Conhecimento e Amor no Mistério Trinitário

Mons. João S. Clá Dias, EP     

O mistério da Santíssima Trindade é o principal de nossa fé. Essencialmente se concentra num mistério de conhecimento e de amor. O primeiro precede o segundo, não por anterioridade de tempo mas, por pura lógica. Em face disto, podemos afirmar que a primeira atividade de Deus é a de conhecer. O Filho é gerado pelo Pai por via do conhecimento. Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, revela-nos algumas maravilhas desse íntimo conhecimento no seio da Trindade Santíssima: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem alguém conhece o Pai senão o Filho” (Mt 11, 27). “Em verdade, em verdade vos digo: O Filho não pode de si mesmo fazer coisa alguma, mas somente o que vir fazer o Pai; porque tudo o que fizer o Pai, o faz igualmente o Filho. Porque o Pai ama o Filho, e mostra-lhe tudo o que ele faz” (Jo 5, 19-20).

          Quem melhor nos revelaria o Pai, do que Jesus, Seu Unigênito? Ele nos torna possível penetrar nos segredos da vida íntima de Deus, através dessa virtude teologal, não como no enunciado de um teorema abstrato, mas de maneira toda divina e sobrenatural: “Nós agora vemos [a Deus] como por um espelho, um enigma; mas então [O veremos] face a face. Agora conheço-O em parte; mas então hei de conhecê-Lo como eu mesmo sou [dele] conhecido” (1 Cor 13, 12-13).

          É por essa mesma virtude que cremos na Revelação sobre a procedência, por via de amor, da terceira pessoa, o Espírito Santo. E ademais, permite-nos ela abarcar todos os mistérios da salvação.

CLÁ DIAS, João. Quando Fé e Razão se Osculam. in: Lumen Veritatis, n. 4, jul – set, 2008, p. 9-21.

Haverá esperança para uma cultura centrada na mera ciência?

Pe. François Bandet, EP

A fim de melhorar o entendimento da ciência quotidiana, é necessário tomar em conta duas características da ciência que influenciam tremendamente: a sua refletividade e a sua tecnicalidade.

Por refletividade, entendemos o meio de integração da dimensão da consciência no campo da ciência e, a partir daí, atingindo uma dimensão filosófica.

Pela sua tecnicalidade, a ciência distancia-se de toda a teoria e torna-se exclusivamente a técnica. Os dados tornam-se o mais importante e no seu caminho tentam “possuir” as leis da natureza.

Como a ciência sempre desejou “transformar” o mundo, está ligada à humanidade no seu ato de ser, no seu corpo e no seu espírito, tocando atualmente em problemas políticos, éticos e colocando em questão a própria humanidade.

Surge então um dilema para a humanidade: seguir a mentalidade lógica e técnica da ciência, olhando por cima de todas as considerações éticas, criando tensões e conflitos e concentrando-se na expansão e no desenvolvimento da “transformação” do mundo; ou encontrar (ou inventar) uma nova moralidade ética para justificar as novas conquistas.

Através da sua capacidade de transformar o mundo, a ciência criou novos problemas para a humanidade. Considerada, formalmente, um elemento de unificação, tornou-se hoje muito controversa devido aos excessos que produziu. Pense-se, por exemplo, nos atuais problemas e desastres ecológicos.

O futuro do homem e a sua existência parecem encontrar-se totalmente e irreparavelmente ligados à ciência e à tecnologia de amanhã. Por isso se deve desenvolver uma nova relação com a Fé, que deve ser respeitada e encorajada.

O conflito que surge pode ser encontrado ao nível do homem, da sua existência e da urgência de submeter a ciência aos valores morais humanos. Por outro lado, a Fé não deve mostrar um completo desinteresse em relação à ciência; poderá até tornar-se uma forte fonte de inspiração para ajudar a encontrar um senso de moralidade que irá fazer com que se produzam abundantes frutos de diálogo e unidade no mundo.

A ambiguidade da ciência moderna reside no fato de ter contribuído para o progresso da humanidade, mas que também está na origem de várias tensões, aberrações e desastres.

Cada vez se torna mais evidente que não é possível lidar com o problema do significado da vida, com questões éticas, e com um sistema de valores, no contexto de uma cultura centrada apenas na ciência.

Tradução de Pe. José Manuel Victorino de Andrade do original em inglês para Lumen Veritatis, n. 6, 2009.

O homem deve ter razões para viver e para morrer, e não será a ciência a dá-lo a ele

Florença - Galileu GalileiPe. François Bandet, EP

“O homem deve ter razões para viver e para morrer, e não será a ciência a dá-lo a ele”, afirmou o prêmio Nobel para a Medicina, François Jacob. 1

A missão da Igreja é oferecer um compromisso ético aos modernos cientistas para o bem da humanidade. É uma questão de dignidade e respeito para a existência humana.

A cristandade — e especialmente a Fé católica — é a religião que dá o verdadeiro significado ao mundo material porque é a religião que é baseada na criação e na encarnação, na qual o mundo é entendido como fruto de um Deus inteligente e pessoal. “Aquele que conservar a vida para si há de perdê-la; aquele que perder a sua vida por causa de mim há de salvá-la” (Mt 10, 39). Perder a vida na procura de Deus significa o abandono à Verdade. A Revelação cristã, embora sobrenatural, não paralisa o crente, mas o encoraja à procura pela Verdade, pelo uso da razão iluminada pela Fé. A missão da teologia é manter o espaço do transcendente aberto num mundo cada vez mais pragmático e materialista. A pior coisa que poderia acontecer seria o cientificismo poder fechar a possibilidade do transcendente e a redução da realidade ao que apenas pode ser mensurado e observado.

A teologia deve promover o diálogo com a ciência a fim de não perder o seu lugar na conquista pelo entendimento. A revolução científica é insuficiente para mostrar o significado da vida e incutir uma esperança concreta. Após o escurecer da consciência, o homem necessita entender o seu lugar na criação para não cair em desespero. A teologia e a Fé podem providenciar uma realista e razoável explicação para o lugar do homem na terra. Porque há uma realidade na vida do homem que não é sujeito a ser mesurado ou verificado: o mundo das ideias, afeições, amizade e amor.

Muitos anos atrás, Santo Anselmo (†1109) descreveu a pesquisa teológica como fides quaerens intellectum,2 a Fé procurando entender. Acreditando em Deus, nós aprofundamos o nosso correto entendimento da realidade tal como nos é apresentada. A experiência é realidade, e ambas, Fé e ciência, podem trabalhar juntas para melhorar o entendimento, mas apenas se souberem respeitar-se mutuamente.

Traduzido do original em inglês por José Victorino de Andrade  com autorização e revisão do autor.

___________

1 Cf. Apud B. Matteucci, Scienza, Fede e Ideologie, in Scienza e Fede, 1983, n. 9. 39.

2 St. Anselm of Canterbury, Proslogion, Prooemium, in ALAMEDA,  J., ed., Obras completas de San Anselmo. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1952. 82.

O conflito entre a ciência e a Fé

água LourdesPe. François Bandet, EP

No começo o século XIX existiu um sério conflito entre a ciência e a Fé. Foi o período do iluminismo, no qual a razão foi honrada como a única intérprete do conhecimento. Naquele período, o movimento contrário à religião apelidado de positivismo defendeu que a dimensão metafísica da vida era contrária ao senso comum. Hoje, essa mentalidade reducionista reemergiu como uma nova forma de cientificismo,1 no qual valores e a noção do ser são descartados como um mero produto das emoções e da imaginação. As questões básicas da vida: o que eu posso saber? O que devo eu fazer? O que devo esperar?2 são consideradas por uma tal mentalidade científica como um lamentável fruto da irracionalidade e da fantasia.

Entretanto, o conflito entre Fé, religião e ciência ainda existe hoje apesar do fato de essas matérias não se oporem, pelo contrário, complementarem-se harmoniosamente. Até Galileu explicitamente declarou que a Fé e a ciência, como duas fontes de verdade, não se podem opor uma à outra.3 O que é necessário para uma harmonia apropriada entre os dois é que cada uma permaneça no seu respectivo campo. O conflito começa quando uma ou outra, arbitrariamente, estende o seu campo de ação, projetando-se no campo específico ou na matéria do outro.

A harmonia, a paz e a coexistência são favorecidas quando cada disciplina tem uma ideia clara da sua própria natureza e objetivo.4 Um cientificismo militante e positivo, onde as disciplinas de teologia e filosofia são absorvidas pela ciência, é por certo uma fonte de tensão e conflito. Por exemplo, o cosmologista Stephen Hawking é renomado por extrapolar da sua disciplina científica para teorias filosóficas, a fim de defender suas cosmológicas conclusões sob o pretexto da “estética”. Por basear as suas teorias numa tal evidência não científica, Hawking tenta excluir Deus do seu cosmos, tornando-o um “Deus de vácuo” numa dimensão deística.

Assim como o universo teve um começo, nós podemos supor que teve um criador. Mas se o universo está realmente autocontido, não tendo limite ou borda, sem qualquer princípio ou fim: existindo simplesmente, que lugar teria então um criador?5

Diante de tal atitude, a teologia não se deve afastar da ciência, e, pior ainda, da razão. Deve continuar o diálogo através da filosofia, como um tipo de moderador já sugerido por João Paulo II:

Como em épocas precedentes, também hoje — e talvez mais ainda — os teólogos e todos os homens de ciência na Igreja são chamados a unirem a Fé com a ciência e a sapiência, a fim de contribuírem para uma recíproca compenetração das mesmas […].6

A ciência física, entretanto, deve ser pragmática e baseada em reais observações. A teologia deve continuar comunicante e provocando transcendência, a fim de não perder o seu alvo específico.7 Uma espécie de atitude de “regresso ao essencial” é necessária, para evitar cair no erro de sobrepor ou, pior ainda, isolar-se sob a forma de “fideísmo”.

Outra fonte de dificuldade no diálogo entre a Fé e a ciência surge quando há certa manipulação dos autores ao tentar vulgarizar a ciência. Einstein, por exemplo, conta na sua autobiografia como, aos 17 anos, ele deixou de ser religioso devido à leitura de livros de ciência populares. Como resultado, até o momento da sua morte ele nunca foi capaz de se libertar da constante desconfiança em relação a qualquer forma de autoridade.8 De fato, as dificuldades entre as duas disciplinas são geralmente resultado ou da falsa ciência ou da má teologia. O cientista tem a sua autonomia que o teólogo deve respeitar, enquanto este também não deve se virar para a ciência de maneira a serem-lhe iluminados os mistérios da sua Fé.

Apenas na media e em escritos científicos populares e polêmicos, o mito da luz da verdade puramente científica prevalece. Na verdade, escritores como Richard Dawkins e Daniel Dennet9 são responsáveis por perpetuar o mito de que a ciência não pode coexistir com a religião e, a partir daí, a ciência deve continuar a lutar à sombra do obscurantismo religioso impreciso.

A autêntica ciência não tem a necessidade de formar uma ideologia em torno de controvérsias com outras disciplinas. Assim sendo, o conflito da ciência não é com a Fé, mas com as interpretações filosóficas da Fé. A ciência e a Fé não estão em contradição. Afirmar que são inimigas uma da outra é uma das grandes distorções culturais dos tempos modernos. A vulgarização da ciência é o problema e é, geralmente, fruto de uma questão ideológica.10 Essas distorções devem-se ao fato de os pseudo-cientistas caírem em certos esquemas, promovidos muitas vezes por interesses econômicos ou políticos. A descrença não é fruto das novas descobertas e do progresso, mas de ideologias. “Nós devemos defender a liberdade religiosa contra a caracterização de uma ideologia que se apresenta como se fosse a única expressão da razão […]”.11

Traduzido do original em inglês por José Victorino de Andrade (IFAT) para a Revista Lumen Veritatis n. 6 (jan./mar. 2009) com autorização e revisão do autor.

____________

1 Cf. Pope John Paul II, Fides et Ratio, 88.

2 Cf. Kant, Critique of Pure Reason, Bohn, London, 1855, 488.

3 «Sacred Scripture and the natural world proceeding equally from the divine Word, the first as dictated by the Holy Spirit, the second as a very faithful executor of the commands of God» wrote Galileo in his letter to Father Benedetto Castelli on 21 December 1613. Pope John Paul II, Fides et Ratio, footnote 29.

4 Cf. P. Haffner, Creazione e scienze, Millstream Productions, Rome, 2008, 125.

5 S. W. Hawking, A Brief History of Time, Bantam Press, London, 1988, 140-141; cit. in P. Haffner, The Mystery of Reason, Gracewing, Herefordshire, 2001, 162.

6 Pope John Paul II, Redemptor Hominis, 19.

7 Cf. L. Oviedo, Whom to blame for the charge of secularization?, in Zygon, 2005, vol. 40, no. 2, 360.

8 Cf. A. Einstein, Pensieri degli anni difficili, Torino, Boringhieri, 1955. In: Benvenuto Matteucci, Scienza, Fede e Ideologie, in Scienza e Fede, 1983, n. 9. 35.

9 Cf. J. Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science, Yale, New Haven, 1998, 77.

10 Cf. Scienza e non credenza, the plenary assembly of The Secretariat for Non-Believers, March 31 – April 3, 1981; P. Haffner, The Mystery of Reason, Gracewing, Herefordshire, 2001, 160,161.

11 J. Ratzinger, La Repubblica, 19 November 2004, Interview of Cardinal Ratzinger with Marco Politi.

Evangelizar com a Verdade

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EPsantelmo

O desejo desordenado de ciência dos nossos primeiros pais, provocado pela soberba, os fez cair, causando-lhes a perda do dom da integridade. Como consequência, a natureza humana tornou-se presa não só da concupiscência como até mesmo da ignorância.[1]

Desde então, o homem passou a necessitar de esforço para adquirir o conhecimento de si próprio, do mundo que o rodeia e de seu inter-relacionamento. Embora conservando seu caráter natural de conhecimento, que consiste em alcançar o inteligível por meio do sensível, seu intelecto foi de algum modo ferido pelo pecado original. A partir desse momento, atingir a verdade do ser, demanda esforço.[2]

Entretanto, ainda que permanecesse no estado paradisíaco, não bastaria ao homem um mero empenho natural para chegar às verdades sobrenaturais de ordem superior. São Tomás esclarece que, para isso, é necessária a luz da graça acrescentada à natureza.[3]

Conforme recorda o dominicano Marín-Sola, decorrem daí duas vias para a elaboração do pensamento teológico-dogmático: a do raciocínio e experiência, ou seja, a via especulativa, da ciência dos sábios; e a via mística, da ciência dos santos, ambas só percorríveis à luz da autoridade infalível da Igreja e assistidas pelo Espírito Santo,[4] fontes de toda a verdade.

Apesar de ambas as vias se revestirem de importância, mesmo se dissociadas, não é raro ter maior força e luminosidade a doutrina explicitada pelos que vivem em função, não apenas da ortodoxia, mas também da ortopráxis cristã. Foi assim que os Doutores da Igreja se tornaram receptáculos de um conhecimento proveniente da ascética (estudo) e mística (contemplação) que os tornou instrumentos do Paráclito, passíveis de explicitar a riqueza dos mistérios da Fé cristã de forma mais arrebatadora e clara.

São numerosas as doutas e elevadas dissertações redigidas por contemplativos, muitas vezes sem grandes estudos. Os escritos de uma Santa Teresinha do Menino Jesus, por exemplo, com seu alto valor teológico e filosófico, enriquecem o acervo da Igreja, de forma análoga à obra de um São Gregório Magno. Nos dois casos encontramos elevações de espírito cuja origem não pode ser procurada em um simples estudo e esforço intelectual, desprovido de muita oração, meditação e prática da virtude. Quando se procura viver configurado com Deus, a consideração de algo passa a proceder não somente da visão do teólogo ou filósofo, mas d’Aquele no qual se crê; o lumen natural do intelecto é então reforçado pela infusão da luz da graça.[5]

Porém, aquele que busca o puro conhecimento, desdenhando a prática da virtude e a observância da Lei de Deus, terá uma verdade sujeita às limitações naturais da razão e maiores possibilidades de engano, bem como a inconstância do coração. A tal propósito, São Paulino escreveu certo dia a Jovio, amigo do estudo, mas avesso à vida espiritual com o pretexto de falta de tempo, repreendendo-o: “Tens tempo para ser filósofo e não o tens para ser cristão!”.[6]

Assim como o esforço racional sem o auxílio de uma autêntica vida cristã, cria condições menos favoráveis para a aquisição de um aprofundado e acertado conhecimento (e, note-se, mesmo no referente às ciências naturais), também a transmissão teológica se verá privada em algo da verdadeira eficácia, caso o mestre não se torne ele próprio o exemplo daquilo que ensina. Como dizia São Bernardo:

Terão força as vossas palavras, desde que os ouvintes estejam persuadidos de que muito primeiro começastes a praticar o que pregais aos outros. Mais força tem o pregão das obras que a voz da boca.[7]

Para melhor servirmos à Igreja e ao Povo de Deus, como instrumentos úteis na Evangelização e no ensino, necessitamos ser, ademais de filósofos e teólogos, sobretudo, pessoas que saibam conciliar a ciência e o conhecimento com a Fé e a vida de piedade. Conforme observou de maneira penetrante o então cardeal Ratzinger, é necessário um especial empenho em “lidar de maneira dialógica com a fé e a filosofia, pois ambas precisam uma da outra. A razão sem a fé não é saudável, a fé sem a razão não se torna humana”.[8]

CLÁ DIAS, João. Editorial. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 5, out-dez 2008. p. 3-5.


[1] Cf. S. Th. II-II q. 163-164 e I-II; q.82 a.3 sol. 3

[2] Cf. S. Th. I q. 101 a.1.

[3] Cf. S. Th I-II q.109 a.1: “quod dicitur lumen gratiae, inquantum est naturae superadditum”.

[4] Cf. MARÍN-SOLA, F. O.P. La evolución homogénea del Dogma Católico. BAC, Madrid, 1952 p.395-409

[5] Cf. S. Th. I-I Q. 12 a. 13.

[6] Vacat tibi ut philosophus sis; non vacat ut christianus sis? (Ep. ad Jovium).

[7] Apud LIGÓRIO, Santo Afonso Maria de. A Selva. Tipografia Fonseca. Porto: 1928, p.70.

[8] RATZINGER, Joseph. Fé, Verdade, Tolerância. UCEDITORA: Lisboa, 2007, p.124.

Intellige ut credas, crede ut intelligas

lumen-veritatis-ant“O Espírito abre à inteligência humana novos horizontes que a ultrapassam, e lhe faz compreender que a única sabedoria verdadeira reside na grandeza de Cristo”. 1

A inteligência é a faculdade pela qual o homem percebe a essência das coisas. Ela é espiritual ao atingir o imaterial, embora dependente das faculdades sensitivas que lhe fornecem os elementos a percepcionar. Consequentemente, aos homens foi dada a possibilidade de chegar ao conhecimento do Criador pelas criaturas (cf. Sb 13, 5) e, graças à inteligência, todos têm a possibilidade de “se saciar nas águas profundas” do conhecimento (cf. Pr 20, 5). Assim, ao deduzir as consequências dos princípios, entra-se num novo campo, que é o da Razão.

É sobejamente conhecida a expressão de Santo Agostinho: “intellige ut credas, crede ut intelligas”.2 Perscruta-se a verdade para poder encontrar Deus e crer, ao mesmo tempo que o crer abre o caminho para passar pela porta da verdade. A inteligência não deve eliminar, mas, esclarecer a fé, para que em restituição a inteligência seja também a recompensa do que crê. As duas fórmulas expressam a síntese coerente entre fides et ratio, cuja harmonia “significa sobretudo que Deus não está longe”.3

São Felipe Neri fez várias considerações acerca da inteligência como um dom de Deus que deve ser reconhecida como limitada. A nós cabe procurá-Lo parando, porém, diante do mistério. Deus, sendo infinito, supera toda perspectiva humana. Deve haver por isso um abandono confiante no Seu projeto.4 De fato, depreende-se que o amor de Deus faça “multiplicar os recursos da inteligência e da vontade do homem, de sorte que eles se tornam aptos a compreender as coisas com uma clareza e com uma energia por vezes superiores a seus recursos naturais, desde que entrem em jogo os sagrados direitos da Santa Igreja”.5

Embora possamos conhecer a Deus pela razão, deve-se à Sua Revelação o conhecimento sem erro. São as Sagradas Escrituras que contêm a palavra de Deus e por isso, o estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada teologia.6 “Porém, o encargo de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição foi confiado só ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo”.7 Ou seja, cabe ao Santo Padre e aos bispos em comunhão com ele, “o religioso obséquio de inteligência e de vontade de todos os fiéis”.8 Os outros clérigos, de acordo com o Codex Iuris Canonici, “sigam a sólida doutrina fundada nas Sagradas Escrituras, transmitida pelos antepassados e comumente aceita pela Igreja, conforme está fixada principalmente nos documentos dos Concílios e dos Romanos Pontífices, evitando profanas novidades de palavras e falsa ciência”.9

VICTORINO DE ANDRADE, José. Editorial. in: LUMEN VERITATIS, n. 4, jul-set, 2008, p. 3-4.

1) BENTO XVI. Vigília de oração com os jovens. Basílica de Notre-Dame, Paris. 12 set. 2008.

2) Sermones, 43, 9.

3) BENTO XVI. Audiência Geral. 30 jan. 2008.

4) Cf. JOÃO PAULO II. Homilia. Roma, 26 mai. 1979.

5) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Legionário, n.º 434, 5 jan. 1941.

6) Cf. Epist. ad Diognetum, c. VII, 4: Funk, Patres Apostolici, I, p. 403.

7) Dei Verbum 10.

8) Codex Iuris Canonici, cân. 752.

9) Idem, cân. 279, § 1.