Os apetites humanos

Mons. João S. Clá Dias, EP

Todas as coisas apetecem o bem, diz São Tomás, até mesmo as que carecem de conhecimento.[1] O Aquinate assim define essa natural propensão dos seres:

“Por isso, já que todas as coisas estão ordenadas e dirigidas por Deus ao bem, e em cada uma delas há um princípio pelo qual elas tendem ao fim, como dirigindo-se ao fim, deve-se dizer que todas as coisas naturais apetecem o bem por natureza”.[2]

Esse primeiro tipo de inclinação — chamado apetite natural — é uma tendência sempre atual, que relaciona uma forma a seu bem ou à sua perfeição. Por exemplo, um corpo pesado inclina-se de maneira constante para baixo. O homem, como criatura que é, compartilha o apetite natural com todos os outros seres. São Tomás afirma ainda:

“A ordem dos preceitos da lei natural é conforme à ordem das inclinações naturais. Pois a primeira inclinação que existe no homem, de acordo com a natureza que ele tem de comum com todas as substâncias, é para o bem, no sentido de que toda substância procura a conservação do seu ser, segundo sua natureza”.[3]

Conforme Frei Abelardo Lobato, O.P., “o apetite natural se manifesta de modo magnífico na lex naturalis do homem, uma esplêndida participação da lei eterna”.[4] E acrescenta:

“Tomás de Aquino colocou em relevo de muitos modos tudo o que é conatural ao homem. A natureza compreende a totalidade, é determinada pela espécie, e tem um peso ontológico que se inclina para os bens convenientes a ela, com anterioridade aos dinamismos das potências. Na esfera do conhecer há que se admitir conhecimentos por conaturalidade e por instinto, que brotam espontaneamente do espírito do homem”.[5]

Note-se que tal conhecimento por conaturalidade, por se tratar de um conhecimento instintivo prévio, reveste-se da maior importância na determinação dos atos humanos. Lobato afirma que esse apetite natural “tende para o bem de modo determinado e bem seguro”.[6]

Além do apetite natural, os animais dispõem ainda do apetite sensitivo, ao qual, no caso do homem, acrescenta-se o apetite racional. Estes dois apetites supõem o conhecimento sensível e o intelectual.

Segundo Lobato, este é um dos pontos fundamentais da antropologia tomista — os três tipos de apetites do homem — que constituem justamente a primeira base, o primeiro substrato da tendência e movimento do ser humano para o bem.

Sendo passivas, as potências apetitivas se distinguem pelos princípios motores que as determinam. O fato de o objeto desejado ser apreendido pelo sentido ou pela inteligência não constitui uma circunstância puramente acidental: a afetividade sensível orienta-se para os bens particulares, considerados como tais; o apetite racional — a vontade — sempre visará a esses bens particulares sob a razão universal de bem. Assim como a atividade da razão tende à verdade, a da vontade tende para o bem.

Depois de lembrar a “persistência e determinação” dos apetites naturais, Lobato diz que isso só é compreensível se for referido ao próprio Autor da natureza,

“que deu a cada ser uma tendência para os bens que lhe convêm. Daí procede o ímpeto de conservar, manter e acrescentar o próprio ser. No homem, o apetite natural está na base de todas as suas inclinações. Enquanto é homo viator, é homem de desejos”.[7]

O apetite sensitivo procede da forma e do conhecimento sensível, sendo comum aos homens e aos animais irracionais. A atividade sensitiva humana conta com duas potências distintas, pelas quais tende ao bem, quando este se apresenta simplesmente como tal (bonum simpliciter), ou se dispõe ao esforço para obtê-lo, quando é preciso vencer dificuldades e obstáculos (bonum arduum). No primeiro caso temos o apetite concupiscível; no segundo, o irascível. O mal sensível também é objeto das potências sensitivas, causa repugnância à concuspicência e provoca no irascível a disposição para a luta, a fim de evitá-lo.

De modo sucinto, Lobato define o apetite sensitivo como sendo

“o movimento do sujeito em direção aos bens concretos, que o conhecimento descobriu na esfera do sensível, nos entes reais, e os apetece aqui e agora como algo que lhe agrada, que lhe é útil, ou algum mal de que ele foge porque se lhe mostra nocivo”.[8]

Os atos do apetite sensitivo (concupiscíveis e irascíveis) são acompanhados de modificações corporais. Costuma-se denominá-los paixões, designando uma tendência ou um movimento de caráter ativo, ou uma afeição aparentemente passiva. Em si mesmas, as paixões não são boas nem más. No homem elas recebem uma influência da razão e da vontade. Na medida em que essa influência seja voluntária e livre, haverá bondade ou malícia moral.

Entre as principais paixões, as pertencentes ao concupiscível são a alegria, a tristeza, o amor e o ódio. Ao irascível pertencem a audácia, o temor, a esperança e semelhantes.[9]

O apetite irascível apela para faculdades mais intelectivas, diferentemente do apetite concupiscível; para desejar bastam sensações ou imagens; para se encolerizar é preciso tomar consciência das relações abstratas ao alcance apenas dos sentidos internos superiores, a cogitativa e a memória, e envolver mais a razão.

As tendências estáveis adquiridas por repetição de atos são chamadas hábitos. Estes podem ser maus (vícios), ou bons (virtudes).

Acima do apetite sensitivo, coloca-se o apetite racional, chamado também de vontade, sobre o qual falaremos mais adiante.


[1] De Veritate, q. 22, a. 1: “Dicendum quod omnia bonum appetunt, non solum habentia cognitionem sed etiam quae sunt cognitionis expertia”.

[2] De Veritate, q. 22, a. 1.

[3] S. Th. I-II, q. 94, a. 2. “Inest enim primo inclinatio homini ad bonum secundum naturam in qua communicat cum omnibus substantiis: prout scilicet quaelibet substantia appetit conservationem sui esse secundum suam naturam”.

[4] LOBATO, Abelardo. El hombre en cuerpo y alma. Tratado I: El cuerpo humano. In: El Pensamiento de Tomás de Aquino para el hombre de Hoy. Vol. 1. Valencia: Edicep, 1994. p. 212.

[5] Ibidem, p. 212-213.

[6] Ibidem, p. 213.

[7] Loc. cit.

[8] Loc. cit.

[9] Cf. S. Th. I-II, q. 23, a. 1.

Pregação de João e Batismo de Jesus

batismo-jesusJosé Afonso Sulzbach de Aguiar, EP

Havia cerca de quatro séculos que nenhum profeta fazia ouvir sua voz em Israel quando, no 15º ano do reinado de Tibério César, aproximando-se os dias anunciados por Daniel em relação à vinda do Messias, um súbito alvoroço percorreu Jerusalém e toda a Judeia. Nas margens sagradas do Jordão – o legendário rio, palco de deslumbrantes milagres e grandiosas cenas – aparecera um varão penitente, um enviado de Deus no espírito de Elias. João Batista era seu nome.

            Modelo de anacoreta até o momento de cumprir sua missão, o filho de Zacarias e Isabel abandonou a longa, austera e mística solidão em que vivera e desceu até o vale do Jordão, para onde convergiam de todos os lados caravanas, a fim de aí pregar palavras de um religioso temor: “Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 3, 2).

            Multidões de israelitas afluíam para ouvi-lo e receber o seu batismo, símbolo da purificação do coração necessária para merecer o Reino dos Céus. O batismo de João – que era de preparação, de penitência, não ainda o Sacramento – produzia um afervoramento espiritual como nunca se vira antes em Israel. “Pessoas de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a circunvizinhança do Jordão vinham a ele. Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas águas do Jordão” (Mt 3, 5-6).

            E o arauto do Altíssimo apresentava- se sempre como mero precursor, dizendo sem cessar: “Eu vos dou um batismo de água, para que façais penitência. Mas, Aquele que virá depois de mim é mais poderoso do que eu; eu não sou digno de desatar a correia de Suas sandálias; Ele vos batizará no fogo e no Espírito Santo” (Mt 3, 11).

            Seis meses havia que o santo Precursor preparava os filhos de Israel para o encontro com o Messias, quando foi Jesus ao Jordão “a fim de ser batizado por ele” (Mt 3, 13). Ao notar a presença do Inocente no meio da multidão, João inclinou-se e Lhe disse: “Eu devo ser batizado por Ti e Tu vens a mim!” (Mt 3, 14). Jesus respondeu-lhe: “Deixa por agora, pois convém que cumpramos toda a justiça”. E João, obediente, O batizou (cf. Mt 3, 13-15).1

            Quando Jesus saiu da água, o Céu se abriu e o Espírito Santo pairou sobre Ele na forma de uma pomba. “E ouviu-se dos Céus uma voz: Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti ponho as Minhas complacências” (Mc 1, 11). Grandiosa manifestação divina com a qual o Pai, o Filho e o Espírito Santo, unidos na obra da Redenção proclamavam a instituição do Sacramento mais necessário para a nossa Salvação.2

 

            Os Sacramentos, o que são?

            De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, “os Sacramentos são sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, por meio dos quais nos é dispensada a vida divina. Os ritos visíveis, sob os quais eles são celebrados, significam e realizam as graças próprias de cada Sacramento. Produzem fruto naqueles que os recebem com as disposições exigidas”.3

            No mesmo sentido – embora de forma mais sintética – se expressa o conhecido teólogo padre Antonio Royo Marín, OP, que afirma serem os Sacramentos “sinais sensíveis instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo, para significar e produzir a graça santificante naquele que os recebe dignamente”.

            Acompanhemos o douto dominicano na explicação dos termos desta breve e precisa definição.

            Os Sacramentos são, em primeiro lugar, sinais. – Ou seja, remetem a algo diferente de si mesmos, como a balança simboliza a justiça, ou a bandeira representa a Pátria.

            São sinais sensíveis. – Podem, portanto, ser percebidos pelos sentidos corporais. E o que acontece, por exemplo, com a água no Batismo, o pão e o vinho na Eucaristia, ou o óleo na Crisma e na Unção dos Enfermos.

            Foram instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo. – De acordo com São Tomás, “institui algo quem lhe dá vigor e força”. 5 Assim sendo, somente Nosso Senhor pode ser causa dos Sacramentos, e não a Igreja, “pois a graça santificante brota, como de seu manancial único, do Coração transpassado de Cristo”.6 Segue-se também daí que, como ensina São Pio X, não cabe à Igreja, “inovar nada acerca da substância mesma dos Sacramentos”.7

            Para significar e produzir a graça santificante. – A água do Batismo, por exemplo, lava o corpo do batizado para representar a purificação de sua alma, que fica limpa de todo pecado. E a Eucaristia, nos é dada sob a forma de alimento corporal, para simbolizar o alimento espiritual que a alma recebe pela presença real de Cristo em corpo, sangue, alma e divindade.

            Naquele que os recebe dignamente. – Para que os Sacramentos produzam a graça santificante é necessário que quem os recebe não oponha a eles nenhum obstáculo ou empecilho voluntário. Daí que seja requerido possuir o estado de graça para receber a Confirmação, Eucaristia, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio. E estar arrependido, ao menos com atrição sobrenatural,8 para receber a absolvição no Sacramento da Penitência, ou o Batismo quando se trata de pessoa em idade de uso da razão.

            Cabe notar, por fim, que os Sacramentos têm um caráter universal; Jesus Cristo não os instituiu unicamente para alguns escolhidos, mas adotisim para proveito de todos os homens.

                       

            Vida natural e vida sobrenatural

            Levando mais longe a analogia entre o plano simbólico e o plano da graça, São Tomás de Aquino estabelece na Suma Teológica um interessante paralelo entre a vida natural e a vida sobrenatural produzida pelos Sacramentos.9

            Enquanto, na vida natural, o homem é gerado, cresce e se alimenta; na vida sobrenatural, a alma nasce pelo Batismo, atinge a estatura e a força perfeitas pela Confirmação e nutre-se pela Eucaristia. E “como o homem incorre às vezes em enfermidade corporal ou espiritual, sendo esta o pecado, é necessário que seja curado da doença”.10 É esta a função da Penitência (Reconciliação), que restabelece a saúde, e da Unção dos Enfermos, que limpa a alma dos vestígios e sequelas deixados em sua alma pelo pecado.

            A esses cinco Sacramentos unem-se o do Matrimônio e o da Ordem – sendo este último análogo ao poder que recebe um homem para “reger a multidão” e exercer funções públicas – completando assim o número de sete.

            “A partir daí – conclui o Doutor Angélico – fica clara a questão do número dos Sacramentos, também enquanto visa à rebelião do pecado, pois o Batismo se dirige contra a falta de vida espiritual; a Confirmação, contra a fraqueza de alma que se encontra nos recém-nascidos; a Eucaristia, contra a fragilidade da alma diante do pecado; a Penitência, contra o pecado atual cometido depois do Batismo; a Unção dos Enfermos, contra as sequelas do pecado não suficientemente tiradas pela Penitência, ou provenientes da negligência ou da ignorância; a Ordem, contra a desorganização da multidão; o Matrimônio, contra a concupiscência pessoal e contra o desaparecimento da humanidade que acontece pela morte”.11

            “Nada permanece, portanto, à margem da influência benfazeja dos Sacramentos”, observa o padre Antonio Royo Marín.”Por meio deles a vida humana toda é santificada e o homem encontra-se provido com divina abundância de tudo quanto necessita para assegurar sua salvação eterna”.12

 

            O único Sacramento indispensável para a salvação

            Na tradicional relação estabelecida por São Tomás, o Batismo, novo nascimento espiritual, é o primeiro dos sete Sacramentos.13 Mas ele o é também do ponto de vista da necessidade, pois é o único Sacramento indispensável para cada um de nós, individualmente, alcançarmos a Bemaventurança eterna.14

            Assim o afirma com toda precisão o próprio São Tomás: “É pois, claro, que todos são obrigados ao Batismo e que, sem ele, não pode haver salvação para os homens”.15 E mais bela e claramente ainda o próprio Nosso Senhor: “Se alguém não renasce na água e no Espírito Santo, não pode entrar no Reino dos Céus” (Jo 3, 5).16

            Ora, “convém à misericórdia de quem ‘quer que todos os homens se salvem’, que permita encontrar-se facilmente o remédio para a salvação”.17 Daí que a matéria do Batismo seja uma matéria comum, a água, que qualquer um pode obter. E daí também que o ministro do Batismo, em circunstâncias excepcionais, possa ser qualquer pessoa, mesmo um não ordenado, homem ou mulher, e até mesmo um herege ou um pagão.18 Para o Sacramento ser válido, a Igreja só exige que seja utilizada a matéria do Sacramento, observada a forma e aplicada a intenção de fazer o que Ela própria faz, abstraindo de qualquer heresia ou infidelidade.

 

            Batismo e Pecado Original

            Convêm, por fim, não esquecer que a necessidadeeste   Sacramento, conforme explica Besson, “é consequência dos efeitos do Pecado Original e das restituições prometidas pelo Homem-Deus”.19

            Cada um de nós pecou em Adão, e a morte entrou em nossa alma com o pecado; do mesmo modo, cada um de nós foi salvo no novo Adão, e para que a vida dEle entre na nossa alma é preciso que recebamos a graça do Batismo. “Sob as águas do Batismo, a mancha primitiva é apagada da fronte da humanidade; e com o título de filho batizado e regenerado, o homem decaído recupera seus direitos e sua herança celestial. Esta necessidade abrange todos os homens”.20

            Por isso, pouco tempo após seu nascimento, a criança é levada às fontes batismais por um padrinho que responde por sua Fé, e curva sob a água santa sua fronte ainda marcada com o pecado original.21 Consumado o rito, a criança ergue-se livre, inocente e imaculada, com o indelével sinete da ordem sobrenatural. Era escrava, e seus grilhões foram quebrados; estava morta, e foi ressuscitada.

 

            Dois principais efeitos

            Quais são os principais efeitos desse Sacramento?

            Em seu já mencionado livro Somos hijos de Dios, o padre Royo Marín enumera sete, com a precisão própria do teólogo. O Catecismo da Igreja Católica, sob uma focalização mais pastoral, afirma serem principalmente dois: a purificação dos pecados e o novo nascimento no Espírito Santo.22

            Pouco há a afirmar em relação ao primeiro deles, senão que a purificação é tão completa que “todos os pecados são perdoados: o pecado original e todos os pecados pessoais, bem como todas as penas do pecado”.23

            Mas além de assim limpar a alma, este Sacramento “faz do neófito uma criatura nova, um filho adovo de Deus que se tornou participante da natureza divina, membro de Cristo e co-herdeiro com Ele, templo do Espírito Santo”.24

            Com efeito, o Batismo nos torna membros do Corpo de Cristo e nos incorpora à Igreja. Através dele, a vida de Jesus Cristo circula em todo o Corpo, levando Sua graça capital a todos os membros e permitindo-lhes alcançar a graça e as virtudes: “Da cabeça que é Cristo deriva sobre Seus membros a plenitude da graça e da virtude, conforme o Evangelho de João: ‘De Sua plenitude todos nós recebemos’ (Jo 1, 16)”.25

            Assim, na ordem da satisfação, da redenção, do mérito, da oração, do sacerdócio: tudo se tornou comum entre Jesus Cristo e nós, porquanto a Igreja inteira, Corpo Místico de Jesus Cristo, pode ser considerada como uma só pessoa com Ele, conforme ensina São Tomás de Aquino.26

 

            A Paixão de Cristo é comunicada ao neófito

            As consequências desta doutrina têm um alcance maior do que se pensa, a ponto de São Paulo afirmar que pelo Batismo, o crente comunga na morte de Cristo, é sepultado e ressuscita com Ele.27 Sobre isto, comenta São Tomás: “Pelo Batismo somos incorporados na Paixão e Morte de Cristo. Diz Paulo: ‘Se estamos mortos com Cristo, cremos que também viveremos com Ele’.

            Demonstra-se assim que a todo batizado a Paixão de Cristo é comunicada para servir de remédio, como se ele próprio tivesse sofrido e morrido.

            Ora, a Paixão de Cristo é satisfação suficiente para todos os pecados de todos os homens. Por isso, quem é batizado, é liberto do reato de toda pena devida por seus pecados, como se ele próprio tivesse oferecido uma satisfação suficiente por todos os seus pecados”.28

 

Somos filhos de Deus

            Mas talvez o mais tocante e assombroso efeito do Batismo seja produzir a filiação divina.

            Deus tem apenas um filho segundo a Sua natureza, que é o Verbo Encarnado. Só a Ele o Pai transfere eternamente a natureza divina em toda a sua infinita plenitude. Porém, a graça santificante – que é um dos efeitos do Batismo – confere aos neófitos uma participação real e verdadeira nessa filiação “por uma adoção intrínseca, a qual põe em nossa alma, física e formalmente, uma realidade absolutamente divina, que faz circular o próprio sangue de Deus nas veias de nossa alma. Graças a este enxerto divino, a alma se faz participante da mesma vida de Deus. Trata-se de uma verdadeira geração espiritual, um nascimento sobrenatural que imita a geração natural e recorda, por analogia, a geração eterna do Verbo de Deus”.29

            Em uma palavra, a graça santificante, para a qual o Batismo nos abre as portas, não nos dá apenas o direito de nos chamarmos filhos de Deus, senão que nos faz tais em realidade. “Inefável maravilha – conclui o padre Royo Marín – que pareceria inacreditável se não constasse expressamente na divina Revelação”.30 Poderia Deus ter feito mais algo por nós?

 

Notas

1 Durante sua recente visita ao lugar onde fora batizado Jesus, o Papa Bento XVI explica o porquê deste gesto do Redentor: “Jesus se colocou na fila com os pecadores e aceitou o batismo de penitência de João como um sinal profético da sua própria Paixão, Morte e Ressurreição para o perdão dos pecados” (10/5/2009).

2 São Tomás afirma que este Sacramento foi instituído quando Cristo foi batizado, se bem que a necessidade de recebê-lo só tenha sido notificada à humanidade depois da sua Paixão e Ressurreição (cf. ST III, q. 66, a. 2).

3 CIC n. 1131-1132.

4 ROYO MARÍN, OP, Pe. Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p. 93.

5 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 64, a. 2. Cf. Denzinger – Hünermann, n. 1864.

6 ROYO MARÍN, OP, Op. cit., p. 93-94. 7 Denzinger – Hünermann, n. 3556.

8 A atrição, ou contrição imperfeita, é o arrependimento suscitado pelo temor do castigo. Para melhor conhecer as diferenças entre atrição e contrição perfeita, pode-se consultar Arautos do Evangelho, n. 84, dezembro 2008, p. 34-35.

9 Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 65, a. 1.

10 Idem, q. 65, a. 1, resp.

11 Idem, ibidem.

12 ROYO MARÍN, OP, Op. Cit., p. 94.

13 Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 65, a. 2, resp.

14 Cf. Idem, q. 65, a. 3, ad. 3; a. 4, resp. A Penitência e a Ordem sacerdotal são também de necessidade absoluta, mas a primeira só é requerida para aqueles que pecaram depois do Batismo, e a segunda é imprescindível para a Igreja, não para os indivíduos (cf. ST III, q. 65, a. 4).

15 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica, III q. 68, a. 1, resp.

16 Não trataremos neste artigo do batismo de sangue (dos mártires não batizados) nem do de desejo, pois embora produzam os mesmos efeitos do Batismo sacramental, não são eles sacramentos propriamente ditos (cf. ST III, q. 66, a. 11, ad. 2). O leitor interessado em conhecer o que São Tomás afirma sobre ambos, pode consultar o art. 12 da questão 66 (batismo de sangue) e o art. 2 da q. 68 (batismo de desejo). Sobre o problema da crianças não batizadas que não alcançaram o uso da razão, ver a Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé de 19 de abril de 2007.

17 Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 67, a. 3.

18 Cf. Idem, q. 67, a. 3-5.

19 BESSON, Mgr. Louis François Nicolas. Les Sacrements. Paris: Reaux- Bray, 1886, p. 116.

20 Idem, ibidem.

21 Sobre a conveniência de não postergar o Batismo das crianças ver Suma Teológica, III, q. 68, a. 3 e 9.

22 Cf. CIC §1262. O Rvmo. Pe. Royo Marín, em sua obra Somos hijos de Dios, faz a relação sistemática dos efeitos do Batismo que reproduzimos no Box anexo.

23 CIC n. 1263.

24 CIC n. 1265.

25 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica, III, q. 69, a. 4. Afirma também São Tomás: “Pelo Batismo renascemos para a vida espiritual, própria dos que crêem em Cristo. […] Ora, a vida e a união dos membros com a cabeça da qual recebem o sentido e o movimento” (Suma Teológica, III, q. 69, a. 5).

26 Cf. Idem: “Deve-se dizer que cabeça e membros são como uma única pessoa mística. Portanto, a satisfação de Cristo pertence a todos os fiéis como membros Seus” (ST III, q. 48, a.2 ad 1). “Toda a Igreja, que é o Corpo Místico de Cristo, é considerada como uma só pessoa com sua cabeça, que é Cristo” (ST III, q. 49, a. 1 Resp).

27 Cf. CIC n. 1227.

28 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica, III, q. 69, a. 4, Resp.

29 ROYO MARIN, OP, Op. cit., p. 20-21.

30 Idem, p. 21.

(Revista Arautos do Evangelho, Jul/2009, n. 91, p. 22 à 27)

O conceito de pecado original e suas consequências

Pe. Ricardo Basso, EPview

No livro do Gênesis 1, 27 vem descrita a criação do homem por Deus (Cf. Bíblia Sagrada, 2008: 16), constituído em um estado de santidade e de justiça original, que era uma participação da vida divina (Cf. Catecismo da Igreja Católica – doravante indicado por CIC –, 1999: 107, §375); e sua posterior queda e expulsão do Paraíso, com a perda do estado de graça e dos dons preternaturais com que Deus o cumulou, como o de integridade, desfrutando assim de impassibilidade e de imortalidade (Bíblia Sagrada, 2008: 17-18). Gozava, portanto, de felicidade plena. Fora criado não apenas bom, mas em “amizade com o Criador e em total harmonia consigo mesmo e com a criação que o rodeava que só serão superadas pela glória da nova criação em Cristo” (CIC, 1999: 107, §374).

Uma proibição apenas lhe fora imposta: não comer do fruto da árvore do bem e do mal, que havia no centro do Éden (Bíblia Sagrada, 2008: 16). Surpreendentemente, o primeiro homem sucumbe à prova, aparentemente tão simples, com graves consequências para si e para todos os seus descendentes. Perdeu ele, assim, o estado de inocência.

“O gênero humano inteiro é em Adão “sicut unum corpus unius hominis – como um só corpo de um só homem”. Em virtude desta “unidade do gênero humano”, todos os homens estão implicados na justiça de Cristo. […] Sabemos, porém, pela Revelação, que Adão havia recebido a santidade e a justiça originais não exclusivamente para si, mas para toda a natureza humana: ao ceder ao Tentador, Adão e Eva cometem um pecado pessoal, mas este pecado afeta a natureza humana, que vão transmitir em um estado decaído. É um pecado que será transmitido por propagação à humanidade inteira, isto é, pela transmissão de uma natureza humana privada da santidade e da justiça originais. E é por isso que o pecado original é denominado “pecado” de maneira analógica: é um pecado “contraído” e não “cometido”, um estado e não um ato. […] E a privação da santidade e da justiça originais, mas a natureza humana não é totalmente corrompida: ela é lesada em suas próprias forças naturais, submetida à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (esta propensão ao mal é chamada ‘concupiscência’)” (CIC, 1999: 115).

E nas potências da alma humana, que originalmente estavam ordenadas, com as potências intelectivas governando e comandando as sensitivas, foi introduzida a desordem.

“O ‘domínio’ do mundo que Deus havia outorgado ao homem desde o início realizava-se antes de tudo no próprio homem como domínio de si mesmo. O homem estava intacto e ordenado em todo o seu ser, porque livre da tríplice concupiscência que o submete aos prazeres dos sentidos, à cobiça dos bens terrestres e à auto-afirmação contra os imperativos da razão. […] É toda esta harmonia da justiça original, prevista para o homem pelo desígnio de Deus, que será perdida pelo pecado de nossos primeiros pais” (Id.: 108).

Para atingir a perfeição, necessita o homem doravante vencer a natureza enfraquecida e inclinada ao mal.

No homem, a inteligência iluminada pela Fé deve orientar a vontade, e esta governar a sensibilidade. Todo o homem agiria assim ordenado em função da razão e da Fé. Ocorre que depois do pecado original, a sensibilidade humana tende sempre a revoltar-se contra o jugo da vontade, e esta, a não seguir os ditames da razão, a qual, por sua vez, tende a se dissociar da Fé. Portanto, a primeira tendência da humanidade decaída é para o domínio dos instintos desordenados. “Somente à luz do desígnio de Deus sobre o homem compreende-se que o pecado é um abuso da liberdade que Deus dá às pessoas criadas para que possam amá-Lo e amar-se mutuamente” (Id.: 110). “É preciso conhecer a Cristo como fonte da graça para conhecer Adão como fonte do pecado” (Id.: 110).

“O relato da queda (Gn 3) utiliza uma linguagem feita de imagens, mas afirma um acontecimento primordial, um fato que ocorreu no início da história do homem. A Revelação dá-nos a certeza de fé de que toda a história humana está marcada pelo pecado original cometido livremente por nossos primeiros pais” (Id.:110-111).

Por ser inteligente, tem o homem o livre arbítrio para, com o auxílio da graça divina e uma boa formação moral, vencer essas más tendências, caminhando para a perfeição. “Faz parte da perfeição do bem moral ou humano que as paixões sejam reguladas pela razão” (CIC, 1999: 479).

Tendo havido o pecado original, a natureza humana ficou tendente ao mal.

71. Assim pois, os filhos de Adão nascem privados da justiça original, isto é, da graça santificante e do dom de integridade. A privação desta graça constitui o que se chama o pecado original, pecado em sentido lato, que não implica ato algum culpável da nossa parte, senão um estado de decadência, e, tendo em conta o fim sobrenatural a que persistimos destinados, uma privação, a falta duma qualidade essencial que deveríamos possuir, e, por conseguinte, uma nódoa, ou mácula moral, que nos afasta do reino dos céus.

72. E, como o dom de integridade ficou igualmente perdido, arde em nós a concupiscência, a qual, se lhe não resistimos corajosamente, nos arrasta ao pecado atual. Somos, pois, relativamente ao estado primitivo, diminuídos e feridos, sujeitos à ignorância, inclinados ao mal, fracos para resistir às tentações. […]

74. Conclusão. O que se pode dizer é que, pela queda original, o homem perdeu esse belo equilíbrio que Deus lhe tinha dado [grifo nosso]; que é, relativamente ao estado primitivo, um ferido e um desequilibrado, como bem o mostra o estado presente das nossas faculdades. […] as paixões precipitam-se com ardor, com violência até, para o bem sensível ou sensual, sem se inquietarem com o lado moral, procurando arrastar ao consentimento a vontade. […]75. B) As faculdades intelectuais, que constituem o homem propriamente dito, a inteligência e a vontade, foram atingidas também pelo pecado original. […] 1) [A nossa inteligência] Em lugar de subir espontaneamente para Deus e para as coisas divinas, em vez de se elevar das criaturas ao Criador, como o houvera feito no estado primitivo, tende a absorver-se no estudo das coisas criadas sem remontar à sua causa […]. b) A nossa mesma vontade em lugar de se submeter a Deus, tem pretensões à independência; custa-lhe sujeitar-se a Deus e sobretudo aos seus representantes na terra. […] E quantas vezes se não deixa ela arrastar pelo sentimento e pelas paixões!( TANQUEREY, 1961: 36-38)

Portanto, especialmente a sensibilidade, os instintos do homem ficaram desordenados, em contínua revolta contra a inteligência e a vontade.

E Tanquerey (1961: 379-380) completa, sobre a perda da harmonia interna no homem:

789. Efeitos das paixões desordenadas.

Chamam-se desordenadas as paixões que tendem para um bem sensível proibido, ou até mesmo para um bem permitido, mas com demasiada sofreguidão e sem o referir a Deus. Ora, estas paixões desordenadas:

Cegam a alma, lançando-se para o seu objeto com impetuosidade, sem consultar a razão, deixando-se guiar pelo instinto ou pelo prazer. Ora, nisto há um elemento perturbador que tende a falsear o juízo e a obscurecer a reta razão. Como o apetite sensitivo é cego, por natureza, se a alma se deixa guiar por ele, cega-se a si mesma: em vez de se deixar conduzir pelo dever, deixa-se fascinar pelo prazer do momento. É como uma nuvem que a impede de ver a verdade; obcecada pela poeira que as paixões levantam, a alma já não vê  claramente a vontade divina nem o dever que se lhe impõe e deixa de ser apta para julgar retamente das coisas.

Fatigam a alma e fazem sofrer. […]

2) Daqui um sofrimento tanto mais intenso quanto mais vivas são as paixões: porque elas atormentam a pobre alma, até serem contentadas, e, como o apetite vem com o comer, reclamam as paixões cada vez mais; se a consciência protesta, impacientam-se, agitam-se, solicitam a vontade para que ceda aos seus caprichos que incessantemente renascem: é uma tortura inexprimível.

c) Enfraquecem a vontade. Solicitada em sentidos diversos por essas paixões rebeldes, vê-se forçada a vontade a dispersar as próprias forças, que por isso mesmo vão enfraquecendo. Tudo o que cede às paixões, aumenta nelas as exigências e diminui em si as energias. […] E não tardará o momento em que a alma enfraquecida caia no relaxamento e na tibieza, disposta a todas as capitulações.

d) Maculam a alma. Quando esta, cedendo às paixões, se une às criaturas, abate-se ao nível delas e contrai a sua malícia e as suas manchas; em vez de ser imagem fiel de Deus, torna-se imagem das coisas a que se apega; grãos de pó, manchas de lodo vêm embaciar-lhe a beleza e opor-se à união perfeita com Deus.

E o que resta ao homem fazer para vencer essa “lei do pecado”?

A luta contra a desordem das paixões. “Do ponto de vista psicológico, não cabe dúvida de que o remédio capital contra as paixões desordenadas será sempre uma vontade firme e decidida de vencer” (MARIN, 2001: 369-370, §252).

Portanto, o segredo do bom êxito no grande embate espiritual que o homem trava na vida está na boa formação da vontade, para que esta queira o que deve querer segundo a Lei de Deus e não atendendo a “lei do pecado”.

Sete maravilhosos efeitos do Batismo

O Sacramento do Batismo produz, naquele que o recebe, uma série de divinas  maravilhas. Eis as principais: batizado

1) Infunde a graça santificante, com o matiz especial de graça regenerativa, que é a própria do batizado, tornando- o capaz para a recepção dos demais Sacramentos.

2) Converte o batizado em templo vivo da Santíssima Trindade, pela divina inabitação em todas as almas em estado de graça. 3) Infunde o germe de todas as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo.

4) Torna-o membro vivo de Jesus Cristo, como ramo da divina Videira (Jo 15, 5).

5) Imprime o caráter batismal, o qual o torna membro vivo do Corpo Místico de Jesus Cristo, que é a Igreja, e lhe dá uma participação real e verdadeira (embora incompleta) no sacerdócio de Jesus Cristo. Esta participação sacerdotal se aperfeiçoa com o caráter do Sacramento da Confirmação e se completa com o caráter do Sacramento da Ordem.

6) Apaga totalmente da alma o pecado original e todos os pecados atuais, antes cometidos; esses pecados não são apenas cobertos, mas apagados de fato, e de forma definitiva. Assim o definiu expressamente o Concílio de Trento (D n. 792).

7) Perdoa toda a pena devida pelos pecados, tanto a temporal como a eterna. De modo que se um pecador recebe o Batismo no momento da morte, entra imediatamente no Céu, sem passar pelo Purgatório. Foi o que ensinou o Concílio de Florença (D n. 696) e o de Trento definiu (D n. 792). (ROYO MARÍN, OP, Pe. Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p. 69-70)

 

(Revista Arautos do Evangelho, Jul/2009, n. 91, p. 27)

 Ver também: http://presbiteros.blog.arautos.org/2010/01/07/pregacao-de-joao-e-batismo-de-jesus/

 

El concepto del mal en la iglesia de hoy

Gustavo Ponce Montesinos

Uno de los temas que siempre han estado presentes en la Iglesia, es el problema del mal en el mundo, entendiéndolo como el pecado que conlleva al sentimiento de culpa y confusión. 

 El pecado original se plegó a la conducta humana y nos recuerda que somos  imperfectos. Pero la buena noticia del Cristianismo, según  afirma Benedicto XVI en un artículo publicado el 12 de diciembre de 2008, es que “el mal no constituye el ser del hombre”.

bento Entendiendo así que el mal y los errores humanos no constituyen un estado definitivo en las personas, ni impide el ascenso espiritual, ni estanca el desarrollo moral. Por el contrario, el hombre cuenta con una sensibilidad  eficiente para reconocer sus pecados e imperfecciones.  Pero lo más importante es que es capaz de comprender hacia dónde debe conducirse y a quién debe recurrir en busca de guía.

 Con base en el concepto del pecado, el Papa Benedicto XVI, como cabeza principal de la Iglesia de hoy, expuso en el artículo antes mencionado, la doctrina sobre el pecado original y la redención, y lanza el siguiente cuestionamiento: “¿es posible creer hoy en el pecado original?. Muchos piensan que, a la luz de la historia de la evolución, no habría ya lugar para la doctrina de un primer pecado (…). Y, en consecuencia, también la cuestión de la Redención y del Redentor perdería su fundamento. (…) es innegable la existencia del mal y la necesidad que experimenta el hombre de ser redimido de él

 Ante esa necesidad de redención, la Iglesia sostiene que Dios está siempre dispuesto a satisfacer los sinceros ruegos de quienes buscan su ayuda. Es decir, que el mal no es un impedimento para encontrar bien, y el máximo Bien es Dios.  Esta doctrina de la institución eclesiástica se manifiesta en las palabras del Papa respecto a la necesidad de redención que está manifiesta en “el deseo de que el mundo cambie y la promesa de que se creará un mundo de justicia, de paz y de bien”.

 La Iglesia predica que Dios es justo, piadoso, sabio, compasivo y perfecto; en otras palabras, Dios es el sumo Bien y ha infundido en el ser humano su propio Espíritu, por el cual  el hombre tiene la disposición para la benevolencia.  No obstante, dichas cualidades bondadosas están limitadas por su naturaleza finita. Ello puede explicar la imperfección y la posibilidad de equivocarse del ser humano, de contradecir el bien, aunque siempre tendrá la disposición de volverlo a buscar.

 El hom­bre es imperfecto pero no por eso ha sido abandonado por Dios, para que sufra sin esperanza las consecuencias de sus propias deficiencias. Está fortalecido por las Escrituras, puede acudir constantemente a la razón, cuenta con libertad de elección y es guiado por parámetros sociales y psicológicos que vislumbran una anhelada perfección, fuente de ideales que no culminan con su limitado ciclo vital, sino más bien le proveen de una aspiración a trascender su vida terrenal como única forma de hallar el bien absoluto. Es decir, que la imperfección del hombre manifestada por la presencia del mal, hace de su vida algo interesante y con sentido, no monótono ni estático, ya que el mal evidencia con más fuerza la presencia del bien.

La cuestión clave, sostiene Benedicto XVI, es “qué explicación ontológica ha buscado el hombre para ese mal, que (…) lo ha convertido en una segunda naturaleza. (ibíd.).  La constante oscilación entre las fuerzas del bien y el mal constituye la lucha de la vida.

Se entiende que el hombre posee, latente dentro de sí, la capacidad potencial del mal, pero no es mayor que su capacidad del bien. Sólo el hombre es responsable del camino que sigue en su vida. 

En consecuencia, la Iglesia asume el mal como una violación deliberada y consciente de la ley de Dios. No acepta el principio dualista respecto a que “el ser como tal desde el principio lleva en sí el bien y el mal, donde el mal es tan originario como el bien“. El ser sería “una mezcla de bien y mal que, según esta teoría, pertenecería a la misma materia del ser”. Según Benedicto XVI, “es una visión en el fondo desesperada: si es así, el mal es invencible“. “No hay dos principios, uno bueno y uno malo, sino que hay un solo principio, el Dios creador, y este principio es bueno, sólo bueno, sin sombra de mal“.

Por lo tanto, el ser “no es una mezcla de bien y de mal; el ser como tal es bueno y por ello es bueno existir, es bueno vivir (…)  sólo hay una fuente buena, el Creador. Y por esto vivir es un bien, es una cosa buena ser un hombre, una mujer, es buena la vida“.

Con estas palabras del sumo Pontífice, se demuestra que la Iglesia de hoy es enfática al afirmar que el mal puede ser superado, ya que a la permanente fuente del mal Dios ha opuesto una fuente de puro bien. “Es por ello que, si en la fe de la Iglesia ha madurado la conciencia del dogma del pecado original, es porque éste está conectado inseparablemente con otro dogma, el de la salvación y la libertad en Cristo” (ibíd.). La Iglesia Cristiana parte de la “convicción de la bondad de la naturaleza humana, de la libertad del hombre de su llamada a la perfección y de la responsabilidad que le incumbe dentro del todo unitario del género humano. … el hombre es bueno por haber sido creado por Dios a su imagen y semejanza, en un sentido que le distingue de todas las demás criaturas terrenas. En su espíritu lleva gravada la imagen de la Trinidad. San Agustín ha estudiado con máximo rigor las diferentes posibilidades de concebir la imagen de Dios inscrita en el espíritu humano[1].

PONCE MONTESINOS, Gustavo. El mal: ¿condición de posibilidad del orden perfecto de la creación?: Aceptación de la Falibilidad Humana como camino a la Perfección. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teología, Filosofía Y Humanidades. Licenciatura Canónica en Filosofía. Medellín, 2009. p. 35-37.


[1] STEIN Edith. La estructura de la persona humana. Estudios y Ensayos BAC , Madrid, 2003, pág. 11