O dever moral como raiz do direito

Diác. Jorge Filipe, EPnouvelle1

Em S. Tomás, o direito é uma ordenação ou exigência de perfeição do homem na convivência social. Essa ordenação dada, é eminente em maior ou menor grau segundo se trate de direitos naturais ou de direitos positivos, em maior ou menor dependência dos naturais[1]. Ao falar da lei natural ele descreve o seu efeito formal – o direito natural – como uma “inclinação natural ao acto e fim devidos”[2]. O aquinate faz corresponder a ordem das inclinações naturais à ordem dos preceitos da lei natural e dos consequentes deveres naturais. Essa ordenação ou inclinação constitutiva do direito dá-se em grau máximo na lei e direito naturais. Portanto, o acto justo, definidor da virtude da justiça é dar a cada um o que é seu, ou seja, aquilo que a sua perfeição exige ou necessita para o desenvolvimento da vida em sociedade, plasmados na lei natural em ordem à sociedade, e na lei humana de acordo com aquela[3].

Em termos de uma raiz metafísica dos direitos humanos, para Rodríguez o direito não é uma faculdade, nem uma realidade formalmente moral – honesta ou pecaminosa – mas uma ordenação que relaciona essencialmente o homem livre à sua perfeição sociopolítica, conforme a lei natural de convivência – no caso do direito natural – e as determinações da lei positiva – no caso do direito positivo. Nessa ordem de ideias, o direito natural é a potência ou faculdade volitiva do homem enquanto ordenada ou referida naturalmente àqueles bens que lhe são devidos ou seus, no seu comportamento sociopolítico, segundo os ditames de sindérese. Daí decorre o direito positivo que é a mesma faculdade volitiva do homem enquanto revestida de poder proveniente da autoridade – da potestas. Exercer correctamente a liberdade enquanto princípio e sujeito de acções e hábitos morais, é a autêntica vontade livre do homem[4]. Dentro dessa liberdade, o direito – ius subiectivum – constitui o fundamento da ordem da justiça, o justoiustum obiectivum -, concepção onde reside o fundamento último dos direitos humanos.

 


[1] Ibid.. p. 211. “Por isso é que o direito de um, uma vez que funda o correlativo dever do outro, está, por sua vez, fundado na exigência dada, obrigação ou necessidade mais ou menos natural de auto-aperfeiçoar-se com o exercício das suas funções, pelas quais é responsável perante Deus, autor da natureza individual e social do homem e das suas inclinações naturais”.

[2] AQUINO. S. Th. I-II. Q. 91. a.2. p. 531.

[3] RODRÍGUEZ, Estudios de antropología teológica, Op. Cit. p. 212-214. A razão pela qual há vários preceitos da lei natural é a mesma razão porque há vários bens e cada um desses bens deve ser desejado conforme o que o que a recta razão indicar. Agora, entre esses bens, há alguns a que o homem chega de forma imediata e outros que só são encontrados através de um processo lento de apreensão daquele bem, sendo que a inclinação natural é o prumo que indica a obrigação ou não de os buscar. Assim, conclui S. Tomás que como o bem tem natureza de fim e o mal do contrário, segue-se que tudo aquilo a que o homem se sente naturalmente inclinado, a razão apreende como uma coisa boa e que, portanto, deve ser procurado, sendo que o contrário o apreende como mau, devendo ser por isso evitado. Assim se entende que a ordem dos preceitos da lei natural seja correlata à ordem das inclinações naturais. (Cfr. AQUINO. S. Th. I-II. Q. 94. a.2. p. 562-563).

[4] Ibid., p. 217-218.

La forma y raíz de la amistad: el amor

Pe. Aumir Scomparinpensadores

El amigo, no solamente es elegido porque es el mejor, sino que también es el que está más unido a nosotros. Por lo tanto, es una realidad más propicia para el amor, y por lo mismo el amor a esa realidad es mejor[1].

Santo Tomás de Aquino refiriéndose al libro IX de la Ética nos dice: “la amistad que se tiene para el otro viene de la amistad que el hombre tiene para sí mismo”, a saber, el hombre se tiene para con el otro como para consigo mismo[2]. Más adelante afirma Santo Tomás que: “está el testimonio de la Escritura: ‘amarás a tu amigo como a ti mismo’ (Lev. 19, 18). Y como al amigo le amamos por caridad, por caridad debemos amarnos también a nosotros mismos’”[3].

Existe en el hombre una verdadera necesidad de la amistad. El hombre es un ser sociable. Este instinto está tan arraigado en él, que aunque se bastase a sí mismo y fuese independiente, necesitaría igualmente tener amigos que sean como otros él mismo, tanto para conocerse a sí mismo en el amigo como para satisfacer su necesidad de hacer el bien a los demás.

Por eso, Aristóteles nos dice que aunque una persona tenga todos los bienes en abundancia y se baste completamente a sí misma, tiene de todos modos necesidad de amar, y estas afecciones sólo son posibles con la amistad.

Así como cuando queremos ver nuestro propio semblante nos miramos en un espejo, así cuando queremos conocernos sinceramente, es preciso mirar a nuestro amigo, en el cual podemos vernos perfectamente, porque mi amigo, repito, es otro yo. Si es tan grato conocerse a sí mismo, y si no se puede con esto sin otro, que sea vuestro amigo, el hombre independiente tendrá cuando menos necesidad de la amistad para conocerse a sí mismo. Además, si es una cosa hermosa, como en efecto lo es, derramar en tomo suyo los bienes de la fortuna que se poseen, se puede preguntar: careciendo de amigo, ¿a quién podrá el hombre independiente hacer bien? ¿Con quién vivirá? Ciertamente no vivirá solo, porque vivir con otros seres semejantes a él es, a la vez, un placer y una necesidad. Si todas estas cosas son a la par bellas, agradables y necesarias, y si para tenerlas es indispensable la amistad, se sigue de aquí que el hombre independiente, por mucho que lo sea, tiene necesidad de la amistad[4].

Escribió San Dionisio que el amor es un poder unitivo, es por eso que la razón común de la amistad, entraña cierta unión, pues cada uno tiene en sí mismo una unidad superior a la unión. El amor con que uno se ama a sí mismo es forma y raíz de la amistad, así como la unidad es principio de unión. Aristóteles nos dice que lo amistoso para con otro proviene de lo amistoso para con uno mismo.

Para el Dr. Angélico, el objeto propio del amor es el bien. El amor surge de una cierta connaturalidad o complacencia del amante con el amado, porque es bueno para la persona lo que le es connatural y proporcionado:

Es preciso, pues, que aquello que es objeto del amor sea propiamente la causa del amor. Ahora bien, el objeto propio del amor es el bien, porque, como se ha dicho (q.26 a.1 y 2), el amor importa cierta connaturalidad o complacencia del amante con el amado, y para cada uno es bueno lo que le es connatural y proporcionado. Por consiguiente, se da por sentado que el bien es la causa propia del amor[5].

El Bien en su esencia es Dios, por tanto, hace parte de la naturaleza de la caridad la amistad del hombre con Dios y con todas las cosas de Dios, dentro de las cuales está el propio hombre. Por eso, el hombre debe por caridad amarse a sí mismo[6].

SCOMPARIN, Aumir. LA AMISTAD. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teología, Filosofía y Humanidades. Licenciatura Canónica en Filosofía. Medellín, 2009. p. 44-46.


[1] S. Th., 2ª 2ª q.27, a.7

[2] Ibid., 1ª 2ª q.99, a.1, ad.3

[3] Ibid., 2ª 2ª q.25, a.4

[4] ARISTÓTELES, La gran moral, p. 103. L. II, cap. 17.

[5] S. Th. 1ª 2ª q.27, a.1.

[6] Ibid., 2ª 2ª q.25, a.4.

Os aspectos espirituais da sociedade temporal favorecem a contemplação

tibidaboMons. João S. Clá Dias, EP

Encontra-se generalizada a ideia de que a sociedade temporal existe apenas para satisfazer as necessidades materiais do homem. Ora, este é composto de alma e corpo, no qual o espírito ocupa a primazia.[1] Por isso, a sociedade temporal deve também atender aos anseios espirituais da alma humana, embora o aspecto sobrenatural pertença ao âmbito exclusivo da Igreja. O homem é, por natureza, um ser contemplativo, pois está destinado a ver a Deus face a face na eternidade. Portanto, já nesta vida ele deve exercitar essa capacidade, reconhecendo os reflexos de Deus na obra da Criação e, mais ainda, nos outros homens, que são a imagem mais perfeita do Criador no universo visível.

O homem poderá desenvolver a capacidade contemplativa, com maior grau de perfeição, no convívio humano e na consideração dos bens mais elevados que são o resultado da vida social, quer sejam os ambientes, a arte, a cultura e a civilização. Estes são elementos caracteristicamente espirituais produzidos pela sociedade temporal, e que grande influência têm sobre a alma humana. Animando com o espírito cristão as realidades temporais, objeto da contemplação mais imediata do homem, a alma humana terá muito mais facilidade de se elevar até as verdades da Fé. Dessa forma, a intimidade com Deus não se restringe apenas a determinados momentos reservados às obrigações religiosas, mas se estende a todo o operar humano, tal como a respiração não se interrompe em nenhum momento da existência. Ela é natural, sem esforço, contínua e aprazível.

A doutrina do Concílio Vaticano II, expressa no Decreto Apostolicam Actuositatem, é igualmente clara ao ressaltar a importância da esfera temporal no plano salvífico de Deus:

 

A obra redentora de Cristo, que por natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem temporal. Daí que a missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e atuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais. Por este motivo, os leigos, realizando esta missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto na ordem espiritual como na temporal. Estas ordens, embora distintas, estão de tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã. (AA, n. 5)

É importante salientar aqui como o Concílio Vaticano II, ainda nos dias em que o assunto não havia adquirido o devido destaque nos meios eclesiais, deu novo impulso ao papel dos leigos na Igreja. Nele se anteciparam os imensos desafios que o terceiro milênio reservava. Com efeito, um deles é a “Consecratio Mundi”. Quase se poderia dizer, caso a Igreja não fosse imortal, ser essa uma questão de vida ou morte. Se no século XXI a Igreja não conseguisse influenciar as realidades temporais com o espírito cristão, os erros e a mentalidade secularista desta época poderiam, em certa medida, dessacralizá-la.

Diante dessa perspectiva, compete aos leigos zelar para que os ambientes, a arte, os costumes, as leis e as instituições, de alto a baixo na escala social, estejam todos impregnados do espírito cristão de forma que a obra redentora de Cristo produza também seus efeitos na esfera temporal. Deverá ela refletir, a seu modo, a luz e o esplendor daquele que subiu aos céus para “levar tudo à plenitude” (Ef 4, 10).

 


[1] Cf. ARISTÓTELES. De Anima. L. II, lição IV. In: SÃO TOMÁS DE AQUINO. Comentario al libro del alma de Aristóteles. Buenos Aires: Fundación Arché, 1979, p. 170.

Costumes pagãos entre os cristãos do Séc. V: Soluções e propostas nos Sermões de São Leão Magno

Diác. José de Andrade, EP

Leão MagnoVida e obra

            São Leão Magno (400-461),[1] Papa e Doutor da Igreja de personalidade vigorosa, nasceu em Toscana e foi educado em Roma onde se distinguiu por suas iniciativas junto ao clero desta cidade, mesmo antes de aceder ao pontificado. Foi conselheiro sucessivamente dos papas Celestino I (†432) e Xisto III (†440) e foi muito respeitado como teólogo e diplomata. Como Papa, reinou durante 21 anos e foi o primeiro que recebeu o título de Magno (grande).

            Em sua atuação no plano político, a História registrou e imortalizou suas duas intervenções: fragilizado Valentiniano III, Imperador Romano, sem forças, idade e credibilidade para enfrentar as hordas inimigas, foi o Papa São Leão Magno quem interveio junto a Átila, rei dos Hunos, em 452, garantindo o recuo de seu exército, e junto a Genserico, em 455, obtendo do líder militar dos Vândalos a garantia do respeito aos habitantes e igrejas de Roma, durante o saque realizado.

            Como teólogo, deixou-nos várias Cartas e Sermões,[2] tratando temas de cristologia e eclesiologia. Seu zelo pastoral, manifestado em suas pregações e cerimônias litúrgicas que transpiravam muita espiritualidade, foi excepcional.

            Tomou posição em uma série de conflitos disciplinares e doutrinários, em particular relativos ao pelagianismo e o maniqueísmo. Elaborou ainda uma Epístola Dogmática sobre o grave problema tratado no Concílio de Calcedônia, a condenação da heresia monofisita, o que provocou uma forte reação de adesão dos padres conciliares e a famosa proclamação unanime: “Pedro falou pela boca de Leão!”.

            Combateu também o paganismo, em meio à evangelização do Ocidente, problema que grassava na época quer fosse entre os Romanos ou entre os Bárbaros. Este foi um período extremamente difícil e um verdadeiro desafio para os Pontífices deste século. Bento XVI, em suas catequeses na audiência geral de quarta-feira, dedicou a São Leão Magno um belo pronunciamento, no qual destaca seu papel neste âmbito:

Os tempos nos quais viveu o Papa Leão eram muito difíceis: o repetir-se das invasões bárbaras, o progressivo enfraquecimento no Ocidente da autoridade imperial e uma longa crise social tinham imposto que o Bispo de Roma […] assumisse um papel de relevo também nas vicissitudes civis e políticas.

[…] Consciente do momento histórico no qual vivia e da transformação que se estava a verificar num período de profunda crise da Roma pagã para a cristã, Leão Magno soube estar próximo do povo e dos fiéis com a ação pastoral e com a pregação.[3]

 

            O Santo Padre salientou ainda na audiência a forma como o histórico Pontífice e Doutor da Igreja “contrastou as superstições pagãs”.[4] No período em que viveu São Leão Magno era costume, mesmo entre os cristãos, possuírem velhos costumes que não largavam com facilidade, tradições pagãs enraizadas que, mesmo após o batismo, tardavam em serem abandonadas.

           

O Problema do Paganismo

            Desde o Édito de Milão, em 313, os cristãos viveram em uma quase ininterrupta paz e prosperidade. Apenas a passagem de Juliano o apóstata tinha abalado o cristianismo com suas medidas que favoreciam o paganismo, equiparando em uma primeira etapa o culto aos deuses ao culto dos “galileus”, como ele apelidava, e promovendo a ereção de hospícios e albergues, movidos por princípios pagãos e promovidos pelo Estado, a fim de usar um princípio até então fundamentalmente cristão: a caridade.[5] A segunda etapa seria a perseguição e o silenciamento daqueles que adoravam um só Deus encarnado, morto e ressuscitado para a salvação de muitos.

            Morto Juliano, em 363, em uma célebre e desastrosa campanha contra os persas, e cessada a perseguição, o Cristianismo continuaria a florescer. Entretanto, com o passar do tempo e a virada do século, “os cristãos pouco habituados à luta haviam perdido o costume de combater e sucumbiam ao primeiro embate. Não tendo inimigos violentos que os obrigassem a viver atentos, muitos se tinham acostumado a uma vida mole e pouco cristã”.[6] Conta-nos também Daniel-Rops que a sociedade batizada, no início do séc. V já não tinha o vigor de outros tempos, pois “à medida que o cristianismo ia crescendo no meio de uma sociedade pagã, era-lhe mais difícil preservar-se da contaminação”.[7]

            O Papa São Leão Magno deparar-se-ia com esse joio que nascia em meio ao trigo, passando para a História a sua indignação ao ver os fiéis, antes de entrarem para o culto cristão no interior da primitiva edificação construída sobre o túmulo de São Pedro, saudando com costumeiro gesto ritual o sol invictus.[8] Sua indignação transparece de modo especial no Sermão 22, onde faz uma forte crítica contra aqueles que veneram os astros: “O coração desses homens está envolto em cujo coração está envolto em trevas, e eles são estranhos a todo o progresso da verdadeira luz, porque ainda seguem os erros mais estultos do paganismo”.[9]

            Verifica-se assim que, com verdadeiro zelo e solicitude pastoral, São Leão Magno servir-se-ia de um singular instrumento para instruir a comunidade cristã: seus sermões. Neles, exortava “o clero e os fiéis a viver o batismo imitando a Cristo, e à preservação na fé perante o perigo das heresias e dos costumes pagãos”.[10]

 

A importância dos Sermões em São Leão Magno[11]

            Nos primeiros séculos do cristianismo, o sermão assumia uma enorme importância não só na instrução e catequização dos membros da Igreja, como na própria evangelização e expansão do cristianismo. Transmitia um ensinamento dogmático ou moral e propunha uma firme adesão à fé, diferindo de certa forma da homilia na medida em que não se resumia apenas a uma exposição da mensagem contida nas escrituras. Entretanto, São Leão Magno fazia questão de incorporar a temática de seus sermões ao contexto litúrgico, enfatizando o aspecto soteriológico da cristologia e falando da presença de Cristo, Senhor e Salvador. O querigma assume, nos sermões do Pontífice, muito mais do que um mero pronunciamento histórico de um evento passado, mas o próprio anúncio da

 

morte e ressurreição de Cristo apresentado e vivido na fé pela comunidade como realidade presente: ação salvífica de Deus, em Cristo, por obra do Espírito Santo que está presente na “palavra” anunciada pelo apóstolo. Por isso, os ouvintes do querigma não podem permanecer indiferentes. São convidados a se converter e a crer. […] Por esta razão, São Leão se preocupa em apresentar a doutrina de maneira clara, mas firme, sempre de acordo com a tradição dos antepassados.[12]

 

            É notório observar em seus ensinamentos o atento respeito à Tradição, não só aos Padres da Igreja que o antecederam como, sobretudo, à autoridade das Sagradas Escrituras. No séc. V a Igreja possuía uma admirável riqueza doutrinária, um tesouro cada vez mais enriquecido pelos padres apologetas, doutores e santos, concílios e sínodos, entre disputas teológicas e decisões dogmáticas, reações a heresias e a excessos… São Leão Magno não era alheio a tudo isso e sabia a responsabilidade que lhe era inerente enquanto sucessor de Pedro. Ao mesmo tempo, em seu pontificado,

 

a Providência ia dotando o Papado do prestígio, da admiração e daquela força moral que viriam a ser, entre outros, os grandes recursos da Igreja. […] Não é sem uma razão providencial que santo Ambrósio por este tempo pôde escrever, Ubi Petrus, Ibi Ecclesia, e que de um sermão de Santo Agostinho pudesse ter sido extraída a famosa fórmula: Roma locuta, causa finita![13]

 

            Esta força e importância na Igreja é indiscutivelmente atribuída a São Leão, justificando inteiramente a nomenclatura de Magno, que São Gregório receberia mais tarde, constituindo assim o rol dos Pontífices que até nossos dias receberam esse título. Em seus escritos apresenta-se a força moral de um Papa, cujo exemplo de vida, linguagem “desassombrada” e ortodoxia de doutrina, elevá-lo-iam aos altares enquanto Santo, Padre e Doutor da Igreja.

            Os escritos que chegaram até nós são de uma clareza e elevação de linguagem características. Significativas também as cláusulas rítmicas e a cadência literária. Porém, não só o aspecto externo marcaria as suas intervenções, mas também sua “beleza mística”.[14]

            E não é por acaso que os seus sermões atravessaram os séculos. Organizados inicialmente pelo próprio autor e seus colaboradores, passaram a estar presentes em certo número de homiliarios e coleções reunidas e compiladas ao longo da história. O seu conteúdo foi usado nas mais variadas épocas litúrgicas ao longo dos tempos, o que constituiu, certamente, um dos principais agentes de transmissão.[15] 

 

Propostas contra o paganismo nos Sermões de São Leão Magno[16]

            Visando formar não só os neófitos, como também aqueles que eram já bem instruídos, São Leão Magno fazia questão de aproveitar as principais festas litúrgicas para acrescentar o “obséquio de sua palavra”.[17]

            Um dos principais pontos que o Pontífice pretendia chamar a atenção dos presentes na assembléia era a consideração da graça recebida com o Batismo, o que pressupunha largar o paganismo em que outrora viviam, e o ressurgir para uma vida nova, adorando um só Deus: “Pereça o que é velho, surja a novidade. […] ‘Ninguém pode servir a dois senhores’ (Mt 6, 24; Lc 16, 13)” (Sermão 71, 1). Estas alocuções visavam assim a integridade de todos os batizados, diante das solicitações do mundo e das insidias demoníacas, dando-se conta da condição de filhos de Deus e do resgate recebido pela morte de Jesus na Cruz:

 

Arrancados assim por tão alto preço e por tão grande mistério ao poder das trevas e libertados dos laços da antiga escravidão, tomai cuidado, caríssimos, para que o diabo não corrompa a integridade de vossas almas mediante algum artifício. Tudo o que vos foi inculcado contra a fé cristã, tudo o que vos for aconselhado em oposição aos mandamentos de Deus, tudo isso vem dos enganos do diabo: é ele que, por inúmeros artifícios, se esforça para vos desviar da vida eterna, aproveitando certas ocasiões ligadas à fraqueza humana, para fazer recair nos laços de sua própria morte as almas incautas e negligentes. Lembrem-se, pois, todos aqueles que foram regenerados pela água e pelo Espírito Santo, daquilo a que renunciaram […] (Sermão 52, 5)

 

            Esta consideração de que, uma vez membros da Igreja, somos portadores de uma vida nova que a todos chama à plenitude, leva São Leão Magno a considerar o inverso: aquele que se imiscui com os que andam nas trevas “se encontrará tanto mais próximo da morte quanto mais longe estiver da luz católica” (Sermão 47, 2). Desta forma, pretendia o Pontífice que aqueles que tivessem ingressado nos caminhos da verdade, não se deixassem aliciar por atrativos enganadores (Cf. Sermão 74, 5).

            Para ele, a força para trilhar os caminhos do Senhor e não olhar para trás viriam da Redenção, com a qual todos se deveriam configurar, e que impele à missão e à evangelização. A Cruz toma então um valor mais que simbólico para todos os cristãos. Significativas são as suas numerosas considerações neste âmbito; a título de exemplo:

“Como será a nossa participação na morte de Cristo, senão deixando de ser aquilo que fomos?” (Sermão 50, 1).

“Tomar a cruz é morte aos apetites, extinção dos vícios, fuga da vaidade, abdicação de todo o erro” (Sermão 72, 5)

“Confirme-se, segundo a pregação do sacratíssimo Evangelho, a fé de todos. Ninguém se envergonhe da cruz de Cristo, pela qual o mundo foi remido” (Sermão 51, 8).

            Entretanto, ensina os presentes a terem um amor pela Igreja e à fé na qual foram instruídos que os animasse a não vacilar na sã doutrina e nos costumes cristãos, voltando os olhos para os antigos cultos pagãos. Como vimos já anteriormente, uma das questões que mais preocupava São Leão Magno era o dos astros. Advertia ele em um dos sermões:

Caríssimos, quanto a vós, descendência santa de nossa mãe católica, que fostes instruídos pelo Espírito Santo de Deus na escola da verdade […] Não vos contamineis, pois, com o erro daqueles que maculam sobretudo sua observância, ‘que servem à criatura, ao invés do Criador’ (Rm 1, 25), dedicando uma abstinência tresloucada aos astros do céu: […] instituíram seu jejum para honrar ao mesmo tempo os astros e para desprezar a ressurreição do Senhor. Afastam-se assim, do mistério da salvação. […] e como para dissimular sua incredulidade, eles ousam penetrar em nossas assembléias […] (Sermão 42, 5).

 

            Notava São Leão Magno que alguns destes cultos pagãos se tinham infiltrado no seio da Igreja. Algumas medidas precisavam ser tomadas. Sem dúvida nenhuma, que a maior delas seria o exemplo e a integridade de vida, apoiados na vida sobrenatural e na piedade cristã. E a solução para estes problemas que minavam a Igreja encontrava-se na santidade dos católicos. E estes veriam na oração e no amor ao próximo um forte escudo e amparo contra o maligno, conforme ele confirma à assembléia dos batizados ao aconselhá-los que:

 

Todas as vezes que a cegueira dos pagãos os conduzisse com maior intensidade às suas superstições, o povo de Deus perseverasse ainda mais devotamente nas orações e nas obras de caridade. Pois, na verdade, quanto mais os espíritos imundos se alegram com o erro dos pagãos, tanto mais se sentem derrotados pela observância da verdadeira religião e, assim, o crescimento da justiça consome o autor da maldade (Sermão 8).

 

            Em seu 96º Sermão, também apelidado de Tratado contra a heresia de Êutiques, São Leão Magno revela a consciência que tem de seu ministério e de sua importância diante daqueles que queriam manchar a ortodoxia e a santidade da Igreja, e mostra-se preocupado com a imprescindível vigilância diante dos erros que surgiam: “O nosso ministério pastoral deve velar para que a deturpação da heresia não prejudique o rebanho do Senhor e mostrar como evitar a astúcia dos lobos e ladrões” (Sermão 96, 1). Entende-se deste modo porque, falecendo São Leão Magno em 461, o Papa Sérgio I reconheceria sua exemplaridade, compondo um apropriado epitáfio que o define como um verdadeiro e atento pastor: “A velar para que o lobo, sempre à espreita, não dizime o rebanho”.[18]

 Victorino de Andrade, José. Costumes pagãos entre os cristãos do Séc. V: Soluções e propostas nos Sermões de São Leão Magno. Mestrado en Teologia Moral. Universidad Pontificia Bolivariana, 2010.


[1] Para a história de São Leão Magno e respectivas datas baseamo-nos em BOGAZ, A.; COUTO, M.; HANSEN, J. Patrística: caminhos da tradição cristã. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2009. Também em GLAVAN, Arnóbio. História da Igreja. São Paulo: Curso São Tomás de Aquino – ITTA, 2003. Por fim, em DROBNER, Hubertus. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003.

[2] Conservam-se hoje 143 Cartas e 96 sermões considerados autênticos. Johannes Quasten confirma este número, embora levanta a possibilidade de mais um sermão (97) de acordo com a nova edição crítica de A. Chavasse. Apud INSTITUTO PATRISTICO AUGUSTINIANUM. Patrología. Dir. BERARDINO, Angelo. Madrid: BAC, 1993. p. 727-728.

[3] BENTO XVI. São Leão Magno. Audiência Geral – Sala Paulo VI. Quarta-feira, 5 de Março de 2008. In: <www.vatican.va>. Último acesso em 9 de jul 2010.

[4] Idem.

[5] Cf. LLORCA, Bernardino. Historia de la Iglesia Católica. 6. ed. Madrid: BAC, 2005. Vol. I. p. 420.

[6] Idem, p. 481.

[7] DANIEL-ROPS. A Igreja dos tempos Bárbaros. São Paulo: Quadrante, 1991. p. 253.  

[8] Idem, p. 254.

[9] Continuando a expressar sua indignação, São Leão Magno condena aqueles que “não conseguindo elevar os olhos do seu espírito acima do que contemplam com seus olhos corporais, honram com o culto reservado a Deus, os luminares colocados a serviço do mundo. Longe das almas cristãs essa superstição ímpia e essa mentira monstruosa. O sol, a lua e os astros são úteis para aqueles que sabem tirar proveito deles; são belos para aqueles que os olham, seja; mas, que, por motivo deles sejam dadas graças ao seu autor e que seja adorado Deus que os criou, não a criatura que O serve”. PATRÍSTICA. Leão Magno: Sermões. 2. ed. Tradução SCHIRATO, Sérgio et all. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. 6. p. 42.

[10] INSTITUTO PATRISTICO AUGUSTINIANUM. Patrología. Dir. BERARDINO, Angelo. Madrid: BAC, 1993. p. 721.

[11] Para este capítulo baseamo-nos, sobretudo, na introdução da obra PATRÍSTICA. Leão Magno: Sermões. 2. ed. Tradução SCHIRATO, Sérgio et all. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. 6.

[12] PATRÍSTICA. Leão Magno: Sermões. 2. ed. Tradução SCHIRATO, Sérgio et all. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. 6. p. 15.

[13] GLAVAN, Arnóbio. História da Igreja. São Paulo: Curso São Tomás de Aquino – ITTA, 2003. p. 25.

[14] Poderemos encontrar sintéticas, mas profundas análises da linguagem usada por São Leão em suas cartas e sermões nos estudos do INSTITUTO PATRISTICO AUGUSTINIANUM. Op. Cit. p. 726-729. Loquaz também a frase “Para sempre, a Igreja proclamará a beleza mística de seus sermões” em BOGAZ, A.; COUTO, M.; HANSEN, J. Op. cit. p. 199. Quanto à linguagem “desassombrada”, DANIEL-ROPS. Op. cit. p. 111, usa a expressão partindo da análise de uma carta do pontífice datada de 10 agosto 1446.

[15] Cf. INSTITUTO PATRISTICO AUGUSTINIANUM. Op. Cit. p. 728.

[16] Todas as citações dos sermões foram extraídas da versão portuguesa em PATRÍSTICA. Leão Magno: Sermões. 2. ed. Tradução SCHIRATO, Sérgio et all. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. 6. Limitar-nos-emos a citar, doravante, a respetiva referência.

[17] Cf. Sermão 76, 1. Importante também aqui a frase que revela dirigir-se a todos: “Doutos e indoutos não menosprezem o serviço prestado por nossos lábios”.

[18] Apud DANIEL-ROPS. A Igreja dos tempos Bárbaros. São Paulo: Quadrante, 1991. p. 112-113.

Mirar la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida

Pe. Mário Sérgio Sperche

Na Sra CoromotoIntroducción

Es con María que Dios genera los misterios revelados y con Ella logra que sean percibidos, y así se explica en este dominio la importancia de la Estética (campo de lo perceptible) y el símbolo (mediación dinámica) en el ámbito de la relación Teologia – Mariología.[1]

“Es de creer que Dios adornó a su Madre con una belleza del todo celestial y divina”.[2] Por su dignidad, se le tributa el culto de hiperdulía, superior a la dulía que se debe a los santos, e inferior a la adoración, latría, que se debe exclusivamente a Dios. Esta veneración tiernísima – la que merece – ha hecho que la devoción del Pueblo de Dios desarrollase una iconografía rica en relación a las verdades de la Revelación; y así, en relación a la Santa Madre de Dios. Se crearon formas y expresiones cromáticas que hablaban por sí mismas y se constituyeron catequesis a veces tan completas cuanto grandes discursos.

A muchas de las representaciones de la Santísima Virgen a lo largo de la historia, se le atribuyen milagros y conversiones sorprendentes. Esto ya constituye por sí mismo, un indicio del agrado que Dios encuentra en esas bien acertadas expresiones artísticas, para reflejar principios marianos y fructificar la devoción de los pueblos.

¿Y si Dios quisiese Él mismo hacer una obra de arte? – Efectivamente, Él emplea y respeta, por así decir, principios simbólicos que han sido utilizados durante siglos, y que, a fin de cuentas, fueron inspirados por Él mismo. Los ejemplos no faltan: Nuestra Señora de las Lajas en Colombia, Nuestra Señora de Guadalupe (en Méjico) o Nuestra Señora de Coromoto (en Venezuela).

En cuanto a esta última, decía Mons. Omar Cordero en su libro La Coromoto y Venezuela:

Todo lo que por la Biblia, el Magisterio, la Tradición y los Concilios sabemos de María, podemos aplicarla a la Coromoto, pues la advocación local o nacional no destruye la identidad total de la Gran Señora, sino que la conserva aplicando a las circunstancias determinadas toda la riqueza teológica del Misterio de María.[3]

Venerando esta imagen en el seminario de los Heraldos, teniéndola delante de nuestros ojos, en el corazón, y recordando los complejos momentos de la Venezuela de nuestros días, aprovechamos para enriquecer la piedad de los que se acercan a la Virgen con la profundidad de significados y riquezas teológicas que la adornan y que se espera resumir en este trabajo. Como decía el entonces cardenal Ratzinger:

La piedad mariana estará siempre en tensión entre racionalidad teológica y afectividad creyente. Pertenece a su esencia, y a Ella le incumbe precisamente no dejar atrofiarse ninguna de las dos: no olvidar en el afecto la sobria medida de la ratio, pero tampoco ahogar con la sobriedad de una fe inteligente al corazón, que a menudo ve más que la pura razón.[4]

 

Una bellísima Señora apareció a un cacique y se torna la evangelizadora de los venezolanos

Dios permitió que a un cacique se le apareciera la Virgen, hablando en su lengua, exhortándolo a ser bautizado y poder ir al cielo. Pero el corazón se le endurecio, como al Faraón delante de Moisés. El 8 de septiembre de 1652 se enfureció y lanzó a Ella, una piedra, pero la Bella Mujer desapareció. Entre tanto, su imagen graciosa y pequeña permaneció en un pequeño objeto  en la mano del indio. Reconocido el milagro, la devoción comienza a propagarse y el Episcopado Venezolano la decreta como Patrona en 1942, reconociendo los bienes “de tal prenda de maternal amor”, y los “favores dispensados a sus devotos”. De particular importancia es el punto 4 del mismo documento:

“Esta devoción ha reavivado visiblemente la fe cristiana en nuestros pueblos y se ha traducido en notable mejoramiento de las costumbres entre las multitudes creyentes”.[5]

Nuestra Señora de Coromoto ha tenido así una gran importancia en la evangelización de Venezuela; en cristianizar esa nación, no aplastando la cultura local, sino sublimándola, pues ésta es la función del evangelio y de María junto a todos los pueblos del mundo; y el documento de los obispos lo reconoce. Por lo tanto, no es motivo de admiración que sea llamada  “evangelizadora de los venezolanos”.[6]

 

Ver la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida

En la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto

Se puede hablar, partiendo de las raíces históricas de nuestra evangelización, de la realidad, un principio eclesiológico mariano inculturado que matiza, promueve y desarrolla la continua renovación espiritual, pastoral de nuestro continente en plena correlación con la acción del Espíritu Santo en la historia.[7]

Es decir, que Dios ha querido presentarnos a su Madre de una forma entendible a los pueblos Americanos. Realmente, si aquel Niño es Dios, como ensañaban los misioneros, una pregunta que naturalmente se pone a los ojos de los habitantes de la América donde recién comienza la evangelización, es ¿Quién es la Madre? Y los ojos van naturalmente a la Señora que sirve de trono a aquel Niño. Nadie más sino su verdadera Madre, podría tener una dignidad a la altura de ser el pedestal sobre el cual se presenta a la divinidad. Este cuadro maravilloso nos hace entender que:

Ella misma visita este continente en las mariofanías de la primera evangelización

La Virgen está presente en la Imagen, de forma discreta por una parte, puesto que está en segundo plano, pero ella misma está sentada en un trono dorado y con corona, muestra de su realeza. En ésta postura, la catequesis americana puede fácilmente explicar que Ella no es Dios, el Niño sí, y a ella no se le debe atribuir adoración. Es por medio de la Virgen, que nos llega el mensaje de su Hijo. Según el documento de Aparecida:

La corona de la Virgen y del Niño, así como se pueden apreciar, son típicamente indígenas

Es decir, tanto Ella como Él poseen los atributos propios a quien tiene derecho a ceñir una corona. Y es por el gesto regio de ella, al presentarnos su Hijo, que se nos muestra el camino a ser seguido. Esta verdad, que ha permanecido inalterada durante siglos, la expresa de forma sintética el Cardenal de Caracas, Mons. Alí Lebrún, citado en el documento de Aparecida:

La Virgen es la gran misionera y la portadora de Cristo, y siempre en el Evangelio aparece trayéndonos a Cristo… De manera que, en el sitio de la aparición, la Virgen de Coromoto continuará cumpliendo esa misión de llevar las almas a Jesucristo, de reconciliar a los hombres con Dios, y de abrir su corazón de madre.

Según este documento, hay una simbología catequética que puede y debe ser hecha utilizando los elementos presentes en la Imagen de Coromoto y que constituyen una unión armoniosa, uniendo la gran familia cristiana y pasando por encima de razas, pueblos, naciones y períodos históricos

Esta presencia subyacente de la figura realizada de la Hija de Sión en la mariofanía de Coromoto, y confirmada en los textos litúrgicos propios, expresa la linearidad mariológica inter-testamentaria que confluye en lo eclesiológico: el paso desde la maternidad de Jerusalén, a la Maternidad de María, y de la maternidad de María a la maternidad de la Iglesia.

Volviendo la atención hacia Aquél que la Virgen nos presenta, nos deparamos con varios elementos pastorales que se deducen en la Imagen y que no serían difíciles de discernir por nuestros hermanos indígenas: El símbolo de la realeza, la corona, no debería estar en la cabeza del bebé, pues, a no ser algo extraordinario, no tendría él capacidad de gobernar. Ese algo extraordinario es que se trata de Dios, quien está bendiciendo. Pero si es bebé ¿Cómo puede bendecir, no siendo sacerdote? Apenas podría hacerlo si fuese Sacerdote, con S mayúscula, el origen de todo sacerdocio. Y en su gesto divino, nos muestra dos realidades. Dos dedos están unidos, simbolizando la unión hipostática entre aquel Bebé y la Segunda Persona de la Santísima Trinidad. Los otros tres dedos simbolizan la Santísima Trinidad. No deja de ser causa de una cierta sonrisa el constatar la candura con la cual con uno de los tres dedos, el pulgar, parece apuntar para sí mismo, como diciendo inocentemente: “Uno de los Tres soy Yo”. Hijo de Dios, verdadero Dios y verdadero Hombre. Como dice un sermón atribuido a San Cirilo de Alejandría en el Concilio de Éfeso:

 Por ti, el Hijo unigénito de Dios ha iluminado a los que vivían en tinieblas y en sombra de muerte; por ti, los profetas anunciaron las cosas futuras; por ti, los apóstoles predicaron la salvación a los gentiles; por ti, los muertos resucitan; por ti, reinan los reyes […][8]

El texto de San Cirilo se presta a una bella hermenéutica de la idea tan cantada por la Iglesia y que habla de la criatura que contiene a su Creador. La naturalidad con que la Virgen presenta al Niño no deja duda sobre la sacral naturalidad con la cual Criador y criatura conviven de un relacionamiento familiar. Es de notar también el orbe que está en la mano izquierda del Niño, símbolo de soberanía que seguramente no era conocido por las poblaciones indígenas, pero sí las europeas, constituyendo una invitación a la relación fraterna entre el Viejo y el Nuevo Mundo, lejos de discordias, conflictos étnicos o raciales que no son en nada conformes con las enseñanzas evangélicas.

SPERCHE, Mario et all. Maria en el arte: Mirar la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida. Mestrado en Teologia Moral. Universidad Pontificia Bolivariana, 2010.


[1] Cfr. ERASO, Miguel Iribertegui. La Belleza de María: Ensayo de teología estética. Salamanca-Madrid: Edibesa, 1997. p. 25.

[2] MARÍN, Antonio Royo. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. 2 ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1996. p. 36.

[3] CORDERO, Omar Ramos. La Coromoto y Venezuela. Revisión de Alfonso Alfonzo VAZ. Coromoto: Don Bosco, [s.d.]. p. 1.

[4] RATZINGER, Joseph; BALTHASAR, Hans Urs Von. María, Iglesia Naciente. 2. ed. Madrid: Encuentro, 2006. p. 29.

[5] Apud. CORDERO, Omar Ramos. La Coromoto y Venezuela. Revisión de Alfonso Alfonzo VAZ. Coromoto: Don Bosco, [s.d.]. p. 8-9.

[6] Por ejemplo: FIGARI, Luis. Formación y Misión. Lima: Yovera, 2008. p. 42. También en la Letanía de las Advocaciones Latinoamericanas: “Santa Señora de Coromoto, evangelizadora de los venezolanos. Ruega por nosotros”.

[7] Todas las citas en cursiva son del documento de Aparecida.

[8] Homilia IV: PG 77, 992