A dignidade da vida humana e a família neste início de Séc. XXI

Pe. Jorge Filipe Teixeira Lopes, EPParis nocturna

A nossa época da pós-modernidade chegou ao auge de uma grande crise humanista, sendo que o ponto-chave de toda esta problemática está em que, parafraseando Touraine, a ordem social deixou de se basear no princípio do bem e do mal como derivações de uma ordem divina ou natural. Por outras palavras, é fácil aperceber-se que houve uma ruptura filosófica com a sabedoria escolástica, particularmente de S. Tomás de Aquino, por onde, em termos de jusnaturalismo, se originou uma filosofia dos direitos humanos que não dá vazão a uma defesa fundamental desses mesmos direitos.

Entre os vários paradigmas da pós-modernidade está este: o relativismo ético, fruto da profunda crise moral do homem contemporâneo que instrumentaliza a pessoa humana, desconsiderando a sua objectiva dignidade. Por essa razão, a reflexão antropológica não pode partir de um ponto qualquer. É prioritário reconhecer a existência de uma lei sinderética, concorde com a consciência racional humana, uma lei natural que assinala a bondade ou maldade dos actos humanos, a qual tem um fundamento objectivo e converte-se numa referência segura para a vida pessoal e social humana. É com base nessa lei, e da noção de uma certa ordem essencial imbricada na natureza humana, tomada como princípio geral na abordagem dos mais variados temas morais e éticos, que se pode ter uma maior precisão e ajuste nas condutas humanas em busca de uma “verdade prática”.

Retomando a expressão de S. Paulo a letra mata mas o espírito vivifica, pode-se indagar sobre a razão pela qual se está a encadear cada vez mais a humanidade em legalismos jurídicos, em “letras” formais. Eles são o rastro evidente da crise insolúvel pela qual passa a actualidade. Entretanto, a resposta parece simples: porque se subtraiu a ideia de um Espírito imutável e eterno o qual inscreveu na natureza racional humana uma lei, por uma natureza escrita e regida por mãos humanas, pela razão. O objectivo é claro: alcançar a paz e a ordem mundiais. Entretanto, a sua esterilidade em termos práticos coloca em dúvida a liceidade dessas “letras”.

Toda a temática dos direitos humanos engloba uma infinitude de temas controversos. Exigem uma particular atenção a dignidade da vida humana face aos avanços e imposições da tecnociência – particularmente estudada pela Bioética – e a família, célula básica da sociedade. Se neste início de século XXI a dignidade humana está em perigo, isso deve-se à ausência de uma visão objectiva e esclarecida sobre o que realmente é a natureza do homem e quais as suas exigências, para efeitos de um autêntico progresso.

A essência de nossa vida cristã

Mons. João S. Clá Dias, EPDom Miguel de Mañara fundador Santa Caridad Sevilla

Em nosso egoísmo, somos levados a nos considerar o centro de nossas atenções e preocupações, mas a essência de nossa vida cristã é social: “Amai-vos, uns aos outros” (Jo 13, 34; 15, 12; 15, 17); ou: “Quem ama ao próximo, cumpriu a lei” (Rom, 13, 8). Jesus pesa nossos atos em função de nossa misericórdia com o próximo, ou seja, Ele usa, para nos julgar, de um critério social.

Deus distribui seus bens de forma desigual aos homens, para que uns possam dispensar e outros receber. Isso se passa não só no campo material como também, e sobretudo, no campo cultural e espiritual. Pela misericórdia e justiça unidas, seremos nós julgados diante de todos os anjos e homens.

Preparemo-nos, pois, neste Advento, para receber Jesus que vem na plenitude de sua misericórdia, e roguemos Àquela que O traz a este mundo sua poderosa intercessão para o nosso segundo encontro com Ele, quando vier de improviso, na plenitude de sua justiça.

Arautos do Evangelho, n. 47

O sublime reflexo de Deus nas criaturas: a beleza

Ilha dos Frades 083Diác. Felipe Ramos, EP

Vemos que no mundo sensível é fato evidente a graduação das perfeições transcendentais numa maravilhosa hierarquia. É fácil compreender que todas as coisas são ontologicamente boas secundum magis et minus. A apreensão dos graus se torna ainda mais evidente quando se considera o pulchrum, escada segura de contemplação hierárquica das coisas, com a qual atinge, em seu vértice, a sua Suma Perfeição.

Tal Perfeição, absolutamente desproporcional ao homem, nos é revelada por meio desse sublime reflexo de Deus nas criaturas: a beleza.

Ao analisar a Criação e sua multifacetada variedade podemos nos perguntar por que Deus quis criar tal imensidade de seres. Pois sendo Ele infinitamente perfeito, bastaria-se a Si mesmo, sem a absoluta necessidade de criá-los. Porém, na Sua infinita bondade e misericórdia, assim o desejou.

Ora, Seu intuito, ao criar quantidade insondável de seres, foi para que estes não somente refletissem Sua perfeição infinita, mas também a reproduzisse em seus mais variados graus. Deste modo se explica o caráter hierárquico que Deus imprimiu ao Universo.

Contudo, não poderia Deus originar uma única criatura que por si só refletisse todas as suas perfeições tão bem como o conjunto dos seres criados? Parece que isso seria metafisicamente impossível. Pois Deus criou um Universo composto de muitas criaturas para que elas, de um lado pela sua pluralidade, de outro pela sua hierarquização, espelhassem convenientemente a Sua beleza e perfeição divina. Pois assim como um acorde sonoro é belo pela formação de uma unidade harmoniosa numa “terça”, mais belo ainda quando acrescentamos apenas uma nota num acorde de “quinta”, constituindo o que se chama “consonância perfeita”. Analogamente, a ordem da criação é ainda mais bela por sua rica pluralidade, quando coesa na unidade. Portanto, o homem, ao contemplar o mundo ao seu redor pode — aliando-se com a quarta via, ou seja, a partir da observação da gradualidade dos seres criados — inferir nestes, os esplêndidos reflexos da divina Pulchritudo.

Deste modo, o espírito hierárquico dos diversos graus aliados à ordem, às desigualdades harmônicas, ao pulchrum, em suma, leva-nos de proche en proche até a demonstração da existência de Deus, à Sua consideração e, por fim, à contemplação de Sua Suma Perfeição, causa de todas as perfeições.