O homem deve ter razões para viver e para morrer, e não será a ciência a dá-lo a ele

Florença - Galileu GalileiPe. François Bandet, EP

“O homem deve ter razões para viver e para morrer, e não será a ciência a dá-lo a ele”, afirmou o prêmio Nobel para a Medicina, François Jacob. 1

A missão da Igreja é oferecer um compromisso ético aos modernos cientistas para o bem da humanidade. É uma questão de dignidade e respeito para a existência humana.

A cristandade — e especialmente a Fé católica — é a religião que dá o verdadeiro significado ao mundo material porque é a religião que é baseada na criação e na encarnação, na qual o mundo é entendido como fruto de um Deus inteligente e pessoal. “Aquele que conservar a vida para si há de perdê-la; aquele que perder a sua vida por causa de mim há de salvá-la” (Mt 10, 39). Perder a vida na procura de Deus significa o abandono à Verdade. A Revelação cristã, embora sobrenatural, não paralisa o crente, mas o encoraja à procura pela Verdade, pelo uso da razão iluminada pela Fé. A missão da teologia é manter o espaço do transcendente aberto num mundo cada vez mais pragmático e materialista. A pior coisa que poderia acontecer seria o cientificismo poder fechar a possibilidade do transcendente e a redução da realidade ao que apenas pode ser mensurado e observado.

A teologia deve promover o diálogo com a ciência a fim de não perder o seu lugar na conquista pelo entendimento. A revolução científica é insuficiente para mostrar o significado da vida e incutir uma esperança concreta. Após o escurecer da consciência, o homem necessita entender o seu lugar na criação para não cair em desespero. A teologia e a Fé podem providenciar uma realista e razoável explicação para o lugar do homem na terra. Porque há uma realidade na vida do homem que não é sujeito a ser mesurado ou verificado: o mundo das ideias, afeições, amizade e amor.

Muitos anos atrás, Santo Anselmo (†1109) descreveu a pesquisa teológica como fides quaerens intellectum,2 a Fé procurando entender. Acreditando em Deus, nós aprofundamos o nosso correto entendimento da realidade tal como nos é apresentada. A experiência é realidade, e ambas, Fé e ciência, podem trabalhar juntas para melhorar o entendimento, mas apenas se souberem respeitar-se mutuamente.

Traduzido do original em inglês por José Victorino de Andrade  com autorização e revisão do autor.

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1 Cf. Apud B. Matteucci, Scienza, Fede e Ideologie, in Scienza e Fede, 1983, n. 9. 39.

2 St. Anselm of Canterbury, Proslogion, Prooemium, in ALAMEDA,  J., ed., Obras completas de San Anselmo. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1952. 82.

A dignidade da vida humana e a família neste início de Séc. XXI

Pe. Jorge Filipe Teixeira Lopes, EPParis nocturna

A nossa época da pós-modernidade chegou ao auge de uma grande crise humanista, sendo que o ponto-chave de toda esta problemática está em que, parafraseando Touraine, a ordem social deixou de se basear no princípio do bem e do mal como derivações de uma ordem divina ou natural. Por outras palavras, é fácil aperceber-se que houve uma ruptura filosófica com a sabedoria escolástica, particularmente de S. Tomás de Aquino, por onde, em termos de jusnaturalismo, se originou uma filosofia dos direitos humanos que não dá vazão a uma defesa fundamental desses mesmos direitos.

Entre os vários paradigmas da pós-modernidade está este: o relativismo ético, fruto da profunda crise moral do homem contemporâneo que instrumentaliza a pessoa humana, desconsiderando a sua objectiva dignidade. Por essa razão, a reflexão antropológica não pode partir de um ponto qualquer. É prioritário reconhecer a existência de uma lei sinderética, concorde com a consciência racional humana, uma lei natural que assinala a bondade ou maldade dos actos humanos, a qual tem um fundamento objectivo e converte-se numa referência segura para a vida pessoal e social humana. É com base nessa lei, e da noção de uma certa ordem essencial imbricada na natureza humana, tomada como princípio geral na abordagem dos mais variados temas morais e éticos, que se pode ter uma maior precisão e ajuste nas condutas humanas em busca de uma “verdade prática”.

Retomando a expressão de S. Paulo a letra mata mas o espírito vivifica, pode-se indagar sobre a razão pela qual se está a encadear cada vez mais a humanidade em legalismos jurídicos, em “letras” formais. Eles são o rastro evidente da crise insolúvel pela qual passa a actualidade. Entretanto, a resposta parece simples: porque se subtraiu a ideia de um Espírito imutável e eterno o qual inscreveu na natureza racional humana uma lei, por uma natureza escrita e regida por mãos humanas, pela razão. O objectivo é claro: alcançar a paz e a ordem mundiais. Entretanto, a sua esterilidade em termos práticos coloca em dúvida a liceidade dessas “letras”.

Toda a temática dos direitos humanos engloba uma infinitude de temas controversos. Exigem uma particular atenção a dignidade da vida humana face aos avanços e imposições da tecnociência – particularmente estudada pela Bioética – e a família, célula básica da sociedade. Se neste início de século XXI a dignidade humana está em perigo, isso deve-se à ausência de uma visão objectiva e esclarecida sobre o que realmente é a natureza do homem e quais as suas exigências, para efeitos de um autêntico progresso.