A preservação do direito à vida

Pe. Leopoldo Werner, EP

Enquanto ser vivo, o homem deve respeitar o ser que recebeu de Deus, o que o obriga a zelar pela manutenção de sua vida e de sua saúde e o proíbe matar-se a si próprio.

Como corolário desta lei, não está em nosso poder o matar ou ferir nossos semelhantes, a não ser em legítima defesa, em determinadas condições. Este direito à vida está fundamentado na dignidade da pessoa humana, e ele se estende desde a concepção até sua morte natural. Esta dignidade diz respeito, por sua vez, aos bens do espírito tanto quanto aos bens do corpo, pois enquanto se está nesta vida eles são inseparáveis.

O direito à vida tem seus corolários: tudo o que se opõe à vida, à sua integridade física e moral, sua dignidade como pessoa humana, constituem violações que prejudicam gravemente o progresso da civilização, degradam os costumes e as instituições humanas e ofendem gravemente a honra devida ao Criador. O Papa João Paulo II, na Veritatis Splendor, reafirma a doutrina do Vaticano II:

 “Tudo quanto se opõe à vida, como são todas as espécies de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador” (1993: 80).

Estes mesmos conceitos são também defendidos por homens de vários campos do saber. É como explica o conhecido jurísta brasileiro Ives Gandra:

“É evidente que o direito à vida implica outros direitos que lhe permitam ser exercido, que também são de direito natural, como o direito à educação, à liberdade de associação, ao trabalho, à saúde, à dignidade pertinente ao ser humano, à intimidade, a não ser afastado da convivência social, senão se lhe trouxer mal superior, a partir dos indícios de sua atuação pregressa.O direito à vida é o principal direito do ser humano. Cabe ao Estado preservá-lo, desde a sua concepção, e preservá-lo tanto mais quanto mais insuficiente for o titular deste direito. Nenhum egoísmo ou interesse estatal pode superá-lo. Sempre que deixa de ser respeitado, a história tem demonstrado que a ordem jurídica que o avilta perde estabilidade futura e se deteriora rapidamente” (GANDRA DA SILVA MARTINS, Ives. Fundamentos do direito natural à vida. In: http://www.academus.pro.br/professor/ivesgranda/artigos_fundamentos.htm. Acessado em 26/4/2009).

O mundo segundo Juan Alfaro

Pe. François Bandet, EP

Alfaro concebe o mundo como o lugar donde se desenvolve a vida da pessoa; donde a pessoa faz uma experiência de si mesma e do que o circunda. Em tal experiência o homem experimenta que, ao mesmo tempo, faz parte do mundo e é diferente do mundo. Heidegger define a existência do homem como “ser no mundo”.[1] Isto é um processo de “humanização” na qual a pessoa se torna mais pessoa porque descobre que, na mistura que faz parte do mundo, é também diferente do mundo, e isto o estimula a dar um sentido à sua presença no mundo.

Quando a pessoa começa a “dominar” o mundo, torna-se mais livre e profunda a própria opção fundamental de sentido; Tal processo é necessário exprimir através da arte, da cultura, e da música. Este domínio sobre as coisas é o fruto da historicidade da pessoa que vive em liberdade no mundo.[2]

O que é a liberdade? Certamente um dom mas também um desafio. Um desafio porque se trata de decisões que a pessoa deve tomar a respeito do sentido último da própria vida. É uma liberdade em relação a algo mas também em relação a alguém. O homem descobre que a sua liberdade é um dom, mas descobre também que não pode haver uma liberdade puramente individual porque há também a liberdade do outro. Cabe transformar-se num ser superior transcendente que Alfaro define como “realidade última”.[3]


[1] HEIDEGGER, Martin Sein und Zeit . Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1993.

[2] ALFARO, Juan. Dal problema dell’uomo al problema di Dio (1988), Brescia: Queriniana, 1991, p. 207.

[3] Idem, ibidem., p. 217.

Uma tese de teologia sobre o “Big Bang”

UniversoPe. Eduardo Miguel Caballero Baza, EP

Na atualidade parece que a ciência nunca será capaz de levantar o véu que encobre o mistério da criação. Para o cientista que durante toda a sua vida se guiou pela crença no poder da razão, esta história termina como um pesadelo. Ele escalou as montanhas da ignorância e está a ponto de chegar ao mais alto pico; quando consegue alcançar a última rocha, é recebido por um grupo de teólogos que ali estão sentados há séculos”.1

Esse testemunho pessoal de Robert Jastrow, renomado cientista norte-americano, fundador do Goddard Institute for Space Studies (GISS) da NASA, ilustra bem como a Teologia não está alheia às questões científicas, mas as explica e transcende.

Aspecto pouco conhecido da história científica

Os pioneiros das ciências naturais no século XVII, assim como muitos de seus continuadores nos séculos seguintes, eram homens profundamente religiosos, persuadidos de que suas investigações não passavam de uma contribuição para desvendar a obra do Criador.

Basta pensar nos importantes estudos do Bispo dinamarquês Beato Niels Stensen (1638-1686) sobre geologia e mineralogia, pelos quais ele é considerado o fundador da geologia moderna. Ou nos filhos espirituais de Santo Inácio de Loyola – entre os quais o padre Athanasius Kircher (1602-1680), erudito em inúmeros campos científicos; o padre Giovanni Battista Riccioli (1598-1671), cuja enciclopédia astronômica marcou época; o padre Francesco Maria Grimaldi (1618-1663), descobridor da difração da luz; o padre Ruggero Boscovich (1711-1787), considerado o criador da física atômica fundamental – que contribuíram significativamente para as conquistas da ciência e da técnica, e foram correspondentes assíduos de cientistas influentes de sua época.2

Depois desses pioneiros, não têm faltado católicos fervorosos na vanguarda dos mais diversos campos da ciência. O francês Augustin Louis Cauchy (1789-1857) – cujo nome figura inúmeras vezes nos livros de ciências exatas, física e engenharia – era católico convicto, membro da Sociedade de São Vicente de Paulo. Um dos maiores cientistas da História, Louis Pasteur (1822-1895), foi um católico exemplar em pleno século do positivismo ateu e do racionalismo agnóstico. Seu contemporâneo, o abade agostiniano austríaco Gregor Johann Mendel (1822- 1884), é considerado o pai da genética. O físico italiano Alessandro Volta (1745-1827), inventor da pilha elétrica, 3 era homem de Missa e Rosário diários, enquanto seu contemporâneo, o cientista francês André-Marie Ampère (1775-1836), fundador da eletrodinâmica, 4 tem uma obra intitulada Provas históricas da divindade do Cristianismo.

E muitos outros poderiam ser citados como exemplo até nossos dias.

 A ciência e a Fé se complementam

De outro lado, o Magistério Pontifício tem sido unânime em mostrar como ciência e Fé convergem para a única verdade, por vias diversas mas complementares.5

O Concílio Vaticano II confirmou isso, lembrando que as realidades profanas e as da Fé têm origem no mesmo Deus: “A investigação metódica em todos os campos do saber, quando levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à Fé, já que as realidades profanas e as da Fé têm origem no mesmo Deus. Antes, quem se esforça com humildade e constância por perscrutar os segredos da natureza, é, mesmo quando disso não tem consciência, como que conduzido pela mão de Deus, o qual sustenta as coisas e as faz ser o que são”.6

Ora, para ser possível uma relação frutuosa entre ciência e Fé, é necessária a mediação de uma filosofia realista, reconhecedora de que as entidades materiais observadas pela ciência são reais, que existem independentemente do observador, que possuem uma racionalidade coerente, que estão governadas por leis determinadas e que formam um todo ordenado.

Diz-se que a sã filosofia é aquela que diz coisas evidentes, mas que não são ditas por ninguém; pois bem, essa é a filosofia realista, a filosofia de São Tomás de Aquino e de tantos outros pensadores católicos.

 O cosmos: uma dimensão da realidade inatingível pela ciência

A ciência – mesmo quando se baseie numa filosofia realista e considere o universo como contingente – deve estar consciente de que nunca poderá revelar todos os mistérios do cosmos, por mais que progrida a técnica, pois há toda uma série de dimensões da realidade que escapam completamente a seu alcance. Por isso, a ciência jamais poderá demonstrar a existência de Deus nem tampouco negá-la; simplesmente não tem autoridade para se pronunciar sobre tal matéria.

Quem observa o céu estrelado com um mínimo de espírito contemplativo é naturalmente levado a formular a si mesmo uma série de perguntas para as quais a astrofísica não tem resposta: Por que existe o universo? Por que possui a ordem que observamos nele? É fruto de um projeto inteligente? Teve origem? Quando e como? Sempre foi assim como o vemos hoje?

A ciência procura dar resposta a essas e outras perguntas do gênero por meio da cosmologia, um ramo do saber que trata, de um lado, da formação do universo, de sua estrutura e evolução (aspecto físico ou científico), e de outro, de sua origem e finalidade (aspecto filosófico-teológico). Na realidade, a cosmologia é uma disciplina fronteiriça entre as ciências naturais, a Filosofia e a Teologia. É uma ciência da totalidade, que, entre outras coisas, busca a resposta à pergunta sobre a totalidade do universo no sentido ontológico. A resposta a essa pergunta, porém, não se encontra na totalidade física do universo, que é o objeto de estudo da cosmologia, mas fora dela; a totalidade do universo encontra sua explicação somente em uma Causa superior que transcende sua realidade física.

As questões relacionadas com a origem do universo e sua evolução, portanto, suscitam fortemente perguntas fundamentais como essas, que de um modo natural põem em relação à Fé e a ciência. Esta é a razão que me levou a escolher o Big Bang como tema para a tese de licenciatura em Teologia, na Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia Gregoriana, na especialidade de Teologia Fundamental, pois a Teologia não só tem o direito de dizer uma palavra no debate científico, mas, mais do que isso, sua voz é indispensável para se poder entender em profundidade a realidade do universo.

Influiu também poderosamente na minha escolha o Revmo. Pe. Paul Haffner, da diocese de Portsmouth (Grã Bretanha), licenciado em Física pela Universidade de Oxford e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, da qual é Professor convidado. Autor de mais de 30 livros e 150 artigos, estudou ele durante décadas as relações entre religião e ciência, com especial ênfase na cosmologia e na obra do Revmo. Pe. Stanley L. Jaki, OSB, que conhece em profundidade.

Por fim, não foi alheia a essa escolha minha formação acadêmica de Engenheiro Aeronáutico pela Universidade Politécnica de Madri, embora nunca tenha exercido a profissão, pois, logo após o término de meus estudos, tive a graça de dedicar-me inteiramente ao serviço da Igreja.

 Aspectos filosóficos e teológicos da origem do universo

Hoje, os astrônomos sustentam quase unanimemente que o universo primitivo começou a expandir-se a uma grande velocidade – num processo tão rápido quanto violento, denominado “inflação cósmica” – faz uns 13 bilhões de anos, a partir de uma minúscula e incrivelmente quente “bola de fogo”. É o denominado “modelo standard” do universo, ou “modelo do Big Bang”.

Em torno desta concepção e de outros modelos cosmológicos, existe hoje em dia um aceso debate relacionado com os aspectos mais estritamente científicos, como a história térmica do universo, a causa do deslocamento para o vermelho dos espectros eletromagnéticos das radiações estelares, radiação cósmica de fundo de microondas, a suposta existência da matéria escura e da energia escura, a explicação da abundância relativa dos elementos químicos que se observa no universo, a descrição do nucleossíntese estelar, bem como dos processos de formação das estrelas e das galáxias, e tantos outros. Mas o debate não se limita aos aspectos científicos da questão. Estão em jogo concepções filosóficas e teológicas da maior importância.

Se o modelo do Big Bang explica a origem do universo a partir do nada, que necessidade há de um Criador? Podem ser separadas a dependência temporal do universo e sua dependência ontológica em relação ao Criador? O cosmos é autossuficiente e conduzido exclusivamente por uma causalidade cega, ou obedece à amorosa Providência Divina?

Como justificar, então, a existência de leis naturais imutáveis? Por outro lado, se Deus intervém na criação, que sentido têm os fenômenos puramente casuais? Como se harmonizam a autonomia das criaturas e sua dependência essencial do Criador, imanência e transcendência? Uma das variantes do modelo do Big Bang postula uma futura contração paulatina cada vez mais rápida do universo, culminando num colapso gravitacional sobre si mesmo. Quer isso dizer que o modelo do Big Bang prevê o fim do mundo?

Responder aqui a cada uma dessas perguntas alongaria demasiadamente esta matéria e me obrigaria a tratar de forma sumária um assunto rico e apaixonante. Proponho, portanto, voltar ao tema em outros artigos. Assim poderei compartilhar com nossos leitores a preparação de minha futura tese de doutorado.

 

Notas:

1 Cf. R. Jastrow. God and the Astronomers. New York: 1978, p. 116.

2 Entre outros com os quais mantinham frequente correspondência, cabe mencionar os seguintes: o matemático francês Pierre de Fermat (1601- 1665), pai do cálculo diferencial; o astrônomo, matemático e físico holandês Christiaan Huygens (1629-1695), inventor do relógio de pêndulo; o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646- 1716), espírito multifacetado que formulou os princípios fundamentais do cálculo infinitesimal; ou o britânico Isaac Newton (1642-1727), que deduziu a lei da gravidade universal.

3 Em sua honra, chama-se “volt” a unidade de medida da tensão elétrica.

4 Em sua honra, denominase “ampère” a unidade de medida da intensidade da corrente elétrica.

5 Neste sentido, ver por exemplo, P. HAFFNER. Creazione e scienze. Roma: 2008, p. 1-60.

6 Constituição pastoral Gaudium et spes, 7/12/1965, n. 36.

 (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2009, n. 95, p. 37 à 39)

Paul Ricoeur: la propuesta ético-cristiana para nuestro tiempo

Paul Ricoeur in: wikipedia.org

Paul Ricoeur foto: wikipedia.org

Pe. Santiago Canals, EP

Existen muchas formas de presentar una ética cristiana. El presente trabajo está realizado a partir de diversas consideraciones éticas y políticas de la obra Pensar en la Biblia – Estudios exegéticos y hermenéuticos de Paul Ricoeur (1913-2005), escrita junto con el Prof. André Lacocque1. Nos fundamentaremos en sus comentarios sobre el “mito adámico”2. Consideramos, en primer lugar, que la perspectiva cristiana desde la cual nos situamos considera la ética y la política un mensaje de vida y no de muerte. Haremos una lectura según el concepto hermenéutico medieval y desde la “reconfiguración” semántica de Paul Ricoeur pues como afirma San Gregorio Magno “la Escritura crece en sus lectores”.

En un primer plano de observación la lectura del drama de la caída nos coloca delante del conflicto de dos voluntades: Dios y el hombre. Esto produce una inquietud por la cual nos preguntamos si es posible hacer una regulación de este conflicto. Podemos concluir que el drama de la caída es un conflicto de voluntades que remite a las relaciones hombre – mundo – Dios. Este conflicto será siempre permanente, presente, en nuestras vidas y en todas las sociedades humanas. Es posible regular este conflicto pero jamás lo conseguiremos anular. Hoy en día, que se busca un mundo sin conflictos ni enfrentamientos, cabe preguntarse si estamos preparados para enfrentar esta realidad. El caos, el drama de la vida humana, trasparece perfectamente dentro de esta óptica de Paul Ricoeur. Vivimos en permanente conflicto con nosotros mismo, con el otro y con Dios. Podemos decir que, dado que el pecado original y nuestros pecados personales oscurecen nuestra inteligencia y debilitan nuestra voluntad, la conflictividad es esencial en nosotros y por eso el caos y el desorden son inmanentes en la condición humana. Paul Ricoeur llamará a esto de finitud – labilidad – fragilidad – contingencia. Pero nosotros, en nuestro cotidiano, vemos en todas partes una realidad muy distinta: se quiere transgredir esta condición ontológica de contingencia y el hombre busca “ser como Dios”. Es la constante repetición de la conversación con la serpiente3. Uno de los principales problemas del hombre contemporáneo es el de sentirse “limitado”. Desde nuestra pre-comprensión, nuestros límites nos muestran “imperfectos”. El hombre moderno es incapaz de ver cualquier perfección en los límites. En realidad, para que algo exista de manera ontológica es necesario que esté “limitado”. El mar no sería nada si no tuviese los contornos que lo limitan. Todos los seres adquieren su autarquía esencial en la “limitación”. Eso es propio de las criaturas contingentes. Ya en Dios, la autarquía es no tener límites, el infinito. Así pues, el pecado, la caída, se produce cuando queremos transgredir los límites: “seréis como Dios”4. Así la propuesta del cristianismo es no transgredir los límites y considerar la finitud como una perfección. Nuestro mundo vive a cada instante el mismo relato de la caída. Queremos suprimir los límites de todo y vivir una “cultura de la transgresión”, pensando estar en nuestra plena autarquía. Confundimos libertar con transgresión de límites. ¿Qué queda de esa libertad? Olvidamos la lección que nos da la propia serpiente: del más bello pasó a ser el animal más feo, arrastrándose por el suelo5. Aquí está la esencia del mito adámico: la libertad es aceptar la finitud. Romper los límites es romper con la condición humana, con la ética cristiana6. Ahora bien, ¿cómo mantenernos en los límites? En términos cristianos y grecoromanos la hybris adquiere una connotación de virtud, de medio y de equilibrio. Es fundamental mantenernos en esta actitud vital, evitando el exceso y el defecto. Cabe decir que para el cristiano existe un momento en el cuál debe romper todos los límites: en el amar. Romper los límites del amar es amor. Es la ética cristiana: “la medida de amar a Dios es amarlo sin medida”7. Para Paul Ricoeur, la lógica de la abundancia es desvivirnos por los otros. Es necesario ser inmoderadamente amadores. A la luz del ágape, transgredir los límites es la esencia del amor. En el “mito adámico” encontramos una trilogía seductora: liberación – salvación – promesa. La serpiente quiere romper los límites. El hombre quiere ser como Dios. Y Dios, a su vez, rompe el límite haciéndose hombre. Es el escándalo para los griegos, la locura de la Cruz, la demencia del amor. En la kenosis, Dios manifiesta el amor completo que podríamos llamar la lógica del exceso. En esa perspectiva el ágape es un hybrido: se juntaron Dios y hombre.

¿Qué es lo que nos hace estar permanentemente dentro de los límites? Hay un otro aspecto de importante consideración: el problema de la astucia sapiencial y la astucia perversa. Si consideramos que la base del intercambio social es la fiducia, los interlocutores que no operan en el ámbito de la confianza rompen sus relaciones. En el lenguaje bíblico, desde la astucia sapiencial, la conversación es “dia-logos”. Pero desde el punto de vista del mal es “diabolos”. Y podríamos considerar esta propuesta ética: hacer de la vida una “dialoga” o una “diabola”. Ya San Agustín8, en su Ciudad de Dios, entiende que la ciudad del hombre no se puede anular, pero sí regular. ¿Cómo conseguirlo? La astucia “sapientia” es la “prudentia”. La prudencia es el moderador de las cuatro virtudes cardenales. Para Santo Tomás9, su origen viene de la palabra “providencia” pues gracias a ella tenemos lo necesario para ordenar lo que nos lleva al fin, lo más oportuno y conveniente10. Y está relacionada con la sindéresis11.

En la prudencia podemos considerar ocho partes activas. En primer lugar la memoria. Es necesario recordar para poder deliberar. Sin ella no podemos usar la recta ratio agibilium. La memoria nos recuerda lo que en términos de experiencia hemos adquirido con el tiempo. Tener memoria de muchas cosas es conveniente para el saber vivir bien y saber gobernar. Podemos considerar la memoria como experiencia acumulada. Y es la base de la civilización, de la cultura, de la tradición, de la Teología y de la filosofía.

En un segundo lugar podemos considerar el intellectus como parte de la prudencia también. Es la habilidad del manejo de las cosas presentes con recta ratio agibilium. Es la intuición, la rápida respuesta por estimativa. Es una evidencia que no se puede demostrar pero nos da un conocimiento real. Son principios rectos que brotan a manera de centellas. Pensemos en la conversión de Paul Claudel12.

Como tercer elemento tenemos la ratio. Es la que demuestra, da razones para actuar de una forma u otra, dentro del ámbito de la prudencia. Son los razonamientos que hacemos para fundamentar nuestra acción prudente. Podemos definir la ratio como la prudencia en busca de razones. Un cuarto elemento de la prudencia es la docilidad. Es la facultad de ser dóciles, saber buscar el consejo oportuno, conveniente y adecuado. Escuchar con atención las opiniones y razones. Saber pedir consejo13.

El quinto elemento es la “eustochia” o solercia, por donde buscamos los medios adecuados en orden al fin que queremos alcanzar. La “providentia” es el sexto elemento de la prudencia. Es por donde, desde la providencia humana nos asemejamos a la providencia divina y ponemos orden en el desorden, siempre desde un ángulo de contingencia y en nuestro papel de co-creadores. En este contexto, la providencia importa cierta relación con algo distante. Para definirla, la providencia es el manejo de las dificultades en relación a un fin.

Como séptima parte activa de la prudencia tenemos la circumspectio, que es el análisis de las circunstancias. Sería el ordenar algo en relación a un fin. Comparar lo que se ordena a un fin con las circunstancias que lo rodean. Y como última parte de la prudencia tenemos la cautela, por la cual somos precavidos y comprendemos que las cosas malas tienen apariencia de bien. Desde la contingencia, la cautela es aceptar los bienes y evitar los males. Pero comprendiendo que a veces nos encontramos con paradojas podemos decir “o felix culpa”.

Dentro de la prudencia podemos considerar también unas partes potenciales, o virtudes adjuntas14. No necesariamente están presentes en el acto de la prudencia, pero son potencias que activan las ocho partes que acabamos de describir. Son tres: la eubulia, o buena voluntad. La synesis, como la posibilidad de juzgar las cosas que se deben hacer apuntándolas a reglas comunes, a la sensatez. Y la gnome, que es la perspicacia o sabiduría por la cual debemos apartarnos de las reglas comunes. Es la capacidad de juzgar, en términos de importancia, lo que debe hacerse. Para Santo Tomás, hay momentos en la vida que debemos suspender las reglas comunes para determinadas situaciones concretas. El hombre prudente, en la guerra, por ejemplo, a veces es más perspicaz devolviendo lo expoliado para efectos de conseguir la paz.

¿Qué camino ético podemos encontrar dentro de la propuesta de Paul Ricoeur? La respuesta es simples: Paul Ricoeur coincide con la visión antropológica del Concilio Vaticano II: El hombre, en efecto, cuando examina su corazón, comprueba su inclinación al mal y se siente anegado por muchos males, que no pueden tener origen en su santo Creador. Al negarse con frecuencia a reconocer a Dios como su principio, rompe el hombre la debida subordinación a su fin último, y también toda su ordenación tanto por lo que toca a su propia persona como a las relaciones con los demás y con el resto de la creación. Es esto lo que explica la división íntima del hombre. Toda la vida humana, la individual y la colectiva, se presenta como lucha, y por cierto dramática, entre el bien y el mal, entre la luz y las tinieblas.15

Hoy más que nunca vivimos una verdadera crisis de valores éticos y morales. La gran víctima de este mundo relativista es la cultura cristiana16. La difusión mediatizada de una visión deforme de Dios, de la sociedad y del ser humano, va minando los principios fundamentales del cristianismo. El concepto de familia, por ejemplo, evoluciona para múltiples figuras. Según Benedicto XVI 17, existen fuertes analogías entre el mundo antiguo pagano -dónde Dios era “el gran Desconocido”- y la sociedad actual. Vivir como si Dios no exista es la práctica mayoritaria de los bautizados. Se considera la existencia de la vida y la finalidad del universo ignorando al Creador completamente. Se establece una sociedad laicista por todas partes, promoviendo una verdadera persecución contra cualquier valor religioso -especialmente cristiano- y se va forjando un anticatolicismo militante18. Ya Juan Pablo II19 alertaba que por medio de un relativismo moral e intelectual los propios cristianos, desorientados, caen en la tentación de vivir un peligroso permisivismo. En el campo doctrinal se diseminan principios contrarios a la Verdad revelada y ya se habla de un nuevo cristianismo sociológico, sin dogmas ni moral. Dentro de este contexto no puede extrañarnos la antinomia entre los defensores del relativismo y quienes sustentan un sistema de valores éticos cimentados en el cristianismo. En el encuentro de presidentes de comisiones episcopales de América Latina para la doctrina de la fe, celebrado en Guadalajara (México), en noviembre de 1996, el entonces cardenal Ratzinger20 afirmó que “el relativismo se ha convertido así en el problema central de la fe en la hora actual” y se configura como un verdadero sistema filosófico por el cual los hombres alcanzarían la plena realización, ora como seres inteligentes ora en plenitud de sociedad. Para el relativista, el hecho de reconocer valores absolutos sería ir en contra de los principios democráticos y comportarse como una personas antisocial, pues equivaldría a renunciar al axioma de que todos participan en algo de la verdad. De esta manera, concluye, “una sociedad liberal sería, pues, una sociedad relativista; sólo con esta condición podría permanecer libre y abierta al futuro”. La Posmodernidad no da ninguna respuesta a los anhelos puestos ofreciendo un egoísmo narcisista, una libertad que sacrifica la verdad. Los grandes adelantos técnicos van turbando las mentes. Llegamos al extremo del mismo cardenal Ratzinger21 declarar en otra ocasión que los ideales parecen haber muerto y surge una espiritualidad sincretista donde la ideología imperante es el relativismo.

¿Cuál será el futuro de la sociedad actual? No lo sabemos. Pero lo cierto es que Paul Ricoeur indicó el mismo camino ético-cristiano que Benedicto XVI:

Solo habrá una salida para los hombres cuando ellos comprendan que transgredir los límites es romper con las más altas normas del Creador. Cuando están en juego las exigencias fundamentales de la dignidad de la persona humana, de su vida, de la institución familiar, de la equidad del ordenamiento social, es decir, los derechos fundamentales del hombre, ninguna ley hecha por los hombres puede trastocar la norma escrita por el Creador en el corazón del hombre, sin que la sociedad misma quede herida dramáticamente en lo que constituye su fundamento irrenunciable. Así, la ley natural se convierte en la verdadera garantía ofrecida a cada persona para vivir libre, respetada en su dignidad y protegida de toda manipulación ideológica y de todo arbitrio o abuso del más fuerte. Nadie puede sustraerse a esta exigencia. Si, por un trágico oscurecimiento de la conciencia colectiva, el escepticismo y el relativismo ético llegaran a cancelar los principios fundamentales de la ley moral natural, el mismo ordenamiento democrático quedaría radicalmente herido en sus fundamentos. Contra este oscurecimiento, que es crisis de la civilización humana, antes incluso que cristiana, es necesario movilizar la conciencia de todos los hombres de buena voluntad, tanto laicos como pertenecientes a religiones diferentes del cristianismo, para que juntos y de manera efectiva se comprometan a crear, en la cultura y en la sociedad civil y política, las condiciones necesarias para una plena conciencia del valor inalienable de la ley moral natural. Del respeto de esta ley depende, de hecho, que las personas y la sociedad avancen por el camino del auténtico progreso, en conformidad con la recta razón, que es participación en la Razón eterna de Dios22.

 

CANALS, Santiago et all. Paul Ricoeur: La propuesta ético-cristiana para nuestro tiempo. Trabajo final de Ética y Política en un pensador cristiano. Universidad Pontificia Bolivariana: Escuela de Teología, Filosofía Y Humanidades. Maestría en Teología. São Paulo, 2009.

 

1 RICOEUR, Paul, LACOCQUE, Andre. Pensar la Biblia – Estudios exegéticos y hermenéuticos, Barcelona: Herder, 2001, p. 23-51.

2 Cf Gn. 2-3.

3 Cf. CATECISMO DE LA IGLESIA CATÓLICA. Libreria Editrice Vaticana. Città del Vaticano. 1997, n° 398 ss.

4 Gn 3, 5.

5 Cf. Gn 3,14.

6 Sobre el problema de la libertad y su conjunción con la verdad ver JUAN PABLO II, Veritatis Splendor n°46 [En línea] http://www.vatican.va/edocs/ESL0044/_INDEX.HTM [Consulta en: 25-05-2009] y BENEDICTO XVI, “Lectio Divina del Santo Padre Benedicto XVI en el Pontificio Seminario Romano”, 20-02-2009. [En línea] http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2009/february/documents/hf_benxvi_spe_20090220_seminario-maggiore_sp.html [Consulta: 4-04-2009].

7 SAN FRANCISCO DE SALES. Tratado del amor de Dios, Guadalquivir – S.L. Ediciones, 1994.

8 SAN AGUSTÍN. La ciudad de Dios, L. XV, c. IV.

9 SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma de Teología, Madrid: BAC, 1990.

10 S.T. II-II, q. 48, art. 6

11 S.T. II-II, q. 49

12 LAMPING, Severin. Homens que regressam à Igreja, Braga: Livraria Cruz, 1948, p. 251-260.

13 Cf. Ecl. 6, 35

14 S.T. II-II, q. 51

15 GS 13.

16 JUAN PABLO II. Fides et ratio. N° 46. 1998. [En línea] http://www.vatican.va/edocs/ESL0036/_INDEX.HTM [Consulta: 25-05-2009]

17 BENEDICTO XVI. Encuentro con el mundo de la cultura en el Collège des Bernardins, 12-09-2008. [En línea] http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2008/september/documents/hf_benxvi_spe_20080912_parigi-cultura_sp.html [Consulta: 4-04-2009].

18 PONTIFICIO CONSEJO DE LA CULTURA. Via pulchritudinis, camino de evangelización y de diálogo. Madrid. BAC: 2008, p. 38.

19 JUAN PABLO II. Discorso al Convegno Naziolane Missioni al popolo per gli anni 80, 6-02-1981 [En línea] http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1981/february/documents/hf_jpii_spe_19810206_missioni_it.html [Consulta: 18-05-2009]

20 RATZINGER, , Situación Actual de la Fe y la Teología. México, 1996. [En línea]

http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/Articulos/teo-003.htm [Consulta: 3-05-2009]

21 RATZINGER. Misa “pro eligendo pontifice”, 18 de abril de 2005, [En línea]

http://www.vatican.va/gpII/documents/homily-pro-eligendo-pontifice_20050418_sp.html [Consulta: 18-05- 2009]

22 BENEDICTO XVI. Discurso sesión plenaria Comisión Teológica Internacional, 5 de octubre de 2007, [En línea] http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2007/october/documents/hf_benxvi_spe_20071005_cti_sp.html [Consulta: 12-02-2009].