As duas vindas de Nosso Senhor

jesus3Mons. João S. Clá Dias, EP

O círculo e o losango são as mais perfeitas figuras geométricas segundo o conceito de São Tomás de Aquino, pois representam o movimento do efeito que retorna à sua causa. Cristo é a mais alta realização dessa simbologia porque, além de ser o princípio de todo o criado, é também o fim último. Daí encontrarmos, tanto no término do ano litúrgico, como em sua abertura, os Evangelhos que transcrevem as revelações de Jesus sobre sua última vinda.

A expectativa do Natal

A Igreja não elaborou suas cerimônias através de um planejamento prévio. Organismo sobrenatural como é, nascido do sagrado costado do Redentor e vivificado pelo sopro do Espírito Santo, possui uma vitalidade própria com a qual se desenvolve, cresce e se torna bela, de maneira orgânica. Assim foi-se constituindo o ano litúrgico ao longo dos tempos, em suas mais diversas partes. Em concreto, o Advento surgiu entre os séculos IV e V como uma preparação para o Natal, sintetizando a grande espera dos bons judeus pelo aparecimento do Messias.

À expectativa de um grande acontecimento místico-religioso, corresponde uma atitude penitencial. Por isso os séculos antecedentes ao nascimento do Salvador foram marcados pela dor dos pecados pessoais e do de nossos primeiros pais. Mais marcante ainda se tornou o período anterior à vida pública do Messias: uma voz clamante no deserto convidava todos a pedirem perdão de seus pecados e a se converterem, para que assim fossem endireitados os caminhos do Senhor.

Esperança pervadida pelo desejo de santidade

Desejando criar condições ideais para participarmos das festividades do Nascimento do Salvador — sua primeira vinda —, a Liturgia selecionou textos sagrados relativos à sua segunda vinda: a nota dominante de uma é a misericórdia e a da outra, a justiça. Entretanto, esses dois encontros com Jesus formam um todo harmônico entre o princípio e o fim dos efeitos de uma mesma causa. Os Padres da Igreja comentam largamente o contraste entre uma e outra, mas, segundo eles, devemos ver na Encarnação do Verbo o início de nossa Redenção e na ressurreição dos mortos a sua plenitude.

Para estarmos à altura do grandioso acontecimento natalino, é indispensável colocarmo-nos diante da perspectiva dos últimos acontecimentos que antecederão o Juízo Final. Daí o fato de a Igreja durante muito tempo ter cantado na Missa a seqüência “Dies Irae”, a famosa melodia gregoriana.

Mais do que simplesmente recordar-nos o fato histórico do Natal, a Igreja quer fazer-nos participar das graças próprias à festividade, tal qual delas gozaram a Santíssima Virgem, São José, os Reis Magos, os Pastores, etc. Ora, uma grande esperança, pervadida pelo desejo de santidade e por uma vida penitencial, sustentava o povo eleito naquelas circunstâncias. E nós devemos imitar seu exemplo e seguir seus passos, em face não só do Natal como também da plenitude de nossa redenção: a gloriosa ressurreição dos filhos de Deus.

Primeira e segunda vindas de Jesus se unem diante de nossos horizontes neste período do Advento, fazendo-nos analisá-las quase numa visão eterna; talvez, melhor dizendo, de dentro dos próprios olhos de Deus, para Quem tudo é presente. Eis algumas razões pelas quais se entende a escolha do roxo para os paramentos litúrgicos, nessas quatro semanas.

Arautos do Evangelho, n. 47

A vida contemplativa de São Tomás

Diác. Inácio de Araújo Almeida, EP

Ao tratar sobre a vida contemplativa de São Tomás, Maritain afirmou que “se a sua santidade foi a santidade da inteligência, é porque nele a vida de inteligência era inteiramente sustentada e iluminada pelo fogo da contemplação infusa e pelos dons do Espírito Santo”.1 Esse autor francês também nos recorda que o Angélico “rezava continuamente, chorava, jejuava, desejava. Cada um dos seus silogismos é como um coagular-se da sua oração e das suas lágrimas. E a graça da lúcida serenidade que a sua palavra nos causa, provém indubitavelmente do fato de que também o menor dos seus textos permanece invisivelmente impregnado do seu desejo e da força pura do mais ardente amor. A obra-prima da intelectualidade pura e rigorosa transborda de um coração possuído de caridade”.2

São Tomás tinha bem presente que a vida acadêmica distanciada de sua finalidade sobrenatural pode trazer desastrosas consequências. Na Suma Teológica explica que o estudo é, em si mesmo, ordenado à aquisição da ciência, mas quando se almeja a ciência “sem a caridade, esta incha e produz dissensões”.3 De modo contrário, quando a ciência é acompanhada pela caridade, edifica e gera a concórdia. Em seu primeiro período de docência em Paris, alguns dos professores seculares levantaram a objeção de que o ensino universitário seria incompatível com a vida religiosa. São Tomás logo procurou refutar essa teoria, e é certamente por esse motivo que na Suma Teológica se argumenta que o estudo é próprio ao estado religioso por três razões: a primeira delas, por favorecer diretamente a contemplação, iluminando o entendimento. A segunda, porque aparta os obstáculos à contemplação, ou seja, os erros que são frequentes por parte daqueles que desconhecem as Escrituras. Em terceiro lugar, porque o estudo nos afasta da concupiscência da carne e, além do mais, é útil para adquirir a virtude da obediência.4

Quando o Angélico escrevia, tinha como intenção primordial o louvor a Deus e o bem das almas. Ele trabalhava incansavelmente a fim de que Cristo fosse cada vez mais conhecido e amado. Por essa razão, Innos Biffi, comentando as obras de São Tomás, dizia que a Suma Teológica era “acima de tudo uma iniciativa de amor; não uma arrogante pretensão de exaurir a insondabilidade de Deus, mas, sim, o reconhecimento de sua transcendência, que, entretanto, é pela graça que realmente é comunicada ao homem. Para amar se deseja saber, e nada é mais digno de ser amado que Deus. E é este amor e esta paixão que sentimos circular nos infinitos e surpreendentes trechos das partes, das questões e dos intermináveis artigos da Suma Teológica de São Tomás, que foi um dos mais altos místicos da cristandade”. 5

________________

1) Maritain, Jacques. Le docteur angélique. Fribourg: Éditions Universitaires; Paris: Saint Paul, 1983, p. 51.

2) Loc. cit.

3) Summa Theologiae, II-II, q. 188, a. 5, ad 2.

4) Summa Theologiae, II-II, q. 188, a. 5, co.

5) Biffi, Inos. Cattedrali della teologia, Le pietre e le idee. L’Osservatore Romano, 1 maio 2010.

Os efeitos do sacrifício de Cristo

Mons. João S. Clá Dias, EP

Afirma São Tomás ter o homem necessidade do sacrifício por três motivos: para obter a remissão dos pecados, a graça necessária à santificação e a união perfeita do espírito com Deus, o que se verificará, sobretudo, na glória eterna.[1] O sacrifício de Cristo produziu os efeitos mencionados:

“Ora, tudo isso chegou até nós mediante a humanidade de Cristo. Em primeiro lugar, porque os nossos pecados foram apagados: ‘Foi entregue pelos nossos pecados’, diz a Carta aos Romanos. Em segundo lugar, porque por ele recebemos a graça que nos salva: ‘Ele se tornou causa de salvação eterna para todos aqueles que lhe obedecem’, diz a Carta aos Hebreus. Em terceiro lugar, por ele alcançamos a perfeição da glória, como nos diz a Carta aos Hebreus: ‘Temos confiança, pelo sangue de Jesus, de entrar no santuário’, isto é, na glória celeste”.[2]

Assim, ao Se encarnar o Verbo e assumir a natureza humana, pode enquanto homem ser o mediador sumamente agradável a Deus. Por Seu sacerdócio, por Sua oferenda como vítima de expiação, sela com Seu Sangue a nova e definitiva aliança, da qual todas as anteriores eram uma mera figura: “Jesus se tornou o fiador de uma aliança melhor” (Hb 7, 22). É diante deste mistério de amor com o qual se opera nossa redenção, que o Apóstolo exclama: “Tal é precisamente o sacerdote que nos convinha: santo, inocente, sem mancha, separado dos pecadores e elevado acima dos céus” (Hb 7, 26). Para São Tomás, essas cinco características de Cristo sacerdote marcam a diferença entre o novo sacerdócio e o da Lei Antiga, o qual era figurativo daquele que viria.

Com efeito, explica o Aquinate,[3] Jesus, no respeitante à santidade “reunia as perfeitas condições”, porque “foi consagrado a Deus desde o início de Sua concepção: ‘Por isso mesmo, o Santo que há de nascer de Ti será chamado Filho de Deus’” (Lc 1, 35); Sua inocência foi suma, “visto que Ele não cometeu pecado”; não teve mancha, como muito bem é simbolizado pelo cordeiro sem defeito da Antiga Lei (Êx 12, 5); “foi de maneira absoluta a peccatoribus segregatus — separado dos pecadores”, pois embora tenha vivido entre eles, jamais trilhou suas vias (cf. Sb 2, 15); e, por fim, “está sentado à direita da majestade de Deus” (Hb 1, 3), ou seja, acima de todas as criaturas celestes; “n’Ele a natureza humana é sublimada”, e havendo Se sentado à direita de Deus (cf. Hb 1, 3), “é um sacerdote extremamente adequado”.

Em Cristo é eliminado tudo quanto era imperfeito no sacerdócio do Antigo Testamento. A Lei constituía no sacerdócio homens frágeis e de vida breve (cf. Sb 9, 5) que deviam, com frequência, oferecer sacrifícios por seus próprios pecados e pelos do povo (cf. Lv 16, 5-7), enquanto que “contra a Sabedoria, o mal não prevalece” (Sb 7, 30), pois Cristo não teve de oferecer por Si,[4] devido à sua inocência e santidade. “O Seu único sacrifício bastou para apagar os pecados de todo o gênero humano”.[5]


[1] Cf. S Th III, q. 22, a. 2.

[2] S Th III, q. 22, a. 2, resp.

[3] Super Heb. cap. 7, lec. 4.

[4] “A prefiguração não se pode equiparar à verdade. Por isso, o sacerdócio prefigurativo da antiga lei não podia atingir um grau tal de perfeição que não precisasse mais do sacrifício de satisfação. Ora, Cristo não teve essa necessidade; portanto, a razão não é a mesma para ambos. É o que diz o Apóstolo: ‘A lei estabeleceu, como sacerdotes, homens sujeitos à fraqueza, mas a palavra do juramento, posterior à lei, estabeleceu o Filho perfeito para sempre’(Hb 7,28)” (S Th III q. 22, a. 4, ad 3).

[5] Super Heb. cap. 7, lec. 4.

A vida contemplativa

Diac. Inácio Almeida, EP

Ao analisarmos as imensas obras levadas a cabo por São Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Alberto Magno e outros grandes santos, concluímos que esses homens, apesar de suas atividades quase incessantes, mantiveram-se na mais constante união com Deus, pois foi pela contemplação das coisas divinas que eles hauriram sua amplíssima capacidade de ação.

Para São Tomás[1], aqueles que são chamados às obras da vida ativa, erram se julgam que este dever os dispensa da vida contemplativa. Tal dever é um acréscimo desta vida e não lhe diminui a intensidade. Desta forma, “as duas vidas, longe de se excluírem, reclamam-se, supõem-se, misturam-se, completam-se mutuamente; e, se por alguma circunstância, tivermos que preferir uma à outra, é sem dúvida a vida contemplativa que se deve escolher, pois é a mais perfeita e a mais necessária” (CHAUTARD, 1962, p. 54).

Em geral, o homem moderno tem uma errônea concepção do que seja propriamente a vida contemplativa, e desconhece a importância da contemplação como elemento propulsor da ação, pois os verdadeiros místicos ou contemplativos

“são homens de senso prático e de ação, não (só) de raciocínio e teoria. Têm o espírito da organização, o dom do comando, e revelam-se muito bem dotados para os negócios. As obras que fundam, oferecem condições de vida e duração; em conceber e dirigir as suas empresas dão prova de prudência e arrojo, e dessa justa apreciação das possibilidades que caracteriza o bom senso. E, de feito, o bom senso parece ser a sua qualidade principal: um bom senso que não é perturbado por exaltação alguma doentia ou imaginação desordenada, e a que anda junto o mais raro poder de penetração” (MONTMORAND citado por TANQUEREY (1955, p. 62).

Chautard (1962) nos adverte que: “a ação, para ser fecunda, carece da contemplação; quando esta atinge certo grau de intensidade, difunde sobre a primeira algum tanto do seu excedente e, por meio dela, a alma vai haurir diretamente no coração de Deus as graças que a ação se encarrega de distribuir”.

O mesmo autor também afirma que na alma dos santos, a ação e a contemplação se unem formando uma perfeita harmonia. Por esta razão se pode afirmar que São Tomás foi ao mesmo tempo um contemplativo, bem como um dos homens mais ativos de seu século. A vida contemplativa vivifica as ocupações exteriores; só ela é capaz de comunicar simultaneamente o caráter sobrenatural e a real utilidade das coisas. A união das duas vidas, contemplativa e ativa, constitui o verdadeiro apostolado.

“O apostolado supõe almas capazes de estuar de entusiasmo por uma idéia, de se consagrar ao triunfo de um princípio. Sobrenaturalize-se a realização desse ideal pelo espírito interior […], e logo teremos a vida mais perfeita em si mesma, a vida por excelência, visto como os teólogos a preferem à simples contemplação: Praefertur simplici contemplationi” (CHAUTARD, p. 56).

É desta ação brotada na contemplação que fez com que São Tomás de Aquino e outros grandes santos fossem ao mesmo tempo ardentes contemplativos e apóstolos valorosos. Podemos até dar tréguas a nossos trabalhos exteriores; mas, pelo contrário, nunca devemos diminuir nossa aplicação às coisas espirituais.

Pois de acordo com Chautard(1962, p. 57):

“Bom é contemplar a verdade; porém, melhor ainda é comunicá-la aos outros. Refletir a luz é algo mais que recebê-la. Iluminar vale mais que luzir debaixo do alqueire. Pela contemplação, a alma alimenta-se; pelo apostolado, dá-se (Sicut majus est illuminare quam lucere solum, ita majus est contemplata aliis tradere, quam solum contemplare).[2]


[1] Recorda-se aqui a afirmação de São Tomás: “Quem é chamado da vida contemplativa para a ativa, não sofre uma subtração, mas deve fazer antes uma adição” (Cum aliquis a contemplativa vita ad activam vocatur, non fit per modum substractionis, sed per modum additionis, Suma Teológica, 2, 2.ae, q. 182, a. 1).

[2] “Pois, assim como é mais o iluminar do que somente luzir, assim, é mais transmitir aos outros o fruto da contemplação do que somente contemplar”. (Suma Teológica, IIa IIae, q. 188, a. 6)

A educação católica, educação de valores

105-0594_IMGPe. Ricardo Basso, EP

A educação, desde os filósofos gregos até o século XVIII, visava a formação do homem como um todo, procurando desenvolver suas habilidades e capacidades, explorando suas apetências, seguindo um currículo muito flexível, quase que adaptado a cada aluno. As aulas das universidades ocorriam com frequência em espaços públicos, com acesso a qualquer um. A respeito dessa informalidade, conta-se, até, na vida de São Clemente Maria Hofbauer um fato significativo. Na sua juventude, sendo aprendiz de padeiro, sentou-se na praça em Viena, Áustria, para assistir a uma aula de famoso teólogo. Em determinado momento ele interrompeu a exposição observando: “Mestre, não sei explicar por quê, mas o que o Sr. acaba de falar está errado!” Indignado, o professor expulsa o jovem da aula. Anos depois, encontrando-se com São Clemente, agora sacerdote, o mestre lhe agradece aquela intervenção, explicando que fora tirar a limpo e, realmente, estava ensinando algo equivocado. Era o senso católico prevalecendo sobre a mera erudição.

Competia nessa época ao mestre ou preceptor atender às legítimas curiosidades e pontos vivos de interesse do discípulo, pois se compreendia que cada indivíduo é único e tem uma visão do universo personalíssima, originalíssima e riquíssima. E São Tomás de Aquino (século XIII) “introduz um princípio pedagógico moderno e revolucionário para seu tempo: o de que o conhecimento é construído pelo estudante e não simplesmente transmitido pelo professor” (Revista Nova Escola, julho de 2008, p. 22, sem autor). Vê-se por aí que Piaget e o construtivismo não representaram nenhuma novidade pedagógica na História, como tantas vezes são apresentados. Hoje fala-se de inter e transdisciplinaridade. Até a Revolução Francesa se ensinava assim… O conhecimento era uno, coeso, formava um todo coerente, harmônico entre as partes, baseado na mesma concepção religiosa do universo. Todos os conhecimentos se relacionavam entre si. Hoje fala-se que a criança deve aprender brincando ou que o aprendizado deve ser prazeroso. Na pesquisa bibliográfica, pudemos constatar que São Tomás de Aquino já ensinava isso na Suma Teológica (II-II, q. 168, art. 2, 3 e 4), no século XIII, tendo inclusive escrito um Tratado sobre o brincar. E São João Bosco (século XIX) tinha como pedra fundamental de seu sistema preventivo na educação a “amorevolezza”: a benquerença; a criança deveria ser benquista e sentir-se benquista pelo professor que, assim, conquistava a confiança do discípulo. Nos recreios salesianos havia uma só regra: é proibido estar triste. Hoje dá-se muita importância aos laboratórios, às experiências (John Dewey, 1978); os antigos da Escola peripatética, de Aristóteles, a qual possuía uma orientação empírica, já procediam assim pelo ano 320 a.C. …

Ou seja, as melhores tendências da pedagogia atual vão no sentido de restaurar o que a educação cristã vem fazendo há séculos. A chamada pedagogia “tradicional” – distinta da católica de que tratamos acima – é da idade moderna, fruto da Revolução Francesa. Um dos filósofos dessa escola foi Johann Friedrich Herbart (1776-1841), considerado o organizador da Pedagogia como ciência. O conhecimento humano ficou compartimentado, fragmentado com o iluminismo e o racionalismo, gerando as incontáveis especializações estanques modernas.

Por se basear no princípio de que a mente humana apenas apreende novos conhecimentos e só participa do aprendizado passivamente, o herbartianismo resultou num ensino que hoje qualificamos de tradicional. “[…] um ensino totalmente receptivo, sem diálogo entre professor e aluno e com aulas que obedeciam a esquemas rígidos e preestabelecidos” (Revista Nova Escola, dezembro de 2004, p. 24, sem autor).

O sistema de ensino prevalente nas universidades medievais era baseado na intensa participação dos alunos através da “disputatio”, o debate, que se seguia à apresentação de um tema, a “lectio”, no qual cada um defendia sua opinião. Nem o mais ousado sistema educacional hodierno chega a ser tão participativo como o medieval.

No Código de Direito Canônico, a justiça torna-se caridade

Pe. José Victorino de Andrade, EPTesto

A lei canônica enquanto honesta, justa e possível — características que lhe transmitem força moral —, obriga em consciência à execução. Entretanto, este motivo é ainda mais enraizado e profundo, de acordo com Ghirlanda:

“A obrigação de consciência das leis eclesiásticas baseia-se no fato de que o exercício da autoridade na Igreja só pode ser concebido como um ministério sagrado, um serviço, porque se trata de uma autoridade magisterial, conferida por Cristo para que a palavra de Deus seja anunciada autenticamente”.1

Desta forma, ela é portadora de vinculabilidade enquanto lei ordenada ao bem comum e promulgada, enriquecida em si com um fim ministerial, tornando-se querida e obrigatória perante Deus. Por isso, todo aquele que a ela resiste, conforme afirma São Tomás de Aquino, torna-se pelo menos “réu em consciência” (S. Th. I-II, q. 7, a. 4.).

Apesar de a coerção não ser estritamente fundamental ao Direito, há quem defenda que a lei canônica não é jurídica por carecer de coercibilidade, o que revela um desconhecimento de sua natureza. Na verdade, a Igreja zela pelo cumprimento da lei também através de medidas coativas. Deste modo, encontramos no Livro VI do Código de Direito Canônico as sanções penais ou outros remédios e penitências a serem aplicadas aos possíveis infratores, presumida a imputabilidade e excluída a incapacidade de delito. Da mesma forma que a Igreja reconhece a competência da autoridade judiciária civil nos delitos de âmbito temporal, ela também não pode abjudicar dos seus próprios instrumentos judiciais. O Código de Direito Canônico é claro quanto a esta competência: “Os fiéis, caso sejam chamados a juízo pela autoridade competente, têm o direito de ser julgados de acordo com as prescrições do direito, a serem aplicadas com equidade” (C. 221 § 2).

É preciso considerar que, ao aplicar as penas, o legista eclesiástico não visa a mera repressão ou o uso da força, mas a própria caridade evangélica que manda reprimir o erro para o bem das almas, oferecendo um exemplo para a comunidade e uma advertência para o transgressor. Por isso o Codex Iuris Canonici tem como norma geral punir somente “com justa pena, quando a gravidade especial da transgressão exige a punição e urge a necessidade de prevenir ou reparar escândalos” (C. 1399). Desta forma, a justiça que a lei tutela torna-se caridade e se revela exemplar para as demais formas de governo de qualquer comunidade.

1 GHIRLANDA, Gianfranco. Introdução ao direito eclesial. São Paulo: Loyola, 1998.

Corrimãos da escada da vida

caminhoMons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

A teologia moral de Santo Agostinho, tanto como a ética de Aristóteles, foram as fontes das doutrinas escolásticas sobre a razão moral. Em De Libero Arbitrio, o bispo de Hipona afirmara que a moralidade exige da vontade humana sua conformidade com as prescrições da lei imutável e eterna, impressa na nossa mente. Tal lei, chamada de summa ratio (“razão suprema”), deve ser sempre obedecida. Por seus padrões é que são julgados os bons e os maus.1

Concorde com a tese agostiniana,2 São Tomás procura definir meticulosamente a lei eterna acentuando de início que ela “não é senão a razão da sabedoria divina, na medida em que ela dirige todos os atos e movimentos”.3 Essa lei — que se identifica com a Providência Divina — é, portanto, o princípio ordenador de todo o universo criado: “Toda a comunidade do universo é governada pela razão divina. E assim a própria razão do governo das coisas em Deus, como príncipe do universo, tem razão de lei”.4 Assim, a suprema lei é o próprio Deus, sendo eterna como Ele é eterno; é a Sabedoria de Deus “que move todas as coisas para seu devido fim”.5 E todas as coisas são avaliadas segundo a lei eterna, seguindo-se daí que dela todas participam de algum modo, e suas propensões para seus atos e fins próprios vêm da impressão em si dessa lei.

Nas questões 90 a 108 da Suma Teológica, parte I-II, São Tomás se estende genialmente sobre o significado e o alcance da lei eterna e sobre as outras leis que dela derivam: a lei natural, a lei divina e a lei humana.

Começando pela lei natural, ele a define como “a participação da lei eterna na criatura racional”, sendo proporcionada pela “luz do intelecto posta em nós por Deus, através da qual conhecemos o que devemos fazer e o que devemos evitar”,6 por ser uma norma imperativa para dirigir os atos livres do homem.

Noutro lugar, São Tomás descreve a lei natural como os primeiros princípios da atividade moral humana, evidentes de si, não demonstráveis.7

Ninguém pode, com sinceridade e no uso normal de suas faculdades mentais,8  negar a existência dessa lei natural, segundo a qual há obras boas e outras más por sua própria natureza. São Tomás afirma que todos os homens conhecem pelo menos os princípios comuns da lei natural.9 Diz ele ainda que, “quanto aos princípios comuns da razão quer especulativa, quer prática, a verdade ou retidão é a mesma em todos, e igualmente conhecida”.10 Quer dizer, não há quem não conheça a distinção entre bem e mal, e nossa obrigação de optar pelo primeiro e rejeitar o segundo se apresenta à inteligência com força de lei.

Também a lei humana positiva tem a obrigação de se conformar com a Sabedoria de Deus. É a ela que o Aquinate se refere quando afirma que, como “o fim último da vida humana é a felicidade ou bem-aventurança […] é necessário que a lei vise maximamente à ordem que é para a bem-aventurança”.11 A lei temporal não pode colidir com a lei eterna, mas deve secundá-la.

A lei divina — consolidada nos Dez Mandamentos — mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e atingir seu fim. São Tomás se pergunta se, havendo já a lei natural e as leis humanas, é preciso também haver uma lei divina positiva. Ele inicia sua resposta lembrando que a bem-aventurança eterna, para a qual o homem foi criado, “excede a proporção da potência natural humana”. Assim faz-se necessário que, “acima da lei natural e humana, fosse dirigido também a seu fim pela lei divinamente dada”.12

Todas essas leis são como que corrimãos numa longa e difícil trajetória, numa escada colocada sobre um abismo. Pode ser que esses corrimãos pareçam limitações absurdas à liberdade. Na realidade, são anteparos que Deus nos concedeu para proteger a verdadeira liberdade e para nos auxiliar na ascensão até Ele.

Como estão equivocadas certas correntes de educação que procuram instilar na criança e no jovem a ideia de que os princípios morais são frios e cruéis! O certo, afirmam elas, seria optar por uma moral “amiga”, relativa, dependente apenas das circunstâncias, dos casos particulares, e esquecer tais princípios.

É supérfluo realçar a nocividade de tal doutrina para o tesouro acumulado a partir do primeiro olhar sobre o ser. E que resultados funestos trazem para a sociedade como um todo. Basta olharmos para o que vai se passando à nossa volta…

1 De Libero Arbitrio, I, 1.6.15.48-49; 51: “Illa lex quae summa ratio nominatur cui semper obtemperandum est et per quam mali miseram, boni beatam vitam merentur […], potestne cuipiam intellegenti non incommutabilis aeternaque videri? An potest aliquando iniustum esse, ut mali miseri, boni autem beati sint? […] Ut igitur breviter aeternae legis notionem, quae impressa nobis est, quantum valeo, verbis explicem, ea est, qua iustum est, ut omnia sint ordinatissima”.

2 Cf. S. Th. I-II, q. 93, a. 1: “Sed contra est quod Augustinus dicit quod lex aeterna est summa ratio, cui semper obtemperandum est”.

3 S. Th. I-II, q. 93, a. 1. “Nihil aliud est quam ratio divinae sapientiae, secundum quod est directiva omnium actuum et motionum”.

4 S. Th. I-II, q. 91, a. 1: “Tota communitas universi gubernatur ratione divina. Et ideo ipsa gubernationis rerum in Deo sicut in principe universitatis existens, legis habet rationem”.

5 S. Th. I-II, q. 93, a. 1. “Moventis omnia ad debitum finem”.

6 Collationes in decem praeceptis, Proœmium: “Lex naturae […] nihil aliud est nisi lumen intellectus insitum nobis a Deo, per quod cognoscimus quid agendum et quid vitandum”.

7 Cf. S. Th. I-II, q. 94, a. 2. “Sunt quaedam principia per se nota”.

8 “Alguma pessoa dotada de inteligência”, dizia Santo Agostinho (op. cit. 1.6.15.48).

9 Cf. S. Th. I-II, q. 93, a. 2.

10 S. Th. I-II, q. 94, a. 4. “Quantum ad communia principia rationis sive speculativae sive practicae, est eadem veritas seu rectitudo apud omnes, et aequaliter nota”.

11 S. Th. I-II, q. 90, a. 2. “Oportet quod lex maxime respiciat ordinem qui est in beatitudinem”.

12 S. Th. I-II, q. 91, a. 4. “Excedit proportionem naturalis facultatis humanae. Ut supra legem naturalem et humanam, dirigeretur etiam ad suum finem lege divinitus data”.

La fenomenología católica de Santa Teresa Benedicta

Teresa Benedita Cruz

Diác. Diego Cubides Umba, EP

Con su fenomenología católica Santa Teresa Benedicta nos enseña la necesidad de una metafísica que considere todo pensamiento en función de Dios. La crisis actual es fruto de una sabiduría humana separada enteramente del Ser Absoluto, llevando al hombre a una vida sin sentido, en la cual prima lo efímero, lo espontáneo, lo instintivo, más propio del género animal y no de una persona humana de naturaleza racional que antes de cualquier acción, ve, juzga y  por último actúa según las reglas de la ley moral, que no pueden ser alteradas por los caprichos o el egoísmo de las pasiones humanas.

Su obra es un llamado al estudio de la filosofía moderna con los criterios de la fe católica, rectificando el camino que los hombres tomaron desde el Renacimiento en sentido contrario.  La razón tiene un límite, éste no se puede transponer sin ayuda de la razón sobrenatural, que debe sujetarse humildemente a las verdades reveladas.

Por tanto la fe no se torna una enemiga de la razón sino por el contrario la preserva del error, proporcionando a la inteligencia nuevas luces para enriquecer el conocimiento, como lo hizo ella con la fenomenología de Husserl.

Éste es otro rasgo fundamental: el no tener objeciones a priori. Ella no despreció el patrimonio de la antigua filosofía para hacer algo nuevo, sino por el contrario, se valió de aquélla para hacer la confrontación con la filosofía moderna, mostrando lo positivo y lo negativo de la última. De esta manera le dio un nuevo sentido a la escolástica y depuró aquélla de sus errores.

La gran personalidad de nuestra santa – poco amiga de novedades-, restituyó  el primado que debe tener el Doctor Angélico en todo estudio filosófico, para que sea sólido y seguro. Como ella misma dice “las soluciones (del Aquinate) de sus  problemas llevan en su frente el sello de la verdad”.

Su Santidad el papa León XIII en su encíclica “AEterni Patris” (4- VIII- 1879), recomendó el estudio de Santo Tomás, para conocer las maquinaciones y las astucias de la falsa sabiduría; en Edith encontramos esa fuente segura para entender al santo y beber el agua íntegra y pura de la verdad.

La razón humana no puede quedar encerrada en el círculo de los fenómenos, de lo contrario ella no sería capaz de conocer a Dios. Ella nos muestra cómo esto conduciría al agnosticismo. Por tanto toda ciencia que sólo admita los fenómenos, sin relación alguna con el Ser Absoluto, lleva al ateísmo científico e histórico.

Ella valora mucho el sentimiento pero sujeto a la inteligencia, de lo contrario perturba la  recta ratio por la conmoción  desordenada que los sentidos exteriores pueden ejercer sobre la corporalidad, animalizando al hombre. De ahí el gran valor que da  a la virginidad, que en sentido contrario angeliza al hombre haciendo que prime lo espiritual sobre lo material. Si bien no tiene un tratado sobre ésta, su vida consagrada nos da testimonio de gran aprecio que tenía por ella y del dominio que ejerció sobre su cuerpo.

Su vocación encarnó el pensamiento de los papas  desde León XIII, San Pío X,  Juan Pablo II – que la declaró co-patrona de Europa-  y el actual pontífice Benedicto XVI.

El primero, ya mencionado, puso de relieve la necesidad del estudio de Santo Tomás.

San Pío X condenó los errores del modernismo en la Encíclica “Pascendi Dominici Gregis” (8- IX- 1907), señalando desvíos de la filosofía, contestados también por Edith.

Se identifica plenamente con el pensamiento personalista de S.S. Juan Pablo II, que realza el valor trascendente de la persona humana. Su encíclica “Fides et Ratio” es la aplicación de la unión entre razón natural y sobrenatural que hace sor Teresa Benedicta en el campo filosófico.

Su Santidad el papa Benedicto XVI continúa la línea de su predecesor acentuando la unión que debe existir entre la religión y la razón: los principios de fe y la recta razón rechazan toda forma de totalitarismo y violencia.

Martirizada por los nazis, alcanzó el cumplimiento del ofrecimiento hecho por su pueblo. Existencia que no fue consumida en vano y como decía Tertuliano: “sangre de mártires, semilla de cristianos”.

CUBIDES UMBA, Diego. La metafísica como sabiduría en el alma cristiana de Edith Stein. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teología, Filosofía y Humanidades. Licenciatura Canónica en Filosofía. Medellín, 2009. p. 91-104.