O carisma dos fundadores

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

A Teologia a respeito dos fundadores é relativamente recente, pois só a partir do Concílio Vaticano II prestou-se, com maior empenho, atenção nessas manifestações surgidas às vezes até mesmo no laicato, reconhecendo sua legitimidade de uma forma genérica[1].

E deve-se ao Papa Paulo VI a menção textual a esse carisma em documento do Magistério Pontifício, no qual, ademais, confirma a presença da inspiração divina na missão dos fundadores: “Só assim podereis despertar de novo os corações para a Verdade e para o amor divino, segundo o carisma dos vossos fundadores, suscitados por Deus na sua Igreja”[2].

Posteriormente, João Paulo II usou essa expressão em diversos documentos, como, por exemplo, na Mensagem à XIV assembleia geral da Conferência dos religiosos do Brasil: “Anima-vos aquilo que é o sentido ínsito à vida consagrada: crescer no conhecimento e no amor, para serdes testemunhas e profetas de Cristo no mundo de hoje, em fidelidade dinâmica à vocação religiosa e ao carisma dos vossos fundadores”[3].

Esse carisma que anima o fundador tem a peculiaridade de poder abarcar todas as categorias de fiéis, sem distinção, quanto aos ministérios ou estados de vida, constituindo um anúncio forte da fé, o qual dá origem também a um impulso missionário[4].

Essa “inspiração fundamental” dos fundadores — Ratzinger no-la explica de forma muito clara[5] — é a identidade deles com Cristo e com o Evangelho. Fazendo um paralelismo entre a história da conversão de Santo Antão e a de São Francisco de Assis, o Pontífice afirma serem idênticos os impulsos que encontramos num e noutro: tomar o Evangelho séria e rigorosamente ao pé da letra, seguir Cristo em pobreza total e conformar toda a sua vida à dEle.

Outros autores, nas últimas décadas, aprofundaram o estudo da matéria. Trata-se de pesquisar e auscultar a presença santificante do Espírito na Igreja, Sua forma de agir e o modo de transmitir esse verdadeiro tesouro espiritual, de um movimento ou família religiosa, que é o carisma fundacional.

Tanto mais que esse dom é difícil de ser expresso na sua totalidade, em termos humanos, em doutrinas e regras. Como definir e diferenciar, por exemplo, o carisma franciscano do dominicano? Ambos são mendicantes, ambos dedicam-se à evangelização. No entanto, apesar de semelhantes, bem se pode aplicar a eles o dito de São Paulo: “uma é a claridade do sol, outra a claridade da lua e outra a claridade das estrelas, e ainda uma estrela difere da outra na claridade”[6].

A fundação, pois, baseia-se numa forma radical e peculiar de viver o Evangelho em sua totalidade, com uma sólida e profunda formação cristã, que se transmite por um método pedagógico específico, segundo o carisma de cada movimento.


[1] Cf AA, n. 3.

[2] Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelica Testificatio, n. 11, 29/6/1971. “Solum hoc modo animos hominum ad veritatem amoremque divinum amplectendum erigere poteritis secundum charisma Fundatorum vestrorum, quos Deus in Ecclesia sua excitavit”.

[3] João Paulo II, Mensagem aos participantes da XIV Assembleia Geral da Conferência dos religiosos do Brasil, 11/7/1986. “Il vostro scopo è di crescere nella conoscenza e nell’amore per essere testimoni e profeti di Cristo nel mondo d’oggi, in fedeltà dinamica alla vocazione religiosa e al carisma dei vostri fondatori”.

[4] Cf Id., Mensagem aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, 27/5/1998.

[5] Cf J. Ratzinger, Os Movimentos na Igreja, presença do Espírito e esperança para os homens. São João de Estoril 2007, p. 45.

[6] I Cor 15, 41.

O Carisma dos Fundadores

Pe. Santiago Canals Coma, EPjesus

Houve um Fundador que, pertencente à melhor estirpe real, veio a este mundo na mais humilde das condições. Passou a maior parte da existência terrena na obscuridade, preparando Sua curta vida pública. Ao empreender a atividade apostólica, abalou Ele com a doutrina que ensinava inúmeros conceitos de Sua época, sem temer a reis, a imperadores ou a pontífices. Defendeu Sua religião e filosofia em praças públicas, diante de multidões, conferindo, por meio de milagres inimagináveis, aval às Suas palavras. Por onde passou deixou as indeléveis marcas de Sua bondade, reconciliando com Deus cada um dos que lhe pediam a mediação. Por Sua ilimitada misericórdia pertransivit benefaciendo (At 10, 38): passou por este mundo fazendo o bem, mas apesar disso foi condenado ao mais infamante tipo de morte daquele tempo, ao ser levado ao patíbulo. Do alto da cruz, atraiu o mundo inteiro a Si (Jo 12,32).

Os Fundadores de famílias religiosas são reflexos dos múltiplos aspectos de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Sua missão. Porém estudá-los não é fácil e simples. Vários autores que tratam do assunto deixam claro que esse tema não foi satisfatoriamente estudado ao longo da História face à sua enorme complexidade, pois estudar os Fundadores pode ser comparado a adentrar os mistérios do próprio Deus (Cf. ROMANO, 1991, pp. 63-64).

É muito significativa a dificuldade encontrada pelo Pe. Antonio Romano. Na elaboração de seu aprofundado estudo sobre o tema afirma ele não ter achado em nenhum dicionário anterior à primeira metade do século XX – eclesiástico ou não – referências ao termo “fundador”. De modo análogo, quase não encontrou ele documentos da Igreja com informações claras para a compreensão jurídica desse vocábulo (Cf. ROMANO, 1991, pp. 34-35). Outra evidência de ser o tema “fundadores” de estudo recente na Igreja é a constatação de que apenas em 1947 foram estabelecidos os requisitos necessários para que alguém possa ser considerado Fundador de uma família religiosa. Assim, conforme documento emanado da Sagrada Congregação dos Ritos,

Para se designar alguém Fundador ou Fundadora de uma família religiosa exige-se, antes de tudo, que tal pessoa tenha reunido em torno de si um núcleo, ainda que pequeno, de seguidores, de lhes ter fixado uma meta específica; em segundo lugar, ter deixado leis ou regras – por escrito ou oralmente – especificando a meta e os meios para a alcançar. Há ainda outra observação que se pode fazer: quando um fundador toma como base uma regra anterior já aprovada, então o autor desta se torna o Patriarca ou pater desse instituto religioso. Assim, por exemplo, São Bento é o Patriarca de todas as famílias monásticas que têm como fundamento a regra beneditina; São Francisco de Sales é o Pai dos salesianos, porque São João Bosco se inspirou na legislação e nos escritos do Santo Doutor. Outros exemplos poderiam amplamente se multiplicar. SCR.SH.66, Nova Inquisitio, XVII .

É certo, porém, que sob o ponto de vista carismático-teológico os Papas sempre consideravam os Fundadores como homens inspirados pelo Espírito Santo, apesar de tal tema não ter sido estudado em profundidade sob o aspecto jurídico (Cf. ROMANO, 1991, p. 65-67, 71). Foi Paulo VI quem pela primeira vez, em um documento do Magistério oficial (Evangelica Testificatio), confirmou essa doutrina ao utilizar a expressão carisma dos fundadores: “Só assim podereis despertar de novo os corações para a Verdade e para o Amor divino, segundo o carisma dos vossos Fundadores, suscitados por Deus na sua Igreja” (PAULO VI, 1971, n.p.). Do mesmo modo, o Papa João Paulo II lançou mão dessa expressão em diversos documentos, como, por exemplo, na Mensagem à XIV Assembléia Geral da Conferência dos Religiosos do Brasil: “Anima-vos aquilo que é o sentido ínsito à vida consagrada: crescer no conhecimento e no amor, para serdes testemunhas e profetas de Cristo no mundo de hoje, em fidelidade dinâmica à vocação religiosa e ao carisma dos vossos Fundadores” (JOAO PAULO II, 1986).

Entre os papas, um se destaca por ser conhecedor das profundas realidades eclesiais produzidas pelo Espírito Santo: Bento XVI. Desde muito antes de sua ascensão ao trono pontifício o Cardeal Ratzinger já observava e acompanhava o surgimento de novos movimentos no seio da Igreja. É esse o testemunho do Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, Cardeal Stanislaw Rylko, dado na introdução de uma obra de BENTO XVI:

O Papa Bento XVI segue, desde há muitos anos, com paixão de teólogo e de pastor, o fenómeno dos movimentos e das novas comunidades que nasceram na Igreja depois do Concílio Vaticano II. Os seus primeiríssimos contatos com estas realidades eclesiais remontam a meados dos anos 60, quando ainda era professor em Tubinga. Depois, com o passar do tempo, essas relações intensificaram-se e aprofundaram-se, transformando-se numa verdadeira amizade (2007, pp. 25-26).

Porém não foi apenas por uma experiência pessoal que Bento XVI se converteu em um ponto de referência para os novos movimentos. Dado o importante papel que exerceu ao lado de João Paulo II como prefeito da Congregação para a a Doutrina da Fé, podemos considerá-lo um fiel intérprete do magistério dos movimentos eclesiais.

Passemos então a abordar a inspiração dos Fundadores. Na abertura do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais em 1998 (quando ainda era o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé), ao comparar o nascimento da ordem franciscana com o nascer de um novo “movimento” o Cardeal Ratzinger assinalou a presença de uma inspiração personalizada na base dos movimentos religiosos:

Talvez possamos identificar com a máxima clareza um movimento no sentido próprio no desabrochar franciscano do século XIII. Na sua maioria, os movimentos nascem de uma carismática personalidade-guia, configurando-se em comunidades concretas que, em virtude da sua origem, revivem o Evangelho na sua inteireza e, sem hesitações, reconhecem na Igreja a sua razão de vida, sem a qual não poderiam subsistir (ibid, pp. 55-56).

Vejamos os desdobramentos da realidade teológica chamada pelo Papa de “carismática personalidade-guia”, que está na origem dos movimentos religiosos. Inicialmente devemos considerar o carisma dos Fundadores como algo que a Igreja assume como próprio quando aprova uma nova forma de vida religiosa. De acordo com Romano, o carisma dos fundadores tem uma dupla dimensão. Por um lado o Fundador, consciente de sua dependência total à Igreja, espera que ela reconheça e acolha seu carisma. Por outro lado, a Igreja vê um novo fruto do Espírito Santo, e o quer preservar de qualquer modo. Essa identidade com a Igreja é fundamental para o Fundador, pois dá a ele a certeza de que o espírito que o move, que o impulsiona no sentido de criar novos estilos de vida, e que o inflama com um “fogo profético”, é o mesmo Espírito Santo da Igreja. Ademais, por outro lado, isso fortalece as relações com seus discípulos, pois com freqüência na vida dos Fundadores “não há ninguém capaz de compreender totalmente a novidade e a profundidade do que ele é e do que ele contém em si” (Cf. ROMANO, 1991, pp. 72-73).

Este assunto é tão fundamental que uma das preocupações de Bento XVI sempre foi acolher e preservar com carinho as novas famílias religiosas, deixando claro que, junto com as igrejas locais, elas fazem parte da própria estrutura viva da Igreja. E, portanto, é necessário preservar esses novos dons para edificação de toda a mesma Igreja.

Depois de ter sido eleito Papa, Bento XVI não cessou de manifestar o seu afecto e a sua atenção pastoral a estas novas realidades. Bastará recordar as suas palavras dirigidas aos jovens reunidos em Colónia em Agosto de 2005 para celebrar o vigésimo Dia Mundial da Juventude:

“Formais comunidades na base da fé! Nos últimos decénios, nasceram movimentos e comunidades em que a força do Evangelho se faz sentir com vivacidade”. E as que sempre disse aos bispos alemães sobre o tema dos movimentos – “A Igreja deve valorizar estas realidades e, oportunamente, guiá-las com sabedoria e prudência pastorais, para que, com os seus diversos dons, contribuam da melhor maneira para a edificação da comunidade” –, acrescentando um pormenor importante: “As igrejas locais e os movimentos não se opõem mutuamente, mas constituem a estrutura viva da Igreja” (BENTO XVI, 2007, p. 29).

O tema da inserção eclesial dos novos carismas é muito complexo e não se relaciona diretamente com nosso assunto. Contudo desperta a atenção o aviso que o Papa faz aos bispos sobre a necessidade de valorizar tais realidades e saber guiá-las com sabedoria. De fato, com freqüência nos deparamos na História com fatos em sentido contrário que tantas incompreensões e mal-entendidos produziram. É o que nos explica ROMANO:

A fim de que a inserção de uma comunidade religiosa no tecido da Igreja local seja autêntica e conforme a inspiração do Espírito, existe o direito, por parte da autoridade eclesiástica, de discernir os carismas e, portanto, aprová-los. (…) Esta é uma enorme responsabilidade, que leva Girardi a afirmar que as pessoas aptas para verificar a iniciativa do Espírito deveriam tomar maior consciência disso para pôr mais atenção e munir-se de uma doutrina apropriada que permita interpretar verdadeiramente o impulso do Espírito. Se, por exemplo, um bispo nada soubesse a respeito da teologia dos carismas, como seria capaz de interpretar esses dons do Espírito? Essa é a razão da existência de tantos entraves na Igreja. Contudo, isso também forma parte do desígnio de Deus, desígnio misterioso… que permite que seus dons passem sempre através de um caminho Pascal de sofrimento e purificação. Assim como outros autores, Girardi situa a autenticidade de um carisma dentro da constante histórica da Cruz como verdadeiro critério e garantia de fecundidade (op. cit. pp. 27-28, 132, tradução minha).

Essa inserção não deve ser entendida como uma perda da própria identidade, mas, pelo contrário, a Igreja sempre insistiu na necessidade de salvaguardar cada carisma. Isto é feito com normas concretas dadas tanto às autoridades eclesiásticas como aos membros de cada família religiosa.

Igualmente, “corresponde à dita autoridade a obrigação de respeitá-los [os novos carismas], e, conseqüentemente, acolhê-los e conservá-los tal como foram dados pelo Espírito Santo. Cada um dos institutos tem direito à sua própria autonomia a fim de manter íntegro seu patrimônio espiritual e institucional; mais ainda, há o dever fundamental – tanto dos institutos em si como de cada um de seus membros – de conservar o carisma original, mesmo que seja preciso adaptá-los às mutantes exigências históricas da Igreja e do mundo (cc. 574, § 2; 576; 578; 586; 677 § 1).

Mantendo-se um instituto fiel a seu carisma e sendo respeitado por todos – inclusive pela autoridade hierárquica – por essa fidelidade, mais autêntica e eficaz será sua inserção na vida da Igreja, pois esta se realizará conforme a inspiração do Espírito”. Ghirlanda G., La vita consagrata nella vita della Chiesa, en Informationes SCRIS (2/1984)88.4 Podemos então chegar a uma conclusão: o Fundador pede o reconhecimento eclesial de seu carisma porque é consciente de ser o portador de um novo dom dentro do Corpo Místico. E a Igreja, ao concedê-lo, confirma a existência de um novo carisma, de uma nova inspiração do Espírito Santo, a ser desenvolvida para o bem do Povo de Deus.

BIBLIOGRAFIA

BENTO XVI. Os Movimentos na Igreja – presença do Espírito e esperança para os

homens. S. João de Estoril: Lucerna, 2007.

ROMANO, Antonio. Los fundadores profetas de la Historia – la figura y el carisma de los fundadores dentro de la reflexión teológica actual. Madrid: Claretianas, 1991.

CIARDI OMI, Fabio. Los fundadores, hombres del espíritu. Para una teología del carisma del fundador. Madrid: Ediciones Paulinas, 1983.

_____. Experiencia comunitaria de los fundadores. Vida Religiosa, Madrid, vol. 74, n. 1, enero, 1993.

_____. Riscoperta dei carismi dei fondatori. Vita Consacrata, Milano, n. 29, junio, 1993.

A presença dos religiosos nos movimentos eclesiais

José Manuel Jiménez Aleixandre

Cat            A natureza dos chamados “movimentos eclesiais” tem algumas características comuns a todos eles[1], consideradas por muitos autores como sendo, em parte semelhantes, em parte diferentes, a tantas outras formas carismáticas suscitadas pelo Espírito Santo na Igreja, ao longo dos séculos, pois, quanto à origem carismática dos mesmos, há acordo entre os autores.

Podemos dividir as características dos atuais “movimentos eclesiais” em: comuns aos movimentos de outras épocas, às quais podemos chamar características históricas; novas, adequadas ao novo milênio no qual a Igreja entra, que denominaremos características atuais.

A análise das respostas dadas ao longo da História, pelo mesmo Espírito Santo, para dar forma jurídica eclesiológica aos carismas, pode servir de moldura para ajudar a compreender como considerar as características históricas.

Mas a novidade trazida pelos novos movimentos e por seus fundadores (que se manifesta nas características atuais, muitas delas nunca vistas na Igreja) causa muitas vezes perplexidade. Aliás, compreensível, uma vez que, como temos analisado[2], um carisma só é bem compreendido por quem o recebe: seja este recebido diretamente, no caso do fundador; seja através de terceiros, como é o caso dos discípulos.

A presença de religiosos[3] nos movimentos eclesiais[4] enquadra-se nessa questão e merece algumas considerações.

            A questão torna-se particularmente incisiva quando se considera que uma Igreja Particular (uma diocese, uma prelatura em território de missão, etc.) não tem sua origem numa graça carismática fundante, mas na própria estrutura da Igreja, Povo de Deus em caminho. De modo diferente, os Institutos Religiosos[5] sempre nascem de um carisma fundacional, concedido pelo Espírito Santo em geral a uma só pessoa, que o encarna; e o transmite aos seguidores sob forma não jurídica, mas por uma paternidade espiritual que se comunica de pessoa a pessoa. Por isso, um religioso tem a obrigação de conformar sua vida à do fundador.[6]

            Os movimentos eclesiais, seguindo a opinião geral dos autores e do Magistério pontifício recente[7], são, eles próprios, nascidos de um carisma fundacional; parece assim ter alguma coisa a ver com os Institutos de Consagrados, já que ambos não se originam da estrutura hierárquica, e possuem uma forma vitae dada pelo fundador.

            O religioso estaria, então, sujeito a dois carismas fundacionais: o do instituto, e o do movimento.

Jiménez Aleixandre, José. Como regular a presença dos religiosos nos movimentos. In: Lumen Veritatis, n.7, Abril a Junho 2009. p. 29-31.


[1] Este artigo é um capítulo traduzido da tese de Mestrado apresentada pelo autor no “Studium Generale Marcianum” do Patriarcado de Veneza, sob o título “Le recenti proposte di configurazione canonica dei nuovi movimenti ecclesiali”, Venezia 2009 pro manuscripto.

[2] Em outros capítulos da tese de mestrado, da qual se publica aqui um excerto.

[3] Para efeitos deste artículo, empregamos o termo religioso no seu sentido jurídico canónico, definido pelos câns. c. 573 § 2 e 607: membro de um Instituto Religioso. No seu sentido comum entre o povo de Deus, a palavra designa, na realidade, qualquer pessoa que dedica sua vida à Igreja pela prática dos Conselhos Evangélicos levando vida comunitária, seja numa forma “canonicamente religiosa”, seja adotando outra forma canônica “não religiosa”: Instituto Secular, Sociedade de Vida Apostólica, uma “Nova Forma” segundo o c. 605; e até algumas formas canonicamente “laicas” como as atuais associações de fiéis com vida comunitária e celibato, por exemplo, os “Memores Domini” ou os “focolares”. Poderiam ser fazer analogias entre os dois conceitos escondidos no mesmo termo, mas seria objeto de outro estudo particular.

[4] A distinção feita por ZADRA, em I movimenti ecclesiali e i loro statuti, vem a propósito desse assunto. Ele considera como movimentos laicais aqueles que são constituídos apenas por leigos e que, em geral, colaboram nas paróquias (como a Ação Católica). Denomina movimentos espirituais aqueles que não têm uma forma particular de vida ou de ação apostólica, mas possuem específicas práticas devocionais, particulares ou realizadas em torno de um grupo. Por outro lado, considera como movimentos eclesiais aqueles nos quais convergem pessoas de todas as categorias existentes na Igreja: celibatários ou casados, clérigos e leigos, religiosos e seculares.

[5] A expressão è empregado aqui no seu sentido canônico, se bem que, como è notório, o mesmo se pode dizer de tantos outros “institutos de perfeição”, ou como denominar-se queira, e seja qual for a forma jurídica adotada: instituto secular ou sociedade de vida apostólica, assumindo os conselhos evangélicos. Ver as observações da nota anterior.

[6] Mesmo sendo um aspecto colateral ao estudo, fazemos referência aqui ao estudo de CANALS. Para os discípulos, diz ele, “é um dever de consciência dos mais importantes harmonizar-se constantemente com o espírito do Fundador” (p. 17), o qual, segundo São Jerônimo é “um homem no qual habita o espírito de Deus” (nota 8). Além do mais, na nota 9, CANALS acrescenta uma citação de FURET (Cronicas maristas – I el fundador, Zaragoza, Luis Vives, 1979, 18-19): “Os religiosos que não têm o espírito do fundador, ou o perderam, devem ser considerados e considerar-se a si próprios como membros mortos: […] Para um religioso, o espírito de seu estado, o espírito do fundador não é algo assim como uma prática somente útil, é uma necessidade, é uma coisa indispensável: não há graça, nem virtude, nem paz, nem dita neste mundo, nem salvação e dita eterna após a morte, para quem não possua esse espírito” (grifo meu).

[7] São tão numerosos os pronunciamentos de João Paulo II e Bento XVI neste sentido, que resulta sem sentido citar apenas um ou outro deles.

La noble amistad del discípulo para con su fundador

sao-joao-boscoPe. Aumir Scomparin, EP

Aristóteles, hablando sobre la amistad completa, muestra como ella reúne todos los elementos de una noble amistad. La describe así:

 

¿Son éstas, por lo demás, las afecciones y los sentimientos de la amistad ordinaria o sólo están reservadas a la amistad completa que se funda en la virtud? Todas las condiciones se encuentran reunidas en esta noble amistad. En primer lugar no se desea, vivir con otro amigo que no sea éste, puesto que lo útil, lo agradable y la virtud se encuentran reunidos en el hombre de bien. Además, queremos el bien para él, con preferencia a cualquiera otro, y deseamos vivir y vivir dichosos con él más que con ningún otro hombre[1].

 

Aplicando esta amistad a una orden religiosa, tanto entre sus miembros como en la relación discípulo-Fundador, veremos que el afecto que muestran sus integrantes entre sí, es una amistad completa fundada en la virtud. Sobre todo cuando la relación es vertical, o sea, de discípulo para fundador y viceversa.

 

La amistad con el Fundador, es una amistad completa y en ella se encuentran todas las condiciones para tener una noble amistad: el fundador, para una orden religiosa es como un padre, es un verdadero amigo al cual el discípulo quiere imitar para llegar a la perfección de la vocación a la que fue llamado. Él desea estar el mayor tiempo posible con su Fundador puesto que lo útil, lo agradable y la virtud se encuentran reunidas en ese hombre de bien que es su Fundador. El discípulo le desea el bien y quiere vivir dichoso con él más que con ningún otro hombre. Ve a sus hermanos de vocación como hijos de un mismo padre y existe entre ellos un amor entrañable. Cada uno ve en su hermano, un reflejo de su Fundador.

 

Podría objetarse que es imposible que exista una amistad de superior a inferior y viceversa, pero no es lo que ocurre en la realidad. La amistad existe tanto en la igualdad como en la desigualdad. Hay una amistad en la desigualdad, que es la misma que une al padre con el hijo, o al fundador con el discípulo. Afirma Aristóteles:

 

[…] hay una amistad, una relación, en la desigualdad, que es la que une al padre con el hijo, al soberano con el súbdito, al superior con el inferior, al marido con la mujer y, en general, que existe respecto de todos los seres entre quienes se da relación de superior a subordinado. Por lo demás, esta amistad en la desigualdad es en estos casos completamente conforme a la razón. Si hay algún bien que repartir, no se dará una parte, igual al mejor y al peor, sino que se dará siempre más al ser superior. Esto es lo que se llama igualdad de relación, igualdad proporcional, porque el inferior, recibiendo una parte menos buena, es igual, puede decirse, al superior que recibe una mejor que la de aquel.

 

De todas las especies de amistad o de amor de que se ha hablado hasta ahora, la más tierna es la que resulta de los lazos de la sangre, particularmente el amor del padre para el hijo[2].

 

Pero el amor del Fundador siempre será mayor que el de su discípulo, porque sus discípulos son sus obras y la persona guarda una mayor benevolencia para lo que es suyo. Así lo explica Aristóteles:

 

El padre, pues, en cierta manera, obra más en punto a amar, porque el hijo es obra suya. Esto es lo mismo que se observa en otras muchas cosas; siempre es uno benévolo con la obra que uno mismo ha ejecutado. El padre puede decirse que es benévolo con un hijo, que es obra suya, y su cariño es sostenido a la vez por el recuerdo y por la esperanza, y he aquí por qué el padre ama más a su hijo que el hijo al padre[3]. 

 

SCOMPARIN, Aumir. LA AMISTAD. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teología, Filosofía y Humanidades. Licenciatura Canónica en Filosofía. Medellín, 2009. p. 51-53


[1] ARISTÓTELES, La gran moral, p. 95. L. II, cap. 13.

[2] Ibid., p. 98.  L. II, cap. 13.

[3] Ibid.

Compaginar os fundamentos eclesiológicos dos movimentos com o respaldo jurídico

Mons. João Clá Dias, EP

cooperadoresNestes últimos tempos tem-se generalizado o fenômeno dos chamados movimentos eclesiais, reunidos em torno de um carisma muito concreto e que, como apontam os recentes Pontífices Romanos, representam para a Igreja uma renovação, um surto de nova vitalidade. Embora dotados de vida e influxos de graça divina tão vicejantes, devem eles solucionar o problema de sua institucionalização, isto é, a necessidade de aprovação por parte da autoridade eclesiástica, tornando-os entes jurídicos inseridos na estrutura eclesial. Tal reconhecimento, além de conferir segurança do ponto de vista legal, representa a plena inserção na comunhão da Igreja, o que, por sua vez, costuma acarretar novos impulsos apostólicos, crescimento e consolidação do próprio grupo.

Entretanto, para os fundadores e suas respectivas obras, encontrar a forma canônica que sirva de baliza e preserve a vida do carisma sem engessá-lo, dando primazia à graça sobre a estrutura legal, tem sido historicamente algo perplexitante. Pois não raro parece, ao menos à primeira vista, que a adoção de formas jurídicas produza o efeito oposto ao desejado, ou seja, crie embaraços à ação da graça e tolha a produção de seus frutos.

É verdade que, mediante o reconhecimento, contornam-se com maior facilidade as dificuldades inerentes ao desenvolvimento rápido e, não raro, impetuoso dos movimentos, o qual se dá em meio a estruturas eclesiais organizadas, cujo dinamismo soe ser menos intenso. Favorece-se assim a manutenção de um ambiente de harmonia e de entendimento, frutos da paz deixada por Cristo à sua Igreja. Mas essa inegável vantagem não justificaria, por si só, a escolha precipitada de uma figura jurídica que não correspondesse à sua fisionomia verdadeira. […]

Para isso é necessário compaginar os fundamentos eclesiológicos dos movimentos com o respaldo jurídico oferecido pela atual legislação canônica, procurando encontrar assim uma estrutura que canalize a vida deste carisma sem tolher-lhe a vida, e o proteja sem impedir-lhe o posterior desenvolvimento.

CLÁ DIAS, João. Apresentação do argumento de tese em Direito Canônico: Motivações científicas. 2 mar. 2009. p. 2-3.

Os Fundadores e a Fundação: desígnio divino, na Igreja e para a Igreja

joao-boscoMons. João Clá Dias, EP

Os movimentos são instrumentos do Espírito Santo para revitalizar Sua Igreja, e, por serem realidades comunitárias essencialmente carismáticas, têm sua gênese num carisma determinado, dotado de originalidade própria, concedido por Ele à pessoa do fundador ou fundadores. Esse dom, por sua própria natureza, ao mesmo tempo é pessoal e comunicativo[1], por ser dado para benefício da Igreja e o bem espiritual dos fiéis, “suscitados pelo Espírito de Cristo para um novo impulso apostólico da inteira estrutura eclesial” (informação verbal).[2]

Com efeito, como explica o Cardeal Ratzinger (2007, p. 40) na sua conferência sobre os movimentos eclesiais, “Deus suscita incessantemente homens proféticos — sejam eles leigos, religiosos, ou, também, bispos e padres — os quais Lhe lançam um apelo que, no curso normal da instituição[3], não atingiria a força necessária”.

Portanto, quer o fundador, quer a fundação, são suscitados por um desígnio divino, na Igreja e para a Igreja. Nenhuma razão há para qualquer vã complacência a respeito dos méritos pessoais daquele que funda, ou mesmo de seus seguidores, pois não o realizam por si, mas pelo dom e pela força de Deus que, olhando o seu nada, faz neles maravilhas (cf. Lc, 48-49).

Com efeito, pelo fato de serem alguns dos fundadores suscitados fora das estruturas hierárquicas da Igreja, portanto no laicato, poderia haver uma tendência a achar que esses dons seriam meramente pessoais, fruto da própria inteligência. Por isso, é de capital importância haver esse senso eclesial, que nos fundadores é uma nota dominante e os leva a se inserirem plenamente na comunhão da Igreja.

DIAS, João Scognamiglio Clá. Considerações sobre a gênese e o desenvolvimento do movimento dos Arautos do Evangelho e seu enquadramento jurídico, 2008. Tese de Mestrado em Direito Canônico — Pontifício Instituto de Direito Canônico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. p. 22-23.

[1] “Pela sua natureza, os carismas são comunicativos e fazem nascer aquela ‘afinidade espiritual entre pessoas’ (cf. Christifideles laici, 24) e aquela amizade em Cristo que dá origem aos movimentos. A passagem do carisma originário ao movimento acontece pela misteriosa atração exercida pelo fundador sobre quantos se deixam envolver na sua experiência espiritual.” (João Paulo II, Discurso em 30 de maio de 1998).

[2] João Paulo II. Mensagem em 27 de maio 1998.

[3] Refere-se à Igreja enquanto sociedade visível.