proposta seja em nossos dias a única capaz verdadeiramente de regenerar a sociedade, diante dos múltiplos desafios que a cercam. Corajosamente, lembrava João Paulo II na Centesimus annus: “não existe solução fora do Evangelho para a questão social” (AAS 83 [1991], p. 800).1

A Bíblia contém “valores antropológicos e filosóficos que influíram positivamente sobre toda a humanidade” (Verbum Domini, p. 177). Estes não estagnaram, mas pertencem à perene riqueza da mensagem evangélica, que deve resgatar os homens do seu ego para se voltarem ao alter. O próprio Jesus não se preocupou em ser servido, mas em “servir e dar a sua vida para redenção de muitos” (Mc 10, 45). Os seus ensinamentos contêm uma incomensurável universalidade espacial e temporal, própria a fazer crescer na verdade e na caridade, e a oferecer resposta aos anseios de todos os homens, tempos e nações.

A Sagrada Escritura é a inspiradora dos gestos concretos que tiram a Doutrina Social da Igreja do mero papel, transportando-a para a vida real e concreta dos homens, chamando o batizado a fazer-se, à semelhança de São Paulo, tudo para todos, por causa do Evangelho (I Cor 9, 22-23). Conforme Bento XVI na Verbum Domini, a Palavra deve iluminar “cada âmbito da humanidade: a família, a escola, a cultura, o trabalho, o tempo livre e os outros setores da vida social” (p. 155), proporcionando assim um encontro com o próprio Cristo, a conversão e a capacidade de florescer e edificar uma “humanidade nova” (p. 156).

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1 “Quemadmodum fecit Leo Pontifex, oportet repetamus non esse extra Evangelium solutionem ‘quaestionis socialis’ at contra ‘res novas’ posse in eo suum veritatis spatium invenire rectamque moralem collocationem” (n. 5. Tradução minha da parte grifada). O Papa João Paulo II, afirma, ademais, a importância da Escritura para a “recta colocação moral” acerca das “coisas novas”, e o imprescindível anúncio da Doutrina Social da Igreja para a Nova Evangelização (AAS 83 [1991], p. 800).

A inveja

Diác. Inácio Almeida, EP
Etimologicamente, a palavra “inveja” vem do verbo latino videre que indica a ação de ver, e da partícula in. Desta forma, invidere significa olhar com maus olhos, projetar sobre o outro um olhar malicioso.
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986) inveja é: 1- desgosto ou pesar pelo bem ou pela felicidade de outrem; 2- Desejo violento de possuir o bem alheio. O Dicionário Houaiss (2003), define inveja como: “sentimento em que se misturam o ódio e o desgosto, e que é provocado pela felicidade ou a prosperidade de outrem. É o desejo irrefreável de possuir ou gozar, em caráter exclusivo, o que é possuído ou gozado por outrem”.
Para Tanquerey (1955, p. 531), a inveja é ao mesmo tempo: “paixão e vício capital. Como paixão é uma espécie de tristeza profunda que se experimenta na sensibilidade à vista do bem que se observa nos outros; esta impressão é acompanhada duma constrição do coração que lhe diminui a atividade e produz um sentimento de angústia…”
Segundo a Enciclopédia Europeo-Americana (1930, p. 203) a inveja, no seu conceito filosófico, “É uma paixão que é ao mesmo tempo, filha do orgulho e da malquerença. É um profundo pesar do bem que o outro goza e que se volta contra as pessoas a quem quer mal porque possuem o que ele por inveja quisera para si”.
As definições sobre a inveja que oferecem os diversos filósofos no decorrer da História concordam notavelmente entre si. Na tradição aristotélica, ela é uma dor causada pela boa fortuna que goza alguns de nossos semelhantes. Para São Tomás de Aquino (Suma Teológica II-II, q. 36, a. 1.) a inveja é: “A tristeza do bem alheio enquanto se considera como mal próprio, porque diminui a própria glória ou excelência”.

Ciência e ideologia

Pe. François Bandet, EP
A autêntica ciência não tem a necessidade de formar uma ideologia em torno de controvérsias com outras disciplinas. Assim sendo, o conflito da ciência não é com a Fé, mas com as interpretações filosóficas da Fé. A ciência e a Fé não estão em contradição. Afirmar que são inimigas uma da outra é uma das grandes distorções culturais dos tempos modernos. A vulgarização da ciência é o problema e é, geralmente, fruto de uma questão ideológica.
Essas distorções devem-se ao fato de os pseudo-cientistas caírem em certos esquemas, promovidos muitas vezes por interesses econômicos ou políticos. A descrença não é fruto das novas descobertas e do progresso, mas de ideologias.
“Nós devemos defender a liberdade religiosa contra a caracterização de uma ideologia que se apresenta como se fosse a única expressão da razão […]”(J. RATZINGER, La Repubblica, 19 November 2004, Interview of Cardinal Ratzinger with Marco Politi).
Na verdade, hoje, para entender o homem, a humanidade volta-se para a ciência, embora esta não pareça dizer nada acerca do homem: suas preocupações, suas alegrias, seus medos etc.
A Fé e a sua experiência transcendental poderá ajudar a ciência a ultrapassar essa dimensão utilitarista do conhecimento e se abrir à verdade que é, ao mesmo tempo, esperança e fidelidade.

A universalidade da lei natural

Pe. Leopoldo Werner, EP
A lei natural é universal e igual para todos os homens, pois possuem a mesma natureza racional criada por Deus. Está inscrita no íntimo do seu coração e tem seu papel no desenrolar dos acontecimentos históricos e no aperfeiçoamento de todas as potências da alma e do corpo que refletem, por sua vez, em todas as atividades e instituições humanas.

Na verdade, o caráter de universalidade e obrigatoriedade moral estimula e impele o crescimento da pessoa. Para se aperfeiçoar na sua ordem específica, a pessoa deve praticar o bem e evitar o mal, deve vigiar pela transmissão e conservação da vida, aperfeiçoar e desenvolver as riquezas do mundo sensível, promover a vida social, procurar o verdadeiro, praticar o bem, contemplar a beleza (JOÃO PAULO II, 2002: 5).
É uma lei universal que não admite privilégios nem distinções de raças, sexo, idade ou fortuna. Ela não precisa ser promulgada para ser conhecida pelos homens, por isso não pode ser objeto de uma ignorância invencível. Esta universalidade se impõe a todos os homens de todas as épocas. Ela respeita, no entanto, a individualidade, unicidade e a irrepetibilidade de cada ser humano. Ela abraça pela raiz todos os atos livres, e é uma bússola que norteia os atos humanos rumo ao fim último.
Essa mesma universalidade, em vez de ser um entrave para o desenvolvimento do gênero humano, pede que todos procurem a perfeição em
Referênciassuas atividades e realizem um progresso no conhecimento da verdade e das ciências em todos os campos.

JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes na Assembléia Geral da Academia Pontifícia para a Vida. 27/2/2002 In: AAS 94 (2002).