A universalidade da lei natural

Pe. Leopoldo Werner, EP
A lei natural é universal e igual para todos os homens, pois possuem a mesma natureza racional criada por Deus. Está inscrita no íntimo do seu coração e tem seu papel no desenrolar dos acontecimentos históricos e no aperfeiçoamento de todas as potências da alma e do corpo que refletem, por sua vez, em todas as atividades e instituições humanas.

Na verdade, o caráter de universalidade e obrigatoriedade moral estimula e impele o crescimento da pessoa. Para se aperfeiçoar na sua ordem específica, a pessoa deve praticar o bem e evitar o mal, deve vigiar pela transmissão e conservação da vida, aperfeiçoar e desenvolver as riquezas do mundo sensível, promover a vida social, procurar o verdadeiro, praticar o bem, contemplar a beleza (JOÃO PAULO II, 2002: 5).
É uma lei universal que não admite privilégios nem distinções de raças, sexo, idade ou fortuna. Ela não precisa ser promulgada para ser conhecida pelos homens, por isso não pode ser objeto de uma ignorância invencível. Esta universalidade se impõe a todos os homens de todas as épocas. Ela respeita, no entanto, a individualidade, unicidade e a irrepetibilidade de cada ser humano. Ela abraça pela raiz todos os atos livres, e é uma bússola que norteia os atos humanos rumo ao fim último.
Essa mesma universalidade, em vez de ser um entrave para o desenvolvimento do gênero humano, pede que todos procurem a perfeição em
Referênciassuas atividades e realizem um progresso no conhecimento da verdade e das ciências em todos os campos.

JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes na Assembléia Geral da Academia Pontifícia para a Vida. 27/2/2002 In: AAS 94 (2002).

Belém, os Magos e Herodes

Mons. João Clá Dias, EPmagos

“Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que Magos vieram do Oriente a Jerusalém”.

Como nos diz São Paulo: “Se a tivessem conhecido [a misteriosa sabedoria de Deus], nunca teriam crucificado o Senhor da glória” (I Cor 2, 8). Não era dos desígnios de Deus que o nascimento de Jesus Menino fosse manifestado a toda a humanidade, pois isso provavelmente impediria que se realizasse a Redenção. Por outro lado, se Sua vinda ao mundo fosse acompanhada por sinais fulgurantes e grandiosos, seriam anulados os méritos da fé.

O nascimento, sinal prévio da segunda e plena manifestação

Por estes e outros motivos, nos explica São Tomás de Aquino: “É inerente à ordem da sabedoria divina que os dons de Deus e os segredos de sua sabedoria não cheguem da mesma forma a todos, mas que cheguem imediatamente a alguns e, por meio deles, se estendam aos outros. Assim, no que concerne ao mistério da Ressurreição, diz o livro dos Atos: ‘Deus ressuscitou Cristo ao terceiro dia e Lhe concedeu manifestar a sua presença, não ao povo em geral, mas às testemunhas designadas de antemão por Deus’. O mesmo devia ser observado em relação a Seu nascimento: que Cristo não Se manifestasse a todos, mas a alguns, por meio dos quais poderia chegar aos outros”.3

Várias também são as razões pelas quais a Providência Divina escolheu primeiro os judeus, e só depois os gentios, para manifestar o nascimento de Jesus. Claro está que tendo Deus um especial apreço pelo princípio de hierarquia, deveria preferir iniciar Sua grande obra pelo Povo Eleito. Daí continuar a discorrer sobre esse pormenor o mesmo Doutor Angélico:

“A manifestação do nascimento de Cristo foi uma antecipação da manifestação plena que haveria de vir. E assim como na segunda manifestação a graça de Cristo foi anunciada por Cristo e por Seus Apóstolos, primeiro aos judeus, e depois aos pagãos, assim também, os primeiros a aproximar-se de Cristo foram os pastores, que eram as primícias dos judeus e estavam perto; depois vieram os Magos, de longe, como ‘primícias dos pagãos’, na expressão de Agostinho”.4

Considerações e profecias

Quanto à referência à cidade de Belém de Judá neste versículo, devemos considerar a afirmação feita pelo próprio Salvador, décadas mais tarde: “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu” (Jo 6, 41). Por isso fazem os comentaristas uma aproximação entre o significado do nome Belém – ou seja, “casa do pão” – e a instituição do Sacramento da Eucaristia, Pão dos Anjos. Havia uma outra Belém, ao norte, na terra de Zabulon, daí procurar o Evangelista especificar a tribo de Judá.

O rei Herodes, na realidade, não pertencia à raça dos judeus, pois era idumeu. Chegou ao trono por apoio dos romanos, devido a lhe serem contrários os judeus, por se tratar de um estrangeiro. Foi muito habilidoso, restaurando com esmero o Templo de Jerusalém, no intuito de que se esquecessem de suas origens. Porém, sua fama perpetuou-se pelas grandes máculas de seus costumes dissolutos e de sua crueldade.

Sobre este particular, pondera Teodoro de Mopsuéstia: “O patriarca Jacó havia já discernido com exatidão esse momento, ao dizer: ‘Não se apartará o cetro de Judá, nem o bastão de comando dentre seus pés, até que venha aquele a quem pertence por direito, e a quem devem obediência os povos’ (Gn 49, 10). Mateus apresenta esses dados para, por meio deles, pôr em evidência que tudo estava correndo de acordo com as palavras proféticas. Por um lado, o profeta tinha dito que nasceria em Belém (cf. Mq 5, 1); por outro, o fato de ocorrer isso no tempo de Herodes cumpria, ademais, a predição de Jacó. Primeiro reinou sobre eles a estirpe de Davi, da tribo de Judá, irmão de Levi, mas a descendência provinha da estirpe de Judá, que se mesclara com a tribo levítica, especialmente com sumos sacerdotes, e tinham prerrogativas reais. Em seguida – depois que os irmãos Aristóbulo e Hircano disputaram entre si o poder – a dignidade real passou finalmente para Herodes, o qual não era judeu de raça, por ser filho de Antípatro, o idumeu. Foi então, no tempo desse reinado, que apareceu Cristo Senhor, não havendo mais reis e governantes do povo judeu”.5

Mateus se cala sobre maiores detalhes a respeito dos Magos; daí a multiplicidade de hipóteses e a não pouca divergência entre os autores sobre este particular. Entretanto, podemos afirmar que o nome Magos não deve ser tomado com as conotações próprias aos nossos tempos. Naquela época, significava pessoas de certo poder e muito distintas, em especial pelos conhecimentos científicos, sobretudo de astronomia. Além disso, a tradição nolos apresenta como reis. É também por tradição que consta serem três, terem sido batizados mais tarde por São Tomé Apóstolo e, tempos depois, martirizados. As relíquias dos Reis Magos foram veneradas recentemente por um Papa. Nosso Pontífice Bento XVI, felizmente reinante, visitou a catedral de Colônia para diante delas rezar, em 18 de agosto de 2005, por ocasião da XX Jornada Mundial da Juventude.

Sobre o país de origem – Caldeia, Arábia ou Pérsia -, o que consta são puras hipóteses; como também quanto ao momento da chegada deles a Jerusalém e a Belém, que parece terse dado depois da Apresentação do Menino Jesus.

O certo e admitido por todos é que, sendo a Redenção de âmbito universal, deveria ser anunciada a todos.6

III – Os Reis perante Herodes

“Perguntaram eles: ‘Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo'”.

Torna-se claro, por este versículo, o real e profundo motivo da longa viagem empreendida por eles; nada houve de pura curiosidade, razões profanas, ou até mundanas. Ademais, demonstram possuir grande fé, e não pouca intrepidez, ao formularem uma pergunta tão incisiva, tanto mais que poderia ser interpretada por Herodes como sendo uma negação de seu título e de seu poder, conquistados com tantos esforços.

A estrela que guiava os Magos

Sobre a estrela, comenta o Revmo. Padre Manuel de Tuya, OP: “Os magos alegam, para terem vindo adorar o Rei dos judeus recém-nascido, que viram ‘sua estrela no Oriente’. De maneira muito acentuada, fala-se precisamente da estrela do Rei dos judeus. No mundo da astrologia, os homens se consideram governados pelos astros. Mas também na Antiguidade estava difundida a crença de que o nascimento dos homens de grande importância era precedido de algum sinal do céu. Isto se refletia até nos escritos cuneiformes. Surgiram várias teorias a respeito dessa ‘estrela vista pelos Magos'”.7

Também o Doutor Angélico não deixou de exprimir seu pensamento a respeito desta passagem. Depois de discorrer sobre as razões pelas quais aos judeus revelou Deus Seu nascimento através de Anjos e, aos gentios, por sinais, cita Santo Agostinho: “Os Anjos moram nos céus que são adornados pelas estrelas”.8 E a partir daí, passa a analisar a estrela em si mesma, mostrando como ela “não era uma das estrelas do céu”, mas sim um astro inteiramente sui generis.9

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Não foi uma das estrelas do céu

Segundo Crisóstomo, existem muitos indícios que manifestam que aquela estrela que apareceu aos Magos não era uma das estrelas do céu.

1º – Porque nenhuma outra estrela seguiu este caminho, pois esta se movia de norte a sul; tal é a situação da Judeia com relação à Pérsia, donde vieram os Magos. 2º – Pelo tempo em que aparece, pois não aparecia só de noite, mas também em pleno dia; o que não está no poder de uma estrela, nem mesmo da Lua. 3º – Porque às vezes aparecia e outras vezes se ocultava; quando entraram em Jerusalém se escondeu, para aparecer depois que deixaram Herodes. 4º – Porque não tinha um movimento contínuo: andava quando era preciso que os Magos caminhassem, e se detinha quando eles deviam se deter, como a coluna de nuvem no deserto. 5º – Porque mostrou o parto da Virgem não só permanecendo no alto, mas também descendo, como diz o Evangelho de Mateus: “A estrela que tinham visto no Oriente ia à sua frente até parar em cima do lugar onde estava o Menino”. Daí se deduz claramente que a palavra dos Magos, “vimos sua estrela no Oriente”, não deve ser entendida como se, encontrando-se eles no Oriente, lhes tivesse aparecido uma estrela que estava na Judeia, mas que viram uma estrela situada no Oriente e que os precedeu até a Judeia (embora alguns duvidem disto). Mas não teria podido indicar claramente a casa se não estivesse próxima da terra. E, como diz o mesmo Crisóstomo, isso não parece próprio de uma estrela, mas de “algum poder racional”. “Parece, pois, que esta estrela era um poder invisível transformado na aparência de uma estrela”.

Por isso alguns afirmam que, assim como o Espírito Santo desceu sobre o Senhor batizado sob a forma de pomba, apareceu também aos Magos sob a forma de estrela. – Outros, porém, dizem que o Anjo que apareceu aos pastores sob forma humana apareceu aos Magos na forma de estrela. – É, contudo, mais provável que se tratasse de uma estrela criada de novo, não no céu, mas na atmosfera próxima à terra, e que se movia segundo a vontade de Deus. É por isso que afirma o Papa Leão (Sermão 31, sobre a Epifania): “Apareceu aos três Magos, na região do Oriente, uma estrela de uma nova claridade, mais brilhante e formosa do que os outros astros, que atraía os olhos e os corações dos que a olhavam, para que compreendessem imediatamente que não carecia de significação o que parecia tão insólito”.

(AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 36, a.7 resp).

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 Jerusalém ficou perturbada

“Ouvindo isto, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele”

É de fácil compreensão esse temor de Herodes, dada sua irrefreável ambição, inveja e crueldade. Sua esposa e seus três filhos puderam experimentar a violência de seu péssimo e impetuoso temperamento, pois foram mortos por uma determinação tirânica sua, nascida do medo de que o destronassem.

Para um homem com essa moral desregrada e tão mau caráter, o anúncio do surgimento miraculoso de um novo rei só poderia causar perturbação; tanto mais que “havia-se difundido então por todas as partes do Império Romano, no Oriente mais do que em qualquer outra, certo pressentimento – às vezes vago, às vezes mais preciso – de uma nova era que se abriria para a humanidade”.10

E qual a causa da perturbação dos habitantes de Jerusalém? Era-lhes anunciado o nascimento de um Rei judeu: não seria esta uma alvissareira notícia? E não deveriam eles acompanhar os Magos para, com alegria, comprovar os fatos? Não causaria estranheza que o povo, a essas alturas, já estivesse acomodado e relaxadamente complacente com o criminoso tirano. Quiçá pudesse concorrer para essa perturbação o receio de represálias e vinganças. Ou ainda o amor próprio ferido, o orgulho pisado, o desprezo de uma graça, pois esperavam um Messias com maior esplendor e, ademais, anunciado a eles diretamente, e não a estrangeiros.

A esse propósito, comenta São João Crisóstomo: “Porque continuavam na mesma disposição de seus antepassados – os quais, apesar de todos os benefícios recebidos, afastaram-se de Deus – e gozavam de plena liberdade, recordavam-se das carnes do Egito”.11

Iniquidade fraudulenta de Herodes

“Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e deles indagou onde havia de nascer o Cristo”.

Péssimo, mas habilidoso, Herodes dissimula seu satânico plano de matar o Messias e procura saber quais são os desígnios de Deus para, com eficácia, impedi-los. Com ares de hipócrita piedade, convoca o Sinédrio. Sua pergunta demonstra o quanto todos eram conhecedores da possibilidade de que aquele recém-nascido bem poderia ser o Cristo. Daí também a maldade do Sinédrio e do próprio povo.

“Disseram-lhe: ‘Em Belém de Judá, porque assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo'” (Mq 5, 2).

Os doutores da Lei não temem dizer a Herodes que, segundo Miqueias, o Cristo deveria nascer na cidade de Belém de Judá. Entretanto, suprimem da profecia oficial a frase subsequente, que clarissimamente insinuava a origem divina de Cristo: “Et egressus eius a temporibus antiquis, a diebus æternitatis” – “Suas origens remontam aos tempos antigos, aos dias da eternidade” (Mq 5, 1). Talvez por malícia, ou por orgulho, não possuíam suficiente fé para crer nessa revelação. Ou, ainda, quiçá por amolecimento de caráter. Essa péssima atitude levou São João Crisóstomo a associá-los na culpabilidade pela morte dos Santos Inocentes, pois Herodes não se enfureceria se soubesse que se tratava de um Rei da eternidade, portanto, não de um rival terrestre.

“Herodes, então, chamou secretamente os Magos e perguntou- lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido”.

Chama-nos a atenção o emprego do advérbio secretamente. Segundo um famoso historiador daqueles tempos, Flávio Josefo, era muito comum Herodes vestir-se como um qualquer e imiscuir- se em meio às gentes para sondar de modo direto o que pensavam sobre seu reinado.12 Era o seu habilidoso modo de proceder. Estando já seguro quanto à cidade onde teria nascido seu inimigo Messias, desejava agora conjecturar sua idade, pois aproximava a data do nascimento do Menino ao dia do aparecimento da estrela.

“E, enviando-os a Belém, disse: ‘Ide e informai-vos bem a respeito do Menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai- me, para que eu também vá adorá-lo'”.

Hipócrita, se faz de piedoso e suave para enganar a simplicidade, candura e inocência dos Magos. Não sem fundamento, alguns autores denominam essa atitude de “iniquidade fraudulenta”.

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Malícia de Herodes

Herodes maquina sua morte [do Messias] com dolosa malícia. O homem mau é capaz de compreender as coisas de Deus; não pode, porém, realizá-las, pois a inteligência do homem foi criada por Deus, mas a ação depende da vontade.

Herodes viu certamente o grande fervor dos Magos em relação a Cristo. E como não podia contar com a cumplicidade deles para matar o futuro rei por meio de bajulações que os amolecessem, nem de ameaças que os atemorizassem, nem de dinheiro que os corrompesse, ocorreu-lhe enganá-los. De modo algum conseguiria seduzi-los com adulações para traírem Aquele pelo qual fizeram uma tão fatigante viagem. Tampouco poderiam ter medo, a ponto de atraiçoarem Cristo, aqueles que não tinham interesse algum em Herodes nem em César, pois haviam entrado em seu reino anunciando a vinda de outro rei. Nem poderiam ambicionar coisa alguma senão Cristo, aqueles que Lhe traziam preciosos presentes de uma terra tão distante.

E quando percebeu que não conseguiria outra coisa, Herodes começou a tomar ares de devoção enquanto afiava a espada e pintava com cores de humildade a perversidade de seu coração. Assim procedem todos os perversos: quando querem causar ocultamente algum dano muito grave a alguém, mostram-se humildes e amigos em relação a ele.

(ANÔNIMO. Obra incompleta sobre o Evangelho de Mateus, 2, PG 56, 640-641).

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IV – De Jerusalém a Belém

“Tendo eles ouvido as palavras do rei, partiram. E eis que a estrela, que tinham visto no Oriente, os foi precedendo até chegar sobre o lugar onde estava o Menino, e ali parou. A aparição daquela estrela os encheu de profunda alegria”.

Assim sempre procede Deus, recompensando aqueles que são fiéis à Sua graça. É comovedora a confiança penetrada de coragem desses Reis Magos, diante de um tirano de tal má fama. Não há dúvida de estarem sustentados por especial moção do Espírito Santo.

Reaparece a estrela

Terão partido à noite, ou durante o dia? De Jerusalém a Belém, levava-se duas horas de caminhada por via conhecidíssima. Entretanto, uns poucos autores defendem a tese de esse deslocamento ter-se efetuado durante o dia. Mas, como se explicaria o reaparecimento da estrela? Uns dizem não terem sido necessárias as sombras da noite, por tratar-se de um corpo luminoso em regiões atmosféricas mais próximas dos Magos. Outros interpretam essa passagem como se a estrela tivesse reaparecido só na entrada de Belém, uma vez que não havia como errar o caminho.

Ao ler estes versículos com devoção, chega-se, por momentos, a participar da alegria dos primeiros peregrinos aos Lugares Santos. O desaparecimento da estrela lhes pusera à prova a confiança; agora é a consolação como prêmio. Uma pergunta aqui surge, também. Por que se ocultara a estrela ao chegar a Jerusalém e reapareceu só em Belém? Será que já àquelas alturas Jerusalém não era digna de um sinal tão evidente e público? Ou, pelo contrário, escondendo-se, ela propiciou uma permanência maior dos Magos na cidade, e com isso a autenticidade do acontecimento tornou-se mais patente a todos os seus habitantes?

Adoraram-No, inspirados pelo Espírito Santo

“Entrando na casa, acharam o Menino com Maria, Sua mãe. Prostrando-se diante dEle, O adoraram. Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-Lhe como presentes: ouro, incenso e mirra”.

Emociona esta descrição de Mateus: “acharam o Menino com Maria, Sua mãe”. Palavras proféticas, inspiradas pelo Espírito Santo, para deixar constando pelos séculos afora que não se pode encontrar Jesus sem Maria, e menos ainda, Maria sem Jesus. A História comprova – e muito mais o fará – o quanto a devoção à Mãe conduz à adoração ao Filho, e vice-versa.

Chama-nos a atenção a referência de Mateus ao local onde Se encontrava o Menino: uma casa, não uma gruta. “Alguns autores antigos – entre eles São Justino – julgaram que ‘casa’ era um eufemismo, em lugar de ‘gruta’. São Jerônimo, em compensação, menciona várias vezes a gruta e nunca fala da lembrança nem da presença dos Magos nela. Não seria nada improvável que a palavra ‘casa’ tenha em Mateus seu sentido real. Situada essa cena à distância de um ano e meio do nascimento de Cristo, não é de crer-se que a Sagrada Família tenha permanecido alojada naquela gruta circunstancial; parece natural que ela tenha habitado uma modesta casa. Ademais, o versículo 22 sugere que ela havia se estabelecido em Belém”.13

Essa adoração prestada pelos Magos comprova mais uma vez a realidade da ação do Espírito Santo nas almas deles, tal qual afirma São Tomás de Aquino:

“Os Magos são ‘as primícias dos pagãos’ a crerem em Cristo. Neles apareceram, numa espécie de presságio, a fé e a devoção dos pagãos vindos a Cristo de lugares remotos. Por isso, sendo a fé e a devoção dos pagãos isentas de erro, por inspiração do Espírito Santo, também devese crer que os Magos, inspirados pelo Espírito Santo, se comportaram sabiamente ao prestarem homenagem a Cristo”.14

Quanto aos presentes, eles cumprem, com esse gesto, a profecia de Isaías: “Virão todos de Sabá, trazendo ouro e incenso, e publicando os louvores do Senhor. Todo o gado menor de Cedar se reunirá junto a ti, os carneiros de Nabaiot ficarão à tua disposição; fá-los-ão subir sobre meu altar para minha satisfação, e para a honra de meu templo glorioso” (Is 60, 6-7).

“Ao reconhecê-Lo como rei, ofereceram as primícias excelentes e preciosas do templo: o ouro que guardavam; por entender que Ele era de natureza divina e celestial, ofertaram incenso perfumado, forma de oração verdadeira, oferecida como suave odor do Espírito Santo; e em reconhecimento de que sua natureza humana receberia sepultura temporal, ofereceram mirra”.15

3 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 36, a. 2, resp. c.
4 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 36, a. 3 ad I.
5 MopsuÉstia, Teodoro de, Fragmentos sobre o Evangelho de Mateus, 6.
6 Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 36 a. 3c.
7 TUYA OP, Pe. Manuel de. Bíblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, v. II, p. 35.
8 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 36, a. 5 resp.
9 Ver quadro anexo: Não foi uma das estrelas do céu.
10 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Rialp, 2000. v. I. p. 7-8.
11 Homilias sobre o Evangelho de Mateus, 6, 4: PG 57, 67-68.
12 Cf. Antiguidades dos Judeus, l. XV, c. 10, 4.
13 TUYA OP, Pe. Manuel de. Op. Cit. p. 39.
14 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 36 a. 8, resp.
15 ANÔNIMO. Obra incompleta sobre o Evangelho de Mateus, 2: PG 56, 642.

(Revista Arautos do Evangelho, Jan/2009, n. 85, p. 10 à 19)