A beleza nos símbolos e sua importância

pescadorMons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

A mente divina é infinitamente rica de seres possíveis e, embora Deus os possa criar todos, somente alguns Ele torna realidade. Assim, cada um de nós existiu como um possível na consideração de Deus, desde toda a eternidade1. Apesar d’Ele não ter querido criar todos os seres possíveis, é enorme a quantidade de criaturas vindas à existência pelo seu poder. Essa superabundância, como ocorre com todos os atos de Deus, foi intencional; entre outras razões, procedeu Ele dessa forma para espelhar uma maior quantidade de perfeições,2 ou mesmo evitar a sensação de monotonia que poderia facilmente se produzir na alma humana. Nessa imensa obra que O levou a descansar no sétimo dia, o Criador quis colocar uma nota de altíssima beleza: o simbolismo. Sobre isso, ensina-nos o Catecismo da Igreja Católica:

“Na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar importante. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e símbolos materiais. Como ser social, o homem precisa de sinais para se comunicar com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus (n. 1146)”.

Nesta terra de exílio, um dos melhores modos de nos comunicarmos com Deus e termos, assim, algum antegozo da visão beatífica é contemplar os símbolos do Criador postos no universo, pois “as perfeições invisíveis de Deus, o Seu sempiterno poder e divindade, tornam-se visíveis à inteligência, por suas obras” (Rm 1, 20). Ou seja, desde que queiramos, é-nos dado discernir o Invisível no visível, o Infinito no finito, o Criador nas criaturas.

Não há dúvida que a beleza estética pura e simples tem grande valor, mas a intelecção desse valor não atingirá sua plenitude enquanto não remeta, de alguma forma, através de seu simbolismo, para o próprio Deus. Daí que a beleza simbólica tenha uma categoria muito superior à estritamente física.

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1 Cf. S. Th. I, q. 15, a. 2-3.

2 Cf. S. Th. I, q. 47, a. 1.

A homilia

bento-xviPe. Mário Sérgio, EP

Entre as formas de pregação, destaca-se a homilia, que é parte da própria liturgia e se reserva ao sacerdote ou diácono; nela se devem expor, ao longo do ano litúrgico, a partir do texto sagrado, os mistérios da fé e as normas da vida cristã.

A Sagrada Teologia que é traduzida pelo sacerdote de forma acessível aos fiéis deve-se apoiar na Sagrada Escritura que é a “alma”, de todo ministério profético, sobretudo da homilia1. Por esta razão, a Igreja determina que em todas as missas que se celebram com participação do povo, nos domingos e festas de preceito, deve-se fazer a homilia, que não se pode omitir, a não ser por causa grave2.

À suficiente participação do povo, recomenda-se vivamente que se faça a homilia também nas missas celebradas durante a semana, principalmente no tempo do advento e da quaresma ou por ocasião de alguma festa ou acontecimento de luto3, pois os jovens afastados da participação dos mistérios recuperam o senso católico no encontro com o sacerdote nestas ocasiões, muitas vezes retornando à participação das Missas dominicais.

Ressalta a Evangelii Nuntiandi, que na homilia, “a evangelização não seria completa se ela não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social, dos homens”4. Entretanto, convém que a doutrina cristã seja apresentada de modo apropriado à condição dos ouvintes e, em razão dos tempos, adaptada às necessidades.  O Código de Direito Canônico estimula aos párocos que “as pregações, que se denominam exercícios espirituais e santas missões, ou ainda outras formas adaptadas às necessidades”5.

Deve-se ressaltar que os párocos, devem mostrar-se solícitos a fim de que a palavra de Deus seja anunciada também aos fiéis que, por sua condição de vida, não podem usufruir suficientemente da ação pastoral comum e ordinária, ou que dela são totalmente privados, sobretudo, àqueles que mais afetados pelo secularização do mundo, os não-crentes, pois “paradoxalmente, neste mesmo mundo moderno não se pode negar a existência de verdadeiras pedras de junção cristãs, valores cristãos pelo menos sob a forma de um vazio ou de uma nostalgia. Não seria exagerar o falar-se de um potente e trágico apelo para ser evangelizado”6.

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1 DV 24

2 SC 52

3 PAULUS VI. Litt. Ap. Sacram Liturgiam, 25. 1964, III. AAS 56 (1964) 141.

4 EN 29

5 CIC 770; CD 28; CD 30.

6 EN 55,58

No Código de Direito Canônico, a justiça torna-se caridade

Pe. José Victorino de Andrade, EPTesto

A lei canônica enquanto honesta, justa e possível — características que lhe transmitem força moral —, obriga em consciência à execução. Entretanto, este motivo é ainda mais enraizado e profundo, de acordo com Ghirlanda:

“A obrigação de consciência das leis eclesiásticas baseia-se no fato de que o exercício da autoridade na Igreja só pode ser concebido como um ministério sagrado, um serviço, porque se trata de uma autoridade magisterial, conferida por Cristo para que a palavra de Deus seja anunciada autenticamente”.1

Desta forma, ela é portadora de vinculabilidade enquanto lei ordenada ao bem comum e promulgada, enriquecida em si com um fim ministerial, tornando-se querida e obrigatória perante Deus. Por isso, todo aquele que a ela resiste, conforme afirma São Tomás de Aquino, torna-se pelo menos “réu em consciência” (S. Th. I-II, q. 7, a. 4.).

Apesar de a coerção não ser estritamente fundamental ao Direito, há quem defenda que a lei canônica não é jurídica por carecer de coercibilidade, o que revela um desconhecimento de sua natureza. Na verdade, a Igreja zela pelo cumprimento da lei também através de medidas coativas. Deste modo, encontramos no Livro VI do Código de Direito Canônico as sanções penais ou outros remédios e penitências a serem aplicadas aos possíveis infratores, presumida a imputabilidade e excluída a incapacidade de delito. Da mesma forma que a Igreja reconhece a competência da autoridade judiciária civil nos delitos de âmbito temporal, ela também não pode abjudicar dos seus próprios instrumentos judiciais. O Código de Direito Canônico é claro quanto a esta competência: “Os fiéis, caso sejam chamados a juízo pela autoridade competente, têm o direito de ser julgados de acordo com as prescrições do direito, a serem aplicadas com equidade” (C. 221 § 2).

É preciso considerar que, ao aplicar as penas, o legista eclesiástico não visa a mera repressão ou o uso da força, mas a própria caridade evangélica que manda reprimir o erro para o bem das almas, oferecendo um exemplo para a comunidade e uma advertência para o transgressor. Por isso o Codex Iuris Canonici tem como norma geral punir somente “com justa pena, quando a gravidade especial da transgressão exige a punição e urge a necessidade de prevenir ou reparar escândalos” (C. 1399). Desta forma, a justiça que a lei tutela torna-se caridade e se revela exemplar para as demais formas de governo de qualquer comunidade.

1 GHIRLANDA, Gianfranco. Introdução ao direito eclesial. São Paulo: Loyola, 1998.

São Bento e a ação benfazeja dos monges no Ocidente

Mons. João S. Clá Dias, EPS_Bento_05

A entrada de Paulo na comunidade cristã impulsionou o caráter universal da Igreja. Investido de um especial carisma para levar a boa nova do Evangelho às nações pagãs, alargou os limites da Igreja, como ele mesmo testifica: “viram que a evangelização dos incircuncisos me era confiada, como a dos circuncisos a Pedro (porque aquele cuja ação fez de Pedro o apóstolo dos circuncisos, fez também de mim o dos pagãos)” (Gl 2, 7-8).

O Espírito foi inspirando, dessa forma, os mártires e as virgens, os monges e os missionários, os doutores e confessores da fé. No século terceiro apareceu o monacato, com Santo Antão Abade e São Basílio. No século quinto o Espírito suscitou o grande Santo Agostinho. Mais tarde, o patriarca São Bento deu origem a um dos maiores movimentos de espiritualidade surgidos na era cristã, verdadeiro sopro de renovação que atingiu o ocidente.

O essencial da obra de Bento de Núrsia consistiu em fermentar uma sociedade cindida por revoltas, crises e guerras, transformando-a, aos poucos, na era “em que a filosofia do Evangelho governou os Estados ”. “No grande eclipse da civilização antiga que sobreveio no tempo das invasões, apenas permaneceu outra luz, excetuando o florescente império visigótico, que aquela que teve de se refugiar na brilhante constelação de mosteiros espalhados pela França e os países setentrionais, especialmente na remota Irlanda. Os monges foram os transmissores do saber antigo para os séculos futuros ”.

No século sexto o monacato se enriqueceu, com São Gregório Magno, de um caráter missionário, incorporando os povos germânicos à Igreja e estabelecendo as bases da Europa cristã. Assim se exprime Colombás (1998, p. 362):

Os antigos mosteiros, e mesmo os solitários independentes, desenvolveram, pela própria força das coisas, uma ampla atividade apostólica, no comum dos casos não sacramental nem ministerial, mas puramente espiritual. Isto é, os monges atuaram não em qualidade de clérigos, senão de “homens de Deus”. Sua ação emanava de sua espiritualidade. Impulsava-os a necessidade das almas, quando não a vontade dos bispos.

No século nono os monges Cirilo e Metódio levaram a palavra evangélica ao mundo eslavo, e no século décimo a reforma monástica de Cluny, iniciada pelo abade São Bernon e continuada com êxito por seus quatro sucessores, entre os quais destaca-se Santo Odilon, deu origem ao movimento devocional e renovador que configurou definitivamente a idéia de Europa e de cujo dinamismo brotou, no século XI, São Gregório VII e a denominada reforma gregoriana.

A verdadeira vantagem de Cluny vem, portanto, de haver tido à sua cabeça, sobretudo nos primeiros cem anos, homens excepcionais por sua têmpera, cultura, intuito organizador e político e, sobretudo, dotados de um carisma espiritual arrebatador.

Pode-se dizer que o esplendor dessa época, deveu-se, em grande parte, à influência da ação benéfica surgida dos claustros. Os grandes vôos da ordem temporal tiveram sua raiz nesses movimentos soprados pela graça no seio da Igreja, já que a missão destes não se limitava apenas ao empenho pela santificação de seus membros, mas estendia-se para o resto da sociedade, visando à sua sacralização.

Não é possível fechar os olhos à ação benfazeja que exercem [os monges] universalmente não só nos mosteiros de todo o Ocidente, mas nas cortes dos reis e dos papas, nos palácios dos bispos e nos castelos dos nobres. Eles põem em todas partes o levedo evangélico, que, cedo ou tarde, fermenta e produz frutos de santidade, de espiritualidade, de reforma dos costumes (LLORCA et at. 2003, p. 243).