Sem a dimensão jurídica, não seria compreensível a Igreja tal como foi fundada por Cristo

Pe. José Manuel de Andrade, EP

Há uma tendência de querer ver na Igreja apenas um lado carismático, pretendendo dispensá-la do aspecto jurídico, sendo que este não é desprovido de um significado e uma missão. Ele existe para que, havendo uma sociedade eclesial de instituição definida, se crie de forma acabada e com os devidos contornos, em seu tempo e em seu lugar, uma ordem baseada nos valores evangélicos e participa do fim a que se propõe a Igreja: a salvação das almas.

São Paulo ensina que a justificação não se realiza pelas obras da lei, mas por meio da fé (cf. Rm 3, 28; cf. Gl 2, 16), porém, não exclui a obrigatoriedade do Decálogo (cf. Rm 13, 8-10; cf. Gl 5, 13-25; 6, 2), nem nega a importância da disciplina na Igreja de Deus (cf. 1 Cor 5-6). Já o primeiro Concílio, de Jerusalém, presidido por Pedro, compreendia uma parte dogmática e moral e outra disciplinar.[1]

Assim sendo, a necessidade do direito na Igreja não deve traduzir-se por uma simples conveniência, por muito intensa que seja. Esta dimensão jurídica é fundamental, porque sem ela não é compreensível a Igreja tal como foi fundada por Cristo.[2] Conforme João Paulo II:

“Como principal documento legislativo da Igreja, baseado na herança jurídico-legislativa da Revelação e da Tradição, o Código deve ser considerado instrumento indispensável para assegurar a devida ordem tanto na vida individual e social como na própria atividade da Igreja. Por isso, além dos elementos fundamentais da estrutura hierárquica e orgânica da Igreja, estabelecidos por seu Divino Fundador ou fundamentados na tradição apostólica ou em tradições antiquíssimas, e além das principais normas referentes ao exercício do tríplice múnus confiado à Igreja, é necessário que o Código defina também certas regras e normas de ação”.[3]

Assim sendo, o Direito dentro do Povo de Deus não é só uma ordenação de condutas, mas também uma estrutura da sociedade; ele ordena e organiza o grupo social criando vínculos, estabelecendo situações jurídicas, delimitando âmbitos de competência e autonomia, outorgando poderes e direitos, etc.[4] Conforme afirmava Paulo VI: “A vida da Igreja não pode existir sem um ordenamento jurídico”.[5]


[1] Cf. BÍBLIA SAGRADA (anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra) Braga: Edições Theologica, 1990. Vol. II. p. 257.

[2] Ver Mt 16, 19 e Jo 21, 17.

[3] JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica Sacrae Disciplinae Leges. In: Communicationes, XV (1983).

[4] Cf. INSTITUTO MARTÍN DE AZPILCUETA. Comentário Exegético al Código de Derecho Canónico. 3. ed. Pamplona: EUNSA, 2002. Vol. I.  p. 40-41.

[5] “Vita ecclesialis sine ordinatione iuridica nequit exsistere”. (Apud Herranz, J. Il Dirito Canonico, Perché? Lezione all’Università Cattolica di Milano. 29 aprile 2002 tradução minha).

O lugar do batismo conforme o Código de Direito Canônico

batizadoPe. Antônio Carlos Coluço, EP

Não há alterações no vigente CIC no que tange ao lugar habitual do batismo. Isto é, a igreja – paroquial ou não – com pia batismal. Porém, em caso de necessidade, sempre foi permitido o ato do batismo em qualquer lugar (c. 773 no CIC’17; c. 857, c. 687 § 1 no CIC’83). Contudo há variações de certos detalhes, seja no CIC’83, em relação ao CIC’17, como no CCEO, em paralelo com a normativa latina. Analisar-se-á, em primeiro lugar, as diferenças entre o CIC’83 e o CIC’17.

Um aspecto a destacar está relacionado com a mudança operada nos conceitos das diversas categorias de templos [hoje reduzidas no CIC a “igreja” (ecclesiae) – c. 1214; “oratório” (oratorii) – c. 1223; e “capela privada” (sacelli privati) – c. 1226], fato que leva à reconsideração dos lugares onde há pia batismal.

Conserva-se, porém, a normativa (c. 858 § 1): “toda igreja paroquial tenha sua pia baptismal”, (quaevis ecclesia paroecialis baptismalem fontem habeat) (cf. c. 774 § 1, no CIC’17).

Permanece sob a autoridade do Ordinário do lugar a capacidade de autorizar, ou mandar, que sejam colocadas pias batismais em outras igrejas (c. 858 § 2, no CIC’83; cf. c. 774 § 2, no CIC’17).

É mantida a normativa de que, “por causa da distância”, “propter locorum distantiam”, ou outra causa que provoque grave incômodo, o batismo possa ser administrado em qualquer igreja ou oratório. Porém, acrescenta a legislação atual: “ou mesmo em outro lugar conveniente” (aut etiam alio in loco decenti) (c. 859 § 2; cf. c. 775, no CIC’17).

A legislação atual relativa às casas particulares é diferente, tanto no rito latino como no oriental; e ainda diverso do antigo CIC. Com efeito, neste (CIC’17) proibia: “in domibus privatis… administrari non debet”, exceto para os filhos ou herdeiros do trono; ou para os casos em que o Ordinário do lugar “pro suo prudenti arbitrio et conscientia, iusta ac rationabili de causa, in casu aliquo extraordinario”. Assim, vemos que era concedida uma liberdade muito estreita ao Ordinário para autorizar tais sacramentos em casas particulares. E ainda o mesmo CIC’17, no c. 776 § 2, acrescentava que o rito deveria ser realizado “in sacello domus aut saltem in alio decenti loco” – no oratório da casa (supõe-se devidamente autorizado) ou em outro lugar digno.

A normativa atual apenas autoriza “salvo permissão do Ordinário local, por justa causa” (c. 860 § 1) “nisi loci Ordinarius gravi de causa id permiserit”. Assim, a liberdade do Ordinário é estendida.

Pelo contrário, o § 2 do mesmo c. 860 introduz uma interdição inexistente no CIC’17:

não se celebre o batismo em hospitais (In valetudinariis (…) baptismus ne celebretur): Exceto em caso de necessidade ou por outra razão pastoral que o imponha (nisi in casu necessitatis vel alia ratione pastorali cogente); [ou] salvo determinação contrária do Bispo diocesano” (nisi aliter Episcopus dioecesanus statuerit).

Portanto, se por um lado concedem-se certas licenças, por outro se impedem certos lugares para a realização do ato batismal.

As associações privadas de fiéis

Mons. João S. Clá Dias, EP

O Código atual traz a auspiciosa novidade das associações privadas de fiéis. Os cânones 298 a 329 tratam das associações de fiéis, dividindo os textos legislativos em quatro capítulos. No primeiro, expõe as “normas comuns” (cân. 298-311); no segundo, prescreve normas sobre associações públicas de fiéis (cân. 312-320); o terceiro (cân. 321-326) trata das associações privadas de fiéis; por fim, no quarto (cân. 327-329), introduz algumas “normas especiais para as associações de leigos”.

As associações de fiéis — sejam elas integradas por clérigos e leigos, ou só por clérigos, ou só por leigos — são distintas dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica. Sua finalidade é, mediante o esforço em conjunto de seus membros, fomentar uma vida mais perfeita, promover o culto público, ensinar a doutrina cristã, além de outras obras de apostolado, isto é, iniciativas de evangelização, exercício de obras de piedade e caridade, e animação da ordem temporal com o espírito cristão (cf. cân. 298). As associações privadas não podem, obviamente, incluir entre suas finalidades o exercício de atividades que, por sua natureza, são exclusivas da autoridade eclesiástica (cf. cân. 301). Essa restrição, porém, não empana sua natureza eclesial.[1]

Como já foi referido, o cânone 215 garante a todos os fiéis o direito de fundar e dirigir associações. O cânone 299, § 1, reitera esse direito, especificando: “Por acordo privado, os fiéis têm o direito de constituir associações, para obtenção dos fins mencionados no cân. 298, § 1, salva a prescrição do cân. 301, § 1”. E acrescenta no § 2: “Essas associações, mesmo se louvadas ou recomendadas pela autoridade eclesiástica, denominam-se privadas”. E o cânone 321 garante aos fiéis o direito de dirigir e governar as associações privadas, nos termos de seus estatutos.

Em seu Dicionário de Direito Canônico, Salvador (1997, p. 65) designa as finalidades das associações como sendo “as mesmas da missão de Cristo e da Igreja”, da qual todo fiel participa em virtude do Batismo. Têm elas, portanto, fins religiosos.

Chiapetta (1994, p. 67) corrobora essa opinião, afirmando que do cân. 298, § 1 resulta claramente que as associações de fiéis “tendem a fins religiosos, correspondentes ou conexos com a missão da Igreja”. E acrescenta: “As associações cujos objetivos são profanos e temporais (econômicos, sindicais, políticos, profissionais, culturais etc.) não se enquadram nesse dispositivo e, como tais, são estranhas ao ordenamento canônico. Delas se ocupa a legislação civil”.

Em razão do ato fundacional algumas distinções e características se apresentam. Assim, dependendo de quem promova e efetive a fundação, a associação, esta será pública, se foi erigida por a autoridade eclesiástica competente, e privada, se por iniciativa dos fiéis.

Ainda com relação à iniciativa fundacional, cabe destacar que, segundo o cânone 301, § 1, somente a “autoridade eclesiástica competente” pode erigir associações que tenham por objetivo promover o culto público, ensinar a doutrina cristã em nome da Igreja ou alguma outra finalidade cuja obtenção esteja reservada, por sua natureza, à autoridade eclesiástica.

Outro tipo de associação é o caracterizado pelo cânone 302, o qual denomina “clericais” aquelas que satisfazem três condições: “São dirigidas por clérigos, assumem o exercício de ordem sagrada e são reconhecidas como tais pela autoridade competente”. Segundo Ferrer Ortiz (1991, p. 210), essas associações são sempre públicas e o termo “clerical” refere-se não só aos clérigos que as dirigem e ao fato de o ato constitutivo emanar da autoridade eclesiástica, mas também “a uma modalidade de exercício do ministério sagrado por seus membros”.[2]

Ghirlanda (2007, p. 269) chega a uma definição sintética de associação privada nos seguintes termos:

Associação privada é a que, surgida por iniciativa dos fiéis, leigos, clérigos ou religiosos, governada por eles segundo os estatutos próprios, estando sempre em relação com a autoridade eclesiástica que pode também erigi-la em pessoa jurídica privada, se propõe finalidades religiosas ou caritativas, exceto aquelas cuja obtenção é reservada somente à autoridade eclesiástica. A natureza privada da associação não diminui de nenhum modo sua eclesialidade.

O cânone 304 prescreve que todas as associações de fiéis — públicas ou privadas — precisam ter seus estatutos nos quais se determinem sua finalidade, sede, governo, regras para admissão de sócios etc. Os estatutos das associações privadas devem ter pelo menos o reconhecimento, recognitio, da autoridade eclesiástica.

Sem embargo, autores como Chiapetta entendem como legítima a existência de entidades privadas com fins religiosos, sem o reconhecimento dos estatutos. Navarro (2002, p. 431-432) opina no mesmo sentido, mencionando diversos doutrinadores, e afirma ser essa a posição adotada por “algumas Conferências Episcopais”. Entre estas, a Conferência Episcopal Italiana e a Francesa, as quais tratam do assunto em documentos por ele colecionados.

Não só isso: segundo ele, as referidas Conferências Episcopais tomam em consideração até associações que não têm estatutos, ou nem cheguem a ter propriamente estrutura e organização, mas cuja existência seria legítima, em decorrência dos direitos de associação e de reunião.

Consignemos também que as associações privadas podem possuir ou não personalidade jurídica na Igreja. Esta se adquire por um decreto formal da autoridade eclesiástica competente, à qual compete aprovar previamente os estatutos. Em síntese, pode-se dizer que existem três espécies de associações privadas distintas na atual legislação canônica:

– Associações de fato, baseadas exclusivamente na livre vontade dos seus componentes e sem qualquer reconhecimento, aprovação ou ereção por parte da autoridade eclesiástica.

– Associações com estatutos apenas reconhecidos, isto é, sem um decreto formal de aprovação.

– Associações com personalidade jurídica e estatutos aprovados, por meio de decreto formal da autoridade competente.

No que se refere aos efeitos do reconhecimento, só podem ser sujeitos de obrigações e de direitos as associações dotadas de personalidade jurídica (cf. cân. 310).

In: Lumen Veritatis, n. 6.



[1] Fuentes (2002, p. 514) trata de uma delicada distinção entre as associações civis, que tendam a fins “que afetam mais ou menos diretamente à Igreja”, e as associações eclesiais. Para não alongar demasiadamente o presente estudo e desviar o foco que são propriamente as associações privadas de fiéis, deixamos de tratar do interessante assunto aqui e recomendamos a quem nele deseje se aprofundar que consulte o próprio texto de Fuentes.

[2] Diz o autor: “[O Código de Direito Canônico] denomina clericais àquelas associações de fiéis que estão sob a direção de clérigos, fazem seu o exercício da ordem sagrada e são reconhecidas como tais pela autoridade competente (cân. 302). Emprega o termo clerical em sentido técnico-jurídico, fazendo referência não só a quem dirige a associação e ao ato constitutivo da mesma pela autoridade eclesiástica — que lhe confere o caráter de pública — senão também a uma modalidade no exercício do ministério sagrado por parte de seus membros. Por esta razão, uma associação formada exclusivamente por clérigos e destinada a fomentar entre seus sócios uma forma concreta de espiritualidade sacerdotal, no exercício do ministério e sob a dependência do próprio Ordinário, não terá a condição de clerical, será uma associação comum de fiéis e poderá ser tanto pública como privada (Gutiérrez)” (FERRER ORTIZ, 1991, p. 210).

O Sacramento da Confirmação

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Pe. Carlos Adriano Santos dos Reis, EP

Nosso Senhor Jesus Cristo, glorificado após sua ressurreição, derrama o Espírito no dia de Pentecostes, tornando a Missão de Cristo e do Espírito Missão da Igreja, enviando-a para anunciar e difundir o mistério da comunhão trinitária então revelado (COMPÊNDIO DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2005).

Ao longo dos séculos, a Igreja tem comunicado o dom do mesmo Espírito aos seus filhos mediante a imposição das mãos. Tradicionalmente ela vê, nessa imposição de mãos que se verifica nos relatos dos Atos dos Apóstolos após o batismo, a origem do sacramento da confirmação ou crisma. De algum modo, através desse sacramento, se perpetua do dom recebido no dia de Pentecostes pelos apóstolos (HORTAL, 2003), conforme se destaca na constituição apostólica de Paulo VI, Divinae consortium naturae:

“É exatamente essa imposição das mãos que é considerada pela tradição católica como a primeira origem do sacramento da confirmação, o qual torna, de algum modo, perene na Igreja a graça do Pentecostes.” (www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost…/hf_p-vi_apc_19710815_divina-consortium_po.html).

O cânon 879 do atual do Código de Direito Canônico, inicia o tema do presente título conceituando o sacramento. Recorda que se trata de um sacramento entre os imprimem caráter, e que é um dos que constituem a iniciação cristã. E já prescreve deveres: “são enriquecidos com o dom do Espírito Santo e vinculados mais perfeitamente à Igreja, fortalece-os e mais estritamente os obriga a serem testemunhas de Cristo pela palavra e ação e a difundirem e defenderem a fé” (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 2008, p.415 – grifo nosso).

Essa realidade se encontra também na mesma constituição supracitada:

Com o sacramento da confirmação, os que renasceram no batismo, recebem o dom inefável, o próprio Espírito Santo, pelo qual são “enriquecidos de força especial”, e, marcados com o caráter do mesmo sacramento, “são coligados mais perfeitamente à Igreja” enquanto “são mais estreitamente obrigados a difundir e a defender, com a palavra e com as obras, sua fé, como autênticas testemunhas de Cristo.”

Tudo isso redunda em que, uma vez que o batismo já exige ao fiel uma vida nova em Cristo, a confirmação constituirá uma exigência ainda maior nesse sentido, sobretudo considerando que se tornará ainda mais profunda a participação na natureza divina no fiel crismando.

A lei da Igreja é lex libertatis

Roma - Brazao PontificioPe. José Victorino de Andrade, EP

Uma definição atual que resuma o que é em sua essência o Direito Canônico não é tão simples como poderá parecer. E isso tanto pela sua vastidão, multiplicidade e abrangência, como também por sua complexidade aos olhos contemporâneos pouco afeitos e muitas vezes desconhecedores da estrutura jurídica da Igreja. O reitor emérito da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma oferece uma sintética e completa demarcação dos limites de nosso atual Código:

“Em sua essência é o conjunto das relações entre os fiéis dotados de obrigatoriedade, enquanto determinadas pelos vários carismas, pelos sacramentos, pelos ministérios e funções, que criam regras de conduta. Como direito positivo, é, então o conjunto das leis e das normas positivas dadas pela autoridade legítima que regulam o cruzamento de tais relações na vida da comunidade eclesial e que deste modo constituem instituições canônicas, cuja totalidade dá o ordenamento jurídico da Igreja. Por isso o direito eclesial deve ser teologicamente fundado e ser considerado uma ciência sagrada, radicada na Revelação”.1

Apesar do desconhecimento por parte do grande público, e mesmo dos fiéis, a respeito do conteúdo do Código de Direito Canônico, há uma inegável universalidade que lhe está adjacente e o torna ímpar enquanto ordenamento jurídico. De acordo com o cardeal Herranz, o Código de Direito Canônico, nas suas variantes latina e oriental, é válido para bilhões de cristãos, tendo sido traduzido para 17 línguas, entre as quais o chinês, o vietnamita, o japonês, o indonésio e o coreano, além de outras 60 edições bilíngues e um milhão de cópias feitas. Além disso, existem 31 Faculdades e Institutos de Direito Canônico, e operam em vários continentes 18 sociedades canônicas.2

O Papa Bento XVI oportunamente justificava, no seu anual discurso para o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, a importância da divulgação e cumprimento do Direito Canônico:

“Antes de tudo, a lei da Igreja é lex libertatis: lei que nos torna livres para aderir a Jesus. Por isso, é necessário saber apresentar ao Povo de Deus, às novas gerações e a quantos são chamados a fazer com que seja respeitada a norma canônica, o vínculo concreto que ela tem com a vida da Igreja, para a salvaguarda dos delicados interesses das realidades de Deus, daqueles que não dispõem de outras forças para se fazer valer, mas também em defesa daqueles delicados “bens” que cada fiel recebeu gratuitamente em primeiro lugar o dom da fé, da graça de Deus que na Igreja não podem permanecer desprovidos de uma adequada tutela da parte do Direito”.3

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1 GHIRLANDA, Gianfranco. O Direito na Igreja. Aparecida; São Paulo: Santuário, 2003. p. 64.

2 Cf. Herranz. Il Dirito Canonico, Perché? Lezione all’Università Cattolica di Milano. 29 aprile 2002.

3 Discurso no XXV Aniversário da Promulgação do Código de Direito Canônico, 25 de Janeiro de 2008.

A lei eclesiástica enquanto modelo para as demais

catedra

Diác. José Victorino de Andrade, EP

A lei proveniente do Estado tem o dever de atender ao bem estar e à ordem terrena. Porém, o homem é composto de corpo e alma, e por isso é necessária uma sociedade espiritual que o oriente para a eternidade: a Igreja. Uma sociedade, aliás, não meramente espiritual, mas também organizada hierarquicamente, terrena e visível. Não se deve, entretanto, considerar duas entidades, mas uma única realidade, conforme nos explica a Lumen Gentium “Da mesma forma que a natureza assumida serve ao Verbo divino de instrumento vivo de salvação, também a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para o crescimento do corpo” (n. 8).

A fim de dirigir e governar os seus membros, esta também possui um conjunto de leis chamadas eclesiásticas ou canônicas. O seu estudo requer um anterior aprofundamento da lei em geral, na sua realidade e variedade, a fim de estabelecer as bases para um conhecimento mais profundo e preciso da sua aplicação e importância.

Uma abordagem do direito canônico, enquanto ordenamento eclesiástico, leva-nos a algumas considerações históricas e particulares. Em primeiro lugar, deve-se ter em conta que ele influenciou e inspirou grande parte dos sistemas legais vigentes no Ocidente. Se bem que em dado momento da História tivesse havido um certo retorno ao direito e à cultura greco-romana, sobretudo com o advento do Renascimento e a promoção e influência dos legistas junto às cortes, não há dúvida que o direito ocidental muito deve à Igreja:

O direito canônico foi o primeiro sistema legal moderno da Europa, e permitiu demonstrar que era possível compilar um corpo legal coerente e sofisticado a partir da miscelânea de estatutos, tradições e costumes locais frequentemente contraditórios com que tanto a Igreja como o Estado se confrontavam na Idade Média.1

Além de estar na origem do desenvolvimento legislativo do Ocidente, pertence aos fundamentos do moderno sistema jurídico, e do direito criminal, baseado de certa forma na teoria da reparação de Santo Anselmo e na moral cristã.2 Também Miguel Reale considera que

tanto no momento da elaboração da lei, como no da sua aplicação e interpretação, a Moral intervém de maneira decisiva, sendo certo também que certas regras jurídicas não têm outra justificação senão a decorrente de regras morais, as quais, por sua vez, se apoiam ‘em uma certa concepção religiosa do mundo’.3

Na medida em que o direito canônico ajudou a construir o moderno sistema legal, também hoje ele pode servir de referência pelas suas características e universalidade, iluminando e contribuindo com os demais legisladores e codificações legais.

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1. WOODS JR. Thomas. O que a civilização ocidental deve à Igreja Católica. Lisboa: Atheleia, 2009. p. 12. O autor desenvolve este tema no capítulo 10 deste mesmo livro, sobretudo nas páginas 205-208.

2. Cf. Ibidem, p. 221.

3. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 488.

O Direito de Associação no Vaticano II e no CIC: As Associações Privadas de Fiéis

EncontroMons. João S. Clá Dias, EP

1. Explicitação do Direito de Associação no Concílio Vaticano II

A noção do papel de todos os fiéis na vida da Igreja foi notavelmente ressaltada no Concílio Vaticano II. E, com ela, a concepção ainda mais clara e precisa de que os fiéis possuem um direito de se associar, inclusive para finalidades espirituais, de caridade, de apostolado e, enfim, religiosas de um modo geral.1 Nesse sentido, diz o Decreto Apostolicam Actuositatem:

18. Os cristãos são chamados, como indivíduos, a exercerem o apostolado nas diversas circunstâncias de sua vida. Lembrem-se, no entanto, que o homem é por natureza social e aprouve a Deus reunir os fiéis em Cristo num povo de Deus (cf. 1 Pd 2, 5-10) e num só corpo (cf. 1 Cor 12, 12). […] Exerçam, pois, os fiéis, o apostolado em espírito de unidade. Façam-se apóstolos tanto em suas comunidades familiares quanto nas paroquiais e diocesanas — comunidades que por sua vez exprimem a índole comunitária do apostolado — como também em agrupamentos livres aos quais decidiram agregar-se.

O apostolado de grupo é de grande importância também porque, nas comunidades da Igreja ou em diversos ambientes, muitas vezes exige que seja realizado por uma ação comum. Os grupos constituídos para a ação apostólica comunitária sustentam seus membros e os formam para o apostolado, organizam e dirigem seu trabalho apostólico, de forma a se poder esperar daí frutos bem mais abundantes do que no caso de agirem todos em separado.

Nas atuais circunstâncias, pois, é de extrema necessidade que no ambiente da atividade dos leigos se fortaleça a forma de apostolado em grupo organizado. É só a união estreita de forças que pode atingir plenamente os fins todos do apostolado moderno e ainda defender vigorosamente seus benefícios. […]

19. Grande é a variedade que existe entre as associações de apostolado. […]

Salva a devida relação com a autoridade eclesiástica, é direito dos leigos fundarem grupos e dirigirem-nos, bem como inscreverem-se nos existentes (AA 18-19).

2. O direito de reunião e de associação no atual CIC

Uma das grandes inovações introduzidas no ordenamento jurídico canônico pelo atual CIC consiste no reconhecimento, aos fiéis católicos em geral, ou seja, clérigos e leigos2, das liberdades de associação e de reunião, nos termos do cân. 215:

Os fiéis têm o direito de fundar e dirigir livremente associações para fins de caridade e piedade, ou para favorecer a vocação cristã no mundo, e de se reunir para a consecução comum dessas finalidades.

Manzanares (2005, p. 127), em nota a esse cânon, destaca o reconhecimento não só do direito de associação, mas também do de simples reunião, e manifesta a origem conciliar desses conceitos: “Refere-se o cânon tanto ao direito de associação como ao de simples reunião. Veja-se sua motivação e sua clara afirmação doutrinal em AA 18-19”.

Em dicção semelhante, embora sem mencionar explicitamente a liberdade de reunião, o Código repete o conceito no que se refere aos clérigos seculares, ou seja, afirma claramente o direito de associar-se que lhes assiste, no cân. 278, § 1 e 2 3:

§ 1. É direito dos clérigos seculares associarem-se para finalidades conformes ao estado clerical.

§ 2. Os clérigos seculares dêem importância principalmente às associações que, tendo os estatutos aprovados pela autoridade competente, por uma organização de vida adequada e convenientemente aprovada e pela ajuda fraterna, são de estímulo à santidade no exercício no ministério e favorecem a união dos clérigos entre si e com o Bispo.

Segundo Hortal, o Código explicita, no cân. 278, o direito dos clérigos seculares à associação “não porque eles não sejam ‘fiéis cristãos’, mas porque historicamente esse direito lhes foi negado com freqüência” (HORTAL, 2008, p. 153). Quanto aos membros dos estados de vida consagrada, como também aponta Hortal4, estão eles sujeitos ao que estabelece o § 3 do cân. 307: “Os membros de institutos religiosos podem inscrever-se em associações, de acordo com o direito próprio e com o consentimento Superior.” Como o próprio Papa João Paulo II declarou, na Constituição Apostólica de promulgação do novo Código (2008, p. 15), as inovações nele contidas refletem o “grande esforço de transferir para a linguagem canonística, a própria eclesiologia conciliar”. E acrescenta: “A conseqüência é que a razão fundamental da novidade que, sem jamais afastar-se da tradição legislativa da Igreja, se encontra no Concílio Vaticano II, principalmente sua eclesiologia, constitui também a razão da novidade no novo Código” (p. 15).

Se o Concílio Vaticano II hauriu elementos antigos e novos do tesouro da Tradição e se sua novidade se constitui por estes e outros elementos, é manifesto que o Código deve possuir a mesma característica de fidelidade, conformando-se a ela em seu próprio campo e sua maneira especial de expressar-se (JOÃO PAULO II, 2008, p. 15 e 17).

E, como refere Gruszynski (1999, p. 20), no discurso de apresentação do novo CIC, João Paulo II afirma que:

[…] ele não pode ser adequadamente valorizado e corretamente interpretado se for considerado, de acordo com a ideologia das codificações civis, como um texto normativo autônomo, completo e exaustivo. Ele deve, pelo contrário, ser colocado ao lado do “Livro que contém os atos do Concílio”, em um acoplamento bem válido e significativo, que vê estes dois livros elaborados pela Igreja do século XX se integrarem numa unidade harmônica e complementar.

Conclui-se, pois, que as normas canônicas vigentes sobre os fenômenos associativos decorrem dos ensinamentos emanados do Concílio Vaticano II, são por eles complementados e a essa luz devem ser interpretados. Deve-se ter em vista, porém, que, em matéria de explicitação e precisão de definição, o CIC foi além do próprio Concílio, conforme a observação de Feliciani (2002, p. 120-121):

O Vaticano II, embora afirmando de modo claro o direito de associação dos fiéis, não se preocupou de propor uma definição formal e exaustiva. Pelo contrário, o novo Código chega, no cân. 215, a um reconhecimento totalmente explícito: “Os fiéis têm o direito de livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade e de piedade e para favorecer a vocação cristã no mundo e a reunir-se para atingir juntos esses fins”.

3. As Associações Privadas de Fiéis no atual CIC

Uma definição do que são as associações de fiéis nos é dada pelo cân. 298 § 1 5. Ele o faz em parte por exclusão, ao referir que se trata de associações “distintas dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica”; em parte designando os que delas podem ser membros, quais sejam clérigos ou leigos, quer sendo facultadas as associações compostas exclusivamente por clérigos ou exclusivamente por leigos, quer podendo haver clérigos e leigos conjuntamente em seus quadros; e, também, complementa a conceituação enumerando fins a que podem visar, enumeração essa que “é exemplificativa, não exclusiva” (HORTAL, 2008, p. 162).

Sobre a gama muito ampla de fins a que podem visar as associações privadas de fiéis, Fuentes (2002, p. 513) esclarece: “Qualquer fim próprio da condição de batizado pode ser pretendido pelos fiéis unidos em associação” (p. 513). Observa apenas que, em se tratando de associações privadas, “os fins que pretendem não os persigam em nome da Igreja”, o que, porém, não lhes diminui o caráter eclesial, ou restringe sua atuação ao âmbito temporal:

Isto não quer dizer que a missão destas associações seja menos eclesial, ou que estas associações sejam aquelas nas quais os fiéis se unem com fins civis, sociais, políticos ou culturais. As associações privadas de fiéis são associações na Igreja e para cumprir fins eclesiais, para cumprir aqueles fins que se assinalam no cân. 298, § 1 (cf. CD, 17 e AA, 19).6

Examinando o cân. 298, § 1, Ghirlanda (2007) destaca os elementos que considera fundamentais para se aferir a conveniência de aprovar-se e, enfim, discernir as características de uma associação de fiéis leigos. Embora o autor pretenda delimitar critérios para o reconhecimento de tais associações, eles também se prestam para uma melhor compreensão do que sejam as associações de fiéis em si mesmas. Ghirlanda (2007, p. 268-269) os vai recolher na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles Laici, resumindo-os como segue:

1) As associações devem ser instrumentos de santidade para seus membros. Isto verifica-se pela sua fidelidade para com o Senhor e pela docilidade ao Espírito; portanto, pelo uso de meios de santificação concordes com a doutrina, a disciplina e a tradição da Igreja.

2) Pelo respeito para com o magistério verifica-se a sua realidade de lugar de anúncio da fé e de formação integral.

3) Pelo testemunho de uma comunhão sólida e convicta com o Romano Pontífice e os bispos comprovam-se o amor sincero para com a Igreja e a vontade de inserção ativa na sua vida de oração e de ação apostólica para o seu incremento.

4) De acordo com a finalidade apostólica da Igreja deve ser manifesta a dinamicidade apostólica, e também missionária, ou então discreta na sociedade humana, na humildade e na capacidade de colaboração com todos os outros organismos ativos na Igreja tanto universal como particular.

5) Empenho no agir na sociedade humana a serviço da dignidade integral do homem, à luz da doutrina social da Igreja.

Além dos pontos destacados por Ghirlanda (2007), chama a atenção o último parágrafo da Christifideles Laici (n. 30), o qual ressalta a necessidade de se ter em vista os “frutos concretos que acompanharam a vida e as obras” da instituição.

Este critério nos faz lembrar o ensinamento evangélico de que “pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7, 20), e certamente está também nos fundamentos do que Feliciani (2003, p. 158) propõe como parâmetro para o reconhecimento eclesiástico:

[…] em toda esta matéria parece oportuno evitar o mais possível preocupações formalísticas e privilegiar o aspecto substancial. Em conseqüência, a autoridade deverá ter presente não só e não tanto os dados resultantes da documentação submetida ao seu exame, mas também e, sobretudo, a efetiva realidade da associação assim como a pode conhecer por experiência direta ou por testemunhas dignas de crédito.

CLÁ DIAS, João. Os carismas e as instituições jurídicas: A Graça e a Lei enquanto realidades harmônicas. Lumen Veritatis. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 11, abr-jun 2010. p. 23-28.

_____________

1 Essa dificuldade de se compreender o papel e a liberdade dos leigos na Igreja e o correspondente direito de atuarem de forma associada chega a ser enunciada por Corral y Urteaga como algo que a autoridade eclesiástica por vezes repeliu e, segundo esse autor, teria ela chegado a ver nisso um perigo de subversão ou um obstáculo ao exercício de seu próprio poder: “O fenômeno associativo sempre foi muito importante na Igreja. Mas assim como na base, tanto clerical como secular, tinha uma vitalidade muito forte, contudo a autoridade eclesiástica nem sempre apreciou no seu valor este aspecto da vida eclesial. Assim como a Igreja é uma comunidade, dentro desta comunidade, por afinidades espirituais ou finalidades similares, os fiéis e os clérigos procuravam a comunidade de vida e atuações. Mas a autoridade via nisso antes um perigo de subversão ou de impedimento da ação da autoridade na Igreja. Daí que houvesse tantas limitações para a constituição destas associações, que no Direito antigo não se podiam constituir sem aprovação do legítimo superior eclesiástico (cf. cân. 708 do Código de 17). Essa força associativa na Igreja foi aumentada. O Concílio Vaticano II, acolhendo o fenômeno eclesial e avaliando positivamente a sua ação na Igreja, deu lugar a uma orientação mais favorável a essas associações, que já antes na Igreja, sobretudo da parte dos leigos, tinham conseguido um reconhecimento, principalmente na Ação Católica e organizações equiparadas”. (CORRAL Salvador, Carlos; URTEAGA Embil, José Maria. Dicionário de Direito Canônico. São Paulo: Loyola, 1997. Trad. Jesús Hortal et al. p. 698).

2 Como já foi referido e se depreende dos câns. 204 e 207, por fiéis o CIC entende “os que incorporados pelo batismo foram constituídos como povo de Deus e, assim, feitos participantes, a seu modo, do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, são chamados a exercer, segundo a condição própria de cada um, a missão que Deus confiou para a Igreja cumprir no mundo” (cân. 204). Ou seja, todos os batizados. Ainda conforme o cân. 207, §1, leigos são todos os fiéis que não são clérigos. E segundo o §2 do mesmo cânon, tanto clérigos quanto leigos podem, “pela profissão dos conselhos evangélicos, mediante votos ou outros vínculos sagrados, reconhecidos e sancionados pela Igreja”, consagrar-se “a Deus e contribuir para a missão salvífica da Igreja”. São aqueles que o CIC regula ao tratar “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”.

3 Que essas liberdades não são ilimitadas, deixam-no claro o § 3 do cân. 278 e o § 2 do 287, quanto aos clérigos seculares; e o cân. 223, §§ 1 e 2, entre outros, no que se refere a todos os fiéis. Extrapolaria os objetivos deste trabalho entrar em minúcias a respeito de tais limitações.

4 “Advirta-se, porém, que se trata [no cân. 278] dos clérigos seculares, pois os membros dos estados de vida consagrada, pela própria natureza das coisas, estão muito mais limitados no seu direito de associação” (Hortal, 2008, p. 153).

5 Cân. 298, §1. Na Igreja existem associações distintas dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica, nas quais os fiéis, clérigos ou leigos, ou conjuntamente clérigos e leigos, se empenham, mediante esforço comum, para fomentar uma vida mais perfeita, ou para promover o culto público ou a doutrina cristã, ou para outras obras de apostolado, isto é, iniciativas de evangelização, exercício de obras de piedade ou caridade, e animação da ordem temporal com espírito cristão.

6 Fuentes (2002, p. 514) prossegue tratando de uma delicada distinção entre as associações civis, que tendam a fins “que afetam mais ou menos diretamente à Igreja” (p. 514), e as associações eclesiais. Para não alongar demasiadamente o presente estudo e desviar o foco, que são propriamente as associações privadas de fiéis, deixamos de tratar desse interessante assunto aqui e recomendamos a quem nele deseje se aprofundar que consulte o próprio texto de Fuentes.

A dimensão de justiça existente no mistério de salvação que é a Igreja

image1954_043_1Pe. Alex Barbosa de Brito, EP

A narração do Gênesis faz perceber, no ato mesmo da criação, Deus que ordena todos os seres à sua finalidade: os luzeiros a servir de sinal para marcar o tempo (Cf. Gn 1, 14-18); os animais e os vegetais, multiplicando-se segundo sua própria natureza (Cf. Gn 1, 24-25).

Santo Ambrósio nos explica:

 

Com efeito, a palavra de Deus correu por toda a criação na constituição do mundo e, no futuro, pela prescrição da lei, para que todas [as criaturas] viessem a ter uma sucessão conforme sua própria espécie e semelhança; assim, leão gera leão, tigre gera tigre, boi gera boi, cisne gera cisne, águia gera águia. Definitivamente, o preceito se enraizou para sempre na natureza, e por isso a terra não deixa de prestar obediência a sua função.[1]

E para o homem, imagem e semelhança do Criador, além da norma inscrita na sua própria consciência, Deus, “criando” um dos princípios de legalidade — nulla poena sine lege —, deu-lhes preceito: “de ligno autem scientiae boni et mali ne comedas”, e justa pena: “in quocumque enim die comederis ex eo, morte morieris” (Gn 2, 17).

Essa breve reflexão da antropologia cristã faz recordar o que diz Ghirlanda ao comentar o homem como um ser em relação: “O estar em relação com o outro é uma necessidade estrutural do sujeito (ubi homo ibi societas)”, e das várias possibilidades de atuação, “o sujeito, em sua liberdade, encontra-se diante da responsabilidade das escolhas morais que deve fazer entre as várias possibilidades que se lhe oferecem”.[2]

Portanto, conclui o autor, “uma vez que as raízes do fenômeno do direito” se encontram na sociabilidade do homem (ubi societas ibi ius), também se pode dizer “ubi homo ibi ius”, pois “ao sócio se requer um empenho de verdade e de lealdade. A lei positiva compreende em si a eliminação do erro, mediante a coordenação estável e regular das ações”.[3]

A necessidade do Direito facilmente se observa mesmo nas sociedades primitivas, ainda que na concepção dos respectivos ordenamentos jurídicos pudessem estar, nestes ou naqueles aspectos, distantes dos planos do Criador.

Para São Tomás de Aquino, há uma só lei, a lei eterna: a parte revelada é a lei divina; a outra, que fica esculpida na consciência dos seres racionais, é o direito natural. Abaixo delas, a lei positiva, que é aquela convertida em norma posta pelos homens e que não pode contrariar nem a lei natural, nem a lei divina, ou seja, a lei positiva é mera transcrição, para entendimento dos homens, da lei eterna. Por isso o Doutor Angélico sustentava a possibilidade da resistência à lei iníqua, isto é, quando a lei positiva contrariar a lei natural, não deve ser obedecida.[4] 

A Igreja como Sociedade e como Povo de Deus

Se o homem em sociedade necessita de um direito para melhor atingir o seu fim, se o Povo Eleito recebeu, em pedra, os preceitos que Deus lhes escreveu no coração, o que dizer da Igreja de Cristo?[5]

A Igreja é chamada pelo Apóstolo o Corpo místico do Deus encarnado, em comparação com o corpo natural do homem (Cf. Ef 1, 23). Ele a cabeça, Ela o corpo; Ele o motor e o influxo, Ela a realizadora do bem; Ele o princípio da perfeição, Ela, embora perfeita na doutrina, caminha para a perfeição dos membros; Ele o governo e a autoridade, Ela protegida e ordenada; Ele o inigualável Fundador, Ela a magnífica fundação. Ele o escolhido das nações, Ela a sociedade dos homens eleitos, o Povo de Deus; Ele Deus e homem, Ela humana e divina, analogia perfeita do mistério da Encarnação.

Considerada como Povo de Deus é uma sociedade, cujos membros, unidos não mais pelos vínculos de parentesco ou nacionalidade, gozam da liberdade e dignidade de filhos de Deus, têm um fim comum, que é o Reino dos Céus, e como lei o mandamento novo, de amar uns aos outros como o próprio Cristo nos amou (Cf. LG 9).

E embora sejam de natureza essencialmente espiritual os vínculos sociais do Povo de Deus, ou seja, uma comunhão de afeto, entre irmãos (Cf.LG 9), “deve ser também entendida como uma realidade orgânica, que requer uma forma jurídica”, ao mesmo tempo que é animada pela caridade.[6]

Por isso é que o direito que deve regular e estruturar as relações desta sociedade, é um direito sui generis, o direito eclesiástico — a dimensão de justiça existente no mistério de salvação que é a Igreja —, o qual, por muitas vezes se expressar em cânones, é também chamado de Direito Canônico.

Há uma objeção feita por aqueles que, munidos de argumentos de ordem pastoral, afirmam que “a Igreja não precisa de um direito”. O único mandato do divino Redentor foi de que os discípulos, pelo mundo inteiro, anunciassem a Boa Nova; portanto, o direito não teria origem em Cristo, senão nos homens. O próprio Código de 1983 não reconhece a caducidade das leis, derrogando-as em aras à salvação das almas, como lei suprema?

Deve-se temer muito que, sob o pretexto de pastoral, se exclua o direito. Há um sério risco de requintado autoritarismo por parte dos que, desprezando o direito universal da Igreja, fazem-no substituir pelo arbítrio de suas vontades, fantasias e caprichos. Veja-se o que nos ensinam os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos.

Foi Cristo quem escolheu os Doze (Lc 6, 12-19), mas quando se tratou de nomear um substituto para o Iscariotes, coube aos Apóstolos estabelecer as regras para a sucessão, “dederunt sortes eis, et cecidit sors super Matthiam”, que foi logo incorporado ao número dos Apóstolos. (At 1, 21-26).

Isto também se aplica ao Sacramento da Eucaristia, deixando-nos o mesmo Cristo poucos detalhes a respeito do rito, talvez porque não fosse destinado a ser o quadro da celebração.[7] Santo Agostinho nos ensina que o Senhor assim o fez — dando-nos o Sacramento depois da ceia —, “para valorizar sobremaneira a profundidade deste mistério” e para com ele “marcar os corações e a mente dos discípulos”; contudo, “deixou a regulamentação aos Apóstolos que deviam organizar a Igreja”.[8]

Recorda João Paulo II, na Constituição Apostólica Sacrae Disciplinae Leges, por meio da qual foi pronulgado o Código de 1983, que “no decorrer dos tempos, a Igreja Católica costumou reformar e renovar as leis da disciplina canônica, a fim de, na fidelidade constante a seu Divino Fundador, adaptá-las à missão salvífica que lhe é confiada”, e que o objetivo do Código não é “substituir, na vida da Igreja ou dos fiéis, a fé, a graça e os carismas, nem muito menos a caridade. Pelo contrário, sua finalidade é, antes, criar na sociedade eclesial uma ordem que, dando primazia ao amor, à graça e aos carismas, facilite ao mesmo tempo seu desenvolvimento orgânico na vida, seja da sociedade eclesial, seja de cada um de seus membros”.

Ainda que caibam principalmente aos Bispos a guarda e vigilância das leis da Igreja, nos ensina o Papa São Celestino I que “a nenhum dos sacerdotes é lícito ignorar os cânones”,[9] e o IV Concílio de Toledo (633) prescreve que “os sacerdotes conheçam as escrituras sagradas e os cânones”, e que “a ignorância, mãe de todos os erros, deve ser evitada, principalmente nos sacerdotes de Deus”.[10]

 


[1] AMBRÓSIO. Examerão – Os seis dias da criação. Sexto dia. 3, 9. Coleção Patrística, Tradução Célia Mariana Franchi Fernandes da Silva. São Paulo: Paulus, 1996. Vol. 26. p. 230.

[2] GHIRLANDA, Gianfranco. O Direito na Igreja: Mistério de Comunhão. Tradução Pe. Carlos da Silva. São Paulo: Santuário, 2003. p. 17.

[3] GHIRLANDA, Gianfranco, op. cit. p. 18.

[4] Cf. S Th I-II q. 94, a. 2. O mesmo conceito se encontra em II Sent., 42, 1, 4 ad 3.

[5] (Salmo 57,1) Cf. AGOSTINHO, Santo. Comentário aos salmos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2008. p. 136.

[6] Cf. Ghirlanda, op. cit. p. 43-44.

[7] Cf. JUNGMANN, J. A. Missarium Sollemnia. Tradução de Monica Ottermann. São Paulo: Paulus, 2009. p. 25.

[8] Apud S Th III, q. 80, a. 8, 1. Suma Teológica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2003. Vol. 9.

[9] Papa Celestino em Carta aos Bispos constituídos na Apulia e Calábria, 21 de julho de 429. Apud HORTAL, Jesus. Prefácio ao Código de Direito Canônico. São Paulo: Loyola, 2004. p. 15.

[10] IV Concílio de Toledo, 633. Apud. HORTAL, Jesus. Prefácio, op. cit. p. 15.

Um estudo jurídico sobre os atuais responsáveis pela formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio

Diác. Carlos Adriano Santos dos Reis, EPord-diaconal

1. Pressupostos doutrinários

Considerando que este trabalho tem por fim principal desenvolver uma exposição canônica a respeito dos principais responsáveis pela formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio, devemos iniciá-lo com alguns conceitos sobre o sacerdócio em si, para então entendermos os motivos pelos quais se deve deitar uma especial atenção nos que recebem a incumbência de formar doutrinariamente os seminaristas.

Por isso, estudaremos nesta breve introdução o conceito do Sacramento da Ordem, buscando demonstrar que a própria noção do que é o sacerdócio católico justifica a exigência de uma sólida formação doutrinária para os ministros sagrados, e que, portanto, a necessidade desta formação decorre do próprio ministério em si.

Um Sacramento a serviço da comunhão e da missão

A Igreja Católica Apostólica Romana tem por missão nesta terra, anunciar e instaurar o Reino de Deus entre todos os povos. Essa missão se estende a cada um dos fiéis cristãos, que possuem, segundo a condição própria de cada um, a grave responsabilidade de exercer este mandato que Deus confiou para a Igreja cumprir no mundo. Na definição que o atual Código de Direito Canônico dá a respeito dos fiéis, encontramos esta prescrição:

Cân. 204 § 1. Fiéis são os que, incorporados a Cristo pelo batismo, foram constituídos como povo de Deus e assim, feitos participantes, a seu modo, do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, são chamados a exercer, segundo a condição própria de cada um, a missão que Deus confiou para a Igreja cumprir no mundo. 

O cânon fala da condição própria em que cada um deve cumprir a missão da Igreja. Arrieta aprofunda essa questão (2001, p. 121):

Ainda que todos os fiéis possuam o mesmo estatuto jurídico proveniente do batismo, “nem todos vão pelo mesmo caminho” (LG, 32). Existem entre eles modalidades diversas de vida, que evidenciam uma variedade enriquecedora da Igreja.

Essa condição, por meio da qual o fiel batizado irá cumprir com seu chamado na Igreja, pode ser modificada e definida de maneira especial por meio de dois Sacramentos — Ordem e Matrimônio — apresentados pelo Catecismo da Igreja Católica como Sacramentos a serviço da comunhão e da missão. Eles estão ordenados à salvação de outrem; se também contribuem para a salvação pessoal, isso acontece por meio do serviço ao próximo.

Esses dois Sacramentos conferem uma graça especial para um encargo particular na Igreja, que se cumpre por meio de um serviço para a edificação do povo de Deus, além de contribuírem em particular para a comunhão eclesial e para a salvação das almas (cf. CEC, 1534 ). E continua:

Nestes Sacramentos, aqueles que já foram consagrados pelo Batismo e pela Confirmação para o sacerdócio comum de todos os fiéis, podem receber consagrações particulares. Os que recebem o Sacramento da Ordem são consagrados para ser, em nome de Cristo, “com a palavra e a graça de Deus, os pastores da Igreja” (CEC, 1535).

Ocorre, entretanto, que o Sacramento da Ordem, mais diretamente relacionado com o tema deste artigo, possui algumas particularidades que lhe são muito próprias, conforme se verifica na sintética definição oferecida pelo recente publicado Compêndio do Catecismo:

O que é o Sacramento da Ordem?

É o sacramento graças ao qual a missão confiada por Cristo aos seus Apóstolos continua a ser exercida na Igreja, até o final dos tempos. (CEC, COMPÊNDIO, 322)

O atual Código de Direito Canônico também conceitua o Sacramento da Ordem em seu cânon 1008, sublinhando de maneira especial a missão que cabe ao ministro sagrado:

Cân. 1008. Por divina instituição, graças ao Sacramento da Ordem, alguns entre os fiéis, pelo caráter indelével com que são assinalados, são constituídos ministros sagrados, isto é, são consagrados e delegados, a fim de que, personificando a Cristo Cabeça, cada qual no seu respectivo grau, apascentem o Povo de Deus, desempenhando o múnus de ensinar, santificar e governar.

A Constituição Dogmática Lumen Gentium está entre as principais fontes dessas definições que acabamos de estudar. Como era de se imaginar, esse documento também ressalta a missão do sacerdote: “Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e o oferece a Deus em nome de todo o povo” (LG 10).

Tornar-se pastor da Igreja, exercer a missão confiada por Cristo aos Seus Apóstolos, fazer as vezes do próprio Cristo oferecendo o sacrifício eucarístico em nome do Povo de Deus; todos esses são encargos conferidos ao sacerdote a partir de sua ordenação. Sendo assim tão sério o ministério sacerdotal, concluímos imediatamente como deve ser também a preparação daqueles que se destinam ao Sacramento da Ordem.

Segundo as exposições do Concílio Vaticano II, o ministério da Palavra é um elemento essencial no ministério do presbítero:

O Povo de Deus é reunido antes de mais pela palavra de Deus vivo, que é justíssimo esperar receber da boca dos sacerdotes. Com efeito, como ninguém se pode salvar se antes não tiver acreditado, os presbíteros, como cooperadores dos Bispos, têm, como primeiro dever, anunciar a todos o Evangelho de Deus, para que, realizando o mandato do Senhor: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a todas as criaturas” (Mc 16, 15), constituam e aumentem o Povo de Deus. Com efeito, é pela palavra da salvação que a fé é suscitada no coração dos infiéis e alimentada no coração dos fiéis; e é mercê da fé que tem início e se desenvolve a assembleia dos crentes, segundo aquele dito do Apóstolo: “A fé vem pelo ouvido, o ouvido, porém, pela palavra de Cristo” (Rm 10, 17). Por isso, os presbíteros são devedores de todos, para comunicarem a todos a verdade do Evangelho, de que gozam no Senhor (PO, 4).

Como, entretanto, falar daquilo que não se conhece? O sacerdote deve ser um conhecedor exímio das verdades da Fé, a fim de que, pela palavra e pelo exemplo, comunique a doutrina aos fiéis e aos infiéis. Deduz-se então o quanto o sacerdote deve ser bem formado doutrinariamente em função do ministério que ele exerce, e o quanto se deve dar importância àqueles a quem cabe a responsabilidade de lhes transmitir a doutrina. Conforme ressalta o prefácio do atual Código de Direito Canônico (2008, p. 23), “a ignorância, mãe de todos os erros, deve ser evitada, principalmente nos sacerdotes de Deus”.

2. Formação intelectual – Integligência da fé

O estudo dos cânones que delimitam a formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio não tem sentido se não for guiado pela clave de leitura que encontramos na Exortação Apostólica Pós-sinodal Pastores dabo vobis. Como veremos adiante, o documento incita a que os formadores dos seminaristas não apresentem os estudos que os preparam para o sacerdócio com caráter meramente científico. Por isso, não podemos fazer uma análise jurídica sobre os responsáveis pela formação seminarística, sem antes compreender o que a Igreja entende por essa formação doutrinal.

Conforme o Concílio Vaticano II,

A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele constantemente conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador (GS 19, I).

Com base nesta explicitação, o Catecismo da Igreja Católica nos ensina que o homem tem em si um desejo de Deus estando, por isso, sempre em busca dAquele para o qual foi criado (cf. CEC 27).

A resposta adequada a esse constante chamado de Deus, por meio do desejo de Absoluto posto por Ele em cada homem, é a Fé — uma submissão completa da inteligência e da vontade do homem à vontade divina (cf. CEC 142 e 143).

A formação intelectual dos candidatos ao sacerdócio deve prepará-los, antes de tudo, para esta submissão, conduzindo-os, conforme nos ensina a já referida Exortação Apostólica Pós-sinodal, a adquirir uma sabedoria que se abre e se orienta para o conhecimento e a adesão a Deus, motivo pelo qual essa formação deve estar fortemente atrelada à formação humana e espiritual:

A formação intelectual, embora possua a sua especificidade, liga-se profundamente com a formação humana e espiritual, a ponto de constituir uma sua expressão necessária: configura-se efetivamente como uma exigência irreprimível da inteligência pela qual o homem “participa da luz da inteligência de Deus” e procura adquirir uma sabedoria que, por sua vez, se abre e orienta para o conhecimento e a adesão a Deus (n. 51).

Gianfranco Ghirlanda (2007, p. 149), ao iniciar sua exposição sobre a formação doutrinal dos ministros sagrados, afirma, com base no mesmo trecho do documento supracitado, que “essa formação deve ser colocada em estreita relação com a vida de fé e a vida espiritual dos alunos, enquanto a própria fé, sustentada por uma sã doutrina, é alimentada por esta”.

Ademais, existem dois sérios motivos apontados pelo mesmo documento, que justificam o profundo conhecimento que devem possuir os seminaristas a respeito dos mistérios divinos: a própria natureza do ministério ordenado, já apontada anteriormente, e o desafio da “nova evangelização”:

Se já cada cristão — escrevem os Padres sinodais — deve estar pronto a defender a fé e a dar a razão da esperança que vive em nós (cf. 1 Pd 3, 15), com muito maior razão os candidatos ao sacerdócio e os presbíteros devem manifestar um diligente cuidado pelo valor da formação intelectual na educação e na atividade pastoral, dado que, para a salvação dos irmãos e irmãs, devem procurar um conhecimento cada vez mais profundo dos mistérios divinos. Além disso, a situação atual, profundamente marcada pela indiferença religiosa e ao mesmo tempo por uma difusa desconfiança relativamente às reais capacidades da razão para atingir a verdade objetiva e universal, e pelos problemas e questões inéditos provocados pelas descobertas científicas e tecnológicas, exige prementemente um nível excelente de formação intelectual, que torne os sacerdotes capazes de anunciar, exatamente num tal contexto, o imutável Evangelho de Cristo, e torná-lo digno de credibilidade diante das legítimas exigências da razão humana (PDV 51).

Não é sem razão que os estudos teológicos preenchem uma grande parte da vida de quem se prepara para o sacerdócio. A Exortação Apostólica Pós-sinodal conclui demonstrando que a formação intelectual não constitui de modo nenhum um componente exterior e secundário do crescimento humano, cristão, espiritual e vocacional dos seminaristas: “[…] na realidade, por meio do estudo, particularmente da teologia, o futuro sacerdote adere à Palavra de Deus, cresce na sua vida espiritual e dispõe-se a desempenhar o seu ministério pastoral” (PDV 51).

Por isso, como já advertimos anteriormente, nos estudos que precedem a ordenação sacerdotal deve-se ter o cuidado de não proporcionar para candidatos ao sacerdócio uma consciência equivocada a respeito de sua formação doutrinal. Eles não podem estudar acreditando que estão se formando em meros cientistas da fé:[1]

Para que possa ser pastoralmente eficaz, a formação intelectual deve ser integrada num caminho espiritual marcado pela experiência pessoal de Deus, de modo a poder superar uma pura ciência conceptual e chegar àquela inteligência do coração que sabe “ver” primeiro o mistério de Deus e depois é capaz de comunicá-lo aos irmãos (PDV 51). 

3. Documentos basilares para o estudo da formação dos seminaristas

Para se estabelecer um estudo a respeito da formação seminarística nos dias de hoje e sobre os diversos elementos que a compõem, é preciso delimitar onde se encontram as principais diretrizes que tenham servido de fonte para a elaboração da atual legislação do Código, ou para a interpretação da mesma.

Primeiramente, deve-se atentar para o decreto Optatam Totius sobre a formação sacerdotal, do Concílio Vaticano II:

[…] o Concílio Vaticano II, que teve como objetivo último a renovação de toda a Igreja, advertiu também a estreita relação entre essa desejada renovação e o ministério dos sacerdotes. Fruto deste convencimento dos Padres conciliares é o decreto Optatam Totius, em que se proclama a transcendental importância da formação sacerdotal e se expõem os princípios fundamentais que devem inspirá-la, conservando e confirmando o já provado pelos séculos de experiência, e inovando ao mesmo tempo com o que as novas circunstâncias podem exigir (RINCÓN-PEREZ, 1991, p. 178 — tradução minha).

Como se poderá observar, o documento não descarta a experiência da Igreja na formação dos sacerdotes, muito pelo contrário, valoriza-a, mas exorta a que, nas leis eclesiásticas dirigidas para a formação sacerdotal, sejam introduzidas inovações que correspondam à evolução dos tempos.

O sagrado Concílio reconhece que a desejada renovação de toda a Igreja depende, em grande parte, do ministério sacerdotal, animado do espírito de Cristo; proclama, por isso, a gravíssima importância da formação dos sacerdotes e declara alguns dos seus princípios fundamentais, pelos quais sejam confirmadas as leis já aprovadas pela experiência dos séculos e se introduzam nelas as inovações que correspondam às suas constituições e decretos e à evolução dos tempos. Esta formação sacerdotal, por causa da unidade do mesmo sacerdócio, é necessária aos dois cleros e de qualquer rito. Portanto, estas prescrições, que se referem diretamente ao clero diocesano, devem ser acomodadas na devida proporção a todos os sacerdotes (OT, proêmio).

O decreto conciliar trata sobre diversos temas atinentes à formação sacerdotal: desde a promoção das vocações, organização dos seminários maiores, formação espiritual e ainda outros assuntos de exclusiva relevância.

Além desse documento, o presente estudo deve ter como base a Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, e a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis:

O Concílio Vaticano II dedicou um decreto (Optatam Totius) à formação para o sacerdócio. A disciplina do CIC responde às suas orientações, que recolhem uma tradição multissecular, com as adaptações necessárias às circunstâncias atuais. Ademais, existe para a Igreja universal, um plano de formação (Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis), cujas linhas básicas devem ser seguidas pelas Conferências Episcopais e pelos regulamentos dos seminários (cf. cc. 242-243). Em 25.III.1992, João Paulo II publicou a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, que trata da formação dos sacerdotes na situação atual (CENALMOR E MIRAS, 2004, p. 178).

A Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, que consiste em normas fundamentais para a formação sacerdotal, foi elaborada pela Congregação para a Educação Católica, e publicada primeiramente em 6 de janeiro de 1970, deixando de vigorar com a promulgação do Código de Direito Canônico de 1983.

Adaptando-se à necessidade de se criar uma nova Ratio, a Congregação para a Educação Católica publicou novas diretrizes em 10 de março de 1985, acrescentando, na verdade, muito poucas mudanças em relação ao documento anterior (cf. Enchiridium, p. 326).

Todos esses documentos têm uma particular influência na legislação atual em relação aos responsáveis pela formação dos seminaristas. Entretanto, caberá estudar as diversas orientações presentes em cada um deles na medida em que forem sendo vistos os diversos cânones relacionados com o tema deste artigo e suas fontes.

4. A liberdade religiosa e o dever/direito da Igreja quanto à formação dos que se destinam aos ministérios sagrados

“Os homens de hoje tornam-se cada vez mais conscientes da dignidade da pessoa humana e, cada vez em maior número, reivindicam a capacidade de agir segundo a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por coação, mas levados pela consciência do dever” (DIGNITATIS HUMANAE, 1).

Considerando a consciência do homem hodierno a respeito de sua dignidade, o Concílio Vaticano II promulgou um documento a propósito da liberdade religiosa. A defesa deste princípio confere à Igreja, conforme observaremos mais adiante, alguns direitos e mesmo deveres:

Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. (DH 2).

Esse princípio, segundo explicita o mesmo documento, tem consequências no próprio campo civil: “Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil (DH 2).”

Entre as implicações que a observação do princípio da liberdade religiosa gera no campo civil, está o direito de formação dos ministros religiosos, como ressalta a Dignitates Humanae, 4:

Também compete às comunidades religiosas o direito de não serem impedidas por meios legais ou pela ação administrativa do poder civil, de escolher, formar, nomear e transferir os próprios ministros, de comunicar com as autoridades e comunidades religiosas de outras partes da terra, de construir edifícios religiosos e de adquirir e usar os bens convenientes.

A competência afirmada no trecho dessa declaração se desdobra em um dever/direito afirmado pela própria Igreja, presente no cânon 232 do atual Código, de formar de maneira exclusiva os seus próprios ministros: “É dever e direito próprio e exclusivo da Igreja, formar os que se destinam aos ministérios sagrados”.

Segundo Ghirlanda (2007, p. 135), a “Igreja como tal é o sujeito comunitário responsável pela formação de seus ministros”.

Conforme explica Davide Cito (2002, p. 214, tradução minha), este cânon é semelhante ao cânon 1352 do Código de 1917. Entretanto, o Código anterior:

[…] se limitava a proclamar o direito da Igreja para proteger sua independência e sua liberdade frente às eventuais ingerências ilegítimas do poder secular.

[…] o cânon [232 do Código de 1983] salienta em primeiro lugar o dever que tem a comunidade eclesial de prover a formação de seus ministros, enquanto que o direito se desprende como lógica consequência para poder cumprir com esta obrigação.

Ademais, ressalta Hortal (2008, p. 232):

As normas relativas à formação dos candidatos ao ministério sagrado (e consequentemente ao estado clerical) encontravam-se, no antigo Código, sob a rubrica do Magistério Eclesiástico. Isso lhes dava um saber quase exclusivamente acadêmico. Agora, foram colocadas aqui [Capítulo I – Da Formação dos Clérigos], precisamente para sublinhar os múltiplos aspectos da formação: psicológica, afetiva, acadêmica, espiritual, etc.

Tal normativa implica alguns efeitos práticos para cada autoridade eclesiástica, que estudaremos com detalhes, mas que já podem ser vistas de modo sintético na exposição de Ghirlanda (2007, p. 131):

O c. 232 afirma que a Igreja tem o dever/direito próprio e exclusivo de formar aqueles que são destinados ao ministério sagrado. O cânon quer excluir todo tipo de ingerência por parte da autoridade civil. A autoridade competente é antes de tudo a Santa Sé para a disciplina comum em toda a Igreja universal; depois, as Conferências dos bispos (c. 242) depois, cada bispo diocesano para os clérigos diocesanos; ordinário militar para os clérigos que são incardinados no ordinariato, para os membros dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica, os moderadores competem segundo as constituições de cada instituto ou sociedade; por fim, para os membros de uma prelazia pessoal, o prelado. Quanto é dito para aqueles que se preparam para o ministério sagrado a ser exercido entre o clero secular, vale também para os membros dos institutos religiosos, tendo em conta o plano dos estudos de cada instituto (c. 659, § 3).

5. A responsabilidade das conferências episcopais: Estabelecimento de um Plano de Formação em cada nação

Uma questão que merece destaque quando se trata da formação dos candidatos ao sacerdócio é a dificuldade para a elaboração de leis muito específicas. A Igreja e os candidatos a esse ministério se encontram em todas as partes do mundo, e em cada local se encontram realidades muito diversas e dificuldades muito peculiares a ser enfrentadas pelos sacerdotes.

Por isso, o documento do Concílio dedicado à formação dos seminaristas — Optatam Totius — considerando a variedade dos povos, culturas, regiões etc., se presta unicamente a instituir regras gerais, exigindo assim, de cada nação, um esforço para o estabelecimento de um plano de formação a ser promulgado pelas diversas conferências, que deve ser aprovado pela Santa Sé, e reexaminado de tempos em tempos.

Um dos principais pontos salientados pelo decreto é a obrigação de que a formação sempre corresponda às necessidades daquelas regiões onde o sacerdote irá atuar:

Uma vez que não podem dar-se senão leis gerais para tão grande variedade de povos e regiões, estabeleça-se em cada nação ou rito um peculiar Plano de Formação sacerdotal que há de ser promulgado pela Conferência Episcopal, revisto periodicamente e aprovado pela Santa Sé. Por ele se acomodem as leis universais às condições particulares dos tempos e dos lugares, de maneira que a formação corresponda sempre às necessidades daquelas regiões em que há de exercer-se o ministério sacerdotal (OT 1).

Essas diretrizes estão entre as principais fontes do cânon 242 do atual Código, que prescreve exatamente a necessidade da criação, por parte das Conferências dos Bispos, de um plano de formação, tendo por base as normas dadas pela Santa Sé.

Cân. 242 § 1. Deve haver em cada nação as Diretrizes básicas para a formação sacerdotal, que devem ser estabelecidas pela Conferência dos Bispos, levando em conta as normas dadas pela suprema autoridade da Igreja, e aprovadas pela Santa Sé. Devem ser adaptadas às novas circunstâncias, com nova aprovação da Santa Sé. Nelas sejam definidos os princípios básicos e as normas gerais da formação a ser dados no seminário, adaptados às necessidades de cada região ou província.

§ 2. As normas das Diretrizes, mencionadas no § 1, sejam observadas em todos os seminários, diocesanos ou interdiocesanos.

É verdade que, conforme ressalta a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, o sacerdote deve possuir em todos os tempos e lugares uma mesma fisionomia essencial que jamais pode mudar: a de Cristo.

Quando vivia sobre a terra, Jesus ofereceu em Si mesmo o rosto definitivo do presbítero, realizando um sacerdócio ministerial do qual os Apóstolos foram os primeiros a ser investidos; aquele é destinado a perdurar, a reproduzir-se incessantemente em todos os períodos da História. O presbítero do terceiro milênio será, neste sentido, o continuador dos padres que, nos precedentes milênios, animaram a vida da Igreja. Também no ano 2000 a vocação sacerdotal continuará a ser o chamamento a viver o único e permanente sacerdócio de Cristo (PDV 5).

A Igreja, entretanto, não se exime de se adaptar às diversas épocas e ambientes, a fim de alcançar seus objetivos apostólicos:

Mas é igualmente certo que a vida e o ministério do sacerdote se deve ‘adaptar a cada época e a cada ambiente de vida’. Da nossa parte, devemos, por isso, procurar abrir-nos o mais possível à superior iluminação do Espírito Santo, para descobrir as orientações da sociedade contemporânea, reconhecer as necessidades espirituais mais profundas, determinar as tarefas concretas mais importantes, os métodos pastorais a adotar e, assim, responder de modo adequado às expectativas humanas (PDV 5).

E é por isso que se justifica uma legislação de caráter universal, e outra de nível particular, que fica ao encargo das Conferências Episcopais, conforme nos explica Davide Cito (2002, p. 241 – tradução minha):

A grande diversidade de situações eclesiais e a necessidade de que a formação sacerdotal, ainda que orientada por uma identidade comum do presbítero, saiba adequar-se às diferentes condições de vida e de cultura, justifica o fato de que junto com uma legislação de caráter universal, exista uma normativa particular acomodada às exigências concretas de cada situação.

Segundo o mesmo autor, as disposições sobre as Rationes nacionais têm caráter obrigatório, e têm sido observadas por boa parte das Conferências Episcopais. A Ratio de cada nação, como apontamos anteriormente, deve ser revista e aprovada pela Santa Sé, mesmo em caso de meras modificações. Se faltarem tais orientações em nível nacional, devem-se aplicar as normas emanadas pela Sé Apostólica e as próprias de cada seminário (cf. CITO, 2002).

E continua Cito (2002, p. 242 – tradução minha):

[…] As disposições contidas nas Rationes aprovadas pela Santa Sé antes da entrada em vigor do CIC mantêm seu vigor nas partes que não contradizem as disposições codiciais.

A Ratio nacional deve conter os princípios essenciais e normas gerais da formação seminarística. Como se colocou com exatidão, o fato de que se deva basear-se nas normas emanadas da Santa Sé exige que os princípios essenciais devam sempre inspirar-se nos documentos da Sé Apostólica, deixando, portanto, às normas gerais a possibilidade de se adaptar às necessidades pastorais. Deste modo, sobre uma fisionomia essencial que garanta a identidade sacerdotal comum na Igreja, existe a flexibilidade oportuna para responder às diferentes situações eclesiais.

Ghirlanda destaca que também a formação doutrinal dos candidatos ao presbiterado deve ser amoldada às diversas circunstâncias nas quais eles irão exercer seu ministério: “Toda a formação doutrinal deve ser adaptada às diversas culturas, de tal modo que os alunos possam anunciar o Evangelho de modo aceitável aos homens aos quais se dirigem” (2007, p. 150).

O autor fundamenta a relação que deve haver entre a formação doutrinal dos presbíteros, e o ambiente no qual eles operarão, nas normas fundamentais para a formação sacerdotal emanadas pela Congregação para a Educação Católica:

Em toda formação doutrinal deve-se procurar cuidadosamente a acomodação às diversas culturas, para que os alunos possam entender e explicar a mensagem de Cristo segundo a forma própria de cada cultura, e para que, com isso, possam acomodar a vida cristã à índole e ao caráter de cada uma delas.

Por isso, os professores de filosofia e de teologia não omitam comparar, em suas explicações, a doutrina cristã com as ideias íntimas com as quais se formaram os homens, segundo suas tradições, de Deus, do mundo, e, o quanto seja possível, enriquecer com elas o saber científico e a inteligência da fé (RFIS, 64 – tradução minha).

Convém advertir que as Ratios nacionais devem ser elaboradas pelas Conferências Episcopais, observando a Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, à qual nos referimos anteriormente.

6. Um dos papéis do Bispo: velar sobre a formação doutrinal dos seminaristas

Nas diversas legítimas comunidades de fiéis que compõem esta sociedade visível que é a Igreja, deve haver um primeiro representante de Cristo na formação sacerdotal:

O primeiro representante de Cristo na formação dos sacerdotes é o bispo. Poder-se-ia dizer do bispo, de cada bispo, quanto nos diz o evangelista Marcos no texto, já várias vezes citado: “Chamou a Si aqueles que quis e eles foram ter com Ele. Constituiu Doze de entre eles que estivessem com Ele, e também para os enviar” (Mc 3, 13-14). Na realidade, a chamada interior do Espírito precisa de ser reconhecida como autêntico chamamento pelo bispo. Se todos podem “ir ter” com o Bispo enquanto Pastor e Pai de todos, podem fazê-lo de forma particular os seus presbíteros pela comum participação do mesmo sacerdócio e ministério: o Bispo, diz o Concílio, deve considerá-los e tratá-los como “irmãos e amigos”. O mesmo se pode dizer analogamente de quantos se preparam para o sacerdócio. A propósito do “estar com ele”, com o bispo, revelar-se-á muito significativo para as suas responsabilidades formativas com os candidatos ao sacerdócio, que o Bispo os visite frequentemente e de certa maneira “esteja” com eles (PDV 65).

Ortiz e Perez (1991, p. 182 – tradução minha), ao comentarem os órgãos de direção e formação dos seminários, sintetizam a respeito da responsabilidade dos bispos:

É claro que o primeiro responsável pela formação de seus sacerdotes é o bispo. A ele compete decidir tudo quanto concerne à alta direção do seminário, em conformidade com o Direito Universal e com o Plano de formação emanado pela Conferência Episcopal. Assim, ao bispo corresponde o direito e o dever de visitar pessoalmente e com frequência o seminário, de supervisionar a formação e o ensinamento que se ministram nele, e de se informar acerca da vocação, caráter e aproveitamento dos alunos (c. 259).

Segundo Cito (2002), o cânon 259 define a responsabilidade do bispo sobre os seminários de maneira análoga ao modo como fazia o Código de 1917, dando-lhe, além do estabelecido em outros cânones (235, § 1, 241, 243, 253 § 1, 257 § 2, 263, 264 § 1) todas as atribuições que concernem ao governo espiritual e material do seminário.

Por ser o primeiro responsável pela formação dos seminaristas, cabe então ao bispo, conforme institui o cânon 259 § 2, velar sobre os estudos filosóficos e teológicos:

O bispo diocesano ou, se se tratar de seminário interdiocesano, os bispos interessados, visitem eles mesmos os seminários com frequência, velem sobre a formação dos seus alunos, como também sobre o ensino filosófico e teológico aí ministrado; informem-se sobre a vocação, a índole, a piedade e o aproveitamento dos alunos, sobretudo em função do conferimento das ordens sagradas.

Este parágrafo manifesta a responsabilidade pessoal que o bispo tem sobre a formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio. O fato de ele se valer da colaboração dos superiores do seminário para desempenhar esta função que a ele cabe, não o exonera do dever de intervir pessoalmente nesta formação.

7. Moderatum Studiorum

Apesar de o bispo ser um dos grandes responsáveis pela formação doutrinal dos candidatos ao sacerdócio, ele pode e deve fazê-lo por meio da criação de algumas funções e ofícios. O atual Código e a Ratio Fundamentalis Institutiones Sacerdotalis, a qual nos referimos anteriormente, elenca alguns moderadores que devem ser nomeados para os seminários, entre os quais o prefeito ou moderador dos estudos (cânon 254), a quem caberia o dever de velar para que haja verdadeira unidade na doutrina ensinada pelos professores:

Todos eles [os professores] exercem um verdadeiro ofício na Igreja por mandato, e devem ser solícitos para manter a unidade e harmonia de toda a doutrina, de tal modo que os alunos não sejam simples receptores, mas que os ensine a pensar (c. 254 § 2). Por esta razão deveria haver um prefeito ou moderador de estudos (cc 254 § 1, 261, § 2) com uma dupla função: prestar atenção na unidade e harmonia da doutrina da fé e ajudar o reitor na coordenação dos professores. Nada obsta para que este cargo possa ser desempenhado por um sacerdote professor já jubilado nas classes (RUIZ et al, 2006, p. 202).

Esta figura, segundo os comentários de Hortal (2008, p. 141), “é nova na legislação canônica comum, embora de longa tradição em muitas instituições”. Sua missão, considera Cito (2002), consiste em dispor o plano de estudos dos seminaristas, por meio de uma ação de estímulo, coordenação e vigilância junto aos professores, a fim de proporcionar aos candidatos uma formação teológica mais orgânica, sintética e íntegra.

A Pastores dabo vobis, 54, insiste para que os alunos sejam ajudados a realizar uma síntese que lhes favoreça possuir uma visão completa e unitária das verdades reveladas por Deus, em Jesus Cristo, e da experiência de fé da Igreja. Por isso, o prefeito de estudos deve empenhar-se para que os seminaristas conheçam todas as verdades cristãs de modo orgânico, sem fazer opções arbitrárias.

Devido à importância da formação intelectual e doutrinal dos seminaristas, o § 2 do cânon 261 confia uma competência específica ao moderador dos estudos e ao reitor, no que tange ao devido cumprimento do cargo dos professores:

Cân. 261 § 2. O reitor do seminário e o diretor dos estudos cuidem com diligência que os professores cumpram devidamente o seu ofício, de acordo com as Diretrizes básicas para a formação sacerdotal e com o regulamento do seminário.

8. Os professores do seminário

Entre os que devem compor o seminário, encontram-se os que se destinam a ministrar a formação doutrinal aos seminaristas, de acordo com a prescrição do cânon 239 § 1:

Cân. 239 § 1. Em cada seminário haja o reitor que o presida, e, se for o caso o vice-reitor, o ecônomo e, se os alunos fazem os estudos no próprio seminário, também professores que ensinem as diversas disciplinas coordenando-as entre si.

Segundo o que nos explica Davide Cito (2002, p. 232 – tradução minha) a respeito dessa prescrição, “o cânon descreve os principais ofícios destinados a dirigir a vida do seminário. Os titulares destes ofícios se apresentam como os colaboradores mais diretos do bispo na tarefa de formar o clero de sua diocese”. É verdade que o cânon menciona os professores que desenvolvem seu ofício dentro dos próprios seminários. O que não quer dizer que os demais não atuem também como longa manus do bispo no que tange à formação doutrinal. Ao menos, é o que se pode concluir de um dos trechos da Pastores dabo vobis, 67:

Todos quantos introduzem e acompanham os futuros sacerdotes na sacra doutrina, por meio do ensino da teologia, assumem uma particular responsabilidade educativa, que a experiência demonstra ser muitas vezes mais decisiva, no desenvolvimento da personalidade presbiteral, que a dos outros educadores.

É tal a importância que se deve dar ao cargo de professores das disciplinas filosóficas, teológicas e jurídicas em um seminário, que cabe aos bispos interessados a nomeação deles. Ademais, todos eles devem ser doutores, ou ao menos licenciados em alguma universidade, ou faculdade, aprovada pela Santa Sé:

Cân. 253 § 1. Para o encargo de professor nas disciplinas filosóficas, teológicas e jurídicas, sejam nomeados pelo bispo ou pelos bispos interessados somente os que, eminentes em virtudes, tenham conseguido doutorado ou licença numa universidade ou faculdade reconhecida pela Santa Sé.

Nas explicitações que a esse respeito desenvolve Gianfranco Ghirlanda (2007), afirma-se a necessidade de consulta ao reitor e ao colégio de professores já existente, para a nomeação dos professores de um seminário, bem como a possibilidade de proposta de candidatos por parte desses. E ainda acrescenta:

O código não diz nada se esses professores devem ser só clérigos, ou se podem ser também leigos, mas a RFIS 33 determina que para o ensino das disciplinas sagradas estes sejam normalmente sacerdotes. Portanto, excepcionalmente para ensinar essas matérias, podem ser nomeados leigos.

As normativas atuais se distinguem inteiramente do que definia o cânon 1360 § 1 do Código de 1917, que preceituava a obrigatoriedade da condição sacerdotal para os professores. Entretanto, os professores leigos não deixam de estar submetidos à autoridade eclesiástica.

Para delimitar o alcance do cânon [253] é preciso observar com caráter preliminar que, ao ser o seminário uma estrutura pública própria da organização eclesiástica, ainda que o cânon contemple diretamente os professores de disciplinas filosóficas, teológicas ou jurídicas, coloca também os professores de outras matérias em uma situação de particular dependência da autoridade eclesiástica e, portanto, a eles se aplica analogamente a normativa prevista para os docentes das disciplinas sagradas.

É preciso dizer, em segundo lugar, que o fato de os alunos do seminário realizarem em outro lugar os estudos filosófico-teológicos não míngua a responsabilidade de vigilância que tem o bispo e os superiores sobre a qualidade do ensino ministrada aos seus próprios seminaristas, e ainda que não possuam o poder de remoção indicado no § 3, têm o dever de informar as autoridades acadêmicas sobre as eventuais irregularidades que se verifiquem nos professores (CITO, 2002, p. 271).

Outro requisito que aparece no cânon 253 para a nomeação dos professores de um seminário, é que estes sejam eminentes em virtudes:

Em particular, a especificidade e o êxito formativo dos professores de teologia mede-se pelo fato de eles serem, antes de mais, homens de fé e cheios de amor pela Igreja, convencidos de que o sujeito adequado do conhecimento do mistério cristão continua a ser a Igreja enquanto tal, persuadindo-se, portanto, de que a sua tarefa de ensinar é um autêntico ministério eclesial, serem ricos de sentido pastoral para discernir não só os conteúdos mas também as formas adequadas para o exercício deste ministério. Particularmente se requer dos professores a fidelidade plena ao Magistério. De fato, ensinam em nome da Igreja e por isso são testemunhas da fé (PDV 67).

Por isso, os professores devem estar compenetrados da grande responsabilidade a eles distinguida, de serem formadores, nada mais, nada menos, de futuros ministros sagrados.

Essa consciência deve ser mostrada em seu sensus Eclesiae e no obséquio para com o magistério. É verdade que os professores devem ter a peito o progresso doutrinal, gozando da devida liberdade de pesquisa. Mas, levando em conta os diversos graus de certeza teológica, devem claramente ensinar aquilo que deve ser aceito como doutrina de fé, e distinguir disso o que é opinião de outros autores ou até pessoais (GHIRLANDA, 2007, p.138).

Podemos encontrar sólidas sustentações para essas explicitações de Ghirlanda na Instrução publicada pela Congregação para a doutrina da fé, Donun Veritatis:

A vontade de apresentar fielmente os ensinamentos do Magistério sobre as questões de per si irreformáveis deve ser a regra. No entanto, um teólogo pode, conforme a situação, levantar questões sobre a atualidade, a forma, ou até mesmo o conteúdo das intervenções magisteriais. Neste caso, o teólogo vai precisar, em primeiro lugar, avaliar com precisão a autoridade dos ensinamentos expressos, de acordo com a natureza dos documentos, a insistência com que a doutrina é repetida, e a maneira como foi expressa (Donun Veritatis, 24 de maio de 1990, n. 24, in AAS 82, 1990, 1550-1570 − tradução minha).

Concluindo, podemos sintetizar os requisitos de caráter pessoal que devem constar nos professores dos seminários basicamente em três: reta doutrina, testemunho de vida cristã e capacidade pedagógica (CITO, 2002). Desta maneira, torna-se mais clara a prescrição do cânon 833, 6º, de que os professores de filosofia e teologia estejam obrigados a emitir a profissão de fé e juramento de fidelidade na presença do Ordinário do lugar ou um representante seu. Também se pode compreender melhor o § 3 do cânon 253, que, em consonância com o cânon 810, § 1, prescreve a remoção do ofício de professor pela autoridade competente, para aqueles que faltem gravemente ao seu dever: “Can, 253 § 3. Magister qui a munere suo graviter deficiat, ab auctoritate, de qua in § 1, amoveatur.[2]

A respeito do quadro de professores que deve compor a formação dos seminaristas, o § 2 do mesmo cânon parece reforçar as determinações do Código anterior, cânon 1366, pois também prescrevia distintos professores para cada uma das disciplinas fundamentais.

Cân. 253 § 2. Cuide-se que sejam nomeados professores distintos para o ensino da Sagrada Escritura, teologia dogmática, teologia moral, liturgia, filosofia, direito canônico, história eclesiástica e de outras disciplinas que devem ser dadas segundo método próprio.

Por fim, convém ressaltar o quanto todos os componentes da equipe de formação dos seminários, incluindo os professores, são solidariamente responsáveis para que se observem fielmente as normativas prescritas para tal finalidade.

O professor de teologia, como qualquer outro educador, deve permanecer em comunhão e colaborar cordialmente com todas as outras pessoas empenhadas na formação dos futuros sacerdotes e apresentar com rigor científico, generosidade, humildade e paixão, o seu contributo original e qualificado, que não é apenas a simples comunicação de uma doutrina — mesmo sendo a sacra doctrina —, mas é sobretudo a oferta da perspectiva que unifica no desígnio de Deus, os diversos conhecimentos humanos e as várias expressões de vida (PDV 61).

É o que se depreende do cânon 261 § 1:

O reitor do seminário e também, sob sua autoridade os moderadores e professores, na parte que lhes compete, cuidem que os alunos observem fielmente as normas prescritas pelas Diretrizes básicas da formação sacerdotal e pelo regulamento do seminário.

ADRIANO, Carlos. in: in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 9, Out-Dez 2009. p. 83-102.

Referências Bibliográficas

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CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA: Edição revisada de acordo com o texto oficial em latim. 9. ed. São Paulo: Loyola, 2006.

CENALMOR, Daniel; MIRAS, Jorge. El Derecho de la Iglesia: Curso Básico de Derecho Canónico. Quito: Corporación de Estudios y Publicaciones, 2004.

CITO, Davide. in: Comentario exegético al Código de Derecho Canónico. 3. ed. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra – EUNSA, 2002.

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO: Codex Iuris Canonici. Bilingue. 17. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

COMPÊNDIO do Catecismo da Igreja Católica. Tradução de Orlando MOREIRA, Marcelo PERINE. São Paulo: Loyola; Paulus, 2005.

ENCHIRIDION: La Formación Sacerdotal: Documentos de la Iglesia sobre la Formación Sacerdotal. Madrid: Editorial EDICE, 1999.

GHIRLANDA, Gianfranco. Introdução ao Direito Eclesial. Tradução de Roberto Leal FERREIRA. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

HORTAL, Jesús. Código de Direito Canônico. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

RINCÓN-PEREZ, Tomás. in: Manual de derecho canónico. 2. ed. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra – EUNSA, 1991.

RUIZ, Teodoro et al. Derecho Canónico: El Derecho del Pueblo de Dios. V. 1. Madrid: BAC, 2006.


[1] “Outro problema, sentido sobretudo onde os estudos seminarísticos são confiados a instituições acadêmicas, diz respeito à relação entre o rigor científico da teologia e o seu objetivo pastoral, e, por conseguinte, à natureza pastoral da teologia. Trata-se, na realidade, de duas características da teologia e do seu ensino, não se opõem entre si, antes concorrem ambas, ainda que em perspectivas diversas, para uma “inteligência da fé” mais completa. Efetivamente a pastoralidade da teologia não significa uma teologia menos doutrinal, ou inclusivamente destituída da sua cientificidade; significa antes que essa teologia habilita os futuros sacerdotes a anunciar a mensagem evangélica através dos modos culturais do seu tempo e a considerar a ação pastoral segundo uma autêntica visão teológica. E assim, por um lado, um estudo respeitador da cientificidade rigorosa de cada uma das disciplinas teológicas contribuirá para uma mais completa e profunda formação do pastor de almas como mestre da fé; por outro, a adequada sensibilidade ao objetivo pastoral tornará verdadeiramente formativo para os futuros sacerdotes o estudo sério e científico da teologia”. (PDV 55)

[2] Tradução: Cân. 253 § 3. O professor que faltar gravemente em seu ofício, seja destituído pela autoridade mencionada no § 1.

Bento XVI decreta enriquecedoras precisões ao Direito Canônico

Diác. Carlos Adriano, EP

ord-diaconalNaqueles dias, como crescesse o número dos discípulos, houve queixas dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas teriam sido negligenciadas na distribuição diária. Por isso, os Doze convocaram uma reunião dos discípulos e disseram: Não é razoável que abandonemos a palavra de Deus, para administrar. Portanto, irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais encarregaremos este ofício. Nós atenderemos sem cessar à oração e ao ministério da palavra. Este parecer agradou a toda a reunião. Escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo; Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram-nos aos apóstolos, e estes, orando, impuseram-lhes as mãos. (At. 6, 1-6).

        

            Por muitos anos, a tradição teológica fundamentou a origem do ministério diaconal neste trecho da Sagrada Escritura. Os próprios textos do Concílio Vaticano II – por exemplo, Lumen Gentium, n. 20 – se utilizam desta passagem para afirmar que os apóstolos tiveram distintos colaboradores no seu ministério (Cf. ARNAU-GARIA, 1995).

            Objetivando facilitar os estudos a respeito das novas mudanças no atual Código de Direito Canônico, decretadas pelo Motu Proprio Omnium in Mentem, procuraremos sintetizar e esclarecer, por meio deste artigo, as modificações mais diretamente relacionadas com este membro da Igreja – o diácono. O Papa Bento XVI decidiu fazer alterações, que descreveremos em seguida, a fim de haver mais unidade entre a doutrina teológica e a legislação canônica, conforme elucida o próprio documento mencionado.

             A doutrina da Igreja definiu que os diáconos recebem o sacramento da ordem “não para o sacerdócio, mas para o serviço” (LG29). Por isso, enquanto o bispo e o presbítero agem “in persona Christi Capitis” (na pessoa de Cristo Cabeça) (LG10), o diácono é configurado com Cristo servo dos servos de todos e age, portanto, in persona Christi Servitoris.

            A fim de que se aclarasse esta doutrina no Catecismo da Igreja Católica, o Papa João Paulo II, a conselho da Congregação para a Doutrina da Fé, adequou o ponto 1581 ao número 29 da Lumen Gentium. O Catecismo afirmava o seguinte: “Pela ordenação, a pessoa se habilita a agir como representante de Cristo, Cabeça da Igreja, em sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei.” Trata-se de uma imprecisão. O texto aponta que a ordenação habilita a pessoa a agir na pessoa de Cristo Cabeça. Ocorre, entretanto, que a ordenação não configura o diácono com Cristo Cabeça, mas com Cristo Servidor.

            A imprecisão se deu também no Código de Direito Canônico de 1983:

             Cân. 1008 Por divina instituição, graças ao sacramento da ordem, alguns entre os fiéis, pelo caráter indelével com que são assinalados, são constituídos ministros sagrados, isto é, são consagrados e delegados a fim de que, personificando a Cristo Cabeça, cada qual no seu respectivo grau, apascentem o povo de Deus, desempenhando o múnus de ensinar, santificar e governar.

            Escutando o parecer do Pontifício Conselho para os textos legislativos, o Papa Bento XVI estabeleceu  que as palavras deste cânon fossem modificadas, e que fosse acrescido um terceiro parágrafo no cânon 1009. Segue o trecho do Motu Proprio, que institui tal modificação:

            Por isso, tendo ouvido sobre o mérito a Congregação para a Doutrina da Fé e do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e tendo igualmente solicitado o parecer de S. R. E. Nossos Veneráveis Irmãos Cardeais responsáveis pelos Dicastérios da Cúria Romana, decretamos o quanto segue:

Art. 1. O texto da can. 1008 do Código de Direito Canônico seja alterado de modo que doravante seja:

“Com o sacramento da ordem por instituição divina alguns dentre os fiéis, mediante o caráter indelével com o qual são marcados, são constituídos ministros sagrados; isto é, aqueles que são consagrados e destinados a servir, cada um no seu grau, com novo e peculiar título, o povo de Deus”.

Art. 2. O can. 1009 do Código de Direito Canônico doravante tenha três parágrafos, dos quais no primeiro e no segundo se manterá o texto do canônico vigente, enquanto o terceiro texto seja redigido de modo que o can. 1009 § 3 assim resulte:

Aqueles que são admitidos na ordem do episcopado ou do presbiterato recebem a missão e a faculdade de agir na pessoa de Cristo Cabeça, os diáconos, ao invés, estão habilitados a servir o povo de Deus na diaconia da liturgia, da palavra e da caridade”.

 

Ver mais sobre este documento em: http://presbiteros.blog.arautos.org/2009/12/30/bento-xvi-decreta-enriquecedoras-precisoes-ao-direito-canonico-ii/