A universalidade da lei natural

Pe. Leopoldo Werner, EP
A lei natural é universal e igual para todos os homens, pois possuem a mesma natureza racional criada por Deus. Está inscrita no íntimo do seu coração e tem seu papel no desenrolar dos acontecimentos históricos e no aperfeiçoamento de todas as potências da alma e do corpo que refletem, por sua vez, em todas as atividades e instituições humanas.

Na verdade, o caráter de universalidade e obrigatoriedade moral estimula e impele o crescimento da pessoa. Para se aperfeiçoar na sua ordem específica, a pessoa deve praticar o bem e evitar o mal, deve vigiar pela transmissão e conservação da vida, aperfeiçoar e desenvolver as riquezas do mundo sensível, promover a vida social, procurar o verdadeiro, praticar o bem, contemplar a beleza (JOÃO PAULO II, 2002: 5).
É uma lei universal que não admite privilégios nem distinções de raças, sexo, idade ou fortuna. Ela não precisa ser promulgada para ser conhecida pelos homens, por isso não pode ser objeto de uma ignorância invencível. Esta universalidade se impõe a todos os homens de todas as épocas. Ela respeita, no entanto, a individualidade, unicidade e a irrepetibilidade de cada ser humano. Ela abraça pela raiz todos os atos livres, e é uma bússola que norteia os atos humanos rumo ao fim último.
Essa mesma universalidade, em vez de ser um entrave para o desenvolvimento do gênero humano, pede que todos procurem a perfeição em
Referênciassuas atividades e realizem um progresso no conhecimento da verdade e das ciências em todos os campos.

JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes na Assembléia Geral da Academia Pontifícia para a Vida. 27/2/2002 In: AAS 94 (2002).

O imperativo da lei natural

Pe. Jorge Filipe Teixeira Lopes, EP

pensadoresA ordem moral do homem aplicada com liberdade, isenta de coações ou imposições, é o meio pelo qual o homem deve reger a sua vida pessoal. Para tal, essa liberdade deve ser orientada por uma consciência do dever. Por isso, pode-se afirmar que é pela lei moral, que provém do seu interior, que deve brotar a consciência moral de cada acto seu, a aplicação pessoal da regra objectiva na orientação dos seus actos individuais. Portanto, não há uma heteronomia entre o sujeito racional e os seus actos; uma vez que Deus imprimiu um ordo praeceptorum na mente humana, os actos humanos regulam-se admiravelmente, sem se lhe impor, pois brotam naturalmente do seu próprio interior. Há, assim, um perfeito acordo entre a lei natural e o sujeito moral, pois aquilo que obriga ao homem é por ele desejado no mais íntimo da sua natureza. A lei natural obriga àquilo que é desejado pelo homem, ela impele-o ao bem, aquilo que o fará feliz. Obedecendo ao imperativo da lei natural, o homem obedece a si mesmo e à sua razão; o dever, a obrigação constitui-se como tal, porque surge do bem humano, do seu fim último, havendo certos actos que têm uma relação necessária com ele e que lhe são indicados pela lei natural; desde a inclinação de conservar a vida, da qual decorre o preceito de a respeitar e a tudo o que permite o seu pleno desenvolvimento, à inclinação ao amor conjugal, à procriação, aos deveres referentes à geração e educação dos filhos, e assim sucessivamente[1]. Afirmava por isso João XXIII que para uma convivência humana bem constituída e eficiente, é fundamental o princípio de que cada ser humano é pessoa; isto é, natureza dotada de inteligência e vontade livre, pelo que possui em si mesmo direitos e deveres universais, invioláveis, e inalienáveis que emanam directa e simultaneamente de sua própria natureza[2]. Tal é o imperativo da lei natural.

TEIXEIRA LOPES, Jorge Filipe. Fundamentação dos direitos humanos na Lei Natural. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teologia, Filosofia y Humanidades. Licenciatura Canónica em Filosofia. Medellin, 2009. p. 66-67.
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[1] FORMENT, Op. Cit., p. 65-66.

[2] JOÂO XXIII. Carta encíclica Pacem in Terris. [Em linha]. <Disponível em: http://www. Vaticanva/holyfather/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacempohtml [Consulta: 19 Jun., 2009]

Origem nominalista do jusnaturalismo moderno

Pe. Jorge Filipe Teixeira Lopes, EPnouvelle1

Se olharmos através da história podemos ver que na iminência de grandes acontecimentos, há sempre uma preparação longínqua; nemo sumo fit repenter, diz o velho adágio. Nos albores da Revolução Francesa vemos o resultado de um pensamento que não terá nada de imediato. O jusnaturalismo de setecentos tomará inicialmente ares bastante moderados. É no seio da própria contra-reforma, na época do siglo de oro espanhol, que se pressagiarão as novas correntes através do nominalismo de Francisco Suárez[1]. Suárez será precursor de Hugo Grotius, pai do direito moderno, pois há nele, de um lado a natureza como objecto conhecido pela razão; de outro a vontade de Deus; ou seja, o que define um acto humano de acordo com a razão e a natureza, e de acordo com aquilo que a razão decifrou da natureza é a vontade de Deus[2]. Suárez afirmará que a lei natural é uma verdadeira e autêntica lei divina e o seu autor é Deus[3], o que o fará antecipar-se aos modernos, no sentido em que afirma que a natureza, por si, não engendra a lei.

De qualquer forma, Maritain vê como bastante evidente a génese da modernidade em Hugo Grotius. Primeiro, porque a qualificação moral depende exclusivamente da natureza, ou seja, da sua conformidade à natureza apreendida pela recta razão. Segundo, porque se em S. Tomás a conformidade à razão constitui a qualidade moral de um acto, para Grotius, entretanto, a razão apenas constata que um acto está ou não conforme à natureza racional do homem, tendo em si mesmo a qualidade de ser moralmente ilícito ou moralmente necessário. Começa-se então a conceber como princípio, aquilo que na realidade seria uma conclusão: que um acto é conforme à natureza segundo a concepção da razão É o passo para se constituir a razão e a natureza humana como forças reguladoras, suficientemente coerentes e consistentes para estabelecer a lei[4]. Entretanto, se a lei natural se “racionaliza” ela não perde o seu carácter de universalidade. Segundo Maritain, “a lei natural torna-se um objecto construído a priori pelos filósofos de maneira a mais arbitrária, conforme as exigências e interesses sociais e políticos dos mesmos”[5].

TEIXEIRA LOPES, Jorge Filipe. Fundamentação dos direitos humanos na Lei Natural. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teologia, Filosofia y Humanidades. Licenciatura Canónica em Filosofia. Medellin, 2009.  p. 34-37.


[1]BEUCHOT, Mauricio. La ley natural en Suarez. Em: Francisco Suárez: Tradição e Modernidade. Lisboa: Colibri, 1999. p. 282.

[2] MARITAIN, La loi naturelle ou la loi non écrite, Op. Cit., p. 111. Esse pensamento levaria, mais tarde, a proclamar que de Deus só se pode conhecer a voluntas ordinata e, consequentemente, o próprio Deus poderia ter feito tudo de forma diferente do que fez. (Cfr. Bento XVI. Fé, Razão e Universidade: Recordações e reflexões. Discurso na Universidade de Regensburg. [Em linha]. <Disponível em: http:// www.Vatic an.va/holy_f ather/benedict _xvi/speeches /200 6/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20060912_university-regensburg_po.html> [Consulta: 19 Jun., 2009]).

[3] SUAREZ, Francisco. Las leyes. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1967. p. 124. Este pensamento de recurso à vontade do legislador divino para a apreensão da lei natural e de carácter nominalista, é contrário ao que afirma S. Tomás quando diz haver na natureza uma normatividade germinal na natureza que se explicita na lei. (Cfr. BEUCHOT, Op. Cit., p. 281-282).

[4] MARITAIN, La loi naturelle ou la loi non écrite, Op. Cit., p. 112-113. Por isso Maritain afirma que é em Grotius que se inicia, ainda que de forma velada, o processo de secularização da lei natural. É a razão que opera, determinando e estabelecendo a lei, pelo que se pode dizer assim: “este acto não é somente moralmente ilícito ou necessário, mas visto que Deus é o supremo sustentador da ordem universal, um acto moralmente ilícito é garantido por Deus, um acto moralmente necessário é ordenado por ele e, assim, encontramos, como em Suárez, natureza e vontade de Deus”.

[5] Ibid., p. 114.

A Filosofia Jusnaturalista de São Tomás

tomasPe. Jorge Filipe Teixeira Lopes, EP

Tendo como fundo de quadro a concepção filosófica que antecedeu os tempos modernos, poder-se-á entender melhor o fundamento daquilo a que se poderia chamar de uma antropologia medieval, a qual tinha como premissa maior a noção bíblica do homem enquanto ser criado à imagem e semelhança de Deus. Ademais, cumpre entender que a concepção tomista de lei e direito natural não é senão a mesma que durante séculos foi sustentada pela Igreja e pelos Padres da Igreja; e que antes disso já na antiguidade os Estóicos, Cícero, e até os poetas gregos como Sófocles, defendiam a sua existência denominando-a como lei não escrita[1]. S. Tomás de Aquino teve o privilégio de condensar o pensamento e consolidá-lo nas questões da Suma Teológica que dizem respeito à lei.

1.2.1 A lei natural como decorrência da lei divina.  O doutor angélico fundamenta as suas teses sobre lei e direitos naturais pressupondo três categorias de leis: lei eterna, lei natural e lei humana. No que diz respeito à lei natural, para o aquinate ela não é senão a participação da lei eterna na criatura racional, ou seja, a lei eterna que é a ordem divina, promulgada no homem por meio da razão natural. Deus ao criar o homem e todo o universo colocou uma ordem em cada natureza, através do que cada ser age de acordo com o fim da sua natureza e, portanto qualquer homem ao nascer está sujeito à lei e deve agir conforme ela[2]. Assim se exprime também S. Agostinho quando afirma que: “A razão é que d’Ele (Deus) receberam a categoria de naturezas, e tornam-se defeituosas na medida em que se afastam da sua ideia-arquétipo, pela qual foram produzidas”[3]. Segundo Étienne Gilson, no pensamento medieval a ideia de lei natural está subjacente à razão divina e à lei eterna, pois esta se confunde com a vontade ou a razão de Deus. O princípio analógico de que a lei natural está para a lei eterna assim como o ser está para o Ser, vale indistintamente para toda a ordem de criaturas. Deus “[…]“concriou” a lei natural aos seres que ele chamava à existência e como o facto de existirem se dá por uma participação analógica com o ser divino, assim também analogicamente participam da Sua lei eterna, pois a regra da sua actividade está inscrita na própria essência e estrutura do seu ser”[4]. Esse é um ponto sobre o qual todos os Padres da Igreja e todos os filósofos estão de acordo, aparte os detalhes técnicos do problema.

1.2.2. Natureza, razão e lei natural.  Maritain começa por salientar que para se ter uma noção clara dos pontos de divergência entre a concepção de lei natural tomista e as modernas, é necessário analisar três pontos: quais são, para S. Tomás, as noções de natureza, de razão e de lei natural, em contraposição às concepções modernas[5].

Para o doutor angélico, a palavra natureza designa a essência humana, o que quer dizer que não se refere somente à percepção sensorial, num sentido empírico da observação, mas a uma certa essência inteligível destacada da experiência. A natureza humana tem uma capacidade própria da sua natureza de conhecer o mundo que a rodeia, transcendendo-o, entretanto, pela sua inteligibilidade e abstracção. Por outro lado, as exigências da natureza têm uma força de lei em razão da lei eterna, pois é a razão divina a única criadora da lei natural e reguladora dessa lei na razão humana, donde se poder compreender o carácter sagrado dessa mesma lei.

Como segundo ponto, para S. Tomás a razão é uma razão exclusivamente humana; o homem é um animal racional, um indivíduo sem nenhuma mescla de uma razão abstracta superior. Assim, e sob esse aspecto, os preceitos da lei natural, ao contrário dos vários modos da razão humana de conceituar ou racionalizar – dedução, demonstração ou silogismo – são lhe conhecidos através de uma inclinação ou conaturalidade. E por lhe serem assim conhecidos, a razão humana não intervém na sua idealização, pois ela, a lei natural, tem por sua única razão de existência a razão divina[6].

Como terceiro ponto, podemos notar que quando consideramos a lei natural do ponto de vista gnoseológico[7]- diferentemente do sentido ontológico ou do que a lei natural é e contém – parece fundamental que ela seja conhecida por inclinação, o que significa a bem dizer que ela pode ser conhecida e por consequência pode ser uma medida efectiva da razão prática humana. Ela, apesar de não ser escrita pelos homens, é-lhes conhecida em diferentes graus, e é da sua recusa que se originam os erros que por vezes se dão entre os homens. O princípio básico, evidente em si, e infalivelmente comum a todos os homens e que é intelectualmente percebido em virtude dos conceitos em jogo, é a noção de que é preciso fazer o bem e evitar o mal. É este o primeiro princípio da lei natural conhecido por todos os homens[8].

1.2.3. O conhecimento por conaturalidade.  A lei natural é o conjunto de coisas que o homem sabe que deve ou não fazer e que defluem necessariamente deste princípio, o qual não se regula teoricamente como um teorema de geometria. Quando S. Tomás diz que a razão humana descobre os regulamentos da lei natural sobre a conduta das inclinações da natureza humana, Maritain afirma que ele quer dizer que o modo segundo o qual a razão humana conhece a lei natural, não é o modo do conhecimento racional mas um modo próprio do conhecimento por inclinação: conhecimento por simpatia ou conaturalidade[9].

A conaturalidade é uma espécie de conhecimento, não totalmente claro como os que se obtêm por via dos conceitos ou do julgar conceptual, mas é um conhecimento não sistemático, vital, a modo de instinto, de simpatia, através do qual o intelecto forma os seus julgamentos e que, ao modo de uma melodia, produz uma vibração nas tendências profundas do sujeito, tornando-as conscientes e em concordância com as suas inclinações. Em S. Tomás, todas as coisas perante as quais o homem tem uma inclinação natural são tomadas pela razão como naturalmente boas, e é nesse naturalmente que se apoia o conhecimento por conaturalidade da lei natural[10].

A definição de conaturalidade explica o porque Maritain, ao abordar o terceiro ponto que diz respeito especificamente à lei natural, faz notar que a lei natural é essencialmente uma lei não escrita, se bem que acidentalmente os seus preceitos possam obviamente escrever-se como um código de conduta humano ou divino, como são os Mandamentos. De qualquer forma, ela não obriga mais do que um direito natural ou um código jurídico virtual[11]. Sob esse aspecto, a lei natural aplica-se no campo prático do seguinte modo: sendo o homem um animal político, a ideia de sociedade política natural tem a sua constituição na vontade que os homens têm de viver em comunidade, aliada pela razão e pela virtude. Nesse contexto, em razão das exigências da vida política, há um apelo ao ser humano para que se constitua conforme aquilo que a sua natureza lhe indica, pelo que a lei natural pode ser determinada e precisada numa lei positiva que cada circunstância social ou determinada época histórica suscitam. Fica claro que essa contingência e precisão a que é sujeita a lei natural não pode de forma alguma sujeitá-la a ponto de distorcer a razão do seu fundamento. Uma lei positiva que não lhe seja conforme nunca poderá ter o estatuto de lei[12].

TEIXEIRA LOPES, Jorge Filipe. Fundamentação dos direitos humanos na Lei Natural. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teologia, Filosofia y Humanidades. Licenciatura Canónica em Filosofia. Medellin, 2009. p. 22-27.


[1] Ibid., p. 65. Veja-se a célebre citação de Cícero acerca da lei natural: “A razão recta, conforme à natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus mandatos, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo senado; não há que encontrar para ela outro comentador nem intérprete; não é uma lei em Roma e outra em Atenas, – uma antes e outra depois, mas una, sempiterna e imutável, entre todos os povos e em todos os tempos;” (Ver CÍCERO. De Republica. Livro III. XVII).

[2] AQUINO, São Tomás. Suma Teológica. I-II. Q. 91. a.2.  São Paulo: Loyola, 2005. p. 530-532.

[3] SANTO AGOSTINHO. O livre arbítrio. Braga: Faculdade de Filosofia da UCP, 1998. p. 42.

[4] GILSON, Étienne. O espírito da filosofia medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 407-409.

[5] MARITAIN, Jacques. La loi naturelle ou loi non écrite. Fribourg: Éditions Universitaires, 1986. p. 83. O autor faz um quadro sinóptico bastante elucidativo das concepções tomista, racionalista e empirista de lei natural.

[6] Ibid., p. 83-84.

[7] Ibid., p. 20-35.  Maritain distingue os aspectos ontológicos e gnoseológicos no primeiro capítulo da sua obra. Sob o ponto de vista ontológico, o homem tem na sua natureza inteligente tudo o que pode proporcionar a sua realização enquanto ser humano e, portanto, tem fins que correspondem necessariamente à sua constituição essencial e que são os mesmos para todos. Nesse sentido, tem uma ordem, uma disposição interna que a razão deve descobrir e inclinar a vontade a agir de acordo com esses fins essenciais e necessários do ser humano. Sob o aspecto gnoseológico, pode-se conceber a lei natural não em si, mas como a medida dos actos humanos. Então, e por ser uma lei não escrita, ela vai crescendo no processo de conhecimento do homem, à medida que se desenvolve a sua consciência moral. A lei natural não é conhecida conceptualmente pela razão humana mas por uma inclinação para a qual tende a natureza humana. Como primeira regra, a natureza humana busca para si tudo o que lhe parece um bem e ao qual a natureza propende, o que denota que há uma série de regulamentos morais que antecedem a razão. Nesse sentido, é o princípio da própria lei natural sob o aspecto de que por ela o homem tem uma ideia daquilo que deve e daquilo que não deve fazer.

[8] Ibid., p. 27.

[9] Ibid., p. 28. São Tomás desenvolve bastante este tema na S. Th. II-II, Q. 45, a. 2. Para Abelardo Lobato, há um apetite natural que é manifestado na lex naturalis do homem como uma participação da lei eterna. “Tomás de Aquino colocou em relevo de muitos modos, tudo o que é conatural ao homem. A natureza compreende a totalidade, é determinada pela espécie, e tem um peso ontológico que se inclina para os bens convenientes a ela, com anterioridade aos dinamismos das potências. Na esfera do conhecer há que se admitir conhecimentos por conaturalidade e por instinto, que brotam espontaneamente do espírito do homem”. Por se tratar de um conhecimento instintivo prévio, o conhecimento por conaturalidade reveste-se de uma suma primazia na determinação dos actos humanos. Por isso, esse apetite natural tende para o bem de modo determinado e seguro. (Cfr. LOBATO, Abelardo. El hombre en cuerpo y alma. Valencia: Edicep, 1994. p. 212-213).

[10] Ibid., p. 28-30.

[11] Ibid., p. 85. Há um aspecto aparentemente difícil de compreender e que diz respeito à dificuldade em reconhecer a universalidade e, sobretudo, a cognoscibilidade da lei natural. Se ela é cognoscível por todos os homens, como se explica que o infanticídio era expediente comummente utilizado na Ásia na época da dinastia Ming, segundo os relatos de Marco Polo, assim como era também entre os Gregos e Romanos? Ou que no Egipto Antigo, a profissão de ladrão tivesse sido reconhecida pelo Estado? Ou que, em certos reinos orientais, houvesse o costume de, a determinada altura da vida do suserano, este ser cegado? Se é verdade que à lei natural carecem as objectividades normativas, pois não se pode extrair dela um regulamento específico para cada situação concreta, para S. Tomás a lei e o direito naturais são inter-dependentes da lei moral, ou seja, ela está enraizada na natureza humana, sob o aspecto moral, reflectindo tendências humanas universais. De qualquer forma, a aplicação do ponto de vista prático, será tanto mais diferente quanto diferentes forem os aspectos culturais de cada povo. É preciso em primeiro lugar distinguir duas coisas: primeiro, que há preceitos primeiros e segundos da lei natural, sendo os primeiros mais evidentes que os segundos; segundo, que há aspectos etnológicos e históricos que proporcionam uma maior ou menor capacidade de um povo seguir a lei moral natural. Sobre estes pontos ver (MARITAIN, La loi naturelle ou loi non écrite. Op. Cit., p. 7-9). De qualquer forma, é de se notar que quanto mais bárbaro um povo, mais afastado dos primeiros princípios de fazer o bem e agir de acordo com a razão – vejam-se os povos em cujos rituais alucinantes se buscava a divindade através da perda da razão, e relacione-se isso com a poligamia, sacrifícios humanos, canibalismo, etc. Num indivíduo acontece algo de semelhante no que diz respeito à perda do senso moral: qualquer criança sabe perfeitamente que a mentira é má; entretanto, na primeira mentira, as barreiras morais, psicológicas e até operacionais que a natureza tem na sua rectidão primeira, caem. Mentindo uma segunda vez, fá-lo-á mais desembaraçadamente e, no final, o problema não será vencer os obstáculos da mentira, mas sim vencer os obstáculos para não mentir. Sob esse aspecto, os povos ficam também atolados nos seus erros, à força de tanto os praticar, podendo-se entender a expressão da Escritura quando afirma que o pecador torna-se escravo do seu pecado. Os vícios de um povo toldam a límpida visão das coisas que a lei moral, naturalmente, proporciona, pelo que Maritain entende como uma concepção tomista que o conhecimento da lei natural pelo homem cresce na medida em que este progride na sua experiência moral.

[12] Ibid., p. 86.

Quando a lei se corrompe

 Pe. José Victorino de Andrade, EP

A mentalidade contemporânea ao desprezar a natureza humana e a lei revelada, nega a existência de uma verdade absoluta e relativiza a moral, insistindo numa legislação desprovida de valores eternos que gera consequências funestas para a pessoa, a família e a sociedade. No seu discurso aos membros da Comissão Teológica Internacional em 5 de Outubro de 2007, Bento XVI consciencializou os presentes sobre esta matéria de modo magistral:

Hoje, em não poucos pensadores parece predominar uma concepção positivista do direito. Segundo eles, a humanidade ou a sociedade, ou de fato a maioria dos cidadãos, torna-se a fonte derradeira da lei civil. […] Na raiz desta tendência está o relativismo ético, no qual alguns vêem uma das principais condições da democracia, porque o relativismo garantiria a tolerância e o respeito recíproco das pessoas. Mas se fosse assim, a maioria de um momento tornar-se-ia a última fonte do direito. A história demonstra com grande clareza que as maiorias podem errar. […] Quando estão em jogo as exigências fundamentais da dignidade da pessoa humana, da sua vida, da instituição familiar, da equidade do ordenamento social, isto é, os direitos fundamentais do homem, nenhuma lei feita pelos homens pode subverter a norma escrita pelo Criador no coração humano, sem que a própria sociedade seja dramaticamente golpeada naquilo que constitui a sua base irrenunciável.[1]

Importa-nos dissertar sobre alguns aspectos dos elementos que validam a lei, os quais são enumerados por São Tomás de Aquino ao citar Santo Isidoro. [2] Assim sendo, é requisito necessário que a lei positiva humana seja honesta, justa e possível:

1. Deve ser honesta, isto é, não pode ser contrária a outra lei superior, natural ou positiva;

2. Deve ser justa em relação ao fim, que deve ser o bem da comunidade; em relação ao autor, que deve ser o superior legítimo e em relação à forma, de modo que a divisão dos deveres seja proporcionada às condições de cada um;

3. Deve ser possível na medida em que não pode ser demasiadamente difícil ou gravosa.

Sem estes elementos pode redundar ao homem a impossibilidade ou a não obrigatoriedade do cumprimento da lei e a sua objeção de consciência quando agride a moral, ou mesmo os sãos valores da ética. A discriminação em relação às minorias ou a todo um povo, a agressão de valores exponenciais como a vida, a perseguição à Fé e à Religião, constituem uma grave transgressão das competências legais de um Estado e da instância legisladora humana. Infelizmente, a História está coalhada de exemplos de Estados que extravasaram suas competências invadindo um campo que não lhes pertence e entrando em conflito com a lei emanada pelo próprio Deus, e de regimes que nos trazem à memória um profundo desrespeito pela liberdade e dignidade humana.

O Papa João Paulo II, na sua Evangelium Vitæ, relembrava a atualidade da encíclica Pacem in Terris de João XXIII, ao citá-la abundantemente e elucidar a respeito da validade das leis:

Se a autoridade não reconhecer os direitos da pessoa, ou os violar, não só perde ela a sua razão de ser como também as suas disposições estão privadas de qualquer valor jurídico. […] A autoridade é exigência da ordem moral e promana de Deus. Por isso, se os governantes legislarem ou prescreverem algo contra essa ordem e, portanto, contra a vontade de Deus, essas leis e essas prescrições não podem obrigar a consciência dos cidadãos. Neste caso, a própria autoridade deixa de existir, degenerando em abuso do poder. O mesmo ensinamento aparece claramente em São Tomás de Aquino, que escreve: ‘A lei humana tem valor de lei enquanto está de acordo com a reta razão, derivando, portanto, da lei eterna. Se, porém, contradiz a razão, chama-se lei iníqua e, como tal, não tem valor, mas é um ato de violência’. E ainda: ‘Toda a lei constituída pelos homens tem força de lei só na medida em que deriva da lei natural. Se, ao contrário, em alguma coisa está em contraste com a lei natural, então não é lei, mas sim corrupção da lei’ (n. 71-72).[3]

É preciso ter em conta que a lei eterna e natural é anterior a qualquer lei positiva criada pelo homem e pela sua inviolabilidade, universalidade e imutabilidade necessitam reconhecimento e respeito. Os próprios direitos humanos perdem o seu sentido mais profundo se se ignora que eles pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa por força do ato criador do qual ela se origina.[4]


[1] Presso non pochi pensatori sembra oggi dominare una concezione positivista del diritto. Secondo costoro, l’umanità, o la società, o di fatto la maggioranza dei cittadini, diventa la fonte ultima della legge civile. […] Alla radice di questa tendenza vi è il relativismo etico, in cui alcuni vedono addirittura una delle condizioni principali della democrazia, perché il relativismo garantirebbe la tolleranza e il rispetto reciproco delle persone. Ma se fosse così, la maggioranza di un momento diventerebbe l’ultima fonte del diritto. La storia dimostra con grande chiarezza che le maggioranze possono sbagliare. […] Quando sono in gioco le esigenze fondamentali della dignità della persona umana, della sua vita, dell’istituzione familiare, dell’equità dell’ordinamento sociale, cioè i diritti fondamentali dell’uomo, nessuna legge fatta dagli uomini può sovvertire la norma scritta dal Creatore nel cuore dell’uomo, senza che la società stessa venga drammaticamente colpita in ciò che costituisce la sua base irrinunciabile”. (Insegnamenti, III, 2 (2007). p. 420-421. Tradução minha).

[2] Cf. S. Th. I-II, q. 6 a. 3.

[3] In: AAS 87 (1995) 5.

[4]Cf. BENEDETTO XVI. Ai membri della Commissione Teologica Internazionale, Giovedì 1º dicembre. In: Insegnamenti, I (2005). p. 914.

Imutabilidade intrínseca e extrínseca da Lei Natural

reloPe. Leopoldo Werner, EP

Imutabilidade intrínseca

A lei natural, em si mesma, é imutável, pois seus primeiros princípios são inerentes à consciência humana e não desaparecem por meio das vicissitudes da História, como ensina o Catecismo da Igreja Católica:

A lei natural é imutável e permanente através das variações da história; ela subsiste sob o fluxo das ideias e dos costumes e constitui a base para seu progresso. As regras que a exprimem permanecem substancialmente válidas. Mesmo que alguém negue até os seus princípios, não é possível destruí-la nem arrancá-la do coração do homem. Sempre torna a ressurgir na vida dos indivíduos e das sociedades (CEC, 2001: 518).

Dito com outras palavras, em todos os lugares e em todas as épocas o homem será impelido pela sua consciência a fazer o bem e evitar o mal, isto é, a respeitar a vida do próximo, sua liberdade, não mentir nem difamar, etc. Pois todas estas obrigações, como veremos mais adiante, emanam da lei natural.

No caso da lei positiva isto não acontece, pois um mesmo ato pode ser legal para um povo e ilegal para outro. Ponhamos um exemplo extraído das leis de trânsito: para um motorista inglês, circular pelo lado esquerdo da calçada é o modo correto de fazê-lo. Se alguém o imitasse no nosso País, incorreria em flagrante ilegalidade, além de se expor a um grave acidente.

Imutabilidade extrínseca

Como ao homem não é dado renunciar à sua condição de criatura humana, e como a lei natural está inserida dentro de seu coração, não é lícito abrogá-la, nem mesmo transgredi-la sem ferir os fundamentos da sua própria dignidade, e não pode dispensá-la, pois constitui um patrimônio inalienável, já que com ela permanece, desde a concepção até a sua morte natural. Esta é uma lei da sua natureza, da sua dignidade, e da sua superioridade como ente racional dotado de liberdade para aperfeiçoar seu ser em direção ao fim absoluto, que é o próprio Deus, Criador de todas as coisas.

A lei natural é imutável e permanente através das variações da história. Subsiste sob o fluxo das ideias e dos costumes e está na base do respectivo progresso. As regras que a traduzem permanecem substancialmente válidas. Mesmo que se lhe neguem até os princípios, não é possível destruí-la nem tirá-la do coração do homem (CEC 2001: 1958).

Convém, entretanto, fazer-se uma importante precisão sobre a imutabilidade extrínseca da lei natural tomando por base a doutrina de São Tomás. Ensina o Doutor Angélico que ela não pode mudar “a modo de subtração, a saber, de modo que deixe de ser lei natural algo que antes fora segundo a lei natural” (AQUINO: 2005, Vol. IV: 569). Mas nada proíbe que mude por algo que se lhe acrescente, como de fato tem acontecido ao longo da História.

A ruptura da lei perante Deus

Diác. José de Andrade, EPluz

A inobservância da lei Divina e natural acarreta em si uma forma de penalidade munida de contornos próprios. Desta forma, a perturbação e o não cumprimento das prescrições definidas poderão conduzir ao pecado,1 que consiste precisamente numa transgressão à Lei de Deus, embora coincida com a violação da lei natural. Uma vez que Deus ordena desde toda a eternidade o que é conveniente e proporcionado à natureza racional,2 consistiria numa ruptura com esta ordem e, portanto, com Deus, se o homem viesse a recusar e menosprezar a lei natural enquanto participação da criatura racional na lei eterna. Consequentemente, romper com a Lei pode trazer uma sanção na vida futura, que consiste na perda eterna da felicidade.

De acordo com São Tomás de Aquino, Deus ama os homens chamando-os à visão de Deus, que supera o comum estado da natureza, outorgando-lhes não só a graça nesta terra, como a glória no Céu. Porém, aqueles que pecam fazendo mau uso de sua liberdade, e de seu livre arbítrio, perdem nesse mesmo instante a graça, e o Supremo Juiz reprova-os imputando-lhes a devida culpa que é causa de uma pena eterna, aplicada na vida futura.3 Verifica-se então uma dupla decorrência relativa à transgressão: em sua peregrinação terrena o pecador perde a posse de Deus – antecipação da felicidade eterna – consequência que se assemelha, de certo modo, a um prelúdio daquela mesma reprovação eterna que se dá após o juízo.

Entretanto, também o não cumprimento das leis humanas, quando providas das condições que as legitimam e validam, obrigam em consciência diante de Deus e a sua transgressão poderá constituir um verdadeiro pecado,4 cuja gravidade dependeria, sobretudo, do grau de rompimento com a lei divina a ela adjacente.

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1 Ver, por exemplo, um estudo relativamente recente de FUCEK, Ivan. Il Peccato Oggi. Roma: Università Gregoriana, 1996. Em geral no capítulo VI, La natura del peccato e dei peccati; em particular nas páginas 169 e 175.

2 Cf. ROYO MARÍN, Antonio. Teologia moral para seglares. 2. ed. Madrid: BAC, 2007. Vol. I. p. 129.

3 Cf. S. Th. q. 23, a. 3; 7.

4 ROYO MARÍN, Antonio. Op. Cit. p. 140.

Princípios da lei natural

Pe. Leopoldo Werner, EPtomas-de-aquino

1 Primeiro princípio da lei natural: “Fazer o bem e evitar o mal”

Como vimos, este princípio governa, enquanto primeiro princípio, toda a vida moral; e pode ser formulado de maneira simples, de fácil compreensão: é necessário fazer o bem e evitar o mal. Assim argumenta São Tomás:

Assim como o ente é o primeiro que decai na apreensão de modo absoluto, assim o bem é o primeiro que cai na apreensão da razão prática, que se ordena à obra: todo agente, com efeito, age por causa de um fim, que tem a razão de bem. E assim o primeiro princípio na razão prática é o que se funda sobre a razão de bem que é “Bem é aquilo que todas as coisas desejam”. Este é, pois, o primeiro princípio da lei, que o bem deve ser feito e procurado, e o mal, evitado. E sobre isso se fundam todos os outros preceitos da lei da natureza, como, por exemplo, todas aquelas coisas que devem ser feitas ou evitadas pertencem aos preceitos da lei de natureza, que a razão prática naturalmente aprende serem bens humanos (AQUINO, 2005, Vol. IV: 562).

E continua o Doutor Angélico:

Donde, ao dizer Graciano que ‘o direito natural é o que se contém na Lei e no Evangelho’, imediatamente acrescentou: ‘pelo qual cada um é ordenado a fazer aos outros o que quer que seja feito a ele’ (AQUINO, 2005, Vol. IV: 568).

2 Outros princípios da lei natural

São basicamente quatro os princípios que informam a lei natural, a saber: conservação da existência; a reprodução; o conhecimento da verdade e necessidade da vida em sociedade. A partir desses princípios, um conjunto de normas deles deflui, deve ser codificado pelas leis positivas, sem contrariar a lei natural.

Assim, vemos que a lei Moral Natural contempla os seguintes princípios: a existência da família como sociedade natural, o direito à constituição de família pelo indivíduo, o respeito aos pais e aos mais velhos, o respeito ao próximo e a seus direitos; a existência do Estado, que é a mais perfeita das instituições naturais. O Estado tem a obrigação de zelar pela paz, promover a justiça, a moral e o bem comum; o direito à vida de pessoa humana; o direito à propriedade; o direito de professar fé religiosa. Tem também a função de defender e proteger seus cidadãos das agressões e violações de direitos individuais e coletivos; deve zelar para que as autoridades civis sejam respeitadas, haja ordem na sociedade e reine a paz.

Lei natural: um fundamento perene e universal

tomas-de-aquinoPe. Jorge Filipe Teixeira Lopes, EP

Ensina São Tomás de que a lei natural é a noção que o homem tem de praticar o bem e evitar o mal.1 Na ordem prática, estes dois princípios evidentes em si mesmos e universais, constituem a base de todos os juízos morais.2 São estes princípios reguladores descobertos pela razão à medida em que nela vai progredindo a consciência moral.

Essa noção de existência de uma lei natural inata no homem é herdada de uma tradição muito antiga. Muito antes de São Tomás, os Padres da Igreja e, antes deles, na antiguidade, os estóicos, Cícero, e até os poetas gregos como Sófocles, defendiam a sua existência, denominando-a como lei não escrita. Foi, contudo, o Doutor Angélico quem melhor soube fundamentar as teses sobre lei e direitos naturais, pressupondo três categorias de leis: lei eterna, lei natural e lei humana. No que diz respeito à lei natural, para o Aquinate ela não é senão a participação da criatura racional na lei eterna, ou seja, a lei eterna, que é a própria razão divina e o fundamento moral de toda a lei (Cf. S. Th. q. 93. a.6), está como que decalcada na razão humana. Deus ao criar o homem e todo o universo colocou uma ordem em cada natureza, através da qual cada ser age de acordo com o fim da sua natureza. Qualquer homem ao nascer está sujeito à lei e deve agir conforme ela.3

São Tomás segue a tradição de todos os Padres da Igreja. Já no século V, Santo Agostinho sublinhara a existência de várias naturezas, cada qual com leis próprias, às quais se submetem os seres criados: “A razão é que d’Ele (Deus) receberam a categoria de naturezas, e tornam-se defeituosas na medida em que se afastam da sua ideia-arquétipo, pela qual foram produzidas”.4

Segundo Étienne Gilson, no pensamento medieval a ideia de lei natural está subjacente à razão divina e à lei eterna, pois esta se confunde com a vontade ou a razão de Deus. O princípio analógico de que a lei natural está para a lei eterna assim como o ser está para o Ser, vale indistintamente para toda a ordem de criaturas. Deus

[…] concriou a lei natural aos seres que ele chamava à existência e como o facto de existirem se dá por uma participação analógica com o ser divino, assim também analogicamente participam da Sua lei eterna, pois a regra da sua actividade está inscrita na própria essência e estrutura do seu ser .5

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1 Cf. AQUINO. S. Th. I-II. q. 91. a. 2. “[…] quasi lumen rationis naturalis, quo discernimus quid sit bonum et malum, quod pertinet ad naturalem legem, nihil aliud sit quam impressio divini luminis in nobis”.

2 Cf. AQUINO. S. Th. I-II. q. 94. a. 4. “Sic igitur patet quod, quantum ad communia principia rationis sive speculative sive praticae, est eadem veritas seu rectitudo apud omnes, et aequaliter nota. […] Sic igitur dicendum est quod lex naturae, quantum ad prima principia communia, est eadem apud omnes et secundum rectitudinem, et secundum notitiam”.

3 Cf. AQUINO. S. Th. I-II. q. 91. a. 2. “Unde cum omnia quae divinae providentiae subduntur, a rege aeterna regulentur et mensurentur […]. Inter cetera autem rationalis creatura excellentiori quodam modo divinae providentiae subiacet […]. Unde et in ipsa participatur ratio aeterna, per quam habet naturalem inclinationem ad debitum actum et finem”.

4 AGOSTINHO. O livre arbítrio. Braga: Faculdade de Filosofia da UCP, 1998. p. 42.

5 GILSON, Étienne. O espírito da filosofia medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 407-409.