Não é qualquer beleza que salva

Pe. José Victorino de Andrade, EPaurora

O Catecismo da Igreja Católica ensina que a obra da criação se nos apresenta sob a forma de vestígios do próprio Criador,[1] a fim de a inteligência poder relacionar as coisas visíveis com o invisível. Este contínuo apelo daquilo que nos rodeia à sua causa e sustento, leva o homem a sair de si para deixar-se surpreender e enlevar, através de experiências estéticas que lhe falam no mais íntimo de realidades superiores, metafísicas, transcendentais.

Diversos autores deixaram testemunhos surpreendentes em torno de especulações perante as múltiplas manifestações de Deus, nas suas criaturas. Nesse sentido, há um célebre episódio de Napoleão no qual, certa noite, interrompe uma discussão materialista entre soldados a fim de apontar as cintilantes estrelas do céu e questioná-los: “Vós podeis falar quanto tempo quiserdes, senhores, mas quem terá feito tudo isso?”.[2]

Não só diante da magnanimidade da Criação houve reações. Também a ordem e complexidade do Universo levariam Newton, ou mesmo Voltaire, a afirmarem que não há relógio sem relojoeiro,[3] reportando-se à necessidade de um Criador, ainda que envolto em concepções filosóficas distantes da Teologia cristã.

Entretanto, encontramos ainda no homem, em meio ao secularismo de hoje, um conjunto considerável de interrogantes e disposições que o levam a sair de si e ter a capacidade de se maravilhar com os vestígios de Deus.[4] Já São Tomás de Aquino fazia uma interessante reflexão ao considerar o 13º Capítulo do Livro da Sabedoria,[5] servindo-se para isso da seguinte imagem:

Se alguém indo a uma casa e desde a porta fosse sentindo calor e cada vez mais nela penetrasse e mais calor sentisse, evidentemente perceberia que havia fogo no seu interior, mesmo que não estivesse vendo o fogo. Acontece o mesmo conosco, ao considerarmos as coisas deste mundo. Todas as coisas estão ordenadas conforme diversos graus de beleza e de nobreza, e quanto mais próximas de Deus, tanto melhores e mais belas.[6]

Vemos, desta forma, o quanto a beleza pode ser comparada a uma chama. Quem será insensível ao seu calor? Este abrasa e arrebata, alça-nos a considerações salutares, tira-nos da nossa condição, do “eu”. Esta especulação tinha sido feita por Platão, em Fedro, e não foi estranha a Santo Agostinho. O então Cardeal Ratzinger aproveitou os escritos de ambos para comparar o belo a uma flecha capaz de ferir o homem no seu íntimo, para desse modo “lhe conferir asas e o elevar às alturas”.[7] Não será esta uma solução para o mundo materialista e relativista no qual vivemos? Não se apresentará à Igreja como um instrumento preciosíssimo, desde sempre ao seu alcance, quer através da Liturgia, quer através da arte sacra? Mons. Luigi Giussani já o reconhecia ao propor, certa vez, em seus exercícios: “Noi dobbiamo lottare per la bellezza. Perché senza la bellezza non si vive. E questa lotta deve investire ogni particolare: altrimenti come faremo un giorno a riempire la piazza San Pietro?”.[8]

“A beleza salvará o mundo”, propôs Dostoiévski,[9] numa frase múltiplas vezes utilizada em variadas reflexões. O próprio Papa João Paulo II citou-a na sua Carta aos Artistas (1999), e o Pontifício Conselho para a Cultura viria a desenvolvê-la no excelente documento elaborado em torno deste assunto, que se intitula Via Pulchritudinis.

Entretanto, cabe aqui realizar uma importante precisão, de acordo com estes dois documentos: não se trata de qualquer beleza, capaz de salvar o mundo, como se coubesse ao conceito, mesmo com todo seu valor, qualquer força própria e redentora. É para Cristo, “o mais belo dos filhos dos homens” (Sl 44, 3), que o nosso pensamento deve remeter; Aquele em cuja face a glória de Deus resplandece (cf. 2Cor 4, 6).

Encontra-se traçada a pedagógica via que nos conduzirá à fonte absoluta da pulcritude, de onde dimana a relativa, os vestígios, através dos quais aprendemos “quão mais belo que tudo é o Senhor, o próprio autor da beleza” (Sb 13, 3). Porque, como escreveu Bento XVI, quando ainda cardeal: “nada há que melhor nos possa pôr em contacto com a beleza do próprio Cristo do que o mundo do Belo criado pela fé, bem como a luz resplandecente no rosto dos santos, através da qual se torna visível a Sua própria Luz”.[10]

VICTORINO DE ANDRADE, José. Editorialin: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 10, Jan-Mar 2010. p. 3-5.


[1]Cf. n. 1147.

[2] Cf. BOURRIENNE, Louis. Memoirs of Napoleon Bonapart. V.1. [s.l.]: Bibliobazaar, 1891. p. 327.

[3] Ver FIORIN, José (org.). O pensamento humano na história da filosofia. Ijuí: Sapiens, 2007, p. 261. BANDET, François. Estará a ciência oposta à Fé? Lumen Veritatis, n. 6, jan-mar, 2009, p. 70.

[4] Ver, por exemplo: JOÃO PAULO II. Angelus de 21 de Julho de 1996, ed. port. de L’Osservatore Romano de 27/7/1996, p. 1.

[5] Especificamente, as seguintes passagens: “Sim, insensatos são todos aqueles homens em que se instalou a ignorância de Deus e que, a partir dos bens visíveis, não foram capazes de descobrir Aquele que É, nem, considerando as obras, reconheceram o Artífice” (Sb 13, 1); “na grandeza e na beleza das criaturas se contempla, por analogia, o seu Criador” (Sb 13, 5).

[6] AQUINO, Tomás de. Exposição sobre o Credo. 5 ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 27.

[7] Publicado em 30 Giorni, n. 91 (2002). Messaggio al XXIII Meeting per l’amicizia fra i popoli. Rimini, 21 agosto 2002.

[8] Esercizi a Varigotti, 1964. Apud FARINA, Renato. Ratzinger ricorda don Gius, «mio vero amico», Libero, 25 marzo 2007.

[9] Ver DOSTOÉVSKI, Fiódor. L’idiota. Trad. PACINI G. Parte III, cap. V. Milão, 2005, p. 478.

[10] RATZINGER, Joseph. A Caminho de Jesus Cristo. Coimbra: Tenacitas, 2006, p. 45.

A eficácia do ministério sacerdotal

hostiaMons. João Clá Dias, EP

Ressalta Dom Chautard que a um sacerdote santo corresponde um povo fervoroso; a um sacerdote fervoroso, um povo piedoso; a um sacerdote piedoso, um povo honesto; a um sacerdote honesto, um povo ímpio.[1] Grande é, pois, o papel da virtude do ministro, para o êxito de seu ministério.

No que respeita à aplicação do valor da Santa Missa, com finalidade propiciatória, é que se pode falar de sua eficácia subjetiva, dependente das disposições de quem a celebra e daqueles aos quais ela é aplicada, como explica São Tomás:

Na satisfação atende-se mais à disposição de quem oferece do que à quantidade da oferenda. Por isso, o Senhor observou, a respeito da viúva que oferecia duas moedinhas, que ela “depositou mais que todos os outros”. Ainda que a oferenda da Eucaristia, quanto à sua quantidade, seja suficiente para satisfazer por toda a pena, contudo ela tem valor de satisfação para quem ela é oferecida ou para quem a oferece, conforme a medida de sua devoção, e não pela pena inteira.[2]

A respeito deste trecho do Doutor Angélico, Robert Raulin faz o seguinte comentário: “Seria perniciosa ilusão acreditar que o ofertante está dispensado do fervor, sob pretexto de que Cristo, oferecendo-Se na Missa, satisfez plenamente por todos os pecados do mundo”.[3]

Outro argumento, ainda, apresenta o Aquinate, para vincular a eficácia da Eucaristia à devoção dos que se beneficiam do valor infinito deste augusto Sacramento:

A Paixão de Cristo traz proveito a todos para a remissão da culpa, a obtenção da graça e da glória, mas o efeito só é produzido naqueles que se unem à Paixão de Cristo pela fé e caridade. Assim, também este Sacrifício, que é o memorial da Paixão do Senhor, só produz efeito naqueles que se unem a este Sacramento pela fé e caridade. […] Aproveitam, no entanto, mais ou menos, segundo a medida de sua devoção.[4]

 

A especial obrigação dos sacerdotes em trilhar o caminho da santidade é reafirmada no decreto Presbyterorum ordinis: “Estão, porém, obrigados por especial razão, a buscar essa mesma perfeição visto que, consagrados de modo particular a Deus pela recepção da Ordem, se tornaram instrumentos vivos do sacerdócio eterno de Cristo”.[5] E de seu aperfeiçoamento pessoal, ensina o mencionado documento conciliar, decorrerá maior ou menor abundância de frutos de sua ação pastoral:

A santidade dos presbíteros muito concorre para o desempenho frutuoso do seu ministério; ainda que a graça de Deus possa realizar a obra da salvação por ministros indignos, todavia, por lei ordinária, prefere Deus manifestar as suas maravilhas por meio daqueles que, dóceis ao impulso e direção do Espírito Santo, pela sua íntima união com Cristo e santidade de vida, podem dizer com o Apóstolo: “Se vivo, já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).[6]

 

Ante esta realidade, o sacerdote tem dois grandes deveres. Um para consigo mesmo e outro para com o povo, pois ambos se beneficiam dos frutos da Santa Missa, especialmente o celebrante, conforme o grau de fervor ou devoção.[7]

Segundo alguns teólogos, este fruto especialíssimo da Santa Missa, destinado ao sacerdote, é maior do que o destinado aos demais participantes do Sacrifício Eucarístico, ou àqueles aos quais se aplica o seu valor. É neste manancial inesgotável da misericórdia de Deus que cada ministro ordenado deve ir buscar as melhores graças para a sua santificação, assim como a daqueles que lhe estão confiados:

Por causa do poder do Espírito Santo, que pela unidade da caridade comunica os bens dos membros de Cristo entre si, acontece que o bem particular presente na Missa de um bom sacerdote se torna frutuoso para outras pessoas.[8]

 

Dessa maneira, corresponderá ele à altíssima dignidade de seu ministério, segundo dizia o Santo Cura d’Ars:

Sem o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar a sua peregrinação? O sacerdote. Quem há de prepará-la para comparecer diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote, sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer [pelo pecado], quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. […] Depois de Deus, o sacerdote é tudo! […] Ele próprio não se entenderá bem a si mesmo, senão no Céu.[9]

CLÁ DIAS, João. A Santidade do sacerdote à luz de São Tomás de Aquino. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 8, jul-set 2009. p. 19-21.


[1] Cf. CHAUTARD, OCSO, Jean-Baptiste. A Alma de todo o apostolado. Porto: Civilização, 2001, p. 34-35.

[2] S Th III, q. 79, a. 5, Resp.

[3] In: AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2006, v. 9, p. 358.

[4] S Th III q. 79, a. 7, ad 2.

[5] PO, n. 12.

[6] Idem.

[7] Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología Moral para Seglares. Madrid: BAC, 1994, v. 2, p. 158.

[8] S Th III q. 82, a. 6, ad 3.

[9] Palavras de São João Maria Vianney, citadas pelo Papa Bento XVI na Carta para Proclamação do Ano Sacerdotal, 16 jun. 2009.

“¡Que mejor promoción vocacional que un sacerdote alegre!”, escribe el Cardenal arzobispo de Lima

Lima (Miércoles, 23-09-2009, Gaudium Press) “No olvidemos que muchas veces los fieles se acercarán con mayor devoción y confianza cuando nos ven serenos y alegres, [cuando ven] que transmitimos la paz que Cristo pone en nuestros corazones” ha escrito el Cardenal Juan Luis Cipriani Thorne, Arzobispo de Lima, en carta dirigida al clero de su diócesis con motivo del Año Sacerdotal el pasado 21 de septiembre.

La alegría, que debe ser un signo distintivo de la vida sacerdotal, debe manifestarse en la predicación, en la celebración eucarística, en el trabajo burocrático, y en el sacramento de la confesión, expresó el purpurado.

El rostro alegre de un sacerdote -que se constituye en la mejor promoción vocacional, según Mons. Cipriani- no es sino la manifestación de la paz y la alegría del propio Cristo: “Quien nos oye, quien nos ve, debe “oír y ver” al mismo Cristo pleno de alegría y de paz. Debemos contagiar a los demás ese gozo interior que es fruto de una lucha seria y constante por parecernos a Él”, afirmó.

El Cardenal pidió a sus presbíteros que este año sacerdotal sea marcado por una renovada lucha en pos de la santidad y que sea la ocasión para hacer propósitos de conversión personal serios, y constantes, reflejo profundo de su ser en Cristo.

Finalmente, el Cardenal Cipriani comunica a todos los sacerdotes de la Arquidiócesis de Lima que ha conformado una comisión para que los presbíteros puedan participar en la clausura del Año Sacerdotal que se efectuará entre el 09 y el 11 de Junio de 2010, respondiendo así a la invitación realizada por Benedicto XVI al clero de todo el mundo.

Para conocer el documento íntegro: www.arzobispadodelima.org