Ao abraçarem o pecado, os homens se fecham à luz procedente do Verbo

moco-ricoMons. João Clá Dias, EP

O Evangelho de São João, apresenta Cristo enquanto luz, vida e verdade, que se revela aos homens submersos nas trevas da ignorância e do pecado, e através dessa revelação, eleva-os à contemplação dos misteriosos e infinitos horizontes sobrenaturais da fé. Vemos, assim, o quanto é densa de significação essa aproximação que São João faz a respeito de vida e luz. Por outro lado, podemos deduzir até que ponto o pólo oposto estaria colocado na morte e trevas, não no sentido de que se possa considerá-las como uma potência incriada e em luta contra Deus como desejariam os maniqueus, ou os gnósticos, por exemplo. Mas de fato inteiramente aplicáveis aos que se blindam em relação à luz, ou seja, à Palavra de Deus, e depois de se lançarem nas trevas, acabam por conferir a morte ao seu espírito.

Se a vida se torna tal só quando se reconhece chamada por Deus e só nesta compreensão — de ser “luz” — é vida, é necessário que tenha também a possibilidade de recusar tal compreensão e tornar-se “trevas”. Trevas em S. João não significa, como no gnosticismo, uma substância eterna e contrária a Deus; mas é um ato histórico, isto é, a revolta que perpassa toda a história do homem contra o apelo da palavra divina e o fechar-se do homem em si mesmo. Por isso a condição do homem fechado em si e que procura manter essa orgulhosa auto-suficiência é caracterizada por João como matar a verdade e ser mentiroso (8, 30-47), buscar a glória (isto é, a luz aparente) dos homens em vez da glória (a verdadeira luz) de Deus (5,44; 7,18; 12,43)[1].

Em contraste com as “trevas”, compreendemos ainda melhor a pulcritude da “luz”, como também o porquê da afirmação de Jesus: “O teu olho é a luz de teu corpo. Se o teu olho for simples, todo o teu corpo será luminoso” (Mt 6, 22). De fato, pode-se assegurar que se teu olho é simples, teu interior será luminoso. Se tua intenção é reta, teu interior estará penetrado de luz. Se teu coração é puro, verá as coisas como realmente são. Assim, ter o interior luminoso significa ver as coisas em sua verdadeira luz, apreciá-las segundo seu justo valor, de dentro do prisma da eternidade e em função de suas relações com o Verbo de Deus.

Ao se perguntar Santo André de Creta, bispo, em seu sermão de Domingo de Ramos:

“Que luz é esta?”, respondeu logo a seguir com toda clareza: “Só pode ser aquela que ilumina a todo homem que vem ao mundo (cf. Jo 1,9). A luz eterna, luz que não conhece o tempo e revelada no tempo, luz manifestada pela carne e oculta por natureza, luz que envolveu os pastores e se fez para os magos guia do caminho. Luz que desde o princípio estava no mundo, por quem foi feito o mundo e o mundo não a conheceu. Luz que veio ao que era seu, e os seus não a receberam”[2].

Aí está esse Deus que “habita uma luz inacessível” (1 Tm 6, 16) na realização de Seu eterno desejo de comunicar Sua própria vida, “a luz dos homens” (Jo 1, 4). E daí se entende o porquê de os homens, quando abraçam o pecado, fecharem os olhos à luz procedente do Verbo, Vida de nossa vida, Luz de nossa inteligência. À salvação, prefere o pecador as desordenadas trevas de suas paixões, de suas más inclinações.

Aquela vida é a luz dos homens, mas os corações insensatos não podem compreendê-la, porque seus pecados não lhes permitem; e para que não suponham que essa luz não existe, pelo fato de que não podem vê-la, prossegue: “A luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a compreenderam”. Por isso, irmãos, assim como o homem cego colocado diante do sol, embora estando em sua presença, se considera como ausente dele, dessa maneira todo insensato, todo iníquo, todo ímpio é cego de coração. Está diante da sabedoria, mas como um cego, seus olhos não a podem enxergar: ela não está longe dele, mas ele é quem está longe dela[3].

CLÁ DIAS, João. Lumen Veritatis. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho, n.2. jan-mar 2008. p. 22; 29-30. (adptado)

[1] RATZINGER, Joseph. Dicionário de Teologia, de Heinrich Fries – III vol. – pág. 207 – Edições Loyola – São Paulo – 1987).

[2] Liturgia das Horas, Vol. II, tradução para o Brasil da 2ª edição, 1999, Editoras Vozes, p. 366

[3] AUGUSTINOS, In Evangelium Ioanenis Tractatus Centum Viginti Quatro, § 18-19. Disponível em <htpp://www.sant-agostino.it/latino/comento_vsg/index2.htm>. Acesso em: 24 jun. 2007. Tradução nossa.

Liberdade e graça no homem ferido pelo pecado

Pe. Antônio Guerra, EP

Quem pode entender o pecado?”[1] Santo Agostinho comentava a ausência da inteligibilidade que existe no pecado

“Os delitos, de fato, quem os compreende? Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem. Por isto, disse, o servo é aquele que conserva essa doçura, suavidade de caridade e amor pela unidade. Mas eu mesmo que a conservo, ainda te peço, pois os delitos quem os compreende?”. [2]

O pecado é algo não inteligível e como tal, contrário à natureza inteligente. Nele muitas vezes encontramos esta procura da suavidade do deleite, como diz o Hiponense. Entretanto, esta é contrária à verdadeira suavidade que se fala na Dignitatis Humanae, com a qual a providência divina faz com que o homem: “possa conhecer cada vez mais a verdade imutável[3]. Mas a falsa suavidade que se encontra na transgressão da Lei Eterna turba os olhos que são feitos para a Verdade. Deteriorada a inteligência pela vontade pecaminosa, o homem perde a consciência reta.

A verdadeira liberdade ― afirmada na Gaudim et Spes ― é: “um sinal altíssimo da imagem divina”[4] impresso no homem que é criado à imagem e semelhança de Deus. Da liberdade provém a dignidade, quando: “libertando-se da escravidão das paixões, tende para o fim pela livre escolha do bem”[5].

Porém, ferida a alma pelo pecado voluntariamente cometido, o homem somente consegue realizar tal libertação das paixões com a ajuda da divina graça. Não esqueçamos que na DH, o Concílio cita como fonte os textos de São Tomás, nos quais fica claro que: “devido à corrupção da natureza se inclina ao bem privado, enquanto não seja curado pela graça divina[6].

O mesmo repete a Gaudium et Spes: “A liberdade do homem, ferida pelo pecado, só com a ajuda da graça divina pode tornar plenamente efetiva esta orientação para Deus[7].


[1] Salmo 18, 13.

[2] Santo Agostinho, Super Salmos, 18.

[3] DH 3.

[4] Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037.

[5] Ibidem.

[6] Suma Teológica I-II q. 109 a. 3 co.: “propter corruptionem na­tu­rae sequitur bonum privatum, nisi sanetur per gratiam Dei”.

[7] Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037.

Os apetites humanos

Mons. João S. Clá Dias, EP

Todas as coisas apetecem o bem, diz São Tomás, até mesmo as que carecem de conhecimento.[1] O Aquinate assim define essa natural propensão dos seres:

“Por isso, já que todas as coisas estão ordenadas e dirigidas por Deus ao bem, e em cada uma delas há um princípio pelo qual elas tendem ao fim, como dirigindo-se ao fim, deve-se dizer que todas as coisas naturais apetecem o bem por natureza”.[2]

Esse primeiro tipo de inclinação — chamado apetite natural — é uma tendência sempre atual, que relaciona uma forma a seu bem ou à sua perfeição. Por exemplo, um corpo pesado inclina-se de maneira constante para baixo. O homem, como criatura que é, compartilha o apetite natural com todos os outros seres. São Tomás afirma ainda:

“A ordem dos preceitos da lei natural é conforme à ordem das inclinações naturais. Pois a primeira inclinação que existe no homem, de acordo com a natureza que ele tem de comum com todas as substâncias, é para o bem, no sentido de que toda substância procura a conservação do seu ser, segundo sua natureza”.[3]

Conforme Frei Abelardo Lobato, O.P., “o apetite natural se manifesta de modo magnífico na lex naturalis do homem, uma esplêndida participação da lei eterna”.[4] E acrescenta:

“Tomás de Aquino colocou em relevo de muitos modos tudo o que é conatural ao homem. A natureza compreende a totalidade, é determinada pela espécie, e tem um peso ontológico que se inclina para os bens convenientes a ela, com anterioridade aos dinamismos das potências. Na esfera do conhecer há que se admitir conhecimentos por conaturalidade e por instinto, que brotam espontaneamente do espírito do homem”.[5]

Note-se que tal conhecimento por conaturalidade, por se tratar de um conhecimento instintivo prévio, reveste-se da maior importância na determinação dos atos humanos. Lobato afirma que esse apetite natural “tende para o bem de modo determinado e bem seguro”.[6]

Além do apetite natural, os animais dispõem ainda do apetite sensitivo, ao qual, no caso do homem, acrescenta-se o apetite racional. Estes dois apetites supõem o conhecimento sensível e o intelectual.

Segundo Lobato, este é um dos pontos fundamentais da antropologia tomista — os três tipos de apetites do homem — que constituem justamente a primeira base, o primeiro substrato da tendência e movimento do ser humano para o bem.

Sendo passivas, as potências apetitivas se distinguem pelos princípios motores que as determinam. O fato de o objeto desejado ser apreendido pelo sentido ou pela inteligência não constitui uma circunstância puramente acidental: a afetividade sensível orienta-se para os bens particulares, considerados como tais; o apetite racional — a vontade — sempre visará a esses bens particulares sob a razão universal de bem. Assim como a atividade da razão tende à verdade, a da vontade tende para o bem.

Depois de lembrar a “persistência e determinação” dos apetites naturais, Lobato diz que isso só é compreensível se for referido ao próprio Autor da natureza,

“que deu a cada ser uma tendência para os bens que lhe convêm. Daí procede o ímpeto de conservar, manter e acrescentar o próprio ser. No homem, o apetite natural está na base de todas as suas inclinações. Enquanto é homo viator, é homem de desejos”.[7]

O apetite sensitivo procede da forma e do conhecimento sensível, sendo comum aos homens e aos animais irracionais. A atividade sensitiva humana conta com duas potências distintas, pelas quais tende ao bem, quando este se apresenta simplesmente como tal (bonum simpliciter), ou se dispõe ao esforço para obtê-lo, quando é preciso vencer dificuldades e obstáculos (bonum arduum). No primeiro caso temos o apetite concupiscível; no segundo, o irascível. O mal sensível também é objeto das potências sensitivas, causa repugnância à concuspicência e provoca no irascível a disposição para a luta, a fim de evitá-lo.

De modo sucinto, Lobato define o apetite sensitivo como sendo

“o movimento do sujeito em direção aos bens concretos, que o conhecimento descobriu na esfera do sensível, nos entes reais, e os apetece aqui e agora como algo que lhe agrada, que lhe é útil, ou algum mal de que ele foge porque se lhe mostra nocivo”.[8]

Os atos do apetite sensitivo (concupiscíveis e irascíveis) são acompanhados de modificações corporais. Costuma-se denominá-los paixões, designando uma tendência ou um movimento de caráter ativo, ou uma afeição aparentemente passiva. Em si mesmas, as paixões não são boas nem más. No homem elas recebem uma influência da razão e da vontade. Na medida em que essa influência seja voluntária e livre, haverá bondade ou malícia moral.

Entre as principais paixões, as pertencentes ao concupiscível são a alegria, a tristeza, o amor e o ódio. Ao irascível pertencem a audácia, o temor, a esperança e semelhantes.[9]

O apetite irascível apela para faculdades mais intelectivas, diferentemente do apetite concupiscível; para desejar bastam sensações ou imagens; para se encolerizar é preciso tomar consciência das relações abstratas ao alcance apenas dos sentidos internos superiores, a cogitativa e a memória, e envolver mais a razão.

As tendências estáveis adquiridas por repetição de atos são chamadas hábitos. Estes podem ser maus (vícios), ou bons (virtudes).

Acima do apetite sensitivo, coloca-se o apetite racional, chamado também de vontade, sobre o qual falaremos mais adiante.


[1] De Veritate, q. 22, a. 1: “Dicendum quod omnia bonum appetunt, non solum habentia cognitionem sed etiam quae sunt cognitionis expertia”.

[2] De Veritate, q. 22, a. 1.

[3] S. Th. I-II, q. 94, a. 2. “Inest enim primo inclinatio homini ad bonum secundum naturam in qua communicat cum omnibus substantiis: prout scilicet quaelibet substantia appetit conservationem sui esse secundum suam naturam”.

[4] LOBATO, Abelardo. El hombre en cuerpo y alma. Tratado I: El cuerpo humano. In: El Pensamiento de Tomás de Aquino para el hombre de Hoy. Vol. 1. Valencia: Edicep, 1994. p. 212.

[5] Ibidem, p. 212-213.

[6] Ibidem, p. 213.

[7] Loc. cit.

[8] Loc. cit.

[9] Cf. S. Th. I-II, q. 23, a. 1.

A ruptura da lei perante Deus

Diác. José de Andrade, EPluz

A inobservância da lei Divina e natural acarreta em si uma forma de penalidade munida de contornos próprios. Desta forma, a perturbação e o não cumprimento das prescrições definidas poderão conduzir ao pecado,1 que consiste precisamente numa transgressão à Lei de Deus, embora coincida com a violação da lei natural. Uma vez que Deus ordena desde toda a eternidade o que é conveniente e proporcionado à natureza racional,2 consistiria numa ruptura com esta ordem e, portanto, com Deus, se o homem viesse a recusar e menosprezar a lei natural enquanto participação da criatura racional na lei eterna. Consequentemente, romper com a Lei pode trazer uma sanção na vida futura, que consiste na perda eterna da felicidade.

De acordo com São Tomás de Aquino, Deus ama os homens chamando-os à visão de Deus, que supera o comum estado da natureza, outorgando-lhes não só a graça nesta terra, como a glória no Céu. Porém, aqueles que pecam fazendo mau uso de sua liberdade, e de seu livre arbítrio, perdem nesse mesmo instante a graça, e o Supremo Juiz reprova-os imputando-lhes a devida culpa que é causa de uma pena eterna, aplicada na vida futura.3 Verifica-se então uma dupla decorrência relativa à transgressão: em sua peregrinação terrena o pecador perde a posse de Deus – antecipação da felicidade eterna – consequência que se assemelha, de certo modo, a um prelúdio daquela mesma reprovação eterna que se dá após o juízo.

Entretanto, também o não cumprimento das leis humanas, quando providas das condições que as legitimam e validam, obrigam em consciência diante de Deus e a sua transgressão poderá constituir um verdadeiro pecado,4 cuja gravidade dependeria, sobretudo, do grau de rompimento com a lei divina a ela adjacente.

______________

1 Ver, por exemplo, um estudo relativamente recente de FUCEK, Ivan. Il Peccato Oggi. Roma: Università Gregoriana, 1996. Em geral no capítulo VI, La natura del peccato e dei peccati; em particular nas páginas 169 e 175.

2 Cf. ROYO MARÍN, Antonio. Teologia moral para seglares. 2. ed. Madrid: BAC, 2007. Vol. I. p. 129.

3 Cf. S. Th. q. 23, a. 3; 7.

4 ROYO MARÍN, Antonio. Op. Cit. p. 140.

Paul Ricoeur: la propuesta ético-cristiana para nuestro tiempo

Paul Ricoeur in: wikipedia.org

Paul Ricoeur foto: wikipedia.org

Pe. Santiago Canals, EP

Existen muchas formas de presentar una ética cristiana. El presente trabajo está realizado a partir de diversas consideraciones éticas y políticas de la obra Pensar en la Biblia – Estudios exegéticos y hermenéuticos de Paul Ricoeur (1913-2005), escrita junto con el Prof. André Lacocque1. Nos fundamentaremos en sus comentarios sobre el “mito adámico”2. Consideramos, en primer lugar, que la perspectiva cristiana desde la cual nos situamos considera la ética y la política un mensaje de vida y no de muerte. Haremos una lectura según el concepto hermenéutico medieval y desde la “reconfiguración” semántica de Paul Ricoeur pues como afirma San Gregorio Magno “la Escritura crece en sus lectores”.

En un primer plano de observación la lectura del drama de la caída nos coloca delante del conflicto de dos voluntades: Dios y el hombre. Esto produce una inquietud por la cual nos preguntamos si es posible hacer una regulación de este conflicto. Podemos concluir que el drama de la caída es un conflicto de voluntades que remite a las relaciones hombre – mundo – Dios. Este conflicto será siempre permanente, presente, en nuestras vidas y en todas las sociedades humanas. Es posible regular este conflicto pero jamás lo conseguiremos anular. Hoy en día, que se busca un mundo sin conflictos ni enfrentamientos, cabe preguntarse si estamos preparados para enfrentar esta realidad. El caos, el drama de la vida humana, trasparece perfectamente dentro de esta óptica de Paul Ricoeur. Vivimos en permanente conflicto con nosotros mismo, con el otro y con Dios. Podemos decir que, dado que el pecado original y nuestros pecados personales oscurecen nuestra inteligencia y debilitan nuestra voluntad, la conflictividad es esencial en nosotros y por eso el caos y el desorden son inmanentes en la condición humana. Paul Ricoeur llamará a esto de finitud – labilidad – fragilidad – contingencia. Pero nosotros, en nuestro cotidiano, vemos en todas partes una realidad muy distinta: se quiere transgredir esta condición ontológica de contingencia y el hombre busca “ser como Dios”. Es la constante repetición de la conversación con la serpiente3. Uno de los principales problemas del hombre contemporáneo es el de sentirse “limitado”. Desde nuestra pre-comprensión, nuestros límites nos muestran “imperfectos”. El hombre moderno es incapaz de ver cualquier perfección en los límites. En realidad, para que algo exista de manera ontológica es necesario que esté “limitado”. El mar no sería nada si no tuviese los contornos que lo limitan. Todos los seres adquieren su autarquía esencial en la “limitación”. Eso es propio de las criaturas contingentes. Ya en Dios, la autarquía es no tener límites, el infinito. Así pues, el pecado, la caída, se produce cuando queremos transgredir los límites: “seréis como Dios”4. Así la propuesta del cristianismo es no transgredir los límites y considerar la finitud como una perfección. Nuestro mundo vive a cada instante el mismo relato de la caída. Queremos suprimir los límites de todo y vivir una “cultura de la transgresión”, pensando estar en nuestra plena autarquía. Confundimos libertar con transgresión de límites. ¿Qué queda de esa libertad? Olvidamos la lección que nos da la propia serpiente: del más bello pasó a ser el animal más feo, arrastrándose por el suelo5. Aquí está la esencia del mito adámico: la libertad es aceptar la finitud. Romper los límites es romper con la condición humana, con la ética cristiana6. Ahora bien, ¿cómo mantenernos en los límites? En términos cristianos y grecoromanos la hybris adquiere una connotación de virtud, de medio y de equilibrio. Es fundamental mantenernos en esta actitud vital, evitando el exceso y el defecto. Cabe decir que para el cristiano existe un momento en el cuál debe romper todos los límites: en el amar. Romper los límites del amar es amor. Es la ética cristiana: “la medida de amar a Dios es amarlo sin medida”7. Para Paul Ricoeur, la lógica de la abundancia es desvivirnos por los otros. Es necesario ser inmoderadamente amadores. A la luz del ágape, transgredir los límites es la esencia del amor. En el “mito adámico” encontramos una trilogía seductora: liberación – salvación – promesa. La serpiente quiere romper los límites. El hombre quiere ser como Dios. Y Dios, a su vez, rompe el límite haciéndose hombre. Es el escándalo para los griegos, la locura de la Cruz, la demencia del amor. En la kenosis, Dios manifiesta el amor completo que podríamos llamar la lógica del exceso. En esa perspectiva el ágape es un hybrido: se juntaron Dios y hombre.

¿Qué es lo que nos hace estar permanentemente dentro de los límites? Hay un otro aspecto de importante consideración: el problema de la astucia sapiencial y la astucia perversa. Si consideramos que la base del intercambio social es la fiducia, los interlocutores que no operan en el ámbito de la confianza rompen sus relaciones. En el lenguaje bíblico, desde la astucia sapiencial, la conversación es “dia-logos”. Pero desde el punto de vista del mal es “diabolos”. Y podríamos considerar esta propuesta ética: hacer de la vida una “dialoga” o una “diabola”. Ya San Agustín8, en su Ciudad de Dios, entiende que la ciudad del hombre no se puede anular, pero sí regular. ¿Cómo conseguirlo? La astucia “sapientia” es la “prudentia”. La prudencia es el moderador de las cuatro virtudes cardenales. Para Santo Tomás9, su origen viene de la palabra “providencia” pues gracias a ella tenemos lo necesario para ordenar lo que nos lleva al fin, lo más oportuno y conveniente10. Y está relacionada con la sindéresis11.

En la prudencia podemos considerar ocho partes activas. En primer lugar la memoria. Es necesario recordar para poder deliberar. Sin ella no podemos usar la recta ratio agibilium. La memoria nos recuerda lo que en términos de experiencia hemos adquirido con el tiempo. Tener memoria de muchas cosas es conveniente para el saber vivir bien y saber gobernar. Podemos considerar la memoria como experiencia acumulada. Y es la base de la civilización, de la cultura, de la tradición, de la Teología y de la filosofía.

En un segundo lugar podemos considerar el intellectus como parte de la prudencia también. Es la habilidad del manejo de las cosas presentes con recta ratio agibilium. Es la intuición, la rápida respuesta por estimativa. Es una evidencia que no se puede demostrar pero nos da un conocimiento real. Son principios rectos que brotan a manera de centellas. Pensemos en la conversión de Paul Claudel12.

Como tercer elemento tenemos la ratio. Es la que demuestra, da razones para actuar de una forma u otra, dentro del ámbito de la prudencia. Son los razonamientos que hacemos para fundamentar nuestra acción prudente. Podemos definir la ratio como la prudencia en busca de razones. Un cuarto elemento de la prudencia es la docilidad. Es la facultad de ser dóciles, saber buscar el consejo oportuno, conveniente y adecuado. Escuchar con atención las opiniones y razones. Saber pedir consejo13.

El quinto elemento es la “eustochia” o solercia, por donde buscamos los medios adecuados en orden al fin que queremos alcanzar. La “providentia” es el sexto elemento de la prudencia. Es por donde, desde la providencia humana nos asemejamos a la providencia divina y ponemos orden en el desorden, siempre desde un ángulo de contingencia y en nuestro papel de co-creadores. En este contexto, la providencia importa cierta relación con algo distante. Para definirla, la providencia es el manejo de las dificultades en relación a un fin.

Como séptima parte activa de la prudencia tenemos la circumspectio, que es el análisis de las circunstancias. Sería el ordenar algo en relación a un fin. Comparar lo que se ordena a un fin con las circunstancias que lo rodean. Y como última parte de la prudencia tenemos la cautela, por la cual somos precavidos y comprendemos que las cosas malas tienen apariencia de bien. Desde la contingencia, la cautela es aceptar los bienes y evitar los males. Pero comprendiendo que a veces nos encontramos con paradojas podemos decir “o felix culpa”.

Dentro de la prudencia podemos considerar también unas partes potenciales, o virtudes adjuntas14. No necesariamente están presentes en el acto de la prudencia, pero son potencias que activan las ocho partes que acabamos de describir. Son tres: la eubulia, o buena voluntad. La synesis, como la posibilidad de juzgar las cosas que se deben hacer apuntándolas a reglas comunes, a la sensatez. Y la gnome, que es la perspicacia o sabiduría por la cual debemos apartarnos de las reglas comunes. Es la capacidad de juzgar, en términos de importancia, lo que debe hacerse. Para Santo Tomás, hay momentos en la vida que debemos suspender las reglas comunes para determinadas situaciones concretas. El hombre prudente, en la guerra, por ejemplo, a veces es más perspicaz devolviendo lo expoliado para efectos de conseguir la paz.

¿Qué camino ético podemos encontrar dentro de la propuesta de Paul Ricoeur? La respuesta es simples: Paul Ricoeur coincide con la visión antropológica del Concilio Vaticano II: El hombre, en efecto, cuando examina su corazón, comprueba su inclinación al mal y se siente anegado por muchos males, que no pueden tener origen en su santo Creador. Al negarse con frecuencia a reconocer a Dios como su principio, rompe el hombre la debida subordinación a su fin último, y también toda su ordenación tanto por lo que toca a su propia persona como a las relaciones con los demás y con el resto de la creación. Es esto lo que explica la división íntima del hombre. Toda la vida humana, la individual y la colectiva, se presenta como lucha, y por cierto dramática, entre el bien y el mal, entre la luz y las tinieblas.15

Hoy más que nunca vivimos una verdadera crisis de valores éticos y morales. La gran víctima de este mundo relativista es la cultura cristiana16. La difusión mediatizada de una visión deforme de Dios, de la sociedad y del ser humano, va minando los principios fundamentales del cristianismo. El concepto de familia, por ejemplo, evoluciona para múltiples figuras. Según Benedicto XVI 17, existen fuertes analogías entre el mundo antiguo pagano -dónde Dios era “el gran Desconocido”- y la sociedad actual. Vivir como si Dios no exista es la práctica mayoritaria de los bautizados. Se considera la existencia de la vida y la finalidad del universo ignorando al Creador completamente. Se establece una sociedad laicista por todas partes, promoviendo una verdadera persecución contra cualquier valor religioso -especialmente cristiano- y se va forjando un anticatolicismo militante18. Ya Juan Pablo II19 alertaba que por medio de un relativismo moral e intelectual los propios cristianos, desorientados, caen en la tentación de vivir un peligroso permisivismo. En el campo doctrinal se diseminan principios contrarios a la Verdad revelada y ya se habla de un nuevo cristianismo sociológico, sin dogmas ni moral. Dentro de este contexto no puede extrañarnos la antinomia entre los defensores del relativismo y quienes sustentan un sistema de valores éticos cimentados en el cristianismo. En el encuentro de presidentes de comisiones episcopales de América Latina para la doctrina de la fe, celebrado en Guadalajara (México), en noviembre de 1996, el entonces cardenal Ratzinger20 afirmó que “el relativismo se ha convertido así en el problema central de la fe en la hora actual” y se configura como un verdadero sistema filosófico por el cual los hombres alcanzarían la plena realización, ora como seres inteligentes ora en plenitud de sociedad. Para el relativista, el hecho de reconocer valores absolutos sería ir en contra de los principios democráticos y comportarse como una personas antisocial, pues equivaldría a renunciar al axioma de que todos participan en algo de la verdad. De esta manera, concluye, “una sociedad liberal sería, pues, una sociedad relativista; sólo con esta condición podría permanecer libre y abierta al futuro”. La Posmodernidad no da ninguna respuesta a los anhelos puestos ofreciendo un egoísmo narcisista, una libertad que sacrifica la verdad. Los grandes adelantos técnicos van turbando las mentes. Llegamos al extremo del mismo cardenal Ratzinger21 declarar en otra ocasión que los ideales parecen haber muerto y surge una espiritualidad sincretista donde la ideología imperante es el relativismo.

¿Cuál será el futuro de la sociedad actual? No lo sabemos. Pero lo cierto es que Paul Ricoeur indicó el mismo camino ético-cristiano que Benedicto XVI:

Solo habrá una salida para los hombres cuando ellos comprendan que transgredir los límites es romper con las más altas normas del Creador. Cuando están en juego las exigencias fundamentales de la dignidad de la persona humana, de su vida, de la institución familiar, de la equidad del ordenamiento social, es decir, los derechos fundamentales del hombre, ninguna ley hecha por los hombres puede trastocar la norma escrita por el Creador en el corazón del hombre, sin que la sociedad misma quede herida dramáticamente en lo que constituye su fundamento irrenunciable. Así, la ley natural se convierte en la verdadera garantía ofrecida a cada persona para vivir libre, respetada en su dignidad y protegida de toda manipulación ideológica y de todo arbitrio o abuso del más fuerte. Nadie puede sustraerse a esta exigencia. Si, por un trágico oscurecimiento de la conciencia colectiva, el escepticismo y el relativismo ético llegaran a cancelar los principios fundamentales de la ley moral natural, el mismo ordenamiento democrático quedaría radicalmente herido en sus fundamentos. Contra este oscurecimiento, que es crisis de la civilización humana, antes incluso que cristiana, es necesario movilizar la conciencia de todos los hombres de buena voluntad, tanto laicos como pertenecientes a religiones diferentes del cristianismo, para que juntos y de manera efectiva se comprometan a crear, en la cultura y en la sociedad civil y política, las condiciones necesarias para una plena conciencia del valor inalienable de la ley moral natural. Del respeto de esta ley depende, de hecho, que las personas y la sociedad avancen por el camino del auténtico progreso, en conformidad con la recta razón, que es participación en la Razón eterna de Dios22.

 

CANALS, Santiago et all. Paul Ricoeur: La propuesta ético-cristiana para nuestro tiempo. Trabajo final de Ética y Política en un pensador cristiano. Universidad Pontificia Bolivariana: Escuela de Teología, Filosofía Y Humanidades. Maestría en Teología. São Paulo, 2009.

 

1 RICOEUR, Paul, LACOCQUE, Andre. Pensar la Biblia – Estudios exegéticos y hermenéuticos, Barcelona: Herder, 2001, p. 23-51.

2 Cf Gn. 2-3.

3 Cf. CATECISMO DE LA IGLESIA CATÓLICA. Libreria Editrice Vaticana. Città del Vaticano. 1997, n° 398 ss.

4 Gn 3, 5.

5 Cf. Gn 3,14.

6 Sobre el problema de la libertad y su conjunción con la verdad ver JUAN PABLO II, Veritatis Splendor n°46 [En línea] http://www.vatican.va/edocs/ESL0044/_INDEX.HTM [Consulta en: 25-05-2009] y BENEDICTO XVI, “Lectio Divina del Santo Padre Benedicto XVI en el Pontificio Seminario Romano”, 20-02-2009. [En línea] http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2009/february/documents/hf_benxvi_spe_20090220_seminario-maggiore_sp.html [Consulta: 4-04-2009].

7 SAN FRANCISCO DE SALES. Tratado del amor de Dios, Guadalquivir – S.L. Ediciones, 1994.

8 SAN AGUSTÍN. La ciudad de Dios, L. XV, c. IV.

9 SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma de Teología, Madrid: BAC, 1990.

10 S.T. II-II, q. 48, art. 6

11 S.T. II-II, q. 49

12 LAMPING, Severin. Homens que regressam à Igreja, Braga: Livraria Cruz, 1948, p. 251-260.

13 Cf. Ecl. 6, 35

14 S.T. II-II, q. 51

15 GS 13.

16 JUAN PABLO II. Fides et ratio. N° 46. 1998. [En línea] http://www.vatican.va/edocs/ESL0036/_INDEX.HTM [Consulta: 25-05-2009]

17 BENEDICTO XVI. Encuentro con el mundo de la cultura en el Collège des Bernardins, 12-09-2008. [En línea] http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2008/september/documents/hf_benxvi_spe_20080912_parigi-cultura_sp.html [Consulta: 4-04-2009].

18 PONTIFICIO CONSEJO DE LA CULTURA. Via pulchritudinis, camino de evangelización y de diálogo. Madrid. BAC: 2008, p. 38.

19 JUAN PABLO II. Discorso al Convegno Naziolane Missioni al popolo per gli anni 80, 6-02-1981 [En línea] http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1981/february/documents/hf_jpii_spe_19810206_missioni_it.html [Consulta: 18-05-2009]

20 RATZINGER, , Situación Actual de la Fe y la Teología. México, 1996. [En línea]

http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/Articulos/teo-003.htm [Consulta: 3-05-2009]

21 RATZINGER. Misa “pro eligendo pontifice”, 18 de abril de 2005, [En línea]

http://www.vatican.va/gpII/documents/homily-pro-eligendo-pontifice_20050418_sp.html [Consulta: 18-05- 2009]

22 BENEDICTO XVI. Discurso sesión plenaria Comisión Teológica Internacional, 5 de octubre de 2007, [En línea] http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2007/october/documents/hf_benxvi_spe_20071005_cti_sp.html [Consulta: 12-02-2009].