Por ocasião da Jornada Mundial de Oração pela santificação dos Sacerdotes

CARTA DO PREFEITO DA CONGREGAÇÃO PARA O CLERO

 Caríssimos irmãos no sacerdócio e amigos!

Por ocasião da próxima solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, em 7 de junho de 2013, na qual celebramos a Jornada Mundial de Oração pela santificação dos Sacerdotes, saúdo cordialmente a todos e a cada um de vós e agradeço ao Senhor pelo inefável dom do sacerdócio e pela fidelidade ao amor de Cristo.

Se é verdade que o convite do Senhor a “permanecer no seu amor” (Gv 15,9) é valido para todos os batizados, na festa do Sagrado Coração de Jesus isso ressoa com uma nova força em nós sacerdotes. Como nos recordou o Santo Padre na abertura do Ano Sacerdotal, citando o Santo Cura d’Ars, “o sacerdócio é o amor do Coração de Jesus” (cfr. Homilia na celebração das Vésperas da Solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, 19 de junho de 2009). Desse Coração – e não podemos esquecer jamais – resulta o dom do ministério sacerdotal.

Temos a experiência de que o fato de “permanecer no seu amor” nos impulsiona com força rumo à santidade. Uma santidade – sabemos bem – que não consiste em fazer ações extraordinárias, mas em permitir que Cristo aja em nós e em fazer nossas as suas atitudes, os seus pensamentos, os seus comportamentos. O nível da santidade é dado a partir do nível em que Cristo nos alcança, a partir de quanto, com o vigor do Espírito Santo, modelamos toda a nossa vida.

Nós, presbíteros, fomos consagrados e enviados para tornar atual a missão salvífica do Divino Filho encarnado. A nossa função é indispensável para a Igreja e para o mundo e requer de nós fidelidade plena a Cristo e incessante união com Ele. Assim, servindo humildemente, somos guias que conduzem à santidade os fiéis confiados ao nosso ministério. Desse modo, reproduz-se em nossa vida o desejo expresso por Jesus mesmo, na oração sacerdotal, depois da instituição da Eucaristia: “Eu peço por eles; não peço pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus (…). Não te peço para tirá-los do mundo, mas para guardá-los do Maligno (…). Consagra-os com a verdade, (…) em favor deles eu me consagro, a fim de que também eles sejam consagrados com a verdade” (Jo 17,9.15.17.19).

No Ano da Fé

 

Tais considerações assumem uma relevância especial em relação à celebração do Ano da Fé – organizado pelo Santo Padre Bento XVI com o Motu proprio Porta Fidei (11 de outubro de 2011) – iniciado em 11 de outubro de 2012, no quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, e que terminará na solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, no próximo 24 de outubro. A Igreja, com os seus Pastores, deve estar a caminho de conduzir os homens fora do “deserto”, rumo à comunhão com o Filho de Deus, que é Vida para o mundo (cfr. Jo 6,33).

Em tal perspectiva, a Congregação para o Clero remete esta carta a todos os sacerdotes do mundo para ajudar cada um a reavivar o empenho em viver o evento de graça ao qual somos chamados, de modo particular a ser protagonistas e animadores diligentes para uma redescoberta da fé na sua integridade e em todo o seu fascínio, estimulados, portanto, a considerar que a nova evangelização está voltada exatamente para a genuína transmissão da fé cristã.

Na Carta Apostólica Porta Fidei, o Papa interpreta os sentimentos dos sacerdotes de não poucos países: “no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes setores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas” (n. 2).

A celebração do Ano da Fé se apresenta como uma oportunidade para a nova evangelização, para superar a tentação do desestímulo, para deixar que os nossos esforços se movam cada vez mais sob o impulso e a condução do atual Sucessor de Pedro. Ter fé significa principalmente estar certos de que Cristo, vencendo a morte na sua carne, tornou possível também a quem crê n’Ele compartilhar o destino de glória e de satisfazer o anseio a uma vida e a uma alegria perfeita e eterna, que está no coração de cada homem. Por isso, “a Ressurreição de Cristo é a nossa maior certeza; é o tesouro mais precioso! Como não compartilhar com os outros este tesouro, esta certeza? Não é somente para nós, devemos transmiti-la, comunicá-la aos outros, compartilhá-la com o próximo. Consiste precisamente nisto o nosso testemunho” (Papa Francisco, Audiência Geral, 3 de abril de 2013).

Como sacerdotes, devemos nos preparar para guiar os outros fiéis rumo a um amadurecimento da fé. Sintamos que os primeiros a dever abrir mais os corações somos nós. Recordemos as palavras do Mestre no último dia da festa das Tendas, em Jerusalém: “Jesus ficou de pé e gritou: ‘Se alguém tem sede, venha a mim, e aquele que acredita em mim, beba. É como diz a Escritura: ‘Do seu seio jorrarão rios de água viva’.’ Jesus disse isso, referindo-se ao Espírito que deveriam receber os que acreditassem nele. De fato, ainda não havia Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado” (Jo 7,37-39). Também a partir do sacerdote, alter Christus, podem jorrar rios de água viva, na medida em que ele bebe com fé as palavras de Cristo, abrindo-se à ação do Espírito Santo. Da sua “abertura” a ser sinal de instrumento da graça divina depende, por fim, não só a santificação do povo confiado a ele, mas também o orgulho da sua identidade: “O sacerdote que sai pouco de si mesmo, que unge pouco – não digo ‘nada’, porque, graças a Deus, o povo nos rouba a unção –, perde o melhor do nosso povo, aquilo que é capaz de ativar a parte mais profunda do seu coração presbiteral. Quem não sai de si mesmo, em vez de ser mediador, torna-se pouco a pouco um intermediário, um gestor. A diferença é bem conhecida de todos: o intermediário e o gestor ‘já receberam a sua recompensa’. É que, não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração; e daqui deriva precisamente a insatisfação de alguns, que acabam por viver tristes, padres tristes, e transformados numa espécie de colecionadores de antiguidades ou então de novidades, em vez de serem pastores com o ‘cheiro das ovelhas’ – isto vo-lo peço: sede pastores com o ‘cheiro das ovelhas’, que se sinta este –, serem pastores no meio do seu rebanho, e pescadores de homens.” (Idem, Homilia da S. Missa crismal, 28 de março de 2013).

 

Transmitir a Fé

 

Cristo confiou aos Apóstolos e à Igreja a missão de pregar a Boa Notícia a todos os homens. São Paulo ouve o Evangelho como “força de Deus para a salvação de todo aquele que acredita” (Rm 1, 16). O próprio Jesus Cristo é Evangelho, a “Boa Notícia” (cfr. 1Cor 1,24). O nosso dever é ser portadores da força do Amor sem limites de Deus, manifestado em Cristo. A resposta à generosa Revelação divina é a fé, fruto da graça nas nossas almas, que requer a abertura do coração humano. “Só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus” (Porta Fidei, n. 7). Depois de anos de ministério sacerdotal, com frutos e com dificuldades, que o presbítero possa dizer com São Paulo: “Levei a cabo o anúncio do Evangelho de Cristo!” (Rm 15,19; 1Cor 15, 1-11; etc.).

Colaborar com Cristo na transmissão da fé é dever de todo cristão, na característica cooperação orgânica entre fiéis ordenados e fiéis leigos na Santa Igreja. Esse feliz dever implica dois aspectos unidos profundamente. O primeiro, a adesão a Cristo, que significa encontrá-lo pessoalmente, segui-lo, ter amizade com Ele, crer n’Ele. No contexto cultural atual, mostra-se especialmente importante o testemunho da vida – condição de autenticidade e de credibilidade –, que faz descobrir como a força do amor de Deus torna eficaz a sua Palavra. Não devemos esquecer que os fiéis procuram no sacerdote o homem de Deus e a sua Palavra, a sua Misericórdia e o Pão da Vida.

Um segundo ponto do caráter missionário da transmissão da fé se refere à feliz acolhida das palavras de Cristo, as verdades que nos ensina, os conteúdos da Revelação. Nesse sentido, um instrumento fundamental será exatamente a exposição ordenada e orgânica da doutrina católica, ancorada na Palavra de Deus e na Tradição perene e viva da Igreja.

Em particular, devemos nos empenhar para viver e fazer viver o Ano da Fé como uma ocasião providencial para compreender que os textos deixados como herança dos Padres conciliares, segundo as palavras do beato João Paulo II, “não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa” (João Paulo II, Carta Ap. Novo millennio ineunte, 6 de janeiro de 2001, 57: AAS 93 [2001], 308, n. 5).

 

Os conteúdos da fé

 

O Catecismo da Igreja Católica – resultado do Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985, como instrumento a serviço da catequese e realizado mediante a colaboração de todo o Episcopado – ilustra aos fiéis a força e a beleza da fé.

O Catecismo é um autêntico fruto do Concílio Ecumênico Vaticano II, que torna mais fácil o ministério pastoral: homilias atraentes, incisivas, profundas, sólidas; cursos de catequese e de formação teológica para adultos; a preparação dos catequistas, a formação das diversas vocações na Igreja, de modo especial nos Seminários.

A Nota com indicações pastorais para o Ano da fé (6 de janeiro de 2012) oferece uma ampla variedade de iniciativas para viver tal tempo privilegiado de graça muito unidos ao Santo Padre e ao Corpo episcopal: as peregrinações dos fiéis à Sede de Pedro, à Terra Santa, aos Santuários marianos, à próxima Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, no iminente mês de julho; os simpósios, convênios e reuniões, também em nível internacional, e em particular aqueles dedicados à redescoberta dos ensinamentos do Concílio Vaticano II; a organização de grupos de fiéis para a leitura e o aprofundamento comum do Catecismo com um renovado empenho por sua difusão.

No atual clima relativístico, parece oportuno evidenciar o quanto é importante o conhecimento dos conteúdos da nossa autêntica doutrina católica, inseparável do encontro com atraentes testemunhos de fé. Sobre os primeiros discípulos de Jesus em Jerusalém, conta-se nos Atos que “eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações” (At 2,42).

Nesse sentido, o Ano da Fé é uma ocasião especialmente propícia para uma acolhida mais atenta das homilias, das catequeses, das alocuções e das outras intervenções do Santo Padre. Para muitos fiéis, ter à disposição as homilias e os discursos das audiências será de grande ajuda para transmitir a fé aos outros.

Trata-se de verdade da qual se vive, como diz Santo Agostinho quando, em uma homilia sobre a redditio symboli, descreve a oração do Creio: “Vós, portanto, o recebestes e transmitistes, mas na mente e no coração deveis tê-lo sempre presente, deveis repeti-lo nos vossos leitos, repensá-lo nas praças e não esquecê-lo durante as refeições: e também quando dormirdes com o corpo, deveis vigiar nele com o coração”. (Agostinho de Hipona, Discurso 215, sobre a Redditio Symboli).

Na Porta Fidei, traça-se um percurso para fazer compreender de modo mais profundo os conteúdos da fé e a ação com a qual nos confiamos livremente a Deus: a ação com o qual se crê e os conteúdos aos quais damos o nosso consentimento são marcados por uma profunda unidade (cfr. n. 10).

 

Crescer na fé

 

O Ano da fé representa, portanto, um convite à conversão a Jesus único Salvador do mundo, a crescer na fé como virtude teologal. No prólogo do primeiro volume de Jesus de Nazaré, o Santo Padre escreve sobre as consequências negativas se Jesus for apresentado como uma figura do passado, da qual pouco se sabe ao certo: “Uma situação similar é dramática para a fé, porque torna incerto o seu autêntico ponto de referência: a íntima amizade com Jesus, do qual tudo depende, ameaça procurar no vazio” (p.8)

Vale a pena meditar mais vezes sobre estas palavras: “a íntima amizade com Jesus, do qual tudo depende”. Trata-se do encontro pessoal com Cristo. Encontro de cada um de nós e de cada um dos nossos irmãos e irmãs na fé, a quem servimos com o nosso ministério.

Encontrar Jesus, como os primeiros discípulos – André, Pedro, João – como a samaritana ou como Nicodemos; acolhê-lo na própria casa como Marta e Maria; escutá-lo lendo muitas vezes o Evangelho; com a graça do Espírito Santo, este é o caminho seguro para crescer na fé. Como escreveu o Servo de Deus Paulo VI: “A fé é o caminho através do qual a verdade divina entra na alma” (Ensinamentos, IV, p. 919).

Jesus convida a sentir que somos filhos e amigos de Deus: “Eu chamo vocês de amigos, porque eu comuniquei a vocês tudo o que ouvi de meu Pai. Não foram vocês que me escolheram, mas fui eu que escolhi vocês. Eu os destinei para ir e dar fruto, e para que o seu fruto permaneça. O Pai dará a vocês qualquer coisa que vocês pedirem em meu nome.” (Jo 15,15-16).

 

Meios para crescer na Fé. A Eucaristia

 

Jesus convida a pedir com plena fé, a rezar com as palavras “Pai nosso”. Propõe a todos, no discurso das Beatitudes, uma meta que aos olhos humanos parece uma loucura: “Sejam perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está no céu” (Mt 5,48). Para exercitar uma boa pedagogia da santidade, capaz de adaptar-se às circunstâncias e aos ritmos de cada pessoa, devemos ser amigos de Deus, homens de oração.

Na oração aprendemos a carregar a Cruz, aquela Cruz aberta ao mundo inteiro, para sua salvação, que, como revela o Senhor a Ananias, acompanhará também a missão de Saulo, recém-convertido: “Vá, porque esse homem é um instrumento que eu escolhi para anunciar o meu nome aos pagãos, aos reis e ao povo de Israel. Eu vou mostrar a Saulo quanto ele deve sofrer por causa do meu nome.” (At 9,15-16). E aos fiéis da Galácia, São Paulo fará esta síntese de sua vida: “Fui morto na cruz com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim (Gal 2,19-20).

Na Eucaristia, atualiza-se o mistério do sacrifício da Cruz. A celebração litúrgica da Santa Missa é um encontro com Jesus que se oferece como vítima por nós e nos transforma n’Ele. “Com efeito, por sua natureza a liturgia possui uma eficácia pedagógica própria para introduzir os fiéis no conhecimento do mistério celebrado. Por isso mesmo, na tradição mais antiga da Igreja, o caminho formativo do cristão – embora sem descurar a inteligência sistemática dos conteúdos da fé – assumia sempre um caráter de experiência, em que era determinante o encontro vivo e persuasivo com Cristo anunciado por autênticas testemunhas. Neste sentido, quem introduz nos mistérios é primariamente a testemunha” (Bento XVI, Exort. Ap. Sacramentum caritatis, 22-II-2007, n. 64). Não surpreende, portanto, que na Nota com indicações pastorais para o Ano da fé se sugira intensificar a celebração da fé na liturgia e em particular na Eucaristia, onde a fé da Igreja é proclamada, celebrada e reforçada (cfr. n. IV, 2). Se a liturgia eucarística é celebrada com grande fé e devoção, os frutos são assegurados.

 

O Sacramento da Misericórdia que perdoa

 

Se a Eucaristia é o Sacramento que edifica a imagem do Filho de Deus em nós, a Reconciliação é aquilo que nos faz experimentar a força da misericórdia divina, que libera a alma dos pecados e a faz saborear a beleza do retorno a Deus, verdadeiro Pai apaixonado por cada um de seus filhos. Por isso, o sagrado ministro em primeira pessoa deve estar convencido de que “só se nos comportarmos como filhos de Deus, sem nos desencorajarmos por causa das nossas quedas e dos nossos pecados, sentindo-nos amados por Ele, a nossa vida será nova, animada pela serenidade e pela alegria. Deus é a nossa força! Deus é a nossa esperança!” (Papa Francisco, Audiência geral de 10 de abril de 2013).

A partir dessa presença misericordiosa, o sacerdote deve ser ele mesmo sacramento no mundo: “Jesus não tem uma casa porque a sua casa é o povo, somos nós, a sua missão consiste em abrir as portas de Deus para todos, em ser a presença de amor de Deu” (Idem, Audiência geral de 27 de março de 2013). Não podemos, portanto, enterrar esse maravilhoso dom sobrenatural, nem distribuí-lo sem ter os mesmos sentimentos d’Ele, que amou os pecadores até o auge da Cruz. Neste sacramento, o Pai nos doa uma ocasião única para ser, não só espiritualmente, mas nós mesmos, com nossa própria humanidade, a mão suave que, como o Bom Samaritano, derrama o óleo que dá alívio às chagas da alma (Lc 10, 34). Sentimos nossas estas palavras do Pontífice: “O cristão que se fecha em si próprio, que esconde tudo o que o Senhor lhe deu é um cristão… não é cristão! É um cristão que não dá graças a Deus por tudo o que recebeu! Isto diz-nos que a espera da volta do Senhor é o tempo da ação – nós vivemos no tempo da ação – o tempo no qual frutificar os dons de Deus, não para nós mesmos, mas para Ele, para a Igreja, para os outros, o tempo no qual procurar fazer crescer sempre o bem no mundo. (…) Estimados irmãos e irmãs, nunca tenhamos medo de olhar para o Juízo final; ao contrário, que ele nos leve a viver melhor o presente. Deus oferece-nos este tempo com misericórdia e paciência, a fim de aprendermos todos os dias a reconhecê-lo nos pobres e nos pequeninos, de trabalharmos para o bem e de sermos vigilantes na oração e no amor. Que no final da nossa existência e da história o Senhor possa reconhecer-nos como servos bons e fiéis” (Idem, Audiência geral de 24 de abril).

O sacramento da Reconciliação é, portanto, também o sacramento da alegria: “Quando ainda estava longe, o pai o avistou, e teve compaixão, saiu correndo, o abraçou, e o cobriu de beijos. Então o filho disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço que me chamem teu filho’. Mas o pai disse aos empregados: ‘Depressa, tragam a melhor túnica para vestir meu filho. E coloquem um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Peguem o novilho gordo e o matem. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’. E começaram a festa” (Lc 15,11-24). Cada vez que nos confessamos, encontramos a alegria de estar com Deus, porque experimentamos a sua misericórdia, talvez tantas vezes quando manifestamos ao Senhor as nossas faltas devido à indiferença e a mediocridade. Assim se reforça a nossa fé de pecadores que amam Jesus e são amados por Ele: “Quando alguém é convocado pelo juiz ou tem uma causa, a primeira coisa que faz é procurar um advogado para que o defenda. Nós temos um, que nos defende sempre, defende-nos das insídias do diabo, defende-nos de nós mesmos e dos nossos pecados! Caríssimos irmãos e irmãs, temos este advogado: não tenhamos medo de o procurar para pedir perdão, para pedir a bênção, para pedir misericórdia! Ele perdoa-nos sempre, é o nosso advogado: defende-nos sempre! Não esqueçais isto!” (Idem, Audiência geral de 17 de abril de 2013).

Na adoração eucarística, podemos dizer a Cristo presente na Hóstia Santa, com São Tomás de Aquino:

Plagas sicut Thomas non intúeor

Deum tamen meum Te confiteor

Fac me tibi semper magis crédere

In Te spem habére, Te dilígere.

E também com o apóstolo Tomé podemos repetir com o nosso coração sacerdotal, quando Jesus é nas nossas mãos: Dominus meus et Deus meus!

Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,45). Com essas palavras, Isabel saudou Maria. A Ela que é Mãe dos sacerdotes e que nos precedeu no caminho da fé, recorramos a fim de que cada um de nós cresça na Fé do seu divino Filho e, assim, levemos ao mundo a Vida e a Luz, o calor, do Sacratíssimo Coração de Jesus!

Mauro Card. Piacenza

Prefeito

Celso Morga Iruzubieta

Secretário

A ciência não deve excluir a caridade

Pe. José Victorino de Andrade, EP

Ao longo de séculos, a Igreja teve um papel importantíssimo na construção da sociedade Ocidental. Criou as Universidades, e os Hospitais, desenvolveu a farmacêutica baseada nos produtos naturais (que tanta procura voltaram a ter nos nossos dias), foi uma verdadeira mecenas em termos de arte e cultura, conservou preciosas obras de arte e bibliotecas, desenvolveu o Direito Romano e a ideia de mercado, e a própria ciência e astronomia moderna lhe deve muito do que sabe e tem hoje. Bastaria lembrar a importância que tiveram sacerdotes como: Francisco de Vitória, pai do direito internacional, Nicholas Steno, pai da geologia, Athanasius Kircher, pai da egiptologia, Roger Boscovich, pai da moderna teoria atómica, ou mesmo os estudos da sismologia elaborados pelos filhos de Santo Inácio que fizeram com que muitos hoje lhe apelidassem de “Ciência Jesuítica” ou as cerca de 35 crateras lunares que levam o nome de matemáticos e astrónomos da mesma Companhia de Jesus, entres tantos outros que não caberia aqui enumerar[1].

Muitos foram também os leigos de convicções profundamente religiosas que estavam persuadidos que as suas investigações trariam contributos para desvendar o cosmos, mediante a perspectiva e o assombro do mistério de Deus e da sua criação, além da consciência de estarem verdadeiramente a promover o bem comum. Salientam-se nomes como: Louis Pasteur (1822-1895), Alessandro Volta (1745-1827) e André-Marie Ampère (1775-1836), entre outros[2].

John Bagnell Bury, historiador, lembra o histórico diálogo entre Roger Bacon e o Papa Clemente IV, e o interesse deste Pontífice pelas ciências, o que permitiu uma reforma intelectual na época, ampliando e reformando os estudos nas Universidades, beneficiando inclusive os estudos teológicos e das Escrituras[3].

Entretanto, de modo até um pouco dramático, muitos convencionaram que a ciência se havia de separar totalmente da religião, afastando-se dos seus benéficos contributos. Quiseram pisar em solo que estava palmilhado por filósofos e teólogos há décadas ou mesmo séculos, colocando em causa soluções já propostas, entrando em campos que não lhes pertenciam, preferindo escalar por seus próprios meios quando as cordas que lhe permitiam ascender ao alto, mais depressa e seguramente, estavam ali, ao lado dos investigadores. Assim, o investigador moderno “escalou as montanhas da ignorância e está para chegar ao cume; quando consegue alcançar a última pedra, é recebido por um grupo de teólogos que há séculos estão ali sentados”[4].

 A procura pelo saber, não deve excluir a caridade e, por isso, o importantíssimo papel da religião e o seu contributo para que a caridade seja muito mais do que mera filantropia e se aplique a todos os domínios, devendo envolver toda a existência humana e preenchê-la, pois a caridade é sobremaneiramente o amor, e Deus é amor (Ver 1Jo 4, 8-4 e 16). Esta deve fecundar todas as nossas acções, conforme São Paulo: “Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou […] de nada me aproveita (1Cor 1-3).

 Deste modo, entendemos melhor a aplicação que Bento XVI na Caritas in Veritate relacionando a caridade ou o amor – fruto do Espírito Santo – com a Sabedoria – dom do mesmo Espírito – que longe de se excluírem, atraem-se, têm a mesma proveniência, e para ela retornam, não sem antes terem produzido um bem superior: “A caridade não exclui o saber, antes reclama-o, promove-o e anima-o a partir de dentro. O saber nunca é obra apenas da inteligência; pode, sem dúvida, ser reduzido a cálculo e a experiência, mas se quer ser sapiência capaz de orientar o homem à luz dos princípios primeiros e dos seus fins últimos, deve ser ‘temperado’ com o ‘sal’ da caridade. A acção é cega sem o saber, e este é estéril sem o amor” (n. 30).

A técnica e a ciência, assim como o saber humano e seu salutar crescimento, dependem em grande medida desta referência. Seria como uma possante ave que deseja levantar voo e dificilmente alcançará os píncaros mais elevados se as duas asas, diametralmente opostas, não funcionarem juntas, coordenadamente. A caridade e a ciência, assim como todos os seus domínios e desdobramentos, devem voar juntas.


[1] Acerca deste assunto ver WOODS JR, Thomas. O que a civilização ocidental deve à Igreja Católica. Lisboa: Atheleia, 2009. s.p.

[2] Para outros nomes e informação detalhada acerca de cada uma destas personagens ver um esboço da tese de mestrado na Gregoriana do Pe. Eduardo Caballero em: Revista Arautos do Evangelho. Sao Paulo. No. 95 (Nov., 2009); p. 37-39.

[3] “[Bacon chief work, the Opus Majus,] was addressed and sent to Pope Clement IV., who had asked Bacon to give him an account of his researches, and was designed to persuade the Pontiff of the utility of science from an ecclesiastical point of view, and to induce him to sanction an intellectual reform, which without the approbation of the Church would at that time have been impossible” (BURY, The idea of progress. Fairford: Echo Library, 2010, p. 20).

[4] JASTROW, R. God and the Astronomers. New York, 1978. p. 116.

Os aspectos espirituais da sociedade temporal favorecem a contemplação

Mons. João S. Clá Dias, EP

Encontra-se generalizada a ideia de que a sociedade temporal existe apenas para satisfazer as necessidades materiais do homem. Ora, este é composto de alma e corpo, no qual a primeira ocupa a primazia. Por isso, a sociedade temporal deve também atender aos anseios espirituais da alma humana, embora o aspecto sobrenatural pertença ao âmbito exclusivo da Igreja. O homem é, por natureza, um ser contemplativo, pois está destinado a ver a Deus face a face na eternidade. Portanto, já nesta vida ele deve exercitar essa capacidade, reconhecendo os reflexos de Deus na obra da Criação e, mais ainda, nos outros homens, que são a imagem mais perfeita do Criador no universo visível.

O homem poderá desenvolver a capacidade contemplativa, com maior grau de perfeição, no convívio humano e na consideração dos bens mais elevados que são o resultado da vida social, quer sejam os ambientes, a arte, a cultura e a civilização. Estes são elementos caracteristicamente espirituais produzidos pela sociedade temporal, e que grande influência têm sobre a alma humana. Animando com o espírito cristão as realidades temporais, objeto da contemplação mais imediata do homem, a alma humana terá muito mais facilidade de se elevar até as verdades da Fé. Dessa forma, a intimidade com Deus não se restringe apenas a determinados momentos reservados às obrigações religiosas, mas se estende a todo o operar humano, tal como a respiração não se interrompe em nenhum momento da existência. Ela é natural, sem esforço, contínua e aprazível.

A doutrina do Concílio Vaticano II, expressa no Decreto Apostolicam Actuositatem, é igualmente clara ao ressaltar a importância da esfera temporal no plano salvífico de Deus:

“A obra redentora de Cristo, que por natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem temporal. Daí que a missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e atuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais. Por este motivo, os leigos, realizando esta missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto na ordem espiritual como na temporal. Estas ordens, embora distintas, estão de tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã”. (AA, n. 5)

É importante salientar aqui como o Concílio Vaticano II, ainda nos dias em que o assunto não havia adquirido o devido destaque nos meios eclesiais, deu novo impulso ao papel dos leigos na Igreja. Nele se anteciparam os imensos desafios que o terceiro milênio reservava. Com efeito, um deles é a “Consecratio Mundi”. Quase se poderia dizer, caso a Igreja não fosse imortal, ser essa uma questão de vida ou morte. Se no século XXI a Igreja não conseguisse influenciar as realidades temporais com o espírito cristão, os erros e a mentalidade secularista desta época poderiam, em certa medida, dessacralizá-la.

Diante dessa perspectiva, compete aos leigos zelar para que os ambientes, a arte, os costumes, as leis e as instituições, de alto a baixo na escala social, estejam todos impregnados do espírito cristão de forma que a obra redentora de Cristo produza também seus efeitos na esfera temporal. Deverá ela refletir, a seu modo, a luz e o esplendor daquele que subiu aos céus para “levar tudo à plenitude” (Ef 4, 10)