Início de tudo o que virá depois

Mons. João Clá Dias, EP

Quando a criancinha, em seu berço, “pesquisa” com intensidade seu primeiro chocalho, ou observa longa e profundamente o rosto de sua mãe, ou tem a curiosidade despertada pelo acender e apagar da lâmpada, está realizando a descoberta do ser. Este é o objeto da intuição, o primeiro a ser apreendido pela inteligência através dos sentidos, e dele deflui todo pensamento metafísico.

viewEm várias passagens de sua obra, São Tomás se manifesta neste sentido. Tomemos, por exemplo, a seguinte sentença em De Veritate: “Aquilo que o intelecto apreende primeiramente como o mais conhecido e no qual resolve todas as suas concepções é o ser [ens]”.1 Na Suma Teológica, ele reafirma tal princípio: “Há uma certa ordem naquilo que está ao alcance da apreensão humana. O que o intelecto apreende em primeiro lugar é o ser [ens], cuja compreensão está inclusa em todas as suas apreensões”.2

A doutrina da apreensão do ser — o ente (ens) — em primeiro lugar pela inteligência constitui a pedra angular da filosofia tomista: “O que primeiro o intelecto concebe é o ente, pois algo é cognoscível na medida em que se encontra em ato”.3

O “ente” é algo cognoscível enquanto é em ato. São Tomás toca continuamente nessa tecla. O ser, objeto próprio do intelecto, é “o primeiro inteligível, assim como o som é o primeiro audível”.4

Chesterton observa que essa filosofia tem como ponto de referência a realidade, quer dizer, ela corresponde ao senso comum. O Doutor Angélico “está absolutamente certo de que a diferença entre giz e queijo, ou entre porco e pelicano, não é uma mera ilusão, ou ofuscamento de nossa confusa mente, cegada por uma única luz; mas é mais ou menos aquilo que nós sentimos que seja”.5

Contrapondo-se ao robusto pensamento de São Tomás, vêm se sucedendo nos últimos séculos as divagações de correntes filosóficas que tiraram os olhos do ser para se concentrarem em um subjetivismo radical, incapazes de entender a realidade das coisas e obscurecendo a própria noção da existência de Deus. O imanentismo cartesiano é o caminho reto para o ateísmo ou o agnosticismo, e a filosofia após Descartes seguiu festiva por ali. Os passos seguintes levam à negação da moralidade objetiva.

A única solução sensata é voltar os olhos de novo para o ser. Pois é precisamente ele, em toda a sua inabarcável variedade e rica unicidade, que é entendido primordialmente pela inteligência através da experiência sensível.

A criança que está deitando seus primeiros olhares em torno de si vai formar conceitos no contato com o ser. Quaisquer que sejam tais conceitos — mamãe, frio, gostoso —, eles serão uma especificação ou um exemplo daquilo que é.

Até mesmo para conhecer sua própria alma o homem tem necessidade de primeiramente conhecer o ser material. Com efeito, não se pode dizer que conhecemos em primeiro lugar nosso espírito. Até mesmo para definir a espiritualidade somos obrigados a recorrer à matéria, falando de imaterialidade. Pela mesma razão, usamos de analogia com o espaço material para atribuirmos profundidade e elevação à alma.

O conceito de ser é, assim, anterior a todo outro conceito. É a primeira proposição que a mente humana forma no início de sua vida de experiência: “Alguma coisa existe”. Apreendido o ser através da luz natural da inteligência, a noção de ser está subjacente a tudo o que se possa conceber.

O ser assim apreendido em primeiro lugar é algum ser particular, e qualquer que seja o nome que se lhe dê significará minimamente alguma coisa que é.

O inter-relacionamento entre os diversos sentidos, cada um captando a realidade do ser segundo seu modo próprio, é a base para que a inteligência a apreenda como real inteligível e verdadeiro, como mostra Garrigou-Lagrange: “Enquanto a vista alcança o real colorido, como colorido, a inteligência o alcança como real inteligível. Do mesmo modo, assim como o ouvido alcança o real como sonoro, e o paladar o percebe como mais ou menos saboroso”.6

Havendo afirmado que o ser (ente) é o primeiro que cai na apreensão do intelecto, São Tomás completa seu pensamento com esta definição: “O primeiro princípio indemonstrável é: não é possível afirmar e negar ao mesmo tempo, fundado na noção de ser e não ser. E neste princípio se fundam todos os outros, como diz [Aristóteles] no livro 4 da Metafísica”.7

Fica assim introduzido um primeiro aspecto do ser que o intelecto conhece: sua oposição ao não-ser, ou seja, o princípio de não-contradição.

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1 “Illud autem quod primo intellectus concipit quasi notissimum et in quo omnes conceptiones resolvit est ens” (De Veritate, q. 1, a. 1).

2 “In his autem quae in apprehensione omnium cadunt, quidam ordo invenitur. Nam illud quod primo cadit in apprehensione, est ens, cuius intellectus includitur in omnibus quaecumque quis apprehendit” (S. Th. I-II, q. 94, a. 2).

3 “Primo autem in conceptione intellectus cadit ens: quia secundum hoc unumquodque cognoscibile esta, inquantum est actu” (S. Th. I, q. 5, a. 2).

4 “Unde ens est proprium obietum intellectus, et sic est primus intelligibile, sicut sonus est primum audibile” (S. Th. I, q. 5, a. 2).

5 CHESTERTON, G. K. St. Thomas Aquinas, the “Dumb Ox”. New York: Image, 1956. p. 40.

6 Garrigou-Lagrange, Réginald. El Sentido Común, la Filosofia del ser y las fórmulas dogmáticas. Buenos Aires: Desclée de Brouwer, 1944. p. 330.

7 “Primum principium indemonstrabile est quod non est simul affirmare et negare, quod fundatur supra rationem entis et non entis, et super hoc principio omnia alia fundantur, ut dicitur in IV Metaphys” (S. Th. I-II, q. 94, a. 2).

A Consciência

janelaMs. Thiago Geraldo

A consciência é algo intimamente ligado à moral, no sentido de ser a juíza do ato que vai ser praticado ou que já o foi. Nesta concepção pode-se definir a consciência da seguinte forma, segundo Royo Marín: “O ditame ou juízo do entendimento prático acerca da moralidade do ato que vamos realizar ou já realizado, segundo os princípios morais”. Desta forma, a consciência é um ato produzido pelo intelecto, mas de forma prática e concreta com base no hábito da prudência. Ela julga de forma subjetiva o ato praticado, e quando aplica no julgamento as justas leis, será um bom juízo, ou pelo menos não será mau, mas quando não fizer uso dos bons princípios, mesmo que o ato praticado não seja um ato imoral, será julgado de forma subjetivamente má.

A função primordial da consciência é julgar o ato que está para ser praticado. Mas de forma secundária, ela também julga o ato já realizado, aprovando-o caso seja bom ou reprovando-o através do remorso. Ademais, a consciência pressupõe princípios morais tanto da fé como da razão natural. Ela unicamente terá a função de aplicar tais princípios nos atos a serem realizados, e não julgar os próprios princípios; ou seja, se não utilizar tais princípios, muito facilmente poderá equivocar-se em seu julgamento.

In: Lumen Veritatis, n. 13