A ordem do universo e os anjos

anjosPe. Edwaldo Marques, EP

Quem trata da ordem do universo não pode deixar de dizer uma palavra sobre o papel dos anjos na manutenção da ordem criada por Deus; igualmente, não pode deixar de considerar o papel do anjo da guarda na sua constante ação sobre cada homem em particular.

Evidentemente, Deus com seu poder infinito, não necessitaria do auxílio dos anjos para manter a ordem da criação por Ele estabelecida; porém, é inegável que o poder d’Ele tem um colorido de especial beleza porque é exercido através de toda uma hierarquia de seres espirituais, pois quanto mais é o número de intermediários  e de funções. tanto mais Deus pode manifestar a sua glória.

Como os anjos exercem suas funções em relação à ordem do universo?

Dom Vonier, na sua interessantíssima obra LES ANGES, baseada em São Tomás, nos ensina que o mundo físico está totalmente confiado à guarda dos anjos.

Afirma ele, em inteiro acordo com a maioria dos comentadores de São Tomas, que o universo mantém-se ordenado porque está assistido por anjos ordenadores. Assim, o incomensurável número de astros que circulam continuamente nos espaços celestes, obedecem a leis estabelecidas por Deus, porém, essas leis são continuamente tuteladas por guardiães celestes, porque Ele, na sua finita sabedoria, assim o quis (VORNIER, 1938, p. 54).

É muito de acordo com a arquitetura e a beleza que Deus coloca em tudo o que faz, essa consideração sobre o papel dos anjos na regência e na conservação da ordem universal.

Conforta-nos saber — e é muito conforme a natureza humana — estar o universo regido por uma tal estrutura.  Embora Deus, a rigor, não necessite de outros seres para governar e ordenar, Ele, na sua infinita sabedoria, determinou que as coisas assim fossem por ser mais conforme os planos estabelecidos por Ele, e mais de acordo com a natureza angélica e humana como Ele as criou.

São Tomás, na Suma Teológica, a propósito do tema faz as seguintes considerações, citando os santos Padres, Santo Agostinho, Damasceno e Orígenes:)

Os santos Padres, por sua vez, afirmaram, como os platônicos, que cada uma das diversas coisas corpóreas está sob a presidência de correspondentes substâncias espirituais.  Assim, por exemplo, Agostinho, afirma: “Cada uma das coisas visíveis deste mundo é confiada a um poder angélico”. — E Damasceno diz: “O diabo fazia parte dessas potências angélicas que presidiam à ordem terrestre”. — Orígenes, ao comentar a passagem do livro dos Números que diz “a jumenta viu o anjo”, diz que “o mundo precisa de anjos que governem os animais, dirijam o nascimento dos animais, o crescimento dos arbustos e plantações e de todas as outras coisas”.  Contudo, isso não deve ser afirmado, porque alguns anjos estão habilitados por sua natureza a presidir os animais, e outros as plantas, posto que qualquer anjo, mesmo o menor, tem uma potência mais elevada e mais universal que um gênero de coisas corporais.  Mas é por ordem da divina sabedoria, a qual prepôs diferentes dirigentes a diferentes coisas (AQUINO, 2002, Vol. II, questão 110, artigo I, p. 793-794).

A ordem material, alcançável pelos nossos sentidos, está, pois intimamente ligada com a ordem dos seres espirituais, ordem essa que só se pode conhecer pela revelação divina.

A ordem do universo, para ser perfeita, exige necessariamente que todos os seres formem um só conjunto, capaz de refletir nas suas partes e no seu todo, a excelência e a grandeza do Criador.

Todos os homens, individualmente considerados, serão julgados após a morte e receberão um prêmio ou um castigo eternos. O mesmo não se verifica no que diz respeito às nações; como tais, elas têm apenas existência terrena, não passarão para a eternidade.  O prêmio ou o castigo das nações se dá nesta terra.

No que diz respeito à ordem do universo, as nações têm um papel fundamental. A correspondência ou incorrespondência dos povos à graça divina, afeta de modo marcante, num sentido bom ou mau, a harmonia que Deus — para o bem dos homens — quer que exista na humanidade, e por conseqüência, em todo o conjunto do ser criado.

Também no âmbito das nações, está presente a ação dos anjos, pois todas as nações têm um anjo protetor para ajudá-las a andar nos caminhos de Deus.

A Sagrada Escritura nos traz a esse propósito várias ilustrações.

Quando chegou a ocasião, determinada por Deus, para os judeus exilados na Pérsia deixarem o cativeiro, travou-se uma polêmica entre os anjos tutelares da Pérsia e de Israel.

O anjo da Pérsia queria que os judeus permanecessem por mais tempo para benefício dos persas que estariam assim em contato com a religião verdadeira; o  anjo dos judeus argumentava em sentido oposto, pois era necessário que os israelitas voltassem para a terra que Deus lhes havia destinado.

O profeta Daniel, numa visão, teve conhecimento disso, deixando no seu livro o seguinte relato:

O príncipe do reino persa resistiu‑me durante vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio em meu socorro. Permaneci assim ao lado dos reis da Pérsia.

Aqui estou para fazer‑te compreender o que deve acontecer a teu povo nos últimos dias; pois essa visão diz respeito a tempos longínquos.

Enquanto assim me falava, eu mantinha meus olhos fixos no chão e permanecia mudo.

De repente, um ser de forma humana tocou‑me nos lábios. Abri a boca e falei; disse ao personagem que estava perto de mim: Meu senhor, essa visão transtornou‑me, e estou sem forças.

Como poderia o servo de meu senhor conversar com seu senhor, quando está sem forças e sem fôlego?

Então o ser em forma humana tocou‑me novamente e me reanimou.

Não temas nada, homem de predileção! Que a paz esteja contigo! Coragem, coragem! Enquanto ele me falava senti‑me reanimado. Fala, meu senhor, disse, pois tu me restituíste as minhas forças.

Sabes bem, prosseguiu ele, porque vim a ti? Vou voltar agora para lutar contra o príncipe da Pérsia, e no momento em que eu partir virá o príncipe de Javã (Grécia).

Mas (antes), far‑te‑ei conhecer o que está escrito no livro da verdade.

Contra esses adversários não há ninguém que me defenda a não ser Miguel, vosso príncipe [Dan 10,13-20s]. (Bíblia Sagrada, 1964, p. 1226).

Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande príncipe, o protetor dos filhos do seu povo. Será uma época de tal desolação, como jamais houve igual desde que as nações existem até aquele momento. Então, entre os filhos de teu povo, serão salvos todos aqueles que se acharem inscritos no livro [Dan 12,1] (Bíblia Sagrada, 1964, p.1229).

 O Eclesiástico nos revela que Deus “pôs um príncipe (um anjo) à testa de cada povo”  [Eclo, 17,14] (op. cit., p. 901).

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Além dos anjos tutelares das nações, existem outros que Deus encarrega de determinadas missões para intervir em favor dos povos ou de pessoas.

Como, por exemplo, entre outros, a Sagrada Escritura apresenta os seguintes:

Josué encontrava‑se nas proximidades de Jericó. Levantando os olhos, viu diante de si um homem de pé, com uma espada desembainhada na mão. Josué foi contra ele: És dos nossos, disse ele, ou dos nossos inimigos?

Ele respondeu: Não; venho como chefe do exército do Senhor.

Josué prostrou‑se com o rosto por terra, e disse‑lhe: Que ordena o meu Senhor a seu servo?

E o chefe do exército do Senhor respondeu: Tira o calçado de teus pés, porque o lugar em que te encontras é santo. Assim fez Josué. [Jos 5, 13] (op. cit., p 262).

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 Logo, porém, que Macabeu e os que estavam com ele souberam que Lísias sitiava suas fortalezas, rogaram ao Senhor, juntamente com o povo, entre gemidos e lágrimas, para que ele se dignasse enviar um bom anjo para salvar Israel [2Mac 11,6] (op. cit., p. 611).

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 Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepultá‑los quando viesse a noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor.

Mas porque eras agradável ao Senhor, foi preciso que a tentação te provasse.

Agora o Senhor enviou‑me para curar‑te e livrar do demônio Sara, mulher de teu filho.

Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor [Tob 12, 12-15] (op. cit., p. 534).

 

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Meu Deus enviou seu anjo e fechou a boca dos leões; eles não me fizeram mal algum, porque a seus olhos eu era inocente e porque contra ti também, ó rei, não cometi falta alguma [Dan 6,23] (op. cit., p. 1220).

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O Novo Testamento também é pródigo em exemplos: “A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus” [Apc 8,4] (op. cit. , p. 1588).

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“Não são todos os anjos, espíritos ao serviço de Deus, que lhes confia missões para o bem daqueles que devem herdar a salvação?” [Hbr 1,14] (op. cit., p. 1551).

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Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: Levanta‑te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar.

José levantou‑se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito [Mt 2,13] (op. cit., p.1308).

 

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“Em seguida, o demônio o deixou (Nosso Senhor Jesus Cristo), e os anjos aproximaram‑se dele para servi‑lo” [Mt  4,11] (op. cit., p. 1309).

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“Mas um anjo do Senhor abriu de noite as portas do cárcere e, conduzindo‑os para fora, disse‑lhes: ‘Ide e apresentai‑vos no templo e pregai ao povo as palavras desta vida’”  [At 5,19] (op. cit., p. 1440).

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Um anjo do Senhor dirigiu‑se a Filipe e disse: Levanta‑te e vai para o sul, em direção do caminho que desce de Jerusalém a Gaza, a Deserta.

Filipe levantou‑se e partiu. Ora, um etíope, eunuco, ministro da rainha Candace, da Etiópia, e superintendente de todos os seus tesouros, tinha ido a Jerusalém para adorar [At 8,26] (op. cit., p. ).

 

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De repente, apresentou‑se um anjo do Senhor, e uma luz brilhou no recinto. Tocando no lado de Pedro, o anjo despertou‑o: Levanta‑te depressa, disse ele. Caíram‑lhe as cadeias das mãos.

O anjo ordenou: Cinge‑te e calça as tuas sandálias. Ele assim o fez. O anjo acrescentou: Cobre‑te com a tua capa e segue‑me.

Pedro saiu e seguiu‑o, sem saber se era real o que se fazia por meio do anjo. Julgava estar sonhando.

Passaram o primeiro e o segundo postos da guarda. Chegaram ao portão de ferro, que dá para a cidade, o qual se lhes abriu por si mesmo. Saíram e tomaram juntos uma rua. Em seguida, de súbito, o anjo desapareceu.

Então Pedro tornou a si e disse: Agora vejo que o Senhor mandou verdadeiramente o seu anjo e me livrou da mão de Herodes e de tudo o que esperava o povo dos judeus [At 12,7] (op. cit.,  p. 1449).

 

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Revelação de Jesus Cristo, que lhe foi confiada por Deus para manifestar aos seus servos o que deve acontecer em breve. Ele, por sua vez, por intermédio de seu anjo, comunicou ao seu servo João [Apc 1,1] (op. cit., p. 1580).

 

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Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos atestar estas coisas a respeito das igrejas. Eu sou a raiz e o descendente de Davi, a estrela radiosa da manhã. [Apc 22,16] (op. cit., p. 1601)

 

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Refletiu um momento e dirigiu‑se para a casa de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde muitos se tinham reunido e faziam oração. Quando bateu à porta de entrada, uma criada, chamada Rode, adiantou-se para escutar. Mal reconheceu a voz de Pedro, de tanta alegria não abriu a porta, mas correndo para dentro, foi anunciar que era Pedro que estava à porta.  Disseram-lhe: Estás louca! Mas ela persistia em afirmar que era verdade. Diziam eles: Então é o seu anjo [At 12,15] (op. cit., p. 1450).

 

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Eu vi também, na mão direita do que estava assentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos.

Vi então um anjo poderoso, que clamava em alta voz: Quem é digno de abrir o livro e desatar os seus selos? [Apc 5,1-2] (op. cit., p. 1584-1585).

 

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Considerar a intercomunicação e interpenetração das duas ordens de seres — os que são puros espíritos, como os anjos, e os que são compostos de espírito e matéria (os homens) — é altamente enriquecedor para a alma humana. tira-nos de uma visão terra-à-terra do que nos cerca, e transporta-nos para uma clave muito mais alta, na qual nos sentimos muito mais perto de Deus.

   

MARQUES, Edwaldo. A Ordem do Universo: Estudo e considerações a respeito da Ordem do Universo nas suas relações com a criação divina, com base na doutrina católica sobre o assunto. Centro Universitário Italo Brasileiro: Curso de Pós-Graduação em Teologia Tomista. São Paulo, 2007. p. 28-34.