As duas vindas de Nosso Senhor

jesus3Mons. João S. Clá Dias, EP

O círculo e o losango são as mais perfeitas figuras geométricas segundo o conceito de São Tomás de Aquino, pois representam o movimento do efeito que retorna à sua causa. Cristo é a mais alta realização dessa simbologia porque, além de ser o princípio de todo o criado, é também o fim último. Daí encontrarmos, tanto no término do ano litúrgico, como em sua abertura, os Evangelhos que transcrevem as revelações de Jesus sobre sua última vinda.

A expectativa do Natal

A Igreja não elaborou suas cerimônias através de um planejamento prévio. Organismo sobrenatural como é, nascido do sagrado costado do Redentor e vivificado pelo sopro do Espírito Santo, possui uma vitalidade própria com a qual se desenvolve, cresce e se torna bela, de maneira orgânica. Assim foi-se constituindo o ano litúrgico ao longo dos tempos, em suas mais diversas partes. Em concreto, o Advento surgiu entre os séculos IV e V como uma preparação para o Natal, sintetizando a grande espera dos bons judeus pelo aparecimento do Messias.

À expectativa de um grande acontecimento místico-religioso, corresponde uma atitude penitencial. Por isso os séculos antecedentes ao nascimento do Salvador foram marcados pela dor dos pecados pessoais e do de nossos primeiros pais. Mais marcante ainda se tornou o período anterior à vida pública do Messias: uma voz clamante no deserto convidava todos a pedirem perdão de seus pecados e a se converterem, para que assim fossem endireitados os caminhos do Senhor.

Esperança pervadida pelo desejo de santidade

Desejando criar condições ideais para participarmos das festividades do Nascimento do Salvador — sua primeira vinda —, a Liturgia selecionou textos sagrados relativos à sua segunda vinda: a nota dominante de uma é a misericórdia e a da outra, a justiça. Entretanto, esses dois encontros com Jesus formam um todo harmônico entre o princípio e o fim dos efeitos de uma mesma causa. Os Padres da Igreja comentam largamente o contraste entre uma e outra, mas, segundo eles, devemos ver na Encarnação do Verbo o início de nossa Redenção e na ressurreição dos mortos a sua plenitude.

Para estarmos à altura do grandioso acontecimento natalino, é indispensável colocarmo-nos diante da perspectiva dos últimos acontecimentos que antecederão o Juízo Final. Daí o fato de a Igreja durante muito tempo ter cantado na Missa a seqüência “Dies Irae”, a famosa melodia gregoriana.

Mais do que simplesmente recordar-nos o fato histórico do Natal, a Igreja quer fazer-nos participar das graças próprias à festividade, tal qual delas gozaram a Santíssima Virgem, São José, os Reis Magos, os Pastores, etc. Ora, uma grande esperança, pervadida pelo desejo de santidade e por uma vida penitencial, sustentava o povo eleito naquelas circunstâncias. E nós devemos imitar seu exemplo e seguir seus passos, em face não só do Natal como também da plenitude de nossa redenção: a gloriosa ressurreição dos filhos de Deus.

Primeira e segunda vindas de Jesus se unem diante de nossos horizontes neste período do Advento, fazendo-nos analisá-las quase numa visão eterna; talvez, melhor dizendo, de dentro dos próprios olhos de Deus, para Quem tudo é presente. Eis algumas razões pelas quais se entende a escolha do roxo para os paramentos litúrgicos, nessas quatro semanas.

Arautos do Evangelho, n. 47

O Advento: espectativa do Natal e esperança pervadida pelo desejo de santidade

Mons. João S. Clá Dias, EParco

O círculo e o losango são as mais perfeitas figuras geométricas segundo o conceito de São Tomás de Aquino, pois representam o movimento do efeito que retorna à sua causa. Cristo é a mais alta realização dessa simbologia porque, além de ser o princípio de todo o criado, é também o fim último. Daí encontrarmos, tanto no término do ano litúrgico, como em sua abertura, os Evangelhos que transcrevem as revelações de Jesus sobre sua última vinda.

A Igreja não elaborou suas cerimônias através de um planejamento prévio. Organismo sobrenatural como é, nascido do sagrado costado do Redentor e vivificado pelo sopro do Espírito Santo, possui uma vitalidade própria com a qual se desenvolve, cresce e se torna bela, de maneira orgânica. Assim foi-se constituindo o ano litúrgico ao longo dos tempos, em suas mais diversas partes. Em concreto, o Advento surgiu entre os séculos IV e V como uma preparação para o Natal, sintetizando a grande espera dos bons judeus pelo aparecimento do Messias. À expectativa de um grande acontecimento místico-religioso, corresponde uma atitude penitencial. Por isso os séculos antecedentes ao nascimento do Salvador foram marcados pela dor dos pecados pessoais e do de nossos primeiros pais. Mais marcante ainda se tornou o período anterior à vida pública do Messias: uma voz clamante no deserto convidava todos a pedirem perdão de seus pecados e a se converterem, para que assim fossem endireitados os caminhos do Senhor.

Desejando criar condições ideais para participarmos das festividades do Nascimento do Salvador — sua primeira vinda —, a Liturgia selecionou textos sagrados relativos à sua segunda vinda: a nota dominante de uma é a misericórdia e a da outra, a justiça. Entretanto, esses dois encontros com Jesus formam um todo harmônico entre o princípio e o fim dos efeitos de uma mesma causa. Os Padres da Igreja comentam largamente o contraste entre uma e outra, mas, segundo eles, devemos ver na Encarnação do Verbo o início de nossa Redenção e na ressurreição dos mortos a sua plenitude. Para estarmos à altura do grandioso acontecimento natalino, é indispensável colocarmo-nos diante da perspectiva dos últimos acontecimentos que antecederão o Juízo Final. Daí o fato de a Igreja durante muito tempo ter cantado na Missa a seqüência “Dies Irae”, a famosa melodia gregoriana. Mais do que simplesmente recordar-nos o fato histórico do Natal, a Igreja quer fazer-nos participar das graças próprias à festividade, tal qual delas gozaram a Santíssima Virgem, São José, os Reis Magos, os Pastores, etc. Ora, uma grande esperança, pervadida pelo desejo de santidade e por uma vida penitencial, sustentava o povo eleito naquelas circunstâncias. E nós devemos imitar seu exemplo e seguir seus passos, em face não só do Natal como também da plenitude de nossa redenção: a gloriosa ressurreição dos filhos de Deus. Primeira e segunda vindas de Jesus se unem diante de nossos horizontes neste período do Advento, fazendo-nos analisá-las quase numa visão eterna; talvez, melhor dizendo, de dentro dos próprios olhos de Deus, para Quem tudo é presente. Eis algumas razões pelas quais se entende a escolha do roxo para os paramentos litúrgicos, nessas quatro semanas.

CLA DIAS, João. O Advento. in: Arautos do Evangelho. São Paulo: Associação AE, n. 47, nov. 2005, p. 6,7.

Sermão do Primeiro Domingo do Advento (1655) – PADRE ANTÓNIO VIEIRA

pe-antonio-vieiraTudo passa, e nada passa. Tudo passa para a vida, e nada para a conta. A verdade e desengano de que tudo passa (que é o nosso primeiro ponto) posto que seja por uma parte tão evidente, e que parece não há mister prova., é por outra tão dificultoso, que nenhuma evidência basta para o persuadir. Lede os filósofos, lede os profetas, lede os apóstolos, lede os santos padres, e vereis como todos empregaram a pena, e não uma senão muitas vezes, e com todas as forças da eloqüência, na declaração deste desengano, posto por si mesmo tão claro.

Sabiamente falou quem disse que a perfeição não consiste nos verbos, senão nos advérbios: não em que as nossas obras sejam honestas e boas, senão em que sejam bem feitas. E para que esta condicional tão importante se estendesse também às coisas naturais e indiferentes, inventou o apóstolo S. Paulo um notável advérbio. E qual foi? Tanquam non, como senão: Ut qui habent uxores, tanquam non habentes sint: et qui flent, tanquam non flentes: et qui gaudent, tanquam nan gaudentes: et qui emunt, tanquam non possidentes: et qui utuntur hoc mundo, tanquam non utantur. Sois casado? (diz o apóstolo) pois empregai todo o vosso cuidado em Deus, como se o não fôreis. Tendes ocasiões de tristezas? pois chorai, como se não choráreis. Não são de tristeza, senão de gosto? pois alegrai-vos, como se não vos alegráreis. Comprastes o que havíeis mister, ou desejáveis? pois possuí-o, como se não possuíreis. Finalmente usais de alguma outra coisa deste mundo? pois usai dela, como se não usáreis. De sorte que quanto há, ou pode haver neste mundo, por mais que nos toque no amor, na utilidade, no gosto, a tudo quer S. Paulo que acrescentemos um, como se não, tanquam non. Como se não houvera tal coisa, como se não fora nossa, como se não nos pertencera. E por quê? Vede a razão:Præterit enim figura hujus mundi (3) . Porque nenhuma coisa deste mundo pára, ou permanece; todas passam. E como todas passam e são como se não foram, assim é bem que nós usemos delas, como se não usáramos: Tanquam non utantur. Por isso a essas mesmas coisas não lhes chamou o oráculo do terceiro céu coisas, senão aparências, e ao mundo não lhe chamou mundo, senão figura do mundo:Præterit enim figura hujus mundi.

Considerai-me o mundo desde seus princípios, e vêlo-eís sempre, como nova figura no teatro, aparecendo e desaparecendo juntamente, porque sempre está passando. A primeira cena deste teatro foi o paraíso terreal, no qual apareceu o mundo vestido de imortalidade, e cercado de delícias; mas quanto durou esta aparência? Estendeu Eva o braço à fruta vedada, e no brevíssimo espaço em que o bocado fatal passou pela garganta do homem, passou também com ele o mundo do estado da inocência ao da culpa, da imortalidade à morte, da pátria ao desterro, das flores aos espinhos, do descanso aos trabalhos, e da felicidade suma ao sumo da infelicidade e miséria. Oh miserável mundo, que se pararas assim, e te contentaras com comer o teu pão com o suor do teu rosto, foras menos miserável! Mas não serias mundo, se de uma miséria grande não passasses sempre, e por tua natural inclinação, a outra maior. Os homens naquela primeira infância do mundo todos vestiam de peles, todos eram de uma cor, todos falavam a mesma língua, todos guardavam a mesma lei. Mas não foi muita o tempo em que se conservaram na harmonia desta natural irmandade. Logo variaram e mudaram as peles com tanta diferença de trajos, que cada dia, dos pés à cabeça, aparecem com nova figura. Logo variaram e mudaram as línguas com tanta dissonância e confusão, como a da torre de Babel. Logo variaram e mudaram as cores com a diversidade das terras e climas, e com a mistura do sangue, posto que todo vermelho. Logo variaram e mudaram as leis, não com as de Platão, Sólon, ou Licurgo, mas com a do mais imperioso e violento legislador, que é o próprio alvedrio. Tudo mudaram, ou tudo se mudou, porque tudo passa.

As vidas naquele princípio costumavam ser de sete, de oito, de novecentos e quase de mil anos; e que brevemente se acabou este bom costume? Então o viver muitos séculos era natureza, hoje chegar, não a um século, mas perto dele, é milagre. Tardaram em passar até Noé, e também passaram. Com aquelas vidas não só cresciam os anos, senão também os corpos: e dos filhos de Deus, que eram os descendentes de Set, e das filhas dos homens, que eram as descendentes de Caim, nasceram os gigantes, de quem diz a Escritura: Erant gigantes super terram .Alguns ossos que ainda duram destes que o mesmo texto sagrado chama varões famosos, demonstraram pela simetria humana, que não podiam ser menos que de vinte, e mais côvados: e ainda na história das batalhas de Davi temos memória de outros quatro, posto que de muito menor estatura Mas, enfim, acabou a era dos gigantes; porque tudo nesta vida, e mais depressa o que é grande, acaba e passa.

Diminuídos os homens nos corpos e nas idades, quando tinham a morte mais perto da vista (quem tal crera! ) então cresceram mais na ambição e soberba. E sendo todos iguais e livres por natureza, houve alguns que entraram em pensamento de se fazer senhores dos outros por violência, e o conseguiram. O primeiro que se atreveu a pôr coroa na cabeça, foi Membroth, que também como o nome de Nino, ou Belo, deu princípio aos quatro impérios, ou monarquias do mundo. O primeiro foi o dos assírios e caldeus; e onde está o império caldaico? O segundo foi o dos persas; e onde está o império persiano? O terceiro foi o dos gregos; e onde está o império grego? O quarto, e maior de todos, foi o dos romanos; e onde está o império romano? Se alguma coisa permanece deste, é só o nome: todos passaram, porque tudo passa. Em três famosas visões representou Deus estes mesmos impérios a um rei, e a dois profetas. A primeira visão foi a Nabucodonosor na estátua de quatro metais; a segunda a Zacarias em quatro carroças de cavalos de diferentes cores; a terceira a Daniel em um conflito dos quatro ventos principais, que no meio do mar se davam batalha. Pois se todas estas visões eram de Deus e todas representavam os mesmos impérios, por que variou tanto a sabedoria divina as figuras, e sobre a primeira da estátua, tão clara e manifesta, acrescentou outras duas tão diversas em tudo? Porque a estátua, na dureza dos metais de que era composta, e no mesmo nome de estátua, parece que representava estabilidade e firmeza: e porque nenhum daqueles impérios havia de preservar firme e estável, mas todos se haviam de mudar sucessivamente, e ir passando de umas nações a outras; por isso os tornou a representar na variedade das carroças na inconstância das rodas, e na carreira e velocidade dos cavalos. Mas não parou aqui a energia da representação, como não encarecida ainda bastantemente. A estátua estava de pé, e as carroças podiam estar paradas. E porque aqueles impérios correndo mais precipitadamente que a rédea solta, não haviam de parar no mesmo passo, nem por um só momento, e sempre se haviam de ir mudando, e passando; por isso, finalmente, os representou Deus na causa mais inquieta, mudável, e instável, quais são os ventos, e muito mais quando embravecidos e furiosos: Et ecce quatuor venti cœli pugnabant in mari magno.

Sermões, col. Obras Imortais da Nossa Literatura,  Rio de Janeiro: Editora Três, 1974.