A santidade do sacerdote, uma exigência

Mons. João Clá Dias, EPcura-dars

Desde a Antiga Lei, a pessoa do sacerdote é cercada de uma dignidade que requer vida exemplar. Assim, no Livro do Levítico, encontramos duplo apelo à santidade. De um lado, a mando de Deus, Moisés exorta o povo de Israel a buscar a perfeição: “Fala a toda a comunidade dos israelitas e dize-lhes: Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19, 1). Mas aos sacerdotes a santidade é exigida com mais razão, porque são eles a oferecer os sacrifícios, fazendo o papel de intermediários entre Deus e o povo. Apresentar-se manchado pelo pecado diante do Altíssimo, para exercer o múnus sacerdotal, seria uma afronta ao Criador. “Os sacerdotes […] serão santos para o seu Deus e não profanarão o seu nome, porque oferecem ao Senhor os sacrifícios consumidos pelo fogo, o pão de seu Deus. Serão santos” (Lv 21, 5-6).

E dado que o Antigo Testamento é figura do Novo, compreende-se a necessidade de, na Nova Aliança, a santidade atingir um grau muito maior. Isto transparece da teologia tomista, a qual nos apresenta o ministro ordenado como tendo sido elevado a uma dignidade régia, no meio dos outros fiéis de Cristo, pois O representa e, em diversas ocasiões, age in persona Christi. Impossível, portanto, imaginar-se título superior. E como ele é chamado a ser mediador entre Deus e os homens, além de guia destes para as coisas divinas, deve necessariamente ser-lhes superior em santidade, embora todos os batizados sejam também chamados à perfeição.

Santo Afonso de Ligório, em sua obra A Selva, fundamentando-se na autoridade de São Tomás, esboça a figura do sacerdote como aquele que, por seu ministério, supera em dignidade os próprios Anjos, e por isso está obrigado a uma maior santidade, dado o seu poder sobre o Corpo de Cristo. De onde, conclui o fundador dos Redentoristas, a necessidade de uma dedicação integral do sacerdote à glória de Deus, de tal sorte que brilhe aos olhos do Senhor em razão da sua boa consciência e aos olhos do povo por sua boa reputação.[1]

Sobre isso ainda, recorda a doutrina tomista a necessidade de os ministros do Senhor terem uma vida santa: “In omnibus ordinibus requiritur sanctitas vitæ”.[2] Devem, portanto, sobretudo eles, ser o mais possível semelhantes ao próprio Deus: “Sede perfeitos assim como o vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5, 48). E prossegue:

Diz Dionísio: “Assim como as mais sutis e mais puras essências, penetradas pelo influxo dos esplendores solares, derramam sobre os outros corpos, à semelhança do Sol, sua luz supereminente, assim também, em todo ministério divino, ninguém pretenda ser guia dos outros sem ser, em toda a sua maneira de comportar-se, muito semelhante a Deus”. […] Por isso, a santidade de vida é requerida na Ordem como necessidade de preceito. Mas não para a validade do sacramento.[3]

 

São conhecidas as invectivas de Nosso Senhor contra os escribas e fariseus. O que Jesus recriminava a estes homens, tão conhecedores da Lei, era justamente o fato de não viverem aquilo que ensinavam. Pretendendo aparecer aos olhos dos outros como exímios cumpridores dos preceitos mosaicos, não tinham reta intenção, nem verdadeiro amor a Deus. Seus ritos externos não eram acompanhados pela compunção de coração. Para que os sacerdotes da Nova Aliança não caiam no mesmo desvio, convém lembrar o comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, em que São Tomás afirma: “Aqueles que se entregam aos ministérios divinos obtêm uma dignidade régia e devem ser perfeitos na virtude, conforme se lê no Pontifical”.[4]

Daí que na homilia sugerida no rito de ordenação presbiteral esteja incluída esta tocante exortação:

Tomai consciência do que fazeis, e ponde em prática o que celebrais, de modo que, ao celebrar o mistério da morte e ressurreição do Senhor, vos esforceis por mortificar o vosso corpo, fugindo aos vícios, para viver uma vida nova.[5]

 

A caridade de Cristo O levou a oferecer a vida em holocausto no patíbulo da Cruz, pela redenção da humanidade. Também aqueles que são chamados a ser mediadores entre Deus e os homens, devem exercer o seu ministério por amor, como ensina o Aquinate:

Compete aos prelados da Igreja desejar, no governo dos seus subalternos, servir somente a Cristo, por cujo amor apascentam Suas ovelhas, como diz São João (21, 15): “Se me amas, apascenta as minhas ovelhas”. Cabe-lhes também dispensar ao povo as coisas divinas, conforme lê-se em 1 Cor 9, 17: “É uma missão que me foi imposta”; sob este ponto de vista, são mediadores entre Cristo e o povo.[6]

 

O sacerdote, portanto, é chamado a um grau de santidade especial: “Pela Ordem sacra, o clérigo é consagrado aos ministérios mais dignos que existem, nos quais ele serve o Cristo no Sacramento do altar, o que exige uma santidade interior muito maior do que a exigida no estado religioso”.[7]

Também no Concílio Vaticano II se adverte que os sacerdotes, “imitando as realidades com que lidam, longe de serem impedidos pelos cuidados, perigos e tribulações do apostolado, devem antes por eles elevar-se a uma santidade mais alta”.[8] O exercício de seu múnus sacerdotal será, pois, o melhor instrumento de santificação: “Cresçam no amor de Deus e do próximo com o exercício do seu dever cotidiano”.[9]

Para a santificação e eficácia do sacerdote, a graça sacramental tem um papel determinante, pois dá-lhe oportunidade de receber auxílios sobrenaturais mais intensos para cumprir sua função de santificar as almas e, ao mesmo tempo, unir-se de forma mais íntima a Cristo Sacerdote, não só instrumentalmente, em decorrência do caráter sacramental, mas configurando-se a Cristo pela caridade, de modo a poder dizer com São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

 

CLÁ DIAS, João. A Santidade do sacerdote à luz de São Tomás de Aquino. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 8, jul-set 2009. p. 11-14.


[1] Cf. LIGÓRIO, Santo Afonso Maria de. A Selva. Porto: Fonseca, 1928, p. 6. O Autor remete aos seguintes pontos das obras de São Tomás: S Th III, q. 22, a. 1, ad 1; Super Heb. cap. 5, lec. 1; S Th II-II, q. 184, a. 8; S Th Supl. q. 36, a. 1.

[2] S Th Supl. q. 36, a. 1.

[3] Idem.

[4] IV Sent. d. 24, q. 2.

[5] Pontifical Romano. Rito de Ordenação de Diáconos, Presbíteros e Bispos, n. 123. São Paulo: Paulus, 2004.

[6] Super I Cor. cap. 4, lec. 1.

[7] S Th II-II, q. 184, a. 8., Resp.

[8] LG, n. 41.

[9] Idem.

A Igreja, Corpo Místico de Cristo, Esposa Mística de Cristo

Ignacio Montojo Magro, EP

“A verdadeira força da Igreja está em ser o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo” diz Plinio Corrêa de Oliveira (2002a: 147) no seu famoso ensaio “Revolução e Contra-Revolução”. Efetivamente, como ele acrescenta logo depois, não se explicaria a supervivência bimilenar desta instituição no meio da tantas perseguições, contrariedades e mesmo falhas de seus membros.

“Alios ego vidi ventos; alias prospexi animo procellas”[1], poderia Ela dizer ufana e tranqüila em meio às tormentas por que passa hoje. A Igreja já lutou em outras terras, com adversários oriundos de outras gentes, e por certo enfrentará ainda, até o fim dos tempos, problemas e inimigos bem diversos dos de hoje. (CORRÊA DE OLIVEIRA, 2002a, 145).

Esta misteriosa comparação da Igreja com um corpo é extraída das epístolas de São Paulo e seu principal desenvolvimento dá-se na Primeira Epístola aos Coríntios: basilica-sao-paulo-fora-muros

Porque, como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo. Em um só Espírito fomos batizados todos nós, para formar um só corpo, judeus ou gregos, escravos ou livres; e todos fomos impregnados do mesmo Espírito. Assim o corpo não consiste em um só membro, mas em muitos. Se o pé dissesse: “Eu não sou a mão; por isso, não sou do corpo”, acaso deixaria ele de ser do corpo? E se a orelha dissesse: “Eu não sou o olho; por isso, não sou do corpo”, deixaria ela de ser do corpo? Se o corpo todo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se fosse todo ouvido, onde estaria o olfato? Mas Deus dispôs no corpo cada um dos membros como lhe aprouve. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Há, pois, muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: “Eu não preciso de ti”; nem a cabeça aos pés: “Não necessito de vós”. Antes, pelo contrário, os membros do corpo que parecem os mais fracos, são os mais necessários. E os membros do corpo que temos por menos honrosos, a esses cobrimos com mais decoro. Os que em nós são menos decentes, recatamo-los com maior empenho, ao passo que os membros decentes não reclamam tal cuidado. Deus dispôs o corpo de tal modo que deu maior honra aos membros que não a têm, para que não haja dissensões no corpo e que os membros tenham o mesmo cuidado uns para com os outros. Se um membro sofre, todos os membros padecem com ele; e se um membro é tratado com carinho, todos os outros se congratulam por ele. Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros”. (1Cor 12, 12-27)[2].

Mas, além disto, a referência a este mistério é uma constante nos seus escritos. Sirvam como exemplos as seguintes citações: “Ele [Jesus Cristo] é a Cabeça do corpo que é a Igreja” (Cl 1, 18); “O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1, 24); “O constituiu chefe supremo da Igreja, que é o seu corpo” (Ef 1, 22-23); “A uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo” (Ef 4, 11-12); “Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo, da qual ele é o Salvador (Ef 5, 23); “como Cristo faz à sua Igreja, porque somos membros de seu corpo” (Ef 5, 29).

 

Já desde os primeiros tempos do Cristianismo o conceito de Corpo Místico de Cristo foi objeto de comentário e desenvolvimento pelos Padres da Igreja. Santo Agostinho (apud CIC, 795), por exemplo, assim se referia a ele:

Congratulemo-nos, pois, e demos graças pelo fato de nos termos tornado não apenas cristãos, mas o próprio Cristo. Estais compreendendo, irmãos, a graça que Deus nos fez, dando-nos Cristo por Cabeça? Admirai e alegrai-vos: nós tornámo-nos Cristo. Com efeito, uma vez que Ele é a Cabeça e nós os membros, o homem completo é Ele e nós […]. A plenitude de Cristo é, portanto, a Cabeça e os membros. Que quer dizer: a Cabeça e os membros? Cristo e a Igreja.

Também São Tomás na Suma (III, q. 48, a. 2, ad 1) usou já no século XII a expressão Corpo Místico: “Cabeça e membros são, por assim dizer, uma só e mesma pessoa mística”. 

Como assinala Bover (1967: 484, tradução nossa) no seu estudo sobre a teologia de São Paulo, na introdução ao capítulo em que se estende sobre o tema, “o Corpo Místico de Cristo é, a maneira do corpo humano, um organismo espiritual que, unido a Cristo como a sua cabeça, vive a vida mesma de Cristo, animado pelo Espírito de Cristo”[3]. E acrescenta ainda no fim do mesmo: “Esta luz […] ilumina a Igreja, que se mostra aos nossos olhos mais divina[4]” (BOVER, 1967: 531). De fato, é conseqüência evidente de tudo isto – e que nos interessa para nosso estudo – que os atos da Igreja oficial são atos do próprio Cristo, o que os valoriza sem medida como assinala Pio XII (Encíclica Mystici Corporis, 91): “É preciso que nos acostumemos a ver na Igreja o próprio Cristo. Pois que é Cristo que vive na sua Igreja, por ela ensina, governa e santifica”. 

A Igreja é também Esposa Mística de Cristo. Esta doutrina tem uma intima ligação com a do Corpo Místico. Efetivamente, “de todas as relações entre os homens […] nenhuma prende de maneira mais forte do que o vínculo do Matrimônio […] [e Deus quis assim] dar uma imagem dar uma imagem de Sua íntima e estreita união com a Igreja, de Seu imenso amor para conosco” (CATECISMO ROMANO, 1962: 333). Por isso, como nos ensina sinteticamente o Catecismo (796):

A unidade de Cristo e da Igreja, Cabeça e membros do Corpo, implica também a distinção entre ambos, numa relação pessoal. Este aspecto é, muitas vezes, expresso pela imagem do esposo e da esposa. O tema de Cristo Esposo da Igreja foi preparado pelos profetas e anunciado por João Batista. O próprio Senhor Se designou como “o Esposo” (Mc 2, 19). E o Apóstolo apresenta a Igreja e cada fiel, membro do seu Corpo, como uma esposa “desposada” com Cristo Senhor, para formar com Ele um só Espírito. Ela é a Esposa imaculada do Cordeiro imaculado que Cristo amou, pela qual Se entregou “para a santificar” (Ef 5, 26), que associou a Si por uma aliança eterna, e à qual não cessa de prestar cuidados como ao Seu próprio Corpo.

E conclui Santo Agostinho (apud CIC, 796):

Eis o Cristo total, Cabeça e Corpo, um só, formado de muitos […]. Quer seja a Cabeça que fale, quer sejam os membros, é Cristo que fala: fala desempenhando o papel de Cabeça (ex persona capitis), ou, então, desempenhando o papel do Corpo (ex persona corporis). Conforme ao que está escrito: “Serão os dois uma só carne. É esse um grande mistério; digo-o em relação a Cristo e à Igreja” (Ef 5, 31-32). E o próprio Senhor diz no Evangelho: “Já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19, 6). Como vedes, temos, de algum modo, duas pessoas diferentes; no entanto, tornam-se uma só na união esponsal […] “Diz-se ‘Esposo’ enquanto Cabeça e ‘esposa’ enquanto Corpo”.

 Efetivamente o matrimonio entre o homem e a mulher não é senão “um mistério, quer dizer um sinal sagrado daquele vínculo sacratíssimo que une Cristo Nosso Senhor à Igreja” (CATECISMO ROMANO, 1962: 333). 

Assim, devemos considerar o matrimônio sacramental como um símbolo desta sublime união, e não o contrário, pois o mais alto é o esponsal de Cristo com a Igreja, simbolizado na união matrimonial natural elevada à categoria de sacramento, como assevera Sertillanges (1946: 268-269, tradução nossa):

São Paulo nos diz que [o matrimônio] significa a união de Cristo com a Igreja, e que, em conseqüência, tende, quanto nele está, a garantir os efeitos desta união e a causa disto é um grande sacramento. […] Há nele um símbolo, posto que a doação recíproca dos esposos com objeto de formar uma vida completa é a imagem da união, mais ampla, de toda a humanidade com seu Redentor.[5]

            Esta eloqüente aplicação da referida figura nos pode fazer bem entender o valor dos atos da Igreja e quanto têm de aceitável e agradável à Divina Majestade como os de uma esposa amantíssima e perfeita (RAMIREZ, 1973: 1139).

 

 

MONTOJO MAGRO, Ignacio et all. O fundamento teológico da eficácia dos sacramentais. Centro Universitário Ítalo Brasileiro – Curso de Teologia. São Paulo, 2009. p. 35-37.


[1]Cícero, Familiares, 12, 25, 5: “Vi outros ventos e lutei contra outras tempestades” (Tradução nossa)

[2]A fim de seguir o critério habitual usado nos trabalhos de pesquisa teológica para citação das Sagradas Escrituras, colocaremos apenas a sigla do livro bíblico citado seguida do capítulo e do/s versículo/s (Ex. Mc 1, 35-36). A Bíblia Sagrada usada para tal é a que consta nas referências bibliográficas, a não ser que seja uma citação bíblica dentro duma outra citação, caso no qual seguiremos evidentemente a mesma. Este critério foi seguido também pela anterior turma de Teologia deste centro.

[3]Texto original em espanhol: “El Cuerpo Místico de Cristo es, a manera del cuerpo humano, un organismo spiritual que, unido a Cristo como a su cabeza, vive la vida misma de Cristo, animado por el Espíritu de Cristo”

[4]Texto original em espanhol: “Esta luz […] ilumina la Iglesia, que se muestra a nuestros ojos más divina”

[5]Texto original em espanhol: “San Pablo nos dice que significa la unión de Cristo con la Iglesia, y que, por consiguiente, tiende, cuanto en él está, a asegurar los efectos de esta unión y que a causa de esto, es una gran sacramento. […] Hay en él un símbolo, puesto que la donación recíproca de los esposos con objeto de formar una vida completa es la imagen de la unión, más vasta, de toda la humanidad con su Redentor”.

Deus quer que Jesus seja a vida das obras

Dom J. B. CHAUTARD O.C.R. A alma de todo apostolado. São Paulo: Editora Coleção,1962.

 Capítulo IIjesus-e-apostolos1

 

 A ciência toda se ufana com os seus imensos triunfos e certo é que títulos legítimos tem para disso se ufanar. No entanto, uma coisa até hoje lhe tem sido impossível e impossível lhe será de futuro: criar a vida, fazer sair um grão de trigo, uma larva, do laboratório de um químico. As estrondosas derrotas dos partidários da geração espontânea já nos ensinaram o que devíamos pensar acerca dessas pretensões. Deus guarda o poder de criar a vida.

Na ordem vegetal e animal, os seres vivos podem crescer e multiplicar‑se e, ainda assim, a sua fecundidade apenas se realiza dentro das condições estabelecidas pelo Criador. Ao tratar‑se, porém, da vida intelectual, Deus reserva‑a para Si e Ele é quem diretamente cria a alma racional. Um domínio há, contudo, de que ele é ainda mais cioso — o domínio da vida sobrenatural, emanação da vida divina comunicada à humanidade do Verbo encarnado.

Per Dominum nostrum Jesum Christum. Per ipsum et cum ipso et in ipso.[1]

A Encarnação e a Redenção constituem Jesus Fonte e Fonte única dessa vida divina, da qual todos os homens são chamados a participar. A ação essencial da Igreja consiste em difundir essa vida por meio dos sacramentos, da oração, da pregação e de todas as obras que com isso se relacionam.

Deus tudo faz por meio de seu Filho: Omnia per ipsum facta sunt et sine ipso factum est nihil.[2]

Isto já é verdade na ordem natural; mas quanto mais o é ainda na ordem sobrenatural, desde que se trata de comunicar a sua vida íntima e de tornar os homens participantes da sua natureza para torná‑los filhos de Deus.

Veni ut vitam habeant. In ipso vita erat. Ego sum vita.[3]

Que precisão nestas palavras! Que luz nessa parábola da videira e dos sarmentos, onde o Mestre desenvolve esta verdade! Como Ele se empenha em gravar no espírito dos seus apóstolos este princípio fundamental: que unicamente Ele, Jesus, é a vida; e esta conseqüência: que, para participar dessa vida e comunicá‑la aos outros, hão mister de ser enxertados no Homem‑Deus!

Os homens chamados à honra de colaborar com o Salvador em transmitir às almas essa vida divina devem, portanto, considerar‑se como modestos canais encarregados de haurir tal vida nessa fonte única.

Grosseiro erro teológico deixaria transparecer um homem apostólico, se desconhecesse estes princípios e julgasse que podia produzir o mínimo vestígio de vida sobrenatural sem ir totalmente buscá‑la em Jesus.

Desordem menor, mas também insuportável aos olhos de Deus, seria se o apóstolo, reconhecendo embora que o Redentor é a causa primordial de toda a vida divina, na sua ação olvidasse esta verdade e, obcecado por louca presunção injuriosa a Jesus Cristo, apenas contasse com as suas próprias forças. Tão somente falamos aqui da desordem intelectual, que teórica ou praticamente implica a negação de um princípio ao qual devemos tanto a adesão de nosso espírito como a conformidade da nossa conduta; e não da desordem moral do homem de obras, o qual, reconhecendo realmente o Salvador como fonte de toda a graça e esperando dEle todo o bom êxito, tenha o próprio coração em desacordo com o dEle, devido ao pecado ou à tibieza voluntária. Ora, o proceder praticamente, ao ocupar‑se de obras, como se Jesus não fosse o único princípio da vida delas, é qualificado pelo Cardeal Mermillod de “Heresia das Obras”. Com esta expressão, estigmatiza ele a aberração de um apóstolo que, esquecendo‑se do seu papel secundário e subordinado, unicamente esperasse o bom êxito do seu apostolado, da sua atividade pessoal e dos seus talentos. Praticamente, não é isto a negação de grande parte do Tratado da Graça? Esta conseqüência à primeira vista revolta; mas por pouco que sobre ela se reflita, logo se vê que é infelizmente muito verdadeira.

Heresia das obras! A atividade febril substituindo‑se à ação de Deus, a graça desconhecida, o orgulho humano querendo destronar Jesus, a vida sobrenatural, o poder da oração, a economia da Redenção atiradas, pelo menos na prática, à categoria das abstrações, eis um caso que longe está de ser imaginário e que a análise das almas revela como freqüentíssimo, embora em graus diversos, neste século de naturalismo em que o homem julga sobretudo pelas aparências e procede como se o bom êxito de uma obra dependesse principalmente de engenhosa organização.

A vista de uma alma pagã, recusando‑se a atribuir ao Autor de todo o bem e de todos os dons as maravilhas dos seus talentos naturais, já seria motivo de indignação para um espírito esclarecido, quanto mais não seja pela filosofia. Que sentimento experimentará então um católico instruído na sua religião, perante o espetáculo de um apóstolo que ostentasse, pelo menos implicitamente, a pretensão de não querer saber de Deus para comunicar às almas, quanto mais não fosse, o mínimo grau de vida divina? “Que insensato”! Diríamos nós ao ouvir um operário evangélico usar da seguinte linguagem: “Meu Deus, não me levanteis obstáculos à minha empresa, não lhe traveis o funcionamento e eu me encarrego de a levar a bom termo”. Este sentimento nosso seria um reflexo da aversão que em Deus provoca a vista de tal desordem, a vista de um presunçoso levando o orgulho a ponto de querer dar a vida sobrenatural, produzir a fé, fazer cessar o pecado, conduzir à virtude, gerar almas para o fervor, unicamente com as suas forças e sem atribuir esses efeitos à ação direta, constante, universal e efusiva do Sangue divino, preço, razão de ser e meio de toda a graça e de toda a vida espiritual.

A humanidade de seu Filho exige, pois, que Deus confunda esses falsos cristos, já paralisando as suas obras de orgulho, já permitindo que elas apenas provoquem uma miragem efêmera. Salvo em tudo o que opera sobre as almas ex opere operato, Deus deve ao Redentor o subtrair ao apóstolo, cheio de arrogância, as suas melhores bênçãos para reservá‑las ao ramo que humildemente reconhece que somente pode haurir a sua seiva no tronco divino. De outra sorte, se abençoasse com resultados profundos e duradouros uma atividade envenenada por esse vírus a que chamamos heresia das obras, Deus dava mostras de animar essa desordem e permitir seu contágio.

[1] ) Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Por Ele, com Ele e nEle (Liturgia).

[2] ) Todas as coisas foram feitas por Ele, e nada do que foi feito, foi feito sem Ele (Jo., 1, 3).

[3] ) Eu vim para eles terem vida (Jo., 10). NEle estava a vida (Jo., 4). Eu sou a vida (Jo., 14, 6).


PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA TEOLOGIA MARIANA

na-sra-gracasTradução de excertos da obra: La Virgen Maria — Teologia y espiritualidad marianas, Pe. Antonio Royo Marin, O.P. (BAC, Madrid, 1968, pp. 44‑62)

 

A maternidade divina de Maria, considerada integralmente em si mesma, constitui o primeiro princípio básico e fundamental de toda a mariologia. (…)

 

1ª Trata‑se de uma verdade expressamente revelada por Deus na Sagrada Escritura e expressamente definida pela Igreja como dogma de fé.

Com efeito, a Sagrada Escritura nos diz expressamente que Maria é a Mãe de Jesus:

“Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo”, (Mt. 1,16).

“Estavam junto à cruz de Jesus, sua Mãe…” (Jo. 19,25)

“Com Maria, a Mãe de Jesus…” (At. 1, 14)

Ora, o dogma fundamental de todo o cristianismo é que Jesus é Deus, o Verbo de Deus encarnado. Logo Maria, sua Mãe, é a Mãe de Deus, a Mãe do Verbo encarnado. Trata‑se, pois, de algo expressa e claramente revelado por Deus na Sagrada Escritura e definido expressamente pela Igreja no Concílio de Éfeso como verdade de fé. (…)

Escutemos um grande mariólogo contemporâneo expondo admiravelmente estas idéias:

“Assim, pois, da verdade fundamental da maternidade divina de Maria, segue‑se todo o demais. Por causa de sua maternidade divina é a nova Eva, é sócia do Redentor, Co‑redentora e Medianeira de todas as graças, Mãe do Corpo místico, Mãe universal, arquétipo da Igreja, novo paraíso, a cheia de graça, a redimida com redenção perfeita, a Rainha do céu e da terra e todo o demais que dEla se pode dizer. Nenhuma dessas conseqüências, reveladas ou deduzidas por meio de procedimentos inferidos dos raciocínios anteriores, pode ser o princípio primário da mariologia; todas procedem, pela ordenação da sabedoria de Deus, da predestinação da Santíssima Virgem para ser Mãe do Redentor, inseparavelmente unida com seu Filho em um só decreto eterno. A maternidade divina é a base da relação de Maria com Cristo, com o Cristo total, com toda a teologia e o cristianismo; é, portanto, o princípio fundamental de toda a mariologia.” ([1])


[1] P. CYRIL VOLLERT, S.I., Mariologia dirigida pelo P. J.B. CAROL (BAC, Madrid 1964) p. 487)

A eficácia do ministério sacerdotal

hostiaMons. João Clá Dias, EP

Ressalta Dom Chautard que a um sacerdote santo corresponde um povo fervoroso; a um sacerdote fervoroso, um povo piedoso; a um sacerdote piedoso, um povo honesto; a um sacerdote honesto, um povo ímpio.[1] Grande é, pois, o papel da virtude do ministro, para o êxito de seu ministério.

No que respeita à aplicação do valor da Santa Missa, com finalidade propiciatória, é que se pode falar de sua eficácia subjetiva, dependente das disposições de quem a celebra e daqueles aos quais ela é aplicada, como explica São Tomás:

Na satisfação atende-se mais à disposição de quem oferece do que à quantidade da oferenda. Por isso, o Senhor observou, a respeito da viúva que oferecia duas moedinhas, que ela “depositou mais que todos os outros”. Ainda que a oferenda da Eucaristia, quanto à sua quantidade, seja suficiente para satisfazer por toda a pena, contudo ela tem valor de satisfação para quem ela é oferecida ou para quem a oferece, conforme a medida de sua devoção, e não pela pena inteira.[2]

A respeito deste trecho do Doutor Angélico, Robert Raulin faz o seguinte comentário: “Seria perniciosa ilusão acreditar que o ofertante está dispensado do fervor, sob pretexto de que Cristo, oferecendo-Se na Missa, satisfez plenamente por todos os pecados do mundo”.[3]

Outro argumento, ainda, apresenta o Aquinate, para vincular a eficácia da Eucaristia à devoção dos que se beneficiam do valor infinito deste augusto Sacramento:

A Paixão de Cristo traz proveito a todos para a remissão da culpa, a obtenção da graça e da glória, mas o efeito só é produzido naqueles que se unem à Paixão de Cristo pela fé e caridade. Assim, também este Sacrifício, que é o memorial da Paixão do Senhor, só produz efeito naqueles que se unem a este Sacramento pela fé e caridade. […] Aproveitam, no entanto, mais ou menos, segundo a medida de sua devoção.[4]

 

A especial obrigação dos sacerdotes em trilhar o caminho da santidade é reafirmada no decreto Presbyterorum ordinis: “Estão, porém, obrigados por especial razão, a buscar essa mesma perfeição visto que, consagrados de modo particular a Deus pela recepção da Ordem, se tornaram instrumentos vivos do sacerdócio eterno de Cristo”.[5] E de seu aperfeiçoamento pessoal, ensina o mencionado documento conciliar, decorrerá maior ou menor abundância de frutos de sua ação pastoral:

A santidade dos presbíteros muito concorre para o desempenho frutuoso do seu ministério; ainda que a graça de Deus possa realizar a obra da salvação por ministros indignos, todavia, por lei ordinária, prefere Deus manifestar as suas maravilhas por meio daqueles que, dóceis ao impulso e direção do Espírito Santo, pela sua íntima união com Cristo e santidade de vida, podem dizer com o Apóstolo: “Se vivo, já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).[6]

 

Ante esta realidade, o sacerdote tem dois grandes deveres. Um para consigo mesmo e outro para com o povo, pois ambos se beneficiam dos frutos da Santa Missa, especialmente o celebrante, conforme o grau de fervor ou devoção.[7]

Segundo alguns teólogos, este fruto especialíssimo da Santa Missa, destinado ao sacerdote, é maior do que o destinado aos demais participantes do Sacrifício Eucarístico, ou àqueles aos quais se aplica o seu valor. É neste manancial inesgotável da misericórdia de Deus que cada ministro ordenado deve ir buscar as melhores graças para a sua santificação, assim como a daqueles que lhe estão confiados:

Por causa do poder do Espírito Santo, que pela unidade da caridade comunica os bens dos membros de Cristo entre si, acontece que o bem particular presente na Missa de um bom sacerdote se torna frutuoso para outras pessoas.[8]

 

Dessa maneira, corresponderá ele à altíssima dignidade de seu ministério, segundo dizia o Santo Cura d’Ars:

Sem o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar a sua peregrinação? O sacerdote. Quem há de prepará-la para comparecer diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote, sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer [pelo pecado], quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. […] Depois de Deus, o sacerdote é tudo! […] Ele próprio não se entenderá bem a si mesmo, senão no Céu.[9]

CLÁ DIAS, João. A Santidade do sacerdote à luz de São Tomás de Aquino. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 8, jul-set 2009. p. 19-21.


[1] Cf. CHAUTARD, OCSO, Jean-Baptiste. A Alma de todo o apostolado. Porto: Civilização, 2001, p. 34-35.

[2] S Th III, q. 79, a. 5, Resp.

[3] In: AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2006, v. 9, p. 358.

[4] S Th III q. 79, a. 7, ad 2.

[5] PO, n. 12.

[6] Idem.

[7] Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología Moral para Seglares. Madrid: BAC, 1994, v. 2, p. 158.

[8] S Th III q. 82, a. 6, ad 3.

[9] Palavras de São João Maria Vianney, citadas pelo Papa Bento XVI na Carta para Proclamação do Ano Sacerdotal, 16 jun. 2009.

APOSTOLADO E AMOR À CRUZ

pescadorPadre Mário Corti, S. J.

 

“O apóstolo que diz ou protesta querer salvar as almas e se cerca de comodidade, e foge à mortificação e abnegação, se assemelha ao açougueiro que não quer manchar‑se de sangue, ou ao coveiro que teme tocar nos mortos. É claro que errou o ofício.

 

S. Pedro Claver, o apóstolo dos negros pobres, aos que o aconselhavam a resguardar‑se e poupar‑se nas fadigas, dizia:

 

“‑ Não é apto para o mister de pescador, que tem medo de molhar os pés”.

 

O Ven. Chevrier, comentando a passagem evangélica: “Se o grão de trigo caído em terra não morre, fica só”, dizia:

 

“‑ O apóstolo, como o grão de trigo, deve ser atirado ao chão, soterrado, para apodrecer; retalhado, peneirado, moído, amassado, cozido, comido: só nessas condições torna‑se útil às almas”.

 

A beata Canossa dizia muitas vezes às suas irmãs:

 

“‑ Devemos ser para as almas como o limão que se deixa se espremer até que não sobre mais nele uma só gota de suco”.

 

O Pe. Olivaint, S. J., que morreu mártir, exprimia o mesmo pensamento desta forma:

 

“‑ Senhor, esta manhã junto ao altar, era eu o sacerdote, e Tu a vítima; agora, Tu o sacerdote e eu a vítima”.

 

S. Carlos Borromeu, aos que o aconselhavam a omitir as penitências e reduzir as austeridades, respondia:

 

“‑ O apóstolo é comparado pelo Divino Redentor à lâmpada. E não pode ajudar as almas a não ser consumindo‑se a si mesmo”.

Padre Mário Corti, S. J., Viver em graça, Edições Paulinas, primeira edição, 1957, pp. 265 e 266.

O desejo de conhecer no homem

alianca

Dartagnan Alves de Oliveira Souza, EP 

O desejo de conhecer o que está além das aparências materiais leva o homem, enquanto todo, com todas as suas capacidades e inclinações, à procura de um Ser Superior capaz de criar e sustentar todas as coisas, sendo, portanto, Causa e explicação de tudo.

 

 

Desejo do Absoluto

Ao investigar a natureza pela simples razão natural, o homem é levado a encontrar a verdade,[1] esse é o seu objetivo quando busca as razões e causas das coisas. Entretanto, essa busca recai sobre um Ordenador universal — não um demiurgo simplesmente —, mas um Provedor e Sustentador de todas as coisas, no qual se encontra o modelo de bondade e beleza em seu máximo grau.

Jolivet,[2] ao tratar da religião natural, diz que, como efeito das inclinações naturais, o ser humano tende a procurar a verdade no Ser que a possui em grau absoluto. Assim, seguindo essa tendência, ele sente no íntimo de seu ser uma atração para o bem e para o belo que o conduz a encontrar em Deus o exemplo e fonte da Bondade e da Beleza.

Corrêa de Oliveira afirma que o homem inocente, por meio do maravilhamento com a natureza criada, sente em si uma tendência que o arrasta a contemplar o Absoluto: “À medida que vai procurando o maravilhoso, de etapa em etapa, o inocente afina as exigências de sua alma até chegar ao Ser que é o píncaro, a cúpula de toda a ordem do ser, autor da Criação, perfeitíssimo, infinito, absoluto, eterno”.[3]

Vias para conhecer o Criador

A busca sedenta de uma causa primeira para a origem do Universo, presente em todos os tempos, converge para determinadas vias pelas quais o homem, analisando e argumentando, pode encontrar o ponto de partida da Criação. Esse Universo pode ser considerado materialmente em duas partes essenciais: seres irracionais e seres racionais. A primeira serve como via de acesso para que a segunda a utilize nas cogitações transcendentes acerca do Universo.

As vias para se ascender ao conhecimento do Criador têm seu ponto de partida na Criação, no mundo material, captável pelos sentidos externos. Dessa maneira, os seres racionais podem, por meio de argumentos convincentes, chegar a ortodoxas certezas que afirmam a existência de um Ser Superior a todos os demais, pelo fato de ser necessário, enquanto os demais são contingentes,[4] pois necessitam de uma sustentação que não emana da essência de seus próprios seres,[5] mas dAquele que possui em si a causa de seu próprio existir.[6]

Detendo-se o homem por alguns instantes, breves que sejam, na contemplação, por exemplo, de um panorama montanhoso banhado pelos últimos raios do sol que declina no horizonte, no qual o céu parece oscular a terra, normalmente tenderia a maravilhar-se diante do espetáculo. Vendo cores e formas feéricas, ele se sentiria atraído e, poderíamos dizer, quase que arrastado a refletir sobre o que aquele ambiente paradisíaco transmite ao intelecto ou ao sentimento humano. É a ocasião onde o homem, vendo e admirando os efeitos, procura a Causa.[7]

Da beleza à Beleza

As belezas contidas no Universo nos falam de uma Beleza maior, não mutável, mas da qual emanam todas as demais belezas (relativas), sujeitas à mudança.[8] Essas belezas mutáveis são apenas reflexos de uma matriz de Beleza de onde se origina esse transcendental.[9]

Santo Agostinho em um de seus sermões, tratando sobre a beleza, diz:

Interroga pulchritudinem terrae, interroga pulchritudinem maris, interroga pulchritudinem dilatati et diffusi aeris, interroga pulchritudinem coeli, interroga ordinem siderum, interroga solem fulgore suo diem clarificantem, interroga lunam splendore subsequentis noctis tenebras temperantem, interroga animalia quae moventur in aquis, quae morantur in terris, quae volitant in aere [] interroga ista, Respondent tibi omnia: Ecce vide, pulchra sumus. Pulchritudo eorum, confessio eorum. Ista pulchra mutabilia quis fecit, nisi incommutabilis pulcher?[10]

 

Por meio dos atrativos bons, belos e verdadeiros encontrados na natureza material que nos rodeia a todo momento, podemos nos elevar Àquele que é propriamente o Bem, o Belo e a Verdade por excelência.

A respeito da beleza Platão já falara em seu tempo. Para ele, o princípio de uma ascensão à ideia divina de Beleza tem como ponto de partida o amor. É por meio do amor que o homem poderá contemplar as criaturas corpóreas e dar um passo rumo à beleza moral. Atingindo essa beleza posta nos costumes, o homem poderá ascender aos belos ensinamentos — que outra coisa não é, senão a beleza intelectual — para assim chegar à consideração da ideia de Beleza em si mesma — a Beleza enquanto tal — da qual as demais belezas particulares não são senão mera participação.[11] Assim sendo, segundo esse filósofo, o homem ascende como que a graus que o levam a encontrar e a conhecer, paulatinamente, belezas superiores, até chegar à Beleza em si mesma, que é incriada.[12]

Essa ideia, exposta no Banquete, nos mostra de forma claríssima o que Platão pensava sobre a beleza. Encontramos nesse pensamento a conceitualização da ideia do amor vinculada com a ideia de beleza; para ele, é por meio do amor que o filósofo chegará a uma ciência verdadeira (a contemplação da Beleza em si mesma). Platão atribuirá à ideia de Beleza qualificativos “divinos”. O próprio ser humano, ao entrar em contato com ela, poderá haurir essa “divinização”. Ele chega a afirmar que toda participação de beleza contida no Universo tem como modelo essa Beleza “inmutable, que no nace ni perece, autosuficiente, simple, incorpórea, divina y que diviniza al hombre que la posee…”.[13]

Esse pensamento platônico é uma primeira ideia, ainda não nítida, a respeito da relação da beleza por participação com a Beleza subsistente. Claro está que o pensamento em torno da beleza, em todos os seus graus e formas, foi-se desenvolvendo à medida que o próprio ser humano a foi contemplando.

 

 

OLIVEIRA SOUZA, Dartagnan.  Pulchrum: Caminho para o Absoluto? in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 8, jul-set 2009. p. 84 – 87.

 

 

 

 


[1] STORK, Ricardo Yepes; ECHEVARRÍA, Javier Aranguren. Fundamentos de antropologia: um ideal da excelência humana. Tradução de Patrícia Carol Dwyer. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2005. p. 151.

[2] JOLIVET, Régis. Tratado de Filosofia II: Psicologia. 2. ed. Tradução de Gerardo Dantas Barretto. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editôra, 1967. p. 328.

[3] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Primeiro olhar e inocência. Obra póstuma, em preparação. Parte II, cap. 3, 6.

[4] G. P. Manuel de Filosofia: Resumido e adaptado do “Cours de Philosophie” de C. Lahr. 4. ed. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1948. p. 742.

[5] MOLINARO, Aniceto. Metafísica: curso sistemático. Tradução de João Paixão Netto e Roque Frangiotti. São Paulo: Paulus, 2002. p. 62.

[6] JOLIVET, Régis. Tratado de Filosofia III: Metafísica. 2. ed. Tradução de Maria da Glória Pereira Pinto Alcure. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1972. p. 362.

[7] S. Th. I, q.2, a.1.

[8] JOLIVET, Tratado de Filosofia III: Metafísica, Op. Cit., p. 260.

[9] BRUYNE, Edgar de. L’Esthétique du Moyen Age. Louvain: Éditions de L’Institut Supérieur de Philosophie, 1947. p. 10.

[10] SANCTUS AUGUSTINUS, Sermo 241, 2. “Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar dilatado e difuso, interroga a beleza do céu, interroga o ritmo ordenado dos astros; interroga ao sol, que ilumina o dia com fulgor; interroga a lua, que suaviza com seu resplendor a obscuridade da noite que segue ao dia; interroga aos animais que se movem nas águas, que habitam a terra e que voam no ar […] Interroga todas essas realidades. Todas elas te responderão: Olha-nos, somos belas. Sua beleza é um hino (confissão) de louvor. Quem fez essas coisas belas, ainda que mutáveis, senão a própria Beleza imutável?” (Tradução pessoal).

[11] PLATÃO. Fédon, XLIX, 100. Citado por MANDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: História da Filosofia Greco-Romana I. 2. ed. Tradução de Lycurgo Gomes da Motta. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1966. p. 13.

[12] PLATÃO. O banquete. Citado por FRAILE, Guillermo, O. P. Historia de la filosofía I: Grecia y Roma. 5. ed. Madrid: La Editorial Catolica, S. A., 1982. p. 354-355.

[13] Ibid., p. 326-327. “…imutável, que não nasce e nem morre, auto-suficiente, simples, incorpórea, divina e que diviniza ao homem que a possui…” (Tradução pessoal).

Edith Stein y su visión de la filosofía de la historia

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Diác. Diego Cubides Umba, EP

            En los primeros años de sus estudios universitarios en Breslau, Edith recuerda una serie de disertaciones de compañeros caídos en el frente y tiene la sensación de pertenecer a una generación hace tiempo desaparecida, preguntándose cómo es que aún vive: 

En general son dos cosas que mantienen en pie mi energía: el deseo de ver qué va a ser de Europa, y la esperanza de hacer algo para la filosofía. De momento, se me interpone una espesa niebla, sobre todo en lo referente a la situación política;…pero no puedo desechar la idea de que la historia del mundo tiene un sentido. Qué margen queda aquí abierto a la intervención de cada uno, ésta es una cuestión sobre la que hace tiempo me rompo la cabeza[1] 

            Sus consideraciones alcanzaban no sólo los hechos concretos de la política, sino que Edith también emitía su juicio sobre las personas que en ella actuaban y sobre la influencia que sus opiniones académicas ejercían sobre sus propios pensamientos; con la finura propia de mujer, se fija en los pequeños detalles, haciendo descripciones muy reales:  

El viejo señor Kaufman, un anciano de bellos cabellos blancos y unos ojos azules joviales y radiantes, así como el profesor Zeiekursel, que era bastante joven, pequeño, pero tieso y enérgico, eran políticos nacional liberales. Se sentían orgullosos del nuevo imperio en el que todos habíamos sido educados, pero no había en ello una divinización de la casa reinante, ni estrechamiento causado por el punto de vista prusiano. Se despertó en mí de nuevo mi antiguo gusto por la historia, hasta el punto de que en los primeros semestres llegase a dudar de si no había de  ser ella  el  campo  fundamental de mi trabajo. Este amor por la historia no era un simple sumergirme romántico en el pasado; iba unido estrechamente a los sucesos políticos del presente, como historia que se está haciendo. Ambas cosas produjeron una extraordinaria  y fuerte conciencia de responsabilidad social, un sentimiento a favor de la solidaridad de todos los hombres[2] 

            Este amor por la persona humana y su riqueza individual, reflejada en la variedad de naciones, la mantuvo inmune a las filosofías materialistas de su tiempo que sustentaban una superioridad física de unos hombres sobre otros y que justificaban la violencia con sistemas de gobierno totalitarios. Era el repudio al fundamento doctrinario de lo que más tarde sería conocido como el Nazismo: 

Con la misma fuerza que rechazaba un nacionalismo darwinista*, me adhería al sentido y necesidad, tanto natural como histórica, de estados independientes y pueblos y naciones diferentes. Por ello las concepciones socialistas y otras aspiraciones internacionalistas no ejercieron nunca influencia sobre mí[3]. 

            Ella critica la complexión obtusa del Materialismo y del Positivismo en la ciencia moderna, que impide el vuelo de la inteligencia: 

Por lo demás, a mi modo de ver, religión e historia se aproximan cada vez más, y me parece que los cronistas medievales, que fijaron la historia del mundo entre el pecado original y el juicio final, eran más sagaces que los modernos especialistas, para quienes, a partir de hechos científicamente comprobados, se ha perdido el sentido de la historia[4]. 

            Stein rechazaba la postura positivista respecto a la exagerada valoración de la técnica y la ciencia como medida de la verdad absoluta, ya que para ella era más importante la trascendencia de los hechos, como influencia en la psicología de los pueblos que viven de la idealización de los mismos, y que representan el orgullo de una nación. Todavía faltaban cuatro años para su bautismo y hablando como judía, no tenía una visión parcializada o nacionalista de la historia: ¡qué rectitud de espíritu!

            El pensamiento moderno degradó lo externo de la naturaleza humana, sobrevalorando la acumulación de la riqueza y el poder del conocimiento, sin importar la incompatibilidad con las normas de conducta moral, rompiendo así el concepto de solidaridad y moderación que había imperado en las comunidades medievales. La sociedad moderna capitalista y comunista requería de un contexto que les permitiese imponer su sistema de explotación de la naturaleza y del mismo hombre,  bajo el pretexto del desarrollo industrial y social.

            Edith Stein, con una inteligencia intuitiva, veía en esta forma de pensamiento una mutilación de la integridad del ser humano, a quien ella entendía como un compuesto de cuerpo y espíritu que debía ser asumido en su totalidad.

            La doctrina positivista no daba cabida a otras dimensiones humanas que no tuvieran qué ver con la realidad física y trascendente, propiciando así una autodestrucción ontológica de la humanidad.

            La filósofa carmelita, a través de su ejemplo y su pensamiento, reclama que el ejercicio de la libertad no puede ser entendido sino bajo los parámetros de una responsabilidad tanto individual como colectiva, y no sólo para el presente sino para el futuro, teniendo en cuenta que la incertidumbre es uno de los legados más nefastos que se le heredan a las próximas generaciones.

CUBIDES UMBA, Diego. La metafísica como sabiduría en el alma cristiana de Edith Stein. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teología, Filosofía y Humanidades. Licenciatura Canónica en Filosofía. Medellín, 2009. p. 25-28.


[1] STEIN, Op. Cit., p. 591.  Carta dirigida Roman Ingarden, el 6 de julio de 1917.

[2] Ibid., p. 302.

* Charles R. Darwin (1809-1882). Autor de la teoría revaluada del evolucionismo. El nacionalismo darwinista  propondría una nación formada por gentes de una única raza.

[3] Ibid., p. 302.

[4] Ibid., p. 603.  Carta dirigida a Roman Ingarden, el 12 de febrero de 1918.

La noble amistad del discípulo para con su fundador

sao-joao-boscoPe. Aumir Scomparin, EP

Aristóteles, hablando sobre la amistad completa, muestra como ella reúne todos los elementos de una noble amistad. La describe así:

 

¿Son éstas, por lo demás, las afecciones y los sentimientos de la amistad ordinaria o sólo están reservadas a la amistad completa que se funda en la virtud? Todas las condiciones se encuentran reunidas en esta noble amistad. En primer lugar no se desea, vivir con otro amigo que no sea éste, puesto que lo útil, lo agradable y la virtud se encuentran reunidos en el hombre de bien. Además, queremos el bien para él, con preferencia a cualquiera otro, y deseamos vivir y vivir dichosos con él más que con ningún otro hombre[1].

 

Aplicando esta amistad a una orden religiosa, tanto entre sus miembros como en la relación discípulo-Fundador, veremos que el afecto que muestran sus integrantes entre sí, es una amistad completa fundada en la virtud. Sobre todo cuando la relación es vertical, o sea, de discípulo para fundador y viceversa.

 

La amistad con el Fundador, es una amistad completa y en ella se encuentran todas las condiciones para tener una noble amistad: el fundador, para una orden religiosa es como un padre, es un verdadero amigo al cual el discípulo quiere imitar para llegar a la perfección de la vocación a la que fue llamado. Él desea estar el mayor tiempo posible con su Fundador puesto que lo útil, lo agradable y la virtud se encuentran reunidas en ese hombre de bien que es su Fundador. El discípulo le desea el bien y quiere vivir dichoso con él más que con ningún otro hombre. Ve a sus hermanos de vocación como hijos de un mismo padre y existe entre ellos un amor entrañable. Cada uno ve en su hermano, un reflejo de su Fundador.

 

Podría objetarse que es imposible que exista una amistad de superior a inferior y viceversa, pero no es lo que ocurre en la realidad. La amistad existe tanto en la igualdad como en la desigualdad. Hay una amistad en la desigualdad, que es la misma que une al padre con el hijo, o al fundador con el discípulo. Afirma Aristóteles:

 

[…] hay una amistad, una relación, en la desigualdad, que es la que une al padre con el hijo, al soberano con el súbdito, al superior con el inferior, al marido con la mujer y, en general, que existe respecto de todos los seres entre quienes se da relación de superior a subordinado. Por lo demás, esta amistad en la desigualdad es en estos casos completamente conforme a la razón. Si hay algún bien que repartir, no se dará una parte, igual al mejor y al peor, sino que se dará siempre más al ser superior. Esto es lo que se llama igualdad de relación, igualdad proporcional, porque el inferior, recibiendo una parte menos buena, es igual, puede decirse, al superior que recibe una mejor que la de aquel.

 

De todas las especies de amistad o de amor de que se ha hablado hasta ahora, la más tierna es la que resulta de los lazos de la sangre, particularmente el amor del padre para el hijo[2].

 

Pero el amor del Fundador siempre será mayor que el de su discípulo, porque sus discípulos son sus obras y la persona guarda una mayor benevolencia para lo que es suyo. Así lo explica Aristóteles:

 

El padre, pues, en cierta manera, obra más en punto a amar, porque el hijo es obra suya. Esto es lo mismo que se observa en otras muchas cosas; siempre es uno benévolo con la obra que uno mismo ha ejecutado. El padre puede decirse que es benévolo con un hijo, que es obra suya, y su cariño es sostenido a la vez por el recuerdo y por la esperanza, y he aquí por qué el padre ama más a su hijo que el hijo al padre[3]. 

 

SCOMPARIN, Aumir. LA AMISTAD. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teología, Filosofía y Humanidades. Licenciatura Canónica en Filosofía. Medellín, 2009. p. 51-53


[1] ARISTÓTELES, La gran moral, p. 95. L. II, cap. 13.

[2] Ibid., p. 98.  L. II, cap. 13.

[3] Ibid.