A solução para os problemas sociais

Pe. José Victorino de Andrade, EP

O mandamento novo (Jo 13, 34) foi capaz de criar aqueles fundamentos que lançaram as suas raízes na sociedade, que cresceu e se espalhou pelo ocidente. Talvez esta nova et vetera proposta seja em nossos dias a única capaz verdadeiramente de regenerar a sociedade, diante dos múltiplos desafios que a cercam. Corajosamente, lembrava João Paulo II na Centesimus annus: “não existe solução fora do Evangelho para a questão social” (AAS 83 [1991], p. 800).1

A Bíblia contém “valores antropológicos e filosóficos que influíram positivamente sobre toda a humanidade” (Verbum Domini, p. 177). Estes não estagnaram, mas pertencem à perene riqueza da mensagem evangélica, que deve resgatar os homens do seu ego para se voltarem ao alter. O próprio Jesus não se preocupou em ser servido, mas em “servir e dar a sua vida para redenção de muitos” (Mc 10, 45). Os seus ensinamentos contêm uma incomensurável universalidade espacial e temporal, própria a fazer crescer na verdade e na caridade, e a oferecer resposta aos anseios de todos os homens, tempos e nações.

A Sagrada Escritura é a inspiradora dos gestos concretos que tiram a Doutrina Social da Igreja do mero papel, transportando-a para a vida real e concreta dos homens, chamando o batizado a fazer-se, à semelhança de São Paulo, tudo para todos, por causa do Evangelho (I Cor 9, 22-23). Conforme Bento XVI na Verbum Domini, a Palavra deve iluminar “cada âmbito da humanidade: a família, a escola, a cultura, o trabalho, o tempo livre e os outros setores da vida social” (p. 155), proporcionando assim um encontro com o próprio Cristo, a conversão e a capacidade de florescer e edificar uma “humanidade nova” (p. 156).

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1 “Quemadmodum fecit Leo Pontifex, oportet repetamus non esse extra Evangelium solutionem ‘quaestionis socialis’ at contra ‘res novas’ posse in eo suum veritatis spatium invenire rectamque moralem collocationem” (n. 5. Tradução minha da parte grifada). O Papa João Paulo II, afirma, ademais, a importância da Escritura para a “recta colocação moral” acerca das “coisas novas”, e o imprescindível anúncio da Doutrina Social da Igreja para a Nova Evangelização (AAS 83 [1991], p. 800).

Oração numa atmosfera de harmonia e concórdia

IMG_2148Mons. João S. Clá Dias, EP

Como outras tantas festas litúrgicas, Pentecostes nos faz recordar um dos grandes mistérios da fundação da Igreja por Jesus. Encontrava-se ela em estado ainda quase embrionário — alegoricamente, poder-se-ia compará-la a uma menina de tenra idade — reunida em torno da Mãe de Cristo. Ali no Cenáculo, conforme nos descrevem os Atos dos Apóstolos na primeira leitura, passaram-se fenômenos místicos de excelsa magnitude, acompanhados de manifestações sensíveis de ordem natural: ruído como de um vento impetuoso, línguas de fogo, os discípulos exprimindo-se em línguas diversas sem tê-las antes aprendido. A alta significação simbólica do conjunto desses acontecimentos, como de cada um em particular, constituiu matéria para inúmeros e substanciosos comentários de exegetas e teólogos de grande valor.

Enquanto figura exponencial, destaca-se Maria Santíssima, predestinada desde toda a eternidade a ser Mãe de Deus. Dir-se-ia que havia atingido a plenitude máxima de todas as graças e dons, entretanto, em Pentecostes, mais e mais Lhe seria concedido. Assim como fora eleita para o insuperável dom da maternidade divina, cabia-Lhe agora o tornar-se Mãe do Corpo Místico de Cristo e, tal qual se deu na Encarnação do Verbo, desceu sobre Ela o Espírito Santo, por meio de uma nova e riquíssima efusão de graças, a fim de adorná-La com virtudes e dons próprios e proclamá-La “Mãe da Igreja”.

Em seguida estão os Apóstolos; constituem eles a primeira escola de arautos do Evangelho. Observavam as condições essenciais para estarem aptos à alta missão que lhes destinara o Divino Mestre, conforme nos relata a Escritura: “Todos estes perseveraram unanimemente em oração, com algumas mulheres e com Maria, Mãe de Jesus, e com os seus irmãos” (At 1, 14). Essa perseverança na oração se realizou de forma continuada e no silêncio, na solidão e clausura do Cenáculo. A atmosfera era de máxima concórdia, harmonia e união entre todos, de verdadeira caridade fraterna. São Lucas em seu relato faz questão de realçar a presença de Maria, certamente para tornar patente o quanto Ela mesma se alegrava em ser uma fiel participante da Comunidade. Uma nota marcante é a submissão e obediência ao Vigário de Cristo tal qual transparece nos versículos subseqüentes, ao relatarem o primeiro ato de governo e jurisdição de São Pedro (At 1, 15-22).

Em síntese, a verdadeira eficácia do apostolado está aí evidenciada, sob o manto da Santíssima Virgem, na união efetiva e afetiva de todos com a Pedra sobre a qual Cristo edificou sua Igreja.

A história do sacerdócio no contexto bíblico

ord-diaconalMs. Thiago Geraldo

Antes mesmo da instituição do sacerdócio na Bíblia, outros povos exerciam esta função, formando uma hierarquia organizada e hereditária; assim descreve George (1972, p. 924) esse aspecto:

“Entre os povos civilizados que cercam Israel, a função sacerdotal é muitas vezes exercida pelo rei, notadamente na Mesopotâmia e no Egito; o rei é então assistido por um clero hierarquizado, no mais das vezes hereditário, que constitui uma verdadeira casta. Não há nada disso entre os patriarcas. Não existe então nem templo, nem sacerdotes especializados do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”.

No Antigo Testamento as fontes sacerdotais são de dois tipos: de forma narrativa e de leis (Cf. BORN, p. 1351). Numa primeira visualização acerca do sacerdócio no contexto bíblico, não se encontra o aspecto sacrifical ― que depois veio a ser exercido ―, mas o serviço da adivinhação (Cf. Jz 17,5; 18,5-6; 1 Sm 14,36-42) e a instrução sobre a Torá (Cf. Dt 27,9-10; 31,10-13). Segundo Monloubou (2003, p. 704): “Tanto quanto os profetas, os sacerdotes são moralistas que ensinam o povo a se dispor ao culto e a prolongar os efeitos por uma conduta digna”. Ademais, os chefes de cada família tinham o poder de sacrificar (Cf. Gn 8, 20; 31,54) aliás, como foi o caso do próprio Jetro ― sogro de Moisés ― que ofereceu holocausto e sacrifício no Sinai, depois comeu com Aarão e os anciãos de Israel (Cf. Ex 18,12).

A origem levítica provavelmente remonta a um ramo sacerdotal oriundo de Cades, com os quais Moisés mantinha relações firmes (BROWN, p. 287-288). Eles alegavam possuir a origem sacerdotal exclusiva (Ex 32, 25-28; Dt 33, 8-11). Juridicamente não possuíam terras (Cf. Dt 10, 9), por serem da tribo escolhida, mas zelavam pela tradição das leis sagradas dentro do povo (Cf. Dt 27, 14-26; 31, 24-28). A pessoa de Moisés era considerada levita (Cf. Ex 2, 1-2).

Sobre a origem levítica de Aarão ocorrem controvérsias. Em Ex 4, 13-16 ele é considerado levita e irmão de Moisés; no entanto, ora se torna intercessor junto a Moisés (Nm 12, 11-12), ora assume a condição de sacerdote de um bezerro de ouro idolátrico (Ex 32, 1-5). Este fato ligado à contenda entre Roboão e Jeroboão faz com que Aarão seja uma espécie de precursor do sacerdócio em Betel, pois Jeroboão também construiu um bezerro de ouro em Betel e outro em Dã e estabeleceu sacerdotes do meio do povo que não eram levitas (Cf. 1 Rs 12, 28-33).

Num período pré-monárquico em que ainda não havia rei, cada qual fazia o que lhe parecia melhor; foi assim que Mica, da montanha de Efraim, convidou um levita para tornar-se seu sacerdote, após a fundição de um ídolo com 200 moedas de prata encomendado por sua mãe (Cf. Jz 17). A imagem fundida com as 200 moedas e o sacerdote levita foram mais tarde sequestrados pela tribo de Dã, que queria estabelecer-se na cidade de Laís. O levita alegrou-se por se tornar como que pai e sacerdote de uma tribo em vez de uma família. Jônatas, filho de Gerson, filho de Manassés, constituiu-se, juntamente com seus filhos, sacerdote da tribo de Dã até o dia do cativeiro. O que tem como intento a legitimidade do sacerdócio, remontando-o até Moisés. Isto se passou enquanto a casa de Deus estava em Silo (Cf. Jz 18), onde Eli desempenhava o ofício sacerdotal por meio de sacrifícios e holocaustos (Cf. 1 Sm 1, 3). Após o declínio da família de Eli, tem-se notícia de uma cidade sacerdotal em Nobe. O chefe desta família, o sacerdote Aquimelec, dá alimento a Davi e seus companheiros. Por esse motivo, Saul determina que toda sua família seja exterminada, exceto Abiatar que se refugia com Davi (Cf. 1 Sm 22, 6-23).

Entrando no período monárquico, o sacerdócio ganha estruturação e a partir daí o culto no Templo torna-se vigoroso (Cf. BROWN, p. 288). Salomão organiza a estrutura de seu reino e com isso o culto fica centralizado no Templo em Jerusalém (Cf. 1 Rs 4, 1-6). No entanto, com o cisma samaritano os cultos locais ganham novamente realce (Cf. 1 Rs 12, 25-33). Nessa época o sacerdócio e a monarquia tinham uma firme aliança, como mostra o massacre dos filhos de Acab, no qual Jeú extermina a todos, inclusive os sacerdotes que serviam o rei (Cf. 2 Rs 10, 11). Isto não se passava somente em Israel, mas também em Judá, como o caso do refugiado Joás, que ficou seis anos escondido no Templo e depois, com a conspiração do sacerdote Jojada, torna-se rei (Cf. 2 Rs 11).

As classes sacerdotais formadas em comunhão com a monarquia foram respectivamente deportadas pelos conquistadores de seus reinos. Israel caiu com a invasão assíria e colonos se estabeleceram na Samaria (Cf. 2 Rs 17, 23). Algum tempo depois, sacerdotes são trazidos da deportação para ensinar a religião aos colonos (Cf. 2 Rs 17, 27-28), Judá é conquistada por Nabucodonosor e Sedecias, deportado para a Babilônia (Cf. 2 Rs 25, 7). Inclusive o sumo sacerdote Saraías e Sofonias, segundo sacerdote, são levados para o cativeiro (Cf. 2 Rs 25, 18).

Um passo importante para o sacerdócio de Judá, ocorrido antes da deportação para a Babilônia, deu-se com a descoberta do livro da aliança no Templo, pelo sumo sacerdote Helcias. Após as palavras da profetisa Holda, o rei Josias promoveu uma reforma geral no culto: renovando a aliança com Deus, ele ordenou a Helcias, aos sacerdotes de segunda ordem e aos porteiros que limpassem o Templo de todos os objetos idolátricos que lá havia; despediu os sacerdotes idólatras e os que adoravam os astros do céu e mandou profanar os lugares que tinham sido objeto de culto idolátrico, unificando, dessa forma, o culto ao Deus verdadeiro no templo de Jerusalém (Cf. 2 Rs 22;23, 1-28).

Na época exílica, com a condensação da lei sacerdotal levítica, ficou assegurado que a tribo sacerdotal por excelência seria a de Levi (Cf. Nm 18, 1-7), e mesmo assim nem todos os levitas seriam sacerdotes (Cf. 1Cr 23 , 2). A Aarão e seus filhos ficou reservada a função de sumo sacerdote (Cf. Ex 29, 29-30). No entanto, Ezequiel, ao divisar o “novo Israel” (capítulos 40-48) recorda que os levitas abandonaram o culto verdadeiro para seguir a ídolos, por isso, apenas teriam funções menores dentro do Templo (Cf. Ez 44, 10-14). Os cargos mais importantes, inclusive o de sumo sacerdote, estão reservados aos levitas descendentes de Sadoc, que permaneceram fiéis ao santuário enquanto os israelitas se afastavam (Cf. Ez 44, 15-16). Sadoc foi sacerdote pré-davídico da linhagem de Eleazar, filho de Aarão (Cf. 1 Cr 24, 1-3). Segundo Born (2004, p. 1352):

“Sob Davi aparece uma nova família, a de Sadoc, de origem obscura, mas na tradição sacerdotal ligada com Eleazar, filho mais velho de Aarão. Essa família suplantou a de Eli (1 Sm 2, 27-36) e outras que eram consideradas como descendentes do terceiro e do quarto filhos de Aarão, Nadab e Abiu, e obteve afinal a hegemonia em Jerusalém”.

A reconstrução pós-exílica levou em conta esta declaração de Ezequiel, o que tornou os sadoquitas sacerdotes principais, enquanto à descendência de Arão coube a parte do sacerdócio comum e os genitores levitas ficaram sendo os servos do Templo (Cf. BROWN, p. 288). Além da restauração e centralização do culto no Templo, a leitura e explicação da lei passou a ter um realce cada vez maior. Agora não só o aspecto sacrifical era preponderante, mas a especialização legalista das Escrituras Sagradas se torna cada vez mais relevante (Cf. Ne 8). Essa concepção legalista mais tarde ultrapassa a própria dignidade sacerdotal.

À época do Messias, os sacerdotes já estavam categorizados segundo normas anteriores. Para os sacerdotes comuns havia 24 divisões de serviços (Cf. 1 Cr 24), os quais poderiam exercer outras funções no tempo vago. Geralmente faziam as leituras e explicações da Torá nas sinagogas e eram encarregados das questões de pureza ritual (Cf. Lv 11-15). A hierarquia estabelecida funcionava de forma hereditária. Portanto, a separação entre os sacerdotes principais e os sacerdotes comuns era bem acentuada. Os levitas dessa época que deveriam viver em cidades levíticas (Cf. Lv 21), tinham como funções a de cantores (Cf. 1 Cr 6, 16-17) e demais serviços do Templo (Cf. 1 Cr 6, 33-34).

Qumram: As misteriosas cavernas de Israel

QumranEspírito audaz e muita perspicácia: eis os predicados exigidos tanto dos componentes da equipe do Pe. Roland de Vaux quanto posteriormente, dos estudiosos que decifrariam os enigmas dos objetos encontrados nas cavernas e ruínas próximas ao Mar Morto.

Thiago de Oliveira Geraldo

Ele a procura por todos os lados, mas não encontra. Onde estará a ovelha de Mohammed ed-Dib (“o Lobo”)? Pertencente à tribo beduína dos Ta’âmireh, o jovem pastor tenta localizar o animal desgarrado entre as reentrâncias da falésia que se estende a centenas de metros do nível do Mar Morto. Os nativos da região sabiam da existência de ruínas a pouco mais de dez quilômetros da cidade de Jericó, esse lugar era denominado Qirbet Qumran. Suas ruínas se situam cerca de um quilômetro da margem do “Mar Salgado”. Para Mohammed o que lhe interessava naquele início de 1947 era encontrar seu animal que havia se desgarrado a 1.300 metros ao norte da Qirbet. Enquanto procurava a ovelhinha, entrou em uma das cavernas e ali observou que havia jarros de argila, porém não quis permanecer sozinho naquele lugar; mais tarde voltou com um companheiro e acharam, dentro dos jarros, rolos de pele manuscritos envoltos em pano de linho e levaram sete que estavam em melhor estado. Parece lenda, mas foi assim que em pleno século XX, um jovem de uma tribo nômade descobre a primeira gruta de Qumran, suscitando o interesse e esforço de estudiosos do mundo inteiro para cuidadosas pesquisas. Inicialmente quatro destes rolos foram vendidos ao bispo do mosteiro sírio (São Marcos de Jerusalém) e depois transportados para os Estados Unidos. Voltaram a Israel mediante pagamento de 250.000 dólares, em 1954. Os outros três foram adquiridos pelo Pe. E. L. Sukenik (em nome da Universidade Hebraica). Por meio de negociações, a Universidade Hebraica de Jerusalém, acabou possuindo os sete rolos desta primeira descoberta.

O reconhecimento inicial

O conflito árabe-israelense (1948-1949) impediu qualquer reconhecimento arqueológico. Somente após seu término foi possível a uma comissão iniciar as pesquisas arqueológicas na gruta. A expedição comandada pelo Pe. de Vaux (diretor da Escola Bíblica e Arqueológica Francesa e presidente do Comitê Internacional para a Gestão do Museu Arqueológico Palestino), tinha a colaboração do inglês Gerald Lankester Harding, diretor do Serviço de Antiguidades da Jordânia, e do Capitão belga, Philipper Lippens, um observador da ONU. No início de 1949, esta comissão explorou a gruta que só permitia acesso por uma estreita janela ou rastejando por uma abertura rente ao chão; posteriormente as escavações ampliaram essas fendas. Com oito metros de comprimento e dois de largura, a gruta continha – além dos sete manuscritos extraídos pelos beduínos − dois candeeiros de argila, cerca de cinquenta jarros e 600 fragmentos de pele, correspondendo a setenta manuscritos. Encontraram também quarenta papiros muito deteriorados e alguns pedaços de tecido de linho (provavelmente utilizados para envolver os escritos).

Onze grutas, onze mistérios

As grutas de Qumran foram classificadas de acordo com os manuscritos nelas encontrados. Levam o número cronológico de sua descoberta, mais a letra representativa do local (a primeira gruta de Qumran = 1Q, etc.). Em março 1952, a mesma tribo beduína encontrou mais duas grutas (2Q e 3Q). Na primeira delas – ao sul da 1Q e de acesso muito difícil – foram extraídos 185 fragmentos, o que representa cerca de quarenta manuscritos. A dois quilômetros ao norte da Qirbet encontra-se a 3Q, com dificuldade de ingresso devido a um desmoronamento do teto. Aqui 274 fragmentos são encontrados, mas apenas 90 aproveitáveis; ademais de 30 rolos de peles muito deteriorados pelo clima e animais roedores. A grande riqueza encontrada na 3Q são alguns rolos de cobre, com textos em caracteres hebraicos, alguns destacados em relevo. Com estas descobertas o Pe. de Vaux iniciou uma campanha visando explorar oito quilômetros de extensão na falésia, a fim de localizar novas cavernas. Das áreas pesquisadas (entre cavidades e gretas), 40 apresentaram restos de materiais, inclusive cerâmica e 230 não deram nenhum resultado positivo. Mais tarde, a família dos Ta’âmireh encontra mais duas grutas (4Q e 5Q), baseados na narração de uma caçada feita por um velho beduíno, que dizia ter encontrado cerâmica antiga ao perseguir uma perdiz ferida no terraço da falésia (os exploradores não tinham dado grande importância a estas cavidades). Avisados, a equipe de pesquisadores comandados pelo Pe. de Vaux e pelo abade Milik exploram a região lateral daquele rochedo íngreme durante uma semana, até que localizam a caverna indicada pelos beduínos. Cerca de 400 manuscritos foram encontrados na 4Q. A 5Q abrigava alguns poucos escritos em estado de fragilidade extrema. Próximo desse local, os pesquisadores encontram um orifício na falésia que continha 718 fragmentos de papiro e 57 de pele. Calcula-se que seu número era de 30 manuscritos. Esta passou a ser a 6Q. Possuía sinais de pessoas – provavelmente beduínos – que tinham passado há pouco pelo local. Uma expedição realizada de fevereiro a abril de 1955 conduziu os exploradores a encontrarem mais quatro grutas. Essas foram escavadas por homens, mas a erosão fez com que houvesse um desmoronamento nas bordas do terraço. Pouco se extraiu dessas grutas “artificiais”. No início de 1956, os beduínos localizaram a última gruta (11Q) cerca de dois quilômetros do Qirbet Qumran. Depois disso, não se encontrou mais nenhuma gruta com manuscritos. No entanto, um objeto descoberto na gruta onze levantou polêmica. Trata-se de uma ferramenta ao mesmo tempo parecida com uma machadinha e uma espécie de picareta que poderia fazer alusão a um instrumento usado pelos essênios.

Quem eram os essênios?

Na época de Jesus havia três grandes facções religiosas: os saduceus, os fariseus e os essênios. Posteriormente surgiram outras. Essas divisões se fizeram sentir na época da resistência dos Macabeus (século II a.C.). Os saduceus (referência ao sacerdócio de Sadoc) eram constituídos pelos sacerdotes, os quais cuidavam do Templo de Jerusalém e tinham sido influenciados pela mentalidade helênica. Os fariseus (palavra que significa “separados”) era uma corrente de leigos que não queria compartilhar da influência estrangeira e, por isso, se aprofundaram no estudo da Torá (Lei). Os essênios eram conhecidos pelo seu modo de vida austero, pela sua crença na imortalidade da alma e pela continência que praticavam. Atraíam muito a admiração de seus compatriotas, bem como de estrangeiros. Os relatos sobre sua conduta estão contidos, de maneira especial, em escritores antigos, como: Fílon de Alexandria, Flávio Josefo, Hipólito de Roma e Plínio, o Antigo. As descobertas do Mar Morto trazem informações mais precisas sobre a comunidade essênica, a provável moradora de Qumran.

Qirbet Qumran: uma história por trás de ruínas

Após a descoberta da 11Q, fizeram-se explorações ao sul do Qirbet Qumran. Encontraram uma habitação, na qual a parte ocidental constituía a moradia dos vivos e a oriental o descanso dos mortos. Os túmulos localizados chegaram a 1.200, e uma grande quantidade deles era constituído por homens entre vinte a quarenta anos, que provavelmente foram mortos numa resistência militar e sepultados após a retirada do inimigo vencedor. Dentre as descobertas realizadas ali, chama a atenção uma oficina de cerâmica (cujos formatos assemelhavam-se às encontradas nas grutas) e um scriptorium (escritório). Apesar de não se encontrarem manuscritos no local, estes dois ambientes indicam que seus moradores escreviam e faziam jarros de cerâmica para guardar os escritos. Portanto, havia uma atividade de escribas (copistas) em Qumran. Apesar de não se ter notícia de moedas nas onze grutas exploradas, nas ruínas de Qumran foram encontradas 1.250 peças (segundo o Pe. de Vaux), das quais a maioria podia ser reconhecida. Através do tipo de moeda pode-se prever os períodos de ocupação de Qumran. Restos de muros e cacos de cerâmica encontrados a nordeste da edificação principal faz remontá-la ao século VIII-VII a.C. Esta habitação pode estar fazendo menção à “Cidade do Sal” (Jos 15,62), mas da qual não se tem mais informações. Provavelmente o primeiro período de ocupação em Qumran (segundo as moedas ali localizadas) se deu por volta do ano 100 a.C., terminando com um tremor de terra assolador no ano 31 a.C. O segundo período que se iniciou cerca de 30 anos depois da tragédia, vai até o ano 68 d.C., onde um destacamento do general romano, Vespasiano, conquistou Qumran durante a ocupação de Jericó. As moedas encontradas na segunda camada arqueológica (dos anos 67-68 d.C.) correspondem ao período da Primeira Revolta dos Judeus contra Roma (anos 66 a 70 d.C.). A partir de então, o terceiro período de ocupação limita-se à manutenção do edifício por parte de um posto romano, até o domínio completo da revolta (com a queda da fortaleza de Massada no ano 73 d.C). As moedas resgatadas pelos arqueólogos – correspondentes a este período – datam dos anos 69-70 a 72-73. Possivelmente os ocupantes de Qumran nesta época seriam a 10ª legião romana (comandada pelo general Trajano – pai do futuro imperador Trajano). Das peças descobertas, sete moedas referem-se ao Período da Segunda Revolta dos Judeus contra Roma (anos 132-135 d.C.); isso mostra que um destacamento de judeus resistiu na Qirbet durante esse período. Com este contexto histórico, a colocação dos manuscritos nas grutas do Mar Morto deu-se no mais tardar em junho do ano 68 d.C., por causa dos conflitos. O que contêm esses manuscritos? Os fragmentos encontrados nas onze grutas correspondem a cerca de 600 manuscritos. Neles estão contidos livros bíblicos e obras até então desconhecidas, como: comentários bíblicos (Targum) de cunho polêmico, regulamentos para a admissão de adeptos e modo de vida para uma comunidade, tática militar, etc. Apenas 11 destes manuscritos se apresentam quase íntegros (sete da 1Q e quatro da 11Q). Os conservados na gruta 11 continham um manuscrito do Levítico, uma compilação de Salmos, um Targum de Jó e um texto litúrgico de caráter apocalíptico. Os localizados na 1Q correspondem aos seguintes temas: duas cópias do livro de Isaías, um comentário de Habacuc (estes são os bíblicos), regulamento da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas, Apócrifo do Gêneses, Regra de disciplina e Hinos. O rolo do Regulamento da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas é o que está em melhor conservação e o Apócrifo do Gêneses é o único que apresenta o texto em aramaico. Da lista geral dos 600 manuscritos, praticamente um quarto deles refere-se a textos bíblicos, inclusive com livros deuterocanônicos. Também chamam a atenção alguns textos de códigos disciplinares (Regra de disciplina e sobre a Guerra) que apresentam semelhanças com textos encontrados por Salomon Schechter na genizá (sacristia) de uma sinagoga do Cairo (1896-1897), conhecidos como Documento (ou Escrito) de Damasco. Isto indica que provavelmente tinham várias comunidades essênicas espalhadas. Testes científicos começaram a realizar-se, a fim de comprovar a veracidade dos documentos. O Prof. Willard F. Libby efetuou uma pesquisa nuclear (teste carbono 14) no Instituto de Física Nuclear de Chicago. Este comprovou que um pedaço de linho retirado de um rolo do Profeta Isaías era do tempo de Jesus. A publicação das descobertas de Qumran não tardou. Por volta da década de 50 começou a divulgação das pesquisas; no entanto, só o tempo e o trabalho apurado de especialistas poderão desvendar todo o valor contido nestes documentos.

Três tradições textuais da Bíblia

Quando nos dias de hoje se toma uma Bíblia na mão, talvez nem se imagine que ela teve mais de uma versão na antiguidade. Três são as principais versões (tradições) da Bíblia: a Samaritana, o Cânon de Jâmnia e a Tradução dos Setenta. Na tradição Samaritana está presente apenas o Pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia: Torá – Lei). Não modificaram seu cânon mesmo depois de novas edições da Bíblia Hebraica. O Cânon de Jâmnia se fez necessário depois da dispersão dos judeus com a tomada de Jerusalém pelas tropas de Tito no ano 70 d.C., a fim de resguardar a integridade religiosa da nação naquela emergência. Este trabalho foi realizado pelos fariseus em Jâmnia (Yabnéh) onde sua escola rabínica se tornou próspera. O Cânon de Jâmnia excluiu de sua Bíblia sete livros sagrados (conhecidos como deuterocanônicos: Tobias, Judite, Baruc, Eclesiástico, Sabedoria, 1 e 2 Macabeus); além de fragmentos de Daniel (3,24-90; 13-14) e Ester (10,4-16,24). Este texto de Jâmnia não continha vogais, por isso, foi realizado um exaustivo trabalho – iniciado no século VI d.C. e terminado no século X – com a finalidade de colocar sinais que indicassem as vogais das palavras, evitando equívocos de interpretação. Estes sinais são pontos vocálicos que não modificam a estrutura da palavra hebraica. O texto tornou-se conhecido como Massorá e os compositores destes sinais como massoretas (“testemunhas da Tradição”). Uma terceira tradição, mais antiga que a massoreta é a de Alexandria. Esta é a versão grega da Escritura Hebraica. A primeira referência a esta versão dá-se por volta do ano 200 a.C. na chamada “Carta de Aristéias”. Segundo esta correspondência, o rei do Egito, Ptolomeu II Filadelfo (287-247 a.C.) encomendou, a pedido do responsável da – recém fundada – biblioteca de Alexandria, Demétrio de Fálaro, uma cópia dos livros sagrados dos judeus. Foi enviada uma embaixada judaica ao Egito composta por seis membros de cada tribo de Israel, somando 72 sábios. Daí provém o nome de “Tradução dos Setenta” ou “Septuaginta” (LXX). Durante sete dias foram submetidos a 72 perguntas das quais responderam com toda sabedoria. Em 72 dias sua missão estava terminada; a tradução dos livros sagrados do hebraico para o grego chegava a seu curso. Desde então a obra passou a fazer parte do acervo daquela biblioteca. As descobertas de Qumran traziam manuscritos correspondentes a estas três tradições. Isso significa um importante acervo para comparações e estudos das versões vigentes até aquele momento (como, por exemplo, o texto em hebraico, onde o mais antigo manuscrito conhecido datava do século IX d.C.). Como sublinha o Pe. Dupont-Sommer, esta descoberta não invalida os estudos já realizados referentes à crítica, mas fornece material que possibilitará uma pesquisa mais sólida.

O mapa do tesouro O que faríamos se nos fosse entregue um mapa de um tesouro? Acreditaríamos ter em mãos um guia para encontrar riquezas incalculáveis? Ou pensaríamos ser isto uma fraude qualquer? Na gruta 3Q foram encontrados rolos de cobre. Após averiguar o estado dos rolos e tê-los preparado, o Pe. H. Wright Baker (da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Manchester) resolveu cortá-los em 23 tiras, a fim de ler o que neles estava escrito. Primitivamente estes rolos pareciam estar unidos por rebites. Tudo indica que são três folhas de cobre, medindo trinta centímetros por oitenta. Os caracteres gravados nos rolos estão em hebraico. E o que estava escrito neles? Uma relação de tesouros! Na lista, 63 desses tesouros estavam descritos e sua localização indicada. Inclusive constava haver uma segunda lista mais detalhada. A soma destas preciosidades (ouro, prata, objetos sagrados para o culto, vestimentas, substâncias odoríferas, etc.) somava 4.632 talentos, o que equivale mais ou menos de 150 a 160 toneladas de material valioso. Tudo no território da Palestina. A lista será verdadeira? Pode-se, pelo contrário, perguntar o que teria levado à confecção de tais rolos, com a preocupação de escondê-los numa gruta, se tudo fosse mera lenda… Há indícios históricos (documentais) de valores semelhantes ou superiores a esse, como o caso narrado por Flávio Josefo, quando Pompeu exigiu cerca de 10.000 talentos por ocasião da tomada de Jerusalém; ou quando Crasso – mais tarde – se apoderou de 2.000 talentos do Templo nos quais Pompeu não havia tocado, além de 8.000 talentos dos tesouros do Templo. No entanto, não é provável que este tesouro ao qual se referem os rolos de cobre, fosse do Templo, pois este havia sido saqueado pelos romanos na tomada de Jerusalém no ano 70 d.C. Uma hipótese é a de que o tesouro pertencera a um grupo de judeus insurrectos da Segunda Revolta contra Roma (132-135 d.C.), comandados por Bar-Kokheba (chamado de “filho da estrela” por Justino e Eusébio) mas, devido à aproximação das legiões romanas, teriam julgado mais prudente espalhar o tesouro e alguns, refugiados em Qumran, ali guardaram os rolos de cobre. Outra hipótese é que o tesouro pertencera à Comunidade de Qumran, pois havia um encarregado de administrar as riquezas pertencentes aos membros da comunidade.

O fragmento 7Q5

“De fato, não tinham compreendido nada a respeito dos pães. O coração deles continuava endurecido. Tendo atravessado o lago, foram para Genesaré e atracaram” (Mc 6,52-53). Talvez o texto acima já tenha sido lido em várias ocasiões ou contemplado na liturgia, mas ele traz uma grande mudança para os estudos bíblicos. Nas descobertas de Qumran acreditava-se que todos os textos pertenciam ao Antigo Testamento, mas o Pe. José O’Callaghan S.J. (professor de papirologia grega no Instituto Pontifício Bíblico – Roma) publicou um estudo em março de 1972 intitulado “Papiros do Novo Testamento dentro da gruta 7 de Qumran?”, onde estudos de papirologia indicavam que alguns textos de Qumran faziam parte do Novo Testamento. Em especial o Evangelho de Marcos 6,52-53, fragmento denominado como 7Q5 (a gruta 7 de Qumran e o número 5 é para identificá-lo entre os demais papiros ali encontrados). Com o achado dos versículos 52 e 53 do Evangelho de S. Marcos, o tempo de “tradição oral” que se supunha ser de quarenta anos depois da morte de Jesus Cristo, para a redação final do Evangelho, se reduziria para vinte, contradizendo o que a crítica pensava até então. Acerca desta hipótese, comenta o Pe. Martini – hoje cardeal – (em maio do mesmo ano de 1972, enquanto Reitor do Instituto Bíblico de Roma) que era uma hipótese baseada em considerações graves e dignas de atenção, que precisava ser estudada sob o ponto de vista paleográfico, papirológico e arqueológico. Ainda comenta que algumas oportunidades novas e interessantes estavam se abrindo para avaliar a origem dos Evangelhos. Conclui dizendo que era prematuro se ocupar desses problemas antes que tenham sido examinados com mais cuidado os papiros e o contexto em que foram descobertos. Da mesma forma, o vice-reitor do Instituto Bíblico de Roma, o Pe. Schökel, dizia que a ciência ainda não teve tempo de se pronunciar. Mas que concretamente – naquele momento – era uma hipótese séria e sólida. O Pe. O’Callaghan encontra respaldo na ciência – como ele mesmo o atesta – por meio da professora de Papirologia, Montevecchi, que foi presidente da Associação Internacional de Papirólogos, e do Catedrático de Matemáticas, o Dr. Albert Dou. Ambos são afins com a hipótese do Pe. O’Callaghan. Outros, porém, são de tese contrária, como o Pe. Pierre Grelot (biblista do Instituto Católico de Paris e membro da Comissão Pontifícia Bíblica). Numa entrevista para 30 giorni em junho de 1991, acusava O’Callaghan de ter feito uma conjectura completamente absurda, que tem um fim apologético. A suposição do Pe. O’Callaghan é uma hipótese em estudo. Vale ressaltar que na sétima gruta, ao contrário das demais (que continham a escrita hebraica ou aramaica sobre pergaminho), os escritos estavam em grego sobre papiro.

Uma realidade atual

As descobertas realizadas nas grutas e ruínas de Qumran não caíram no esquecimento e ainda continuam fascinando o mundo. A Dra. Pnina Shor, chefe da Seção de Conservação de Artefatos do Departamento de Antiguidades de Israel, foi a encarregada de uma exposição de 17 artigos ocorrida em Toronto, no Royal Ontario Museum, encerrada em 3 de janeiro deste ano. O maior descobrimento arqueológico do século XX fez com que uma geração inteira de estudiosos – para não dizer o mundo − dedicasse suas vidas para analisá-las. O tema ainda desperta interesse em estudiosos e muitos debates se fazem a propósito desta descoberta. No entanto, a Providência somente permitiu que estes manuscritos fossem encontrados quase vinte séculos depois de sua inclusão nas grutas. Por que tanto tempo? Será que não havia reservado esta descoberta para uma época em que a fé se tornou “passível de dúvida”, para assim despertar novamente o senso religioso nos corações humanos?

Bibliografia:

BIBLICA: Commentarii editi cura pontificii institute Biblici. Vol. 44. Fasc. 2, 1963, p. 231-233.

CARMIGNAC, J. – GUILBERT, P. Les Textes de Qumran traduits et annotés. La Règle de la Guerre, Les Hymnes. (Autour de la Bible). Paris, Letouzey et Ané 1961. 284.

(M. DAHOOD). CAVALLETTI, S. Dicionário patrístico e de antigüidades cristãs; organizado por Angelo Di Berardino. Petrópolis: Vozes, 2002.

DAHLER, Etienne. Lugares Bíblicos. Aparecida: Editora Santuário, 1997.

JEREMIAS, Joachim. Estudos no Novo Testamento. Trad. Itamir Neves de Souza. São Paulo: Ed. Academia Cristã Ltda, 2006.

JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas, Trad. Vicente Pedroso, 14ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.

KELLER, Werner. … e a Bíblia tinha razão. São Paulo: Círculo do Livro, 1978.

La Documentation Catholique: “A-t-on découvert des manuscrits du Nouveau Testament dans les documents de Qumran?”. 21 mai 1972 – n. 1609, p. 487-489.

LAPERROUSAZ, E.-M. Os manuscritos do mar Morto. São Paulo: Cultrix, 1961. LIMA. Alessandro Ricardo. O Cânon Bíblico: A Origem da Lista dos Livros Sagrados. São José dos Campos: Editora ComDeus, 2007.

MASSORI, Vittorio. Qumrán, séptima gruta. Publicado no n. 16 da revista Atlántida: Edição autorizada de arvo.net.

MONFORTE, Josemaría. Conhecer a Bíblia. Lisboa: DIEL-L, 1998.

O`CALLAGHAN, José. Confirmaciones científicas sobre el fragmento de San Marcos en Qumrán: 30 giorni, 8 (nº 82/83), 1994, pp 55-57; Los primeros testimonios del Nuevo Testamento. Papirología neo-testamentaria. Córdoba: El Almedro, 1995, p. 116-139.

Revista Arautos do Evangelho: “Palavras que mudaram o mundo”. n. 93, setembro de 2009. p. 48-51.

SCHEIFLER, J. R. Asi nacieron los Evangelios. Bilbao: Mensajero, 1967, p. 231-316.

Mirar la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida

Pe. Mário Sérgio Sperche

Na Sra CoromotoIntroducción

Es con María que Dios genera los misterios revelados y con Ella logra que sean percibidos, y así se explica en este dominio la importancia de la Estética (campo de lo perceptible) y el símbolo (mediación dinámica) en el ámbito de la relación Teologia – Mariología.[1]

“Es de creer que Dios adornó a su Madre con una belleza del todo celestial y divina”.[2] Por su dignidad, se le tributa el culto de hiperdulía, superior a la dulía que se debe a los santos, e inferior a la adoración, latría, que se debe exclusivamente a Dios. Esta veneración tiernísima – la que merece – ha hecho que la devoción del Pueblo de Dios desarrollase una iconografía rica en relación a las verdades de la Revelación; y así, en relación a la Santa Madre de Dios. Se crearon formas y expresiones cromáticas que hablaban por sí mismas y se constituyeron catequesis a veces tan completas cuanto grandes discursos.

A muchas de las representaciones de la Santísima Virgen a lo largo de la historia, se le atribuyen milagros y conversiones sorprendentes. Esto ya constituye por sí mismo, un indicio del agrado que Dios encuentra en esas bien acertadas expresiones artísticas, para reflejar principios marianos y fructificar la devoción de los pueblos.

¿Y si Dios quisiese Él mismo hacer una obra de arte? – Efectivamente, Él emplea y respeta, por así decir, principios simbólicos que han sido utilizados durante siglos, y que, a fin de cuentas, fueron inspirados por Él mismo. Los ejemplos no faltan: Nuestra Señora de las Lajas en Colombia, Nuestra Señora de Guadalupe (en Méjico) o Nuestra Señora de Coromoto (en Venezuela).

En cuanto a esta última, decía Mons. Omar Cordero en su libro La Coromoto y Venezuela:

Todo lo que por la Biblia, el Magisterio, la Tradición y los Concilios sabemos de María, podemos aplicarla a la Coromoto, pues la advocación local o nacional no destruye la identidad total de la Gran Señora, sino que la conserva aplicando a las circunstancias determinadas toda la riqueza teológica del Misterio de María.[3]

Venerando esta imagen en el seminario de los Heraldos, teniéndola delante de nuestros ojos, en el corazón, y recordando los complejos momentos de la Venezuela de nuestros días, aprovechamos para enriquecer la piedad de los que se acercan a la Virgen con la profundidad de significados y riquezas teológicas que la adornan y que se espera resumir en este trabajo. Como decía el entonces cardenal Ratzinger:

La piedad mariana estará siempre en tensión entre racionalidad teológica y afectividad creyente. Pertenece a su esencia, y a Ella le incumbe precisamente no dejar atrofiarse ninguna de las dos: no olvidar en el afecto la sobria medida de la ratio, pero tampoco ahogar con la sobriedad de una fe inteligente al corazón, que a menudo ve más que la pura razón.[4]

 

Una bellísima Señora apareció a un cacique y se torna la evangelizadora de los venezolanos

Dios permitió que a un cacique se le apareciera la Virgen, hablando en su lengua, exhortándolo a ser bautizado y poder ir al cielo. Pero el corazón se le endurecio, como al Faraón delante de Moisés. El 8 de septiembre de 1652 se enfureció y lanzó a Ella, una piedra, pero la Bella Mujer desapareció. Entre tanto, su imagen graciosa y pequeña permaneció en un pequeño objeto  en la mano del indio. Reconocido el milagro, la devoción comienza a propagarse y el Episcopado Venezolano la decreta como Patrona en 1942, reconociendo los bienes “de tal prenda de maternal amor”, y los “favores dispensados a sus devotos”. De particular importancia es el punto 4 del mismo documento:

“Esta devoción ha reavivado visiblemente la fe cristiana en nuestros pueblos y se ha traducido en notable mejoramiento de las costumbres entre las multitudes creyentes”.[5]

Nuestra Señora de Coromoto ha tenido así una gran importancia en la evangelización de Venezuela; en cristianizar esa nación, no aplastando la cultura local, sino sublimándola, pues ésta es la función del evangelio y de María junto a todos los pueblos del mundo; y el documento de los obispos lo reconoce. Por lo tanto, no es motivo de admiración que sea llamada  “evangelizadora de los venezolanos”.[6]

 

Ver la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida

En la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto

Se puede hablar, partiendo de las raíces históricas de nuestra evangelización, de la realidad, un principio eclesiológico mariano inculturado que matiza, promueve y desarrolla la continua renovación espiritual, pastoral de nuestro continente en plena correlación con la acción del Espíritu Santo en la historia.[7]

Es decir, que Dios ha querido presentarnos a su Madre de una forma entendible a los pueblos Americanos. Realmente, si aquel Niño es Dios, como ensañaban los misioneros, una pregunta que naturalmente se pone a los ojos de los habitantes de la América donde recién comienza la evangelización, es ¿Quién es la Madre? Y los ojos van naturalmente a la Señora que sirve de trono a aquel Niño. Nadie más sino su verdadera Madre, podría tener una dignidad a la altura de ser el pedestal sobre el cual se presenta a la divinidad. Este cuadro maravilloso nos hace entender que:

Ella misma visita este continente en las mariofanías de la primera evangelización

La Virgen está presente en la Imagen, de forma discreta por una parte, puesto que está en segundo plano, pero ella misma está sentada en un trono dorado y con corona, muestra de su realeza. En ésta postura, la catequesis americana puede fácilmente explicar que Ella no es Dios, el Niño sí, y a ella no se le debe atribuir adoración. Es por medio de la Virgen, que nos llega el mensaje de su Hijo. Según el documento de Aparecida:

La corona de la Virgen y del Niño, así como se pueden apreciar, son típicamente indígenas

Es decir, tanto Ella como Él poseen los atributos propios a quien tiene derecho a ceñir una corona. Y es por el gesto regio de ella, al presentarnos su Hijo, que se nos muestra el camino a ser seguido. Esta verdad, que ha permanecido inalterada durante siglos, la expresa de forma sintética el Cardenal de Caracas, Mons. Alí Lebrún, citado en el documento de Aparecida:

La Virgen es la gran misionera y la portadora de Cristo, y siempre en el Evangelio aparece trayéndonos a Cristo… De manera que, en el sitio de la aparición, la Virgen de Coromoto continuará cumpliendo esa misión de llevar las almas a Jesucristo, de reconciliar a los hombres con Dios, y de abrir su corazón de madre.

Según este documento, hay una simbología catequética que puede y debe ser hecha utilizando los elementos presentes en la Imagen de Coromoto y que constituyen una unión armoniosa, uniendo la gran familia cristiana y pasando por encima de razas, pueblos, naciones y períodos históricos

Esta presencia subyacente de la figura realizada de la Hija de Sión en la mariofanía de Coromoto, y confirmada en los textos litúrgicos propios, expresa la linearidad mariológica inter-testamentaria que confluye en lo eclesiológico: el paso desde la maternidad de Jerusalén, a la Maternidad de María, y de la maternidad de María a la maternidad de la Iglesia.

Volviendo la atención hacia Aquél que la Virgen nos presenta, nos deparamos con varios elementos pastorales que se deducen en la Imagen y que no serían difíciles de discernir por nuestros hermanos indígenas: El símbolo de la realeza, la corona, no debería estar en la cabeza del bebé, pues, a no ser algo extraordinario, no tendría él capacidad de gobernar. Ese algo extraordinario es que se trata de Dios, quien está bendiciendo. Pero si es bebé ¿Cómo puede bendecir, no siendo sacerdote? Apenas podría hacerlo si fuese Sacerdote, con S mayúscula, el origen de todo sacerdocio. Y en su gesto divino, nos muestra dos realidades. Dos dedos están unidos, simbolizando la unión hipostática entre aquel Bebé y la Segunda Persona de la Santísima Trinidad. Los otros tres dedos simbolizan la Santísima Trinidad. No deja de ser causa de una cierta sonrisa el constatar la candura con la cual con uno de los tres dedos, el pulgar, parece apuntar para sí mismo, como diciendo inocentemente: “Uno de los Tres soy Yo”. Hijo de Dios, verdadero Dios y verdadero Hombre. Como dice un sermón atribuido a San Cirilo de Alejandría en el Concilio de Éfeso:

 Por ti, el Hijo unigénito de Dios ha iluminado a los que vivían en tinieblas y en sombra de muerte; por ti, los profetas anunciaron las cosas futuras; por ti, los apóstoles predicaron la salvación a los gentiles; por ti, los muertos resucitan; por ti, reinan los reyes […][8]

El texto de San Cirilo se presta a una bella hermenéutica de la idea tan cantada por la Iglesia y que habla de la criatura que contiene a su Creador. La naturalidad con que la Virgen presenta al Niño no deja duda sobre la sacral naturalidad con la cual Criador y criatura conviven de un relacionamiento familiar. Es de notar también el orbe que está en la mano izquierda del Niño, símbolo de soberanía que seguramente no era conocido por las poblaciones indígenas, pero sí las europeas, constituyendo una invitación a la relación fraterna entre el Viejo y el Nuevo Mundo, lejos de discordias, conflictos étnicos o raciales que no son en nada conformes con las enseñanzas evangélicas.

SPERCHE, Mario et all. Maria en el arte: Mirar la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida. Mestrado en Teologia Moral. Universidad Pontificia Bolivariana, 2010.


[1] Cfr. ERASO, Miguel Iribertegui. La Belleza de María: Ensayo de teología estética. Salamanca-Madrid: Edibesa, 1997. p. 25.

[2] MARÍN, Antonio Royo. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. 2 ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1996. p. 36.

[3] CORDERO, Omar Ramos. La Coromoto y Venezuela. Revisión de Alfonso Alfonzo VAZ. Coromoto: Don Bosco, [s.d.]. p. 1.

[4] RATZINGER, Joseph; BALTHASAR, Hans Urs Von. María, Iglesia Naciente. 2. ed. Madrid: Encuentro, 2006. p. 29.

[5] Apud. CORDERO, Omar Ramos. La Coromoto y Venezuela. Revisión de Alfonso Alfonzo VAZ. Coromoto: Don Bosco, [s.d.]. p. 8-9.

[6] Por ejemplo: FIGARI, Luis. Formación y Misión. Lima: Yovera, 2008. p. 42. También en la Letanía de las Advocaciones Latinoamericanas: “Santa Señora de Coromoto, evangelizadora de los venezolanos. Ruega por nosotros”.

[7] Todas las citas en cursiva son del documento de Aparecida.

[8] Homilia IV: PG 77, 992

A ordem do universo e os anjos

anjosPe. Edwaldo Marques, EP

Quem trata da ordem do universo não pode deixar de dizer uma palavra sobre o papel dos anjos na manutenção da ordem criada por Deus; igualmente, não pode deixar de considerar o papel do anjo da guarda na sua constante ação sobre cada homem em particular.

Evidentemente, Deus com seu poder infinito, não necessitaria do auxílio dos anjos para manter a ordem da criação por Ele estabelecida; porém, é inegável que o poder d’Ele tem um colorido de especial beleza porque é exercido através de toda uma hierarquia de seres espirituais, pois quanto mais é o número de intermediários  e de funções. tanto mais Deus pode manifestar a sua glória.

Como os anjos exercem suas funções em relação à ordem do universo?

Dom Vonier, na sua interessantíssima obra LES ANGES, baseada em São Tomás, nos ensina que o mundo físico está totalmente confiado à guarda dos anjos.

Afirma ele, em inteiro acordo com a maioria dos comentadores de São Tomas, que o universo mantém-se ordenado porque está assistido por anjos ordenadores. Assim, o incomensurável número de astros que circulam continuamente nos espaços celestes, obedecem a leis estabelecidas por Deus, porém, essas leis são continuamente tuteladas por guardiães celestes, porque Ele, na sua finita sabedoria, assim o quis (VORNIER, 1938, p. 54).

É muito de acordo com a arquitetura e a beleza que Deus coloca em tudo o que faz, essa consideração sobre o papel dos anjos na regência e na conservação da ordem universal.

Conforta-nos saber — e é muito conforme a natureza humana — estar o universo regido por uma tal estrutura.  Embora Deus, a rigor, não necessite de outros seres para governar e ordenar, Ele, na sua infinita sabedoria, determinou que as coisas assim fossem por ser mais conforme os planos estabelecidos por Ele, e mais de acordo com a natureza angélica e humana como Ele as criou.

São Tomás, na Suma Teológica, a propósito do tema faz as seguintes considerações, citando os santos Padres, Santo Agostinho, Damasceno e Orígenes:)

Os santos Padres, por sua vez, afirmaram, como os platônicos, que cada uma das diversas coisas corpóreas está sob a presidência de correspondentes substâncias espirituais.  Assim, por exemplo, Agostinho, afirma: “Cada uma das coisas visíveis deste mundo é confiada a um poder angélico”. — E Damasceno diz: “O diabo fazia parte dessas potências angélicas que presidiam à ordem terrestre”. — Orígenes, ao comentar a passagem do livro dos Números que diz “a jumenta viu o anjo”, diz que “o mundo precisa de anjos que governem os animais, dirijam o nascimento dos animais, o crescimento dos arbustos e plantações e de todas as outras coisas”.  Contudo, isso não deve ser afirmado, porque alguns anjos estão habilitados por sua natureza a presidir os animais, e outros as plantas, posto que qualquer anjo, mesmo o menor, tem uma potência mais elevada e mais universal que um gênero de coisas corporais.  Mas é por ordem da divina sabedoria, a qual prepôs diferentes dirigentes a diferentes coisas (AQUINO, 2002, Vol. II, questão 110, artigo I, p. 793-794).

A ordem material, alcançável pelos nossos sentidos, está, pois intimamente ligada com a ordem dos seres espirituais, ordem essa que só se pode conhecer pela revelação divina.

A ordem do universo, para ser perfeita, exige necessariamente que todos os seres formem um só conjunto, capaz de refletir nas suas partes e no seu todo, a excelência e a grandeza do Criador.

Todos os homens, individualmente considerados, serão julgados após a morte e receberão um prêmio ou um castigo eternos. O mesmo não se verifica no que diz respeito às nações; como tais, elas têm apenas existência terrena, não passarão para a eternidade.  O prêmio ou o castigo das nações se dá nesta terra.

No que diz respeito à ordem do universo, as nações têm um papel fundamental. A correspondência ou incorrespondência dos povos à graça divina, afeta de modo marcante, num sentido bom ou mau, a harmonia que Deus — para o bem dos homens — quer que exista na humanidade, e por conseqüência, em todo o conjunto do ser criado.

Também no âmbito das nações, está presente a ação dos anjos, pois todas as nações têm um anjo protetor para ajudá-las a andar nos caminhos de Deus.

A Sagrada Escritura nos traz a esse propósito várias ilustrações.

Quando chegou a ocasião, determinada por Deus, para os judeus exilados na Pérsia deixarem o cativeiro, travou-se uma polêmica entre os anjos tutelares da Pérsia e de Israel.

O anjo da Pérsia queria que os judeus permanecessem por mais tempo para benefício dos persas que estariam assim em contato com a religião verdadeira; o  anjo dos judeus argumentava em sentido oposto, pois era necessário que os israelitas voltassem para a terra que Deus lhes havia destinado.

O profeta Daniel, numa visão, teve conhecimento disso, deixando no seu livro o seguinte relato:

O príncipe do reino persa resistiu‑me durante vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio em meu socorro. Permaneci assim ao lado dos reis da Pérsia.

Aqui estou para fazer‑te compreender o que deve acontecer a teu povo nos últimos dias; pois essa visão diz respeito a tempos longínquos.

Enquanto assim me falava, eu mantinha meus olhos fixos no chão e permanecia mudo.

De repente, um ser de forma humana tocou‑me nos lábios. Abri a boca e falei; disse ao personagem que estava perto de mim: Meu senhor, essa visão transtornou‑me, e estou sem forças.

Como poderia o servo de meu senhor conversar com seu senhor, quando está sem forças e sem fôlego?

Então o ser em forma humana tocou‑me novamente e me reanimou.

Não temas nada, homem de predileção! Que a paz esteja contigo! Coragem, coragem! Enquanto ele me falava senti‑me reanimado. Fala, meu senhor, disse, pois tu me restituíste as minhas forças.

Sabes bem, prosseguiu ele, porque vim a ti? Vou voltar agora para lutar contra o príncipe da Pérsia, e no momento em que eu partir virá o príncipe de Javã (Grécia).

Mas (antes), far‑te‑ei conhecer o que está escrito no livro da verdade.

Contra esses adversários não há ninguém que me defenda a não ser Miguel, vosso príncipe [Dan 10,13-20s]. (Bíblia Sagrada, 1964, p. 1226).

Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande príncipe, o protetor dos filhos do seu povo. Será uma época de tal desolação, como jamais houve igual desde que as nações existem até aquele momento. Então, entre os filhos de teu povo, serão salvos todos aqueles que se acharem inscritos no livro [Dan 12,1] (Bíblia Sagrada, 1964, p.1229).

 O Eclesiástico nos revela que Deus “pôs um príncipe (um anjo) à testa de cada povo”  [Eclo, 17,14] (op. cit., p. 901).

* * *

 

Além dos anjos tutelares das nações, existem outros que Deus encarrega de determinadas missões para intervir em favor dos povos ou de pessoas.

Como, por exemplo, entre outros, a Sagrada Escritura apresenta os seguintes:

Josué encontrava‑se nas proximidades de Jericó. Levantando os olhos, viu diante de si um homem de pé, com uma espada desembainhada na mão. Josué foi contra ele: És dos nossos, disse ele, ou dos nossos inimigos?

Ele respondeu: Não; venho como chefe do exército do Senhor.

Josué prostrou‑se com o rosto por terra, e disse‑lhe: Que ordena o meu Senhor a seu servo?

E o chefe do exército do Senhor respondeu: Tira o calçado de teus pés, porque o lugar em que te encontras é santo. Assim fez Josué. [Jos 5, 13] (op. cit., p 262).

                                                     * * *

 Logo, porém, que Macabeu e os que estavam com ele souberam que Lísias sitiava suas fortalezas, rogaram ao Senhor, juntamente com o povo, entre gemidos e lágrimas, para que ele se dignasse enviar um bom anjo para salvar Israel [2Mac 11,6] (op. cit., p. 611).

                                                     * * *

 Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepultá‑los quando viesse a noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor.

Mas porque eras agradável ao Senhor, foi preciso que a tentação te provasse.

Agora o Senhor enviou‑me para curar‑te e livrar do demônio Sara, mulher de teu filho.

Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor [Tob 12, 12-15] (op. cit., p. 534).

 

                                          * * *

Meu Deus enviou seu anjo e fechou a boca dos leões; eles não me fizeram mal algum, porque a seus olhos eu era inocente e porque contra ti também, ó rei, não cometi falta alguma [Dan 6,23] (op. cit., p. 1220).

                             * * *

 

O Novo Testamento também é pródigo em exemplos: “A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus” [Apc 8,4] (op. cit. , p. 1588).

                                                            * * *

“Não são todos os anjos, espíritos ao serviço de Deus, que lhes confia missões para o bem daqueles que devem herdar a salvação?” [Hbr 1,14] (op. cit., p. 1551).

                                                            * * *

Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: Levanta‑te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar.

José levantou‑se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito [Mt 2,13] (op. cit., p.1308).

 

                                                             * * *

“Em seguida, o demônio o deixou (Nosso Senhor Jesus Cristo), e os anjos aproximaram‑se dele para servi‑lo” [Mt  4,11] (op. cit., p. 1309).

                                                             * * *

“Mas um anjo do Senhor abriu de noite as portas do cárcere e, conduzindo‑os para fora, disse‑lhes: ‘Ide e apresentai‑vos no templo e pregai ao povo as palavras desta vida’”  [At 5,19] (op. cit., p. 1440).

                                                              * * *

Um anjo do Senhor dirigiu‑se a Filipe e disse: Levanta‑te e vai para o sul, em direção do caminho que desce de Jerusalém a Gaza, a Deserta.

Filipe levantou‑se e partiu. Ora, um etíope, eunuco, ministro da rainha Candace, da Etiópia, e superintendente de todos os seus tesouros, tinha ido a Jerusalém para adorar [At 8,26] (op. cit., p. ).

 

                            * * *

De repente, apresentou‑se um anjo do Senhor, e uma luz brilhou no recinto. Tocando no lado de Pedro, o anjo despertou‑o: Levanta‑te depressa, disse ele. Caíram‑lhe as cadeias das mãos.

O anjo ordenou: Cinge‑te e calça as tuas sandálias. Ele assim o fez. O anjo acrescentou: Cobre‑te com a tua capa e segue‑me.

Pedro saiu e seguiu‑o, sem saber se era real o que se fazia por meio do anjo. Julgava estar sonhando.

Passaram o primeiro e o segundo postos da guarda. Chegaram ao portão de ferro, que dá para a cidade, o qual se lhes abriu por si mesmo. Saíram e tomaram juntos uma rua. Em seguida, de súbito, o anjo desapareceu.

Então Pedro tornou a si e disse: Agora vejo que o Senhor mandou verdadeiramente o seu anjo e me livrou da mão de Herodes e de tudo o que esperava o povo dos judeus [At 12,7] (op. cit.,  p. 1449).

 

                                          * * *

 

Revelação de Jesus Cristo, que lhe foi confiada por Deus para manifestar aos seus servos o que deve acontecer em breve. Ele, por sua vez, por intermédio de seu anjo, comunicou ao seu servo João [Apc 1,1] (op. cit., p. 1580).

 

                                          * * *

Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos atestar estas coisas a respeito das igrejas. Eu sou a raiz e o descendente de Davi, a estrela radiosa da manhã. [Apc 22,16] (op. cit., p. 1601)

 

                                          * * *

Refletiu um momento e dirigiu‑se para a casa de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde muitos se tinham reunido e faziam oração. Quando bateu à porta de entrada, uma criada, chamada Rode, adiantou-se para escutar. Mal reconheceu a voz de Pedro, de tanta alegria não abriu a porta, mas correndo para dentro, foi anunciar que era Pedro que estava à porta.  Disseram-lhe: Estás louca! Mas ela persistia em afirmar que era verdade. Diziam eles: Então é o seu anjo [At 12,15] (op. cit., p. 1450).

 

                                          * * *

Eu vi também, na mão direita do que estava assentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos.

Vi então um anjo poderoso, que clamava em alta voz: Quem é digno de abrir o livro e desatar os seus selos? [Apc 5,1-2] (op. cit., p. 1584-1585).

 

                                                                               * * *

 

Considerar a intercomunicação e interpenetração das duas ordens de seres — os que são puros espíritos, como os anjos, e os que são compostos de espírito e matéria (os homens) — é altamente enriquecedor para a alma humana. tira-nos de uma visão terra-à-terra do que nos cerca, e transporta-nos para uma clave muito mais alta, na qual nos sentimos muito mais perto de Deus.

   

MARQUES, Edwaldo. A Ordem do Universo: Estudo e considerações a respeito da Ordem do Universo nas suas relações com a criação divina, com base na doutrina católica sobre o assunto. Centro Universitário Italo Brasileiro: Curso de Pós-Graduação em Teologia Tomista. São Paulo, 2007. p. 28-34.

A história do sacerdócio no contexto bíblico

Thiago de Oliveira Geraldo, EPlivro

Antes mesmo da instituição do sacerdócio na Bíblia, outros povos exerciam esta função, formando uma hierarquia organizada e hereditária; assim descreve George (1972, p. 924) esse aspecto:

Entre os povos civilizados que cercam Israel, a função sacerdotal é muitas vezes exercida pelo rei, notadamente na Mesopotâmia e no Egito; o rei é então assistido por um clero hierarquizado, no mais das vezes hereditário, que constitui uma verdadeira casta. Não há nada disso entre os patriarcas. Não existe então nem templo, nem sacerdotes especializados do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó.[1]

No Antigo Testamento as fontes sacerdotais são de dois tipos: de forma narrativa e de leis.[2] Numa primeira visualização acerca do sacerdócio no contexto bíblico, não se encontra o aspecto sacrifical ― que depois veio a ser exercido ―, mas o serviço da adivinhação[3] e a instrução sobre a Torá.[4] Segundo Monloubou (2003, p. 704): “Tanto quanto os profetas, os sacerdotes são moralistas que ensinam o povo a se dispor ao culto e a prolongar os efeitos por uma conduta digna”.[5]Ademais, os chefes de cada família tinham o poder de sacrificar;[6] aliás, como foi o caso do próprio Jetro ― sogro de Moisés ― que ofereceu holocausto e sacrifício no Sinai, depois comeu com Aarão e os anciãos de Israel.[7]

A origem levítica provavelmente remonta a um ramo sacerdotal oriundo de Cades, com os quais Moisés mantinha relações firmes.[8] Eles alegavam possuir a origem sacerdotal exclusiva.[9] Juridicamente não possuíam terras,[10] por serem da tribo escolhida, mas zelavam pela tradição das leis sagradas dentro do povo.[11] A pessoa de Moisés era considerada levita.[12]

Sobre a origem levítica de Aarão ocorrem controvérsias. Em Ex 4, 13-16 ele é considerado levita e irmão de Moisés; no entanto, ora se torna intercessor junto a Moisés (Nm 12, 11-12), ora assume a condição de sacerdote de um bezerro de ouro idolátrico (Ex 32, 1-5). Este fato ligado à contenda entre Roboão e Jeroboão faz com que Aarão seja uma espécie de precursor do sacerdócio em Betel, pois Jeroboão também construiu um bezerro de ouro em Betel e outro em Dã e estabeleceu sacerdotes do meio do povo que não eram levitas.[13]

Num período pré-monárquico em que ainda não havia rei, cada qual fazia o que lhe parecia melhor; foi assim que Mica, da montanha de Efraim, convidou um levita para tornar-se seu sacerdote, após a fundição de um ídolo com 200 moedas de prata encomendado por sua mãe.[14] A imagem fundida com as 200 moedas e o sacerdote levita foram mais tarde sequestrados pela tribo de Dã, que queria estabelecer-se na cidade de Laís. O levita alegrou-se por se tornar como que pai e sacerdote de uma tribo em vez de uma família. Jônatas, filho de Gerson, filho de Manassés, constituiu-se, juntamente com seus filhos, sacerdote da tribo de Dã até o dia do cativeiro. O que tem como intento a legitimidade do sacerdócio, remontando-o até Moisés. Isto se passou enquanto a casa de Deus estava em Silo,[15] onde Eli desempenhava o ofício sacerdotal por meio de sacrifícios e holocaustos.[16] Após o declínio da família de Eli, tem-se notícia de uma cidade sacerdotal em Nobe. O chefe desta família, o sacerdote Aquimelec, dá alimento a Davi e seus companheiros. Por esse motivo, Saul determina que toda sua família seja exterminada, exceto Abiatar que se refugia com Davi.[17]

Entrando no período monárquico, o sacerdócio ganha estruturação e a partir daí o culto no Templo torna-se vigoroso.[18] Salomão organiza a estrutura de seu reino e com isso o culto fica centralizado no Templo em Jerusalém.[19] No entanto, com o cisma samaritano os cultos locais ganham novamente realce.[20] Nessa época o sacerdócio e a monarquia tinham uma firme aliança, como mostra o massacre dos filhos de Acab, no qual Jeú extermina a todos, inclusive os sacerdotes que serviam o rei.[21] Isto não se passava somente em Israel, mas também em Judá, como o caso do refugiado Joás, que ficou seis anos escondido no Templo e depois, com a conspiração do sacerdote Jojada, torna-se rei.[22]

As classes sacerdotais formadas em comunhão com a monarquia foram respectivamente deportadas pelos conquistadores de seus reinos. Israel caiu com a invasão assíria e colonos se estabeleceram na Samaria.[23] Algum tempo depois, sacerdotes são trazidos da deportação para ensinar a religião aos colonos,[24] Judá é conquistada por Nabucodonosor e Sedecias, deportado para a Babilônia.[25] Inclusive o sumo sacerdote Saraías e Sofonias, segundo sacerdote, são levados para o cativeiro.[26]

Um passo importante para o sacerdócio de Judá, ocorrido antes da deportação para a Babilônia, deu-se com a descoberta do livro da aliança no Templo, pelo sumo sacerdote Helcias. Após as palavras da profetisa Holda, o rei Josias promoveu uma reforma geral no culto: renovando a aliança com Deus, ele ordenou a Helcias, aos sacerdotes de segunda ordem e aos porteiros que limpassem o Templo de todos os objetos idolátricos que lá havia; despediu os sacerdotes idólatras e os que adoravam os astros do céu e mandou profanar os lugares que tinham sido objeto de culto idolátrico, unificando, dessa forma, o culto ao Deus verdadeiro no templo de Jerusalém.[27]

Na época exílica, com a condensação da lei sacerdotal levítica, ficou assegurado que a tribo sacerdotal por excelência seria a de Levi,[28] e mesmo assim nem todos os levitas seriam sacerdotes.[29] A Aarão e seus filhos ficou reservada a função de sumo sacerdote.[30] No entanto, Ezequiel, ao divisar o “novo Israel” (capítulos 40-48) recorda que os levitas abandonaram o culto verdadeiro para seguir a ídolos, por isso, apenas teriam funções menores dentro do Templo.[31] Os cargos mais importantes, inclusive o de sumo sacerdote, estão reservados aos levitas descendentes de Sadoc, que permaneceram fiéis ao santuário enquanto os israelitas se afastavam.[32] Sadoc foi sacerdote pré-davídico da linhagem de Eleazar, filho de Aarão.[33] Segundo Born (2004, p. 1352):

Sob Davi aparece uma nova família, a de Sadoc, de origem obscura, mas na tradição sacerdotal ligada com Eleazar, filho mais velho de Aarão. Essa família suplantou a de Eli (1 Sm 2, 27-36) e outras que eram consideradas como descendentes do terceiro e do quarto filhos de Aarão, Nadab e Abiu, e obteve afinal a hegemonia em Jerusalém.

A reconstrução pós-exílica levou em conta esta declaração de Ezequiel, o que tornou os sadoquitas sacerdotes principais, enquanto à descendência de Arão coube a parte do sacerdócio comum e os genitores levitas ficaram sendo os servos do Templo.[34] Além da restauração e centralização do culto no Templo, a leitura e explicação da lei passou a ter um realce cada vez maior. Agora não só o aspecto sacrifical era preponderante, mas a especialização legalista das Escrituras Sagradas se torna cada vez mais relevante.[35] Essa concepção legalista mais tarde ultrapassa a própria dignidade sacerdotal.

À época do Messias, os sacerdotes já estavam categorizados segundo normas anteriores. Para os sacerdotes comuns havia 24 divisões de serviços,[36] os quais poderiam exercer outras funções no tempo vago.[37] Geralmente faziam as leituras e explicações da Torá nas sinagogas e eram encarregados das questões de pureza ritual.[38] A hierarquia estabelecida funcionava de forma hereditária. Portanto, a separação entre os sacerdotes principais e os sacerdotes comuns era bem acentuada. Os levitas dessa época que deveriam viver em cidades levíticas,[39] tinham como funções a de cantores[40] e demais serviços do Templo.[41]

4. O sacerdócio no Novo Testamento

No Novo Testamento o substantivo hiereus (sacerdote) é empregado 31 vezes, das quais 14 na carta aos Hebreus. Marcos a emprega duas vezes, Mateus três e Lucas oito vezes (cinco no Evangelho e três em Atos). No Evangelho de João encontra-se apenas uma vez (1, 19) e três no Apocalipse. Note-se que nas cartas do Novo Testamento a única que leva esse termo é em Hebreus, as demais não o utilizam. Quando se fala em sacerdote no Novo Testamento, pode-se estar referindo aos pagãos (At 14, 13) ou aos sacerdotes judeus.[42]

Os contatos de Jesus com sacerdotes não eram frequentes; ocorriam quando mandava aqueles a quem havia curado mostrarem-se a eles,[43] devido aos conceitos de purificação ritual, os quais declaravam a pessoa isenta de impurezas e apta a frequentar novamente a sociedade. Ao mesmo tempo isto servia para a afirmação da autoridade de Jesus.[44]

A parábola do bom samaritano (Lc 10, 25-37) apresenta uma crítica aos sacerdotes (v. 31) que promoviam simplesmente um culto externo. O evangelho de Mateus (12, 4), com seu paralelo em Marcos 2, 26 e Lucas 6, 4, mostra como o rei David comeu os pães da proposição ― que lhes era proibido ― e Mateus aproveita para afirmar o senhorio de Jesus sobre o sábado e o Templo, alegando que os sacerdotes também rompem o sábado para exercer suas funções. Para essa afirmação de Jesus é dado como argumento a própria Sagrada Escritura.[45] A relação positiva de Jesus com os sacerdotes e levitas em relação ao acontecimento da salvação somente se verifica em Lucas (1, 5.8) e Atos (6, 7).[46]

Nos Evangelhos sinóticos Jesus nunca atribui a Si mesmo o título de sacerdote, preferindo utilizar a expressão “Filho” ou “Filho do Homem”; desta forma, faz uma distinção clara entre Sua missão e a dos sacerdotes aarônico e levítico. No entanto, Sua missão está envolta de conceitos sacerdotais.[47]

O fato mais esclarecedor da ação sacerdotal implícita e figurada de Jesus encontra-se na Sua morte. Segundo George (1972, p. 928-929):

 Para seus inimigos, esta é o castigo dum blasfemo; para seus discípulos, um fracasso escandaloso. Para ele, ela é um sacrifício que ele descreve com as figuras do Antigo Testamento: compara-a ora com o sacrifício expiatório do Servo de Deus (Mc 10, 45; 14, 24; cf. Is 53), ora com o sacrifício de Aliança de Moisés ao pé do Sinai (Mc 14, 24; cf. Ex 24, 8); e o sangue que ele dá no tempo da Páscoa evoca o do cordeiro pascal (Mc 14, 24; cf. Ex 12, 7.13.22s). Essa morte que lhe infligem é por ele aceita; ele próprio a oferece como o sacerdote oferece a vítima; e é por isso que ele dela espera a expiação dos pecados, a instauração da nova Aliança, a salvação de seu povo. Numa palavra, ele é o sacerdote de seu próprio sacrifício.

Acerca da segunda função sacerdotal do Antigo Testamento, o serviço da Torá; Jesus não veio bani-la, mas aperfeiçoá-la (Mt 5, 17s). Ele supera a letra, mostrando no primeiro e segundo mandamentos seu valor mais profundo (Mt 22, 34-40). Com isso, manifesta o prolongamento do sacerdócio do Antigo Testamento ao mesmo tempo em que torna evidente sua superação pela definitiva revelação do Evangelho da salvação e realização da Lei.[48]

Em João, no capítulo 17, destaca-se a chamada “oração sacerdotal”, em que Jesus pede por Si (v. 1-5), pelos discípulos (v. 6-19) e pela unidade dos futuros cristãos (v. 20-26). Esse capítulo não traz o termo “sacerdote”, mas pode ser comparado ao dia da Expiação (Lv 16, 17), pelo fato de Jesus estar se preparando para a morte.

Ao falar sobre a morte de Jesus, São Paulo evoca as figuras do cordeiro pascal (1 Cor 5, 7), da humilhação do Servo (Fl 2, 6-11), do dia da Expiação (Rm 3, 24ss). A morte de Cristo significa para o Apóstolo o sacrifício supremo, que Ele mesmo ofereceu; assim se encontram termos como a comunhão do sangue de Cristo (1 Cor 10, 16-22) e da redenção por meio dele (Rm 5, 9; Cl 1, 20; Ef 1, 7). Também em Romanos 3, 25, outra expressão do culto sacrifical é utilizada por São Paulo: “Deus o destinou para ser, pelo seu sangue, vítima de propiciação mediante a fé”. Acerca da oblação sacrifical de Cristo, o Apóstolo a descreve em Ef 5, 2 e Gl 2, 20. Da mesma forma como o próprio Jesus não Se intitulou sacerdote, São Paulo também não o faz.[49] Somente na carta aos Hebreus é que isto ocorre.

Em Hebreus 4, 14, Cristo recebe o título de Sumo Sacerdote. O pontífice é escolhido não para si mesmo, mas em favor dos homens (5, 1). Sendo mediador, ele não o é por escolha própria, senão por meio de um chamado, como no caso de Aarão (5, 4). “Assim também Cristo não se atribuiu a si mesmo a glória de ser pontífice. Esta lhe foi dada por aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei (Sl 2, 7)” (Hb 5, 5). No entanto, Cristo não está na condição pontifical da linhagem aarônica, pois sendo o autor da salvação, “Deus o proclamou sacerdote segundo a ordem de Melquisedec” (Hb 5, 10). Melquisedec aparece na História sem uma origem definida, “sem pai, sem mãe, sem genealogia, a sua vida não tem começo nem fim; comparável sob todos os pontos ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre” (Hb 7, 3).

Abraão é posto como inferior a Melquisedec, pois “é o inferior que recebe a bênção do que é superior” (Hb 7, 7). Nessa perspectiva a mudança trazida pelo novo sacerdócio ― da ordem de Aarão para Melquisedec ― obriga o aperfeiçoamento da Lei (Hb 7, 11-12). De outra forma, a Lei já teria atingido sua plenitude na linhagem levítica.

Para São Tomás, o motivo pelo qual Cristo é da ordem de Melquisedec e não da linhagem levítica se dá por dois motivos, como explana (S. Th. III, q. 22, a. 6, resp.):

 Já foi dito que o sacerdócio da lei era a prefiguração do sacerdócio de Cristo, não de maneira adequada à verdade, mas de maneira muito deficiente. Por duas razões: quer porque o sacerdócio da lei não purificava os pecados, quer porque não era eterno, como o sacerdócio de Cristo. Ora, a superioridade do sacerdócio de Cristo, com relação ao sacerdócio levítico, estava prefigurada no sacerdócio de Melquisedec que recebeu o dízimo de Abraão, de quem, de alguma forma, o sacerdócio levítico dependia. Por causa desta superioridade do verdadeiro sacerdócio com relação ao sacerdócio prefigurativo da lei, se diz que o sacerdócio de Cristo é segundo a ordem de Melquisedec.

A aliança feita por Cristo é mais excelente e perfeita que a antiga (Hb 8, 6). Ela tem como base o próprio sangue de Cristo (Hb 9, 14); “por isso ele é mediador do novo testamento” (Hb 9, 15). A Lei antiga era apenas sombra dos bens que viriam, pois os sacrifícios eram renovados indefinidamente (Hb 10, 1), mas agora uma só oblação ― por meio de Cristo ― realizou a perfeição definitiva (Hb 10, 14).

Cristo é ao mesmo tempo a pedra viva ― rejeitada pelos homens, mas escolhida por Deus ― desse edifício espiritual (1 Pd 2, 4-5). Assim, se encontrará na carta de São Pedro a relação do sacerdócio de Cristo como um novo povo adquirido por Deus e ao qual santificou, tirando das trevas para a luz, denominado “sacerdócio régio” (1 Pd 2, 9). Esta é a expressão do pensamento contido em Êxodo 19, 6. O sacerdócio é visto aqui como acesso ao conhecimento de Deus, e o seu papel profético consiste em proclamar essa visão íntima. Agora, o sacerdócio cristão toma o lugar do judaico; no entanto, expressões fundamentais do ritual levítico, passam para a igreja primitiva e são utilizados pelos cristãos, tais como: aspergido, lavado, primogênito, altar etc.[50]

Em Apocalipse (1, 6; 5, 10; 20, 6) também está expressada a ideia do reino sacerdotal de Êxodo 19, 6. A comunidade se beneficia da dignidade sacerdotal como parte da dignidade real concedida por Deus, por meio de Seu Cristo. Esse sentido sacerdotal não se deve à relação com o Templo, pois este não existirá na Jerusalém Celeste (Ap 21,22), mas o próprio Deus e o Cordeiro irão assumir a função de Templo.[51]

No Novo Testamento Jesus nunca denomina qualquer de seus seguidores com o título de sacerdote, mas da mesma forma que no Antigo Testamento, somente são Seus ministros aqueles a quem Deus chama. O chamamento dos doze, a transmissão de poderes (Mt 10, 8.40; 18, 18) e a entrega da Eucaristia (Lc 22, 19) já se torna uma participação específica do sacerdócio.[52]

As explicações ulteriores da tradição tomam como base a compreensão dos apóstolos acerca do ministério sagrado, que ao mesmo tempo não prejudica o sacerdócio de Cristo nem o dos fiéis.[53] Assim descreve este pensamento George (1972, p. 931):

Os Apóstolos o compreendem. Eles estabelecem por sua vez responsáveis para prolongar sua própria ação. Alguns destes últimos trazem o título de Anciãos, que é a origem do nome atual dos sacerdotes (presbíteros: At 14, 23; 20, 17; Tt 1, 5). A reflexão de Paulo sobre o apostolado e os carismas já se orienta para o sacerdócio dos ministros da Igreja. Aos responsáveis pelas comunidades ele dá títulos sacerdotais: “administradores dos mistérios de Deus” (1 Cor 4, 1s), “ministros da nova Aliança” (2 Cor 3, 6); ele define a pregação apostólica como um serviço litúrgico (Rm 1, 9; 15, 15s). Aí está o ponto de partida das ulteriores explicações da tradição sobre o sacerdócio ministerial. Este não constitui, portanto, uma casta de privilegiados. Não significa prejuízo nem para o sacerdócio único de Cristo nem para o sacerdócio dos fiéis. Mas, a serviço dum e de outro, ele é uma das mediações que garantem o serviço do povo de Deus.

No Novo Testamento tem-se, portanto, uma inter-relação do sacerdócio instituído com o sacerdócio de Cristo (expressão da plenitude sacerdotal) e com o sacerdócio régio da comunidade. Essa relação constante e efetiva entre o divino e o humano é o resultado da mediação sacerdotal levada à perfeição.

GERALDO, Thiago de Oliveira. O sacerdócio levítico no contexto histórico-bíblico. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 9, Out-Dez 2009. p. 71-80.


[1] DUFOUR, Xavier Leon S. J. Vocabulário de teologia bíblica. Tradução de Frei Simão Voigt O.F.M. Petrópolis: Vozes, 1972.

[2] Cf. BORN, op. cit., p. 1351.

[3] Cf. Jz 17,5; 18,5-6; 1 Sm 14,36-42.

[4] Cf. Dt 27,9-10; 31,10-13.

[5] MONLOUBOU, L.; DU BUIT, F. M. Dicionário Bíblico Universal.. Tradução de Gentil TITTON et al. 2. ed. Petrópolis: Santuário, 2003.

[6] Cf. Gn 8, 20; 31,54.

[7] Cf. Ex 18,12.

[8] Cf. BROWN, op. cit., p. 287-288.

[9] Cf. Ex 32, 25-28; Dt 33, 8-11.

[10] Cf. Dt 10, 9.

[11] Cf. Dt 27, 14-26; 31, 24-28.

[12] Cf. Ex 2, 1-2.

[13] Cf. 1 Rs 12, 28-33.

[14] Cf. Jz 17.

[15] Cf. Jz 18.

[16] Cf. 1 Sm 1, 3.

[17] Cf. 1 Sm 22, 6-23.

[18] Cf. BROWN, op. cit., p. 288.

[19] Cf. 1 Rs 4, 1-6.

[20] Cf. 1 Rs 12, 25-33.

[21] Cf. 2 Rs 10, 11.

[22] Cf. 2 Rs 11.

[23] Cf. 2 Rs 17, 23.

[24] Cf. 2 Rs 17, 27-28.

[25] Cf. 2 Rs 25, 7.

[26] Cf. 2 Rs 25, 18.

[27] Cf. 2 Rs 22;23, 1-28.

[28] Cf. Nm 18, 1-7.

[29] Cf. 1Cr 23 ,2.

[30] Cf. Ex 29, 29-30.

[31] Cf. Ez 44, 10-14.

[32] Cf. Ez 44, 15-16.

[33] Cf. 1 Cr 24, 1-3.

[34] Cf. BROWN, op. cit. p. 288.

[35] Cf. Ne 8.

[36] Cf. 1 Cr 24.

[37] Segundo SÁNCHEZ (1997, p. 185): “Todos eles viviam do templo e constituíam o partido saduceu”.

[38] Cf. Lv 11-15.

[39] Cf. Lv 21.

[40] Cf. 1 Cr 6, 16-17.

[41] Cf. 1 Cr 6, 33-34.

[42] Cf. BALZ, Horst e SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario Exegético del nuevo testamento. 3 ed. Vol. I. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2002. p. 1953.

[43] Cf. Mt 8,4 paralelo com Mc 1, 14; Lc 5, 14; 17, 14.

[44] Cf. BROWN, op. cit. p. 291.

[45] Cf. Os 6,6.

[46] Cf. BALZ e SCHNEIDER, op. cit. p. 1954.

[47] Cf. TERRA, op. cit. p. 64.

[48] Cf. DUFOUR, op. cit. p. 929.

[49] Cf. TERRA, op. cit. p. 65.

[50] Cf. BROWN, op. cit. p. 292.

[51] Cf. BALZ e SCHNEIDER, op. cit. p. 1955.

[52] Cf. DUFOUR, op. cit. p. 931.

[53] No sentido explicado acima (sacerdócio régio).

San Jerónimo, modelo de exégeta

Hoy es fiesta de San Jerónimo, Padre de la Iglesia, apasionado de las Sagradas Escrituras y gran defensor de la fe . Para Benedicto XV fue “doctor eminente en la interpretación de las sagradas Escrituras”.

En los días que corren no es demasiado traer un comentario sobre la exégesis de San Jerónimo. Y es que circulan muchas teorías sobre el modo de interpretar la Biblia. Las palabras son de nuestro Papa Benedicto XVI, en la audiencia general del 14 de noviembre de 2007:

Para san Jerónimo, un criterio metodológico fundamental en la interpretación de las Escrituras era la sintonía con el magisterio de la Iglesia. Nunca podemos leer nosotros solos la Escritura. Encontramos demasiadas puertas cerradas y caemos fácilmente en el error. La Biblia fue escrita por el pueblo de Dios y para el pueblo de Dios, bajo la inspiración del Espíritu Santo. Sólo en esta comunión con el pueblo de Dios podemos entrar realmente con el “nosotros” en el núcleo de la verdad que Dios mismo nos quiere comunicar. Para él una auténtica interpretación de la Biblia tenía que estar siempre en armonía con la fe de la Iglesia católica.