Só Deus sacia por completo todos os desejos do coração humano

L'AngelusPe. José Victorino de Andrade, EP

Dificilmente se encontrará alguém que não anseie e procure a felicidade. Esta demanda foi posta por Deus no coração de todos os homens que, à semelhança de Santo Agostinho, apenas descansam quando O encontram e n’Ele “repousam” (Confissões I, 1). O início do Catecismo da Igreja Católica começa exactamente com esta temática, lembrando que o homem é capaz de Deus. Entretanto, esta insaciabilidade leva não só ao desejo de uma realização pessoal, no âmbito da vocação específica de cada um, como também da sociedade doméstica à qual pertence, e mesmo da comunidade, na qual se insere e vive.

Ensina-nos o Compêndio de Doutrina Social da Igreja que “o bem comum da sociedade não é um fim isolado em si mesmo; ele tem valor somente em referência à obtenção dos fins últimos da pessoa e ao bem comum universal de toda a criação” (n. 170). Ou seja, a realização pessoal nunca se faz de um modo isolado, mas num contexto, numa sociedade, peregrinação nesta terra herdada para o Homem a dominar através do seu trabalho, e colher os frutos, obtendo o alimento com o suor do rosto (Gn 1, 28-29; 3, 19).

Assim, a felicidade terrena, imperfeita, não se torna “num mar de alegrias, de contínua beatitude, que, durará sempre” (Is 35, 10), pois falta-lhe a visão beatífica – totus sed non totaliter -, de Deus. Peregrinando pelo mundo, a felicidade será sempre relativa, mas essa busca incessante estará por trás de tudo aquilo que o homem opera.

É impossível que a criatura racional dê um só passo voluntário que não esteja encaminhado, de uma ou outra forma, para a sua própria felicidade, já que, […] todo agente racional obra por um fim, que coincide com um bem (aparente ou real) e, pelo mesmo, conduz à felicidade (ROYO MARÍN, Antonio. Teología Moral para Seglares. 7. ed. Madrid: BAC, 2007. Vol. I. p. 22).

Por isso, explica São Tomás de Aquino que todos desejam alcançar a beatitude, entretanto, diferem nos meios para obtê-la, procurando-a através de riquezas, prazeres, ou outras coisas. Porém, o fim, ainda que implicitamente, permanece o sumo bem para o qual tendem todos os homens (S. Th. I-II, q. 1. a. 7.). Ora, este é identificado pelo Pe. Royo Marín, OP como sendo o próprio Deus:

Não é nem pode ser outro que o próprio Deus, Bem infinito, que sacia por completo o apetite da criatura racional, sem que absolutamente nada possa desejar fora dele. É o Bem perfeito e absoluto, que exclui todo o mal e enche e satisfaz todos os desejos do coração humano (Op. cit.  p. 23).

Como entrar em contato com o Criador

_MG_5343Pe. José Victorino de Andrade, EP

Deus criou o homem com a capacidade de se comunicar1 e, através de manifestações exteriores, exprimir aquilo que vai no seu íntimo. Poderá fazê-lo através de palavras, gestos, sinais, ou mesmo expressões fisionômicas que expressem uma reação, atitude, desejo ou postura diante de algo ou alguém. Esta disposição leva mesmo a que ele se desprenda do egoísmo e da auto-suficiência, e a uma abertura relativamente àquilo que o rodeia, e mesmo ao sobrenatural.2

Deste modo, entre todos os seres vivos, ele é o único dotado de uma tal criatividade que, a partir de um número finito de palavras passíveis de serem contidas num determinado dicionário, é capaz de elaborar infinitos sistemas, sem contar o recurso à criatividade e a sentenças que podem mesmo chegar à agramaticalidade3 porém, facilmente reconhecíveis e até decifráveis por parte de outro falante ouvinte que partilhe a mesma língua ou domine idêntico conjunto de códigos linguísticos. E até ao fim de sua vida, ele poderá emitir ou receber formulações sempre novas e fecundas, capazes de surpreender e abrir novas perspectivas, contribuindo deste modo para um renovado impulso da comunicatividade e abertura tanto ao próximo como ao transcendente.

Porém, foi o próprio Deus que tomou a iniciativa e quis comunicar-se aos homens. Fê-lo por meio da criação, estabeleceu uma aliança com os homens, “muitas vezes e de muitos modos falou aos nossos pais, nos tempos antigos”, e nestes tempos, que são os nossos, “falou-nos por meio do Filho” (cf. Hb 1, 1-2). Aliás, ninguém melhor do que Ele para dizer-nos quem é o Pai. A Exortação Apostólica Verbum Domini lembra-nos também o papel da sua esposa mística, a Igreja, enquanto transmissora da Revelação, “através da obra do Espírito Santo e sob a guia do Magistério”:

“A Igreja vive na certeza de que o seu Senhor, tendo falado outrora, não cessa de comunicar hoje a sua Palavra na Tradição viva da Igreja e na Sagrada Escritura. De facto, a Palavra de Deus dá-se a nós na Sagrada Escritura, enquanto testemunho inspirado da revelação, que, juntamente com a Tradição viva da Igreja, constitui a regra suprema da fé” (n. 18).

Quanto a outras formas do Senhor comunicar-se aos homens, o Catecismo da Igreja Católica não deixa de assinalar os sacramentos, sendo Cristo que neles age e comunica a graça que significam (cf. n. 1127). E para não delimitar a questão, que jamais se encerra aqui, bastaria considerar que o Espírito faz ouvir a sua voz e age onde quer, conforme explica o próprio Jesus por ocasião de sua conversa noturna com Nicodemos (cf. Jo 3, 8).

Ora, uma vez que Deus é pródigo em comunicar-se, cabe ao homem estar atento, não só vigilante, mas também orante, (cf. Mt 26, 41) ou seja, respondendo à interpelação que lhe é dirigida e cuja fé exige, além do mais, as obras (cf. Tg 2, 14-26). É inerente ao homem, enquanto ser simultaneamente corporal e espiritual, uma necessidade de entrar em contato com o Criador. Deverá fazê-lo por meio de “sinais e símbolos materiais”, conforme nos explica o Catecismo: “Como ser social, o homem precisa de sinais e de símbolos para comunicar-se com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus” (CIC 1146).

São Tomás de Aquino afirma ser a nossa peculiar linguagem obra própria da razão, uma porta para o homem manifestar o que vai no seu íntimo.4 E descreve o reto processo da linguagem desta forma:

“[A potência intelectiva] primeiro, apreende simplesmente algo e esse ato se chama inteligência. Depois, ordena o que ela apreendeu para conhecer ou operar alguma outra coisa, e é a intenção. Enquanto persiste na investigação daquilo a que se propõe, pensa. Ao examinar o que refletiu em função de princípios certos, conhece ou sabe; então a sabedoria leva a julgar […] Quando já possui alguma coisa como certa, porque foi comprovada, pensa na maneira de comunicá-la aos demais: e é a disposição da palavra interior, da qual procede a linguagem”.5

De modo semelhante, mesmo quanto ao processo, surge a elevação da mente a Deus, ou seja, a oração, que poderá ser vocal, e manifesta a fé do crente enquanto “rationabile obsequium” (cf. Rm 12, 1). O primeiro termo aparece também na oração eucarística do Cânone Romano, onde se reza para que Deus aceite a oferenda como “rationabile“. Mas esta disposição interior parece não ser suficiente, íntegra ou mesmo coerente, se não se manifestar e comunicar aos demais, através do testemunho e da autenticidade na vida e nos atos do crente. Entende-se então a necessidade de prestar a Deus um culto que não seja meramente interno, o que o tornaria incompleto, mas de um culto externo, que deve repercutir na esfera pública, dado que toda a sociedade é devedora de Deus, e desta forma, deve render-lhe um culto público.6

E como lembrava Paulo VI, baseando-se na Sacrosanctum Concilium (n. 13), já no último ano de seu pontificado: “O que é a liturgia senão o culto público da Igreja, sua voz comunitária dirigida ao mistério de Deus Pai, por meio de Cristo, no Espírito Santo?”.7 E acrescenta a necessidade não só da expressão colectiva das vozes dos fiéis, como também a “obrigação e possibilidade do diálogo pessoal com Deus”.8 A interatividade que deve existir no diálogo entre Deus que interpela, e a resposta do crente, deverá levar a que a “semente do Reino produza seu fruto na terra fértil”. E por isso “as ações litúrgicas significam o que a Palavra de Deus exprime: a iniciativa gratuita de Deus e ao mesmo tempo a resposta de fé de seu povo” (CIC 1153).

Ainda que a nossa linguagem pareça ser insuficiente, não só para explicarmos quem é Deus, como também para nos dirigirmos a Ele, não nos esqueçamos de que o “Verbo fez-se carne” (Jo 1, 14), e assumindo a condição humana (cf. Fl 2, 7), semelhante a nós em tudo exceto no pecado (Hb 4, 14), falou aos homens (cf. Hb 1, 2). Por isso afirma a Dei Verbum: “As palavras de Deus com efeito, expressas por línguas humanas, tornaram-se intimamente semelhantes à linguagem humana, como outrora o Verbo do eterno Pai se assemelhou aos homens tomando a carne da fraqueza humana” (n. 13).

“Assim falando de Deus, nossa linguagem se exprime, sem dúvida, de maneira humana, mas ela atinge realmente O próprio Deus, ainda que sem poder exprimi-lo em sua infinita simplicidade” (CIC 43). E para São Tomás de Aquino, esta simplicidade não fica comprometida quando a Deus se atribuem algumas coisas, uma vez que partem do conhecimento que possui nosso intelecto relativamente aos efeitos divinos, cuja relação têm Nele seu fim.9

E quanto a dirigir-nos a Deus, é sempre possível, mesmo recorrendo ao emprego de palavras humanas, pois a melhor referência e o exemplo foram oferecidos pela segunda pessoa da Santíssima Trindade, que assim nos ensinou a orar: “Pai nosso…” (Cf. Mt 6, 5-15; Lc 11, 1-4).

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1 Adão nomeia todos os seres vivos (cf. Gn 2, 20), dirige-se a Eva, mulher que lhe foi dada para não ficasse só e que constituía com ele uma só carne (cf. Gn 2, 23-24) e ela, por sua vez, responde à indagação da serpente (Gn 3, 2). Estão compreendidas, nestas três passagens, as primeiras palavras registradas nas Sagradas Escrituras.

2 São Tomás de Aquino refere-se várias vezes à natureza social do homem e da sua necessidade. Ver, por exemplo, S. Th. I, q. 96, a. 4; S. Th. I-II, q. 61, a. 5. Cont. Gent. III, c. 128; 129; 131.

3 Quanto a essa questão, ver o excelente capítulo a ela dedicada no manual de GOUVEIA, Carlos et al. Introdução à Linguística Geral e Portuguesa. 2. ed. Lisboa: Caminho, 2006.

4 Cf. S. Th. I-I, q. 91, a. 3; S. Th. I-I q. 107, a. 1.

5 S. Th. Q. 79, a. 10, resp. 3.

6 Tanto os autores clássicos como Jolivet, Collin, nos seus manuais de Filosofia de inspiração tomista, quanto os mais recentes, como CHALMETA, Gabriel. Ética social: familia, profesión y ciudadanía. 2a. ed. Pamplona: Eunsa, 2003 defendem esta necessidade do culto público. Também a constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, como os decretos Apostolicam Actuositatem e Christus Dominus dedicam alguns parágrafos a esta temática.

7 PAOLO VI. Udienza Generale, 12 abr. 1978. Disponível em: <www.vatican.va>. Último acesso em 5 set. 2011. (Tradução nossa).

8 Loc. cit.

9 Cf. Cont. Gent. II, c. 13-14, 3-4.

A construção do bem comum não deve renunciar à Verdade

Paris nocturnaPe. José Victorino de Andrade, EP

Vemos a extrema dificuldade que a política tem hoje na construção da gratuidade, sem os alicerces que dão fundamento à dádiva de si mesmo, à semelhança de Cristo, que deu a vida por todos, e deste modo, da caridade cristã, que se baseia no mandamento novo trazido pelo Senhor. Não se pode tratar de uma caridade estóica que dá sem se compadecer com o próximo, mantendo a distância e não se deixando levar pelos sentimentos, mas de algo totalmente novo, uma novidade que nos pede uma transformação, uma conversão. Assim, a justiça, a solidariedade e a gratuidade partem de uma Palavra que nos fala e renova, santifica e impele.

O Papa Bento XVI na Deus Caritas Est considera exactamente que “nunca haverá uma situação onde não seja preciso a caridade de cada um dos indivíduos cristãos, porque o homem, além da justiça, tem e terá sempre necessidade do amor” (n. 29). Mons. Giampaolo Crepaldi, actual Arcebispo de Trieste, mostrava numa conferência ainda enquanto Secretário do Pontifício Conselho Justiça e Paz, como o Estado nunca será capaz de “produzir” o amor fraterno, mesmo sendo uma sociedade a mais perfeita e a mais justa.1

O dominicano López de la Osa sugere a existência de valores evangélicos em comunicação e a acomodação a uma peculiar terminologia capaz de ser aceite em nossos dias: o compromisso compreensivo numa atitude empática, passando por um segundo momento que implica uma afectividade (simpatia), e que desemboca por sua vez no acto concreto (conatismo), o que leva à construção não só da nossa dignidade, como também do próximo.2

E salientando o peculiar papel dos “outros cristos”, Domenèc Melè chama a atenção para a exemplar unidade de vida à qual os cristãos estão chamados ao actuar na vida pública, que deve impeli-los ao dever e ao bem comum, a estar abertos e cooperantes, sem entretanto renunciar à verdade.3

Esta abertura não deverá deixar de levar a um edificante diálogo. Por isso, Mons. João S. Clá Dias, EP, ao comentar a passagem Evangélica: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21; Mc 12, 17),  salienta: “As coisas de Deus e as coisas da terra não devem ser antagónicas. Pelo contrário, entre elas deve haver colaboração. Na harmonia entre ambas as esferas, a temporal e a espiritual, está o segredo do progresso. E a História nos mostra que nada pode haver de mais excelente do que seguir o conselho de Nosso Senhor: ‘Buscai, pois, o reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo’” (Lc 12, 31).4

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1 22ª Settimana Sociale dei cattolici trevigiani. Lunedì, 29 settembre 2008. “[…] anche nella società più perfetta e più giusta ci sarà sempre bisogno dell’amore fraterno. La società, ed anche lo Stato, hanno bisogno di una risorsa che essi non sanno produrre”. In: CREPALDI, Giampaolo. Dottrina Sociale della Chiesa e Diritti Umani, 29/09/2008. Disponível em: <www.vanthuanobservatory.org >. Último acesso a 15/12/2010.

2 Cf. LÓPEZ DE LA OSA, José R. Politica y moral. p. 706.

3 Cf. MELÉ, Domènec. Cristianos en la sociedad: Introducción a la Doctrina Social de la Iglesia.  3. ed.  Madrid: Rialp, 2000. p. 203-204.

4 CLÁ DIAS, João S. Dar a César, ou dar a Deus? In: Arautos do Evangelho. São Paulo, n. 10, out. 2002, p. 11.

Aportes para o discernimento de um autêntico progresso: Da Populorum Progressio à Caritas in Veritate

Diác. José de Andrade, EP

 

 

relo“Hoje o mundo está cheio de convites ao progresso. Ninguém quer ser ‘não progressista’. Trata-se, todavia, de saber em que consiste o verdadeiro progresso”.[1] De acordo com Corrêa de Oliveira, este resume-se “no reto aproveitamento das forças da natureza, segundo a Lei de Deus e a serviço do homem”. Porém, “nem é o progresso material de um povo o elemento capital do progresso cristãmente entendido.” Mas, sobretudo, “no pleno desenvolvimento de todas as suas potências de alma, e na ascensão dos homens rumo à perfeição moral”.[2]

            Conforme o filósofo espanhol contemporâneo Ferrater Mora, o progresso pode considerar-se como um processo ou evolução, porém, onde se incorporam os valores.[3] Estes são fundamentais para um saudável e sustentável desenvolvimento, sem o qual, corre-se o risco de tudo desmoronar, pois não estaria construído sobre solo firme. E que solo mais firme haveria do que a “rocha de Pedro”? De facto, ao longo da história, a Igreja preocupou-se com um pleno desenvolvimento, repleto de valores, servindo-se para isso de uma atenta análise do decorrer dos tempos, munida das escrituras, a fim de servir-se da Palavra de Deus que interpela os homens de todos os tempos.

 

Fundada para estabelecer já neste mundo o reino do céu e não para conquistar um poder terrestre, a Igreja afirma claramente que os dois domínios são distintos, como são soberanos os dois poderes, eclesiástico e civil, cada um na sua ordem. Porém, vivendo na história, deve estar atenta aos sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho. Comungando nas melhores aspirações dos homens e sofrendo de os ver insatisfeitos, deseja ajudá-los a alcançar o pleno desenvolvimento e, por isso, propõe-lhes o que possui como próprio: uma visão global do homem e da humanidade.[4]

 

            Uma superficial consideração do mundo de hoje leva a crer que a Igreja é contra o progresso, tal seria, pois, enquanto tal e na verdadeira acepção da palavra, é uma coisa boa. A este respeito, escreveu Paulo VI em seu último livro, ainda enquanto Cardeal Montini, em 1963:

 

A cristandade não é um obstáculo ao progresso moderno porque não o considera apenas nos seus aspetos técnicos e econômicos, mas no total de seu desenvolvimento. Os bens temporais poderão certamente ajudar o completo desenvolvimento do homem, mas eles não constituem o ideal da perfeição humana ou a essência do progresso social.[5]

 

            O problema com o aparente progresso, este sim, criticado pela Igreja, está no fato de ter vindo acompanhado de uma filosofia de vida que parecia dispensar Deus e confiar na mera técnica, ou no próprio homem, tal como advertiu o então cardeal Ratzinger:

 

Não é a expansão em si das possibilidades técnicas que é má, mas a arrogância iluminista que, em muitos casos, esmagou estruturas desenvolvidas e calcou as almas de homens cujas tradições religiosas e éticas foram postas de parte de forma displicente. O desenraizamento das almas e a destruição de estruturas comunitárias que então ocorreram, são certamente o principal motivo pelo qual a ajuda ao desenvolvimento apenas muito raramente tenha conduzido a resultados positivos.[6]

 

            Thomas S. Kuhn, chegou mesmo a colocar o dedo na ferida e a levantar o problema para onde caminhava a ciência em meados do séc. XX, pois, seu processo parecia partir de estágios primitivos e aparentava não levar a pesquisa para mais perto da verdade ou em direção a algo, o que significava que um número inquietante de problemas poderiam advir.[7]

            Anteriormente, já Kierkegaard alertava que, tornando-se a ciência um modo de vida, então esse seria o modo mais terrível de viver: “encantar todo o mundo e se extasiar com as descobertas e a genialidade, sem, no entanto, [o homem] conseguir compreender-se a si mesmo”.[8]

            No decorrer da 2ª Guerra Mundial, o mundo ocidental fica chocado com as práticas abusivas de médicos nazis que em nome da ciência, cometem as maiores atrocidades contra o ser humano em nome da ciência. Surge então o desenvolvimento de um código ético que se condensa com o nome da Bioética e formula-se aí também a idéia que a ciência não é mais importante que o homem. O progresso técnico deve ser controlado e acompanhar a consciência da humanidade sobre os efeitos que pode ter no mundo e na sociedade para que as novas descobertas e suas aplicações não fiquem sujeitas a todo o tipo de interesses.[9]

            Como o progresso não se reduz a questões científicas, muito pelo contrário, a Populorum Progressio, documento fundamental para o âmbito deste estudo, trouxe-nos importantes aportes: “Combater a miséria e lutar contra a injustiça, é promover não só o bem-estar mas também o progresso humano e espiritual de todos e, portanto, o bem comum da humanidade”.[10] Esta forma de progresso integral vem muito bem delineado no recente Compêndio de Doutrina Social da Igreja:

 

A humanidade compreende cada vez mais claramente estar ligada por um único destino que requer uma comum assunção de responsabilidades, inspirada em um humanismo integral e solidário: vê que esta unidade de destino é freqüentemente condicionada e até mesmo imposta pela técnica ou pela economia e adverte a necessidade de uma maior consciência moral, que oriente o caminho comum. Estupecfatos pelas multíplices inovações tecnológicas, os homens do nosso tempo desejam ardentemente que o progresso seja votado ao verdadeiro bem da humanidade de hoje e de amanhã. (n. 6)

 

 

            O remédio para os males e um falso progresso estão na caridade, porém, caridade na Verdade, ou seja, em Jesus Cristo. Se d’Ele não se tivesse afastado o homem, não teria o progresso sofrido tal desvio. Ao voltar-se para Deus, e valorizar o amor conforme o mandamento novo trazido por Jesus, o progresso se desenvencilhará de suas deturpações e produzirá os frutos mais excelentes. Tal como afirma Bento XVI na sua mais recente encíclica:

 

A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o autêntico desenvolvimento, não é assegurada pelo simples progresso técnico e por meras relações de conveniência, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre à reciprocidade das consciências e das liberdades. (Caritas in Veritate, n. 7)

VICTORINO DE ANDRADE, José. Aportes para o discernimento de um autêntico progresso: Da Populorum Progressio à Caritas in Veritate. Projecto de Mestrado em Teologia Moral. UPB. Escuela de Teología, filosofía y humanidades. Facultad de Teología, 2009. p. 3-5.


[1] JOÃO PAULO II. Visita pastoral à paróquia romana de São Clemente. Domingo, 2 de Dezembro de 1979. in: <www.vatican.va>.

[2] CORRÊA DE OLIVEIRA. Plinio. RCR. in: Catolicismo, nº100, 1959. p. 31.

[3] FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Tradução de António José Massano e Manuel Palmeirim. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978. p. 231.

[4] Populorum Progressio, n. 13.

[5] MONTINI, Giovanni Battista. The Christian in the Material World. Baltimore: Helicon, 1964. (tradução minha).

[6] RATZINGER, Joseph. Fé, Verdade, Tolerância. Traduções UCEDITORA: Lisboa, 2007. P. 71

[7] Cf. REALE, Giovanni. História da Filosofia: Do romanismo até nossos dias. V. 3. São Paulo: Paulus, 1991. p. 1046.

[8] Idem, p. 250.

[9] Cf. SÓNIA. Ética: Emergências Médicas – 2º ano. in: Bioética. Doc. Prefeitura de Araquara, 1997. p. 1.

[10] Populorum Progressio, n. 76.