A vida contemplativa

Diac. Inácio Almeida, EP

Ao analisarmos as imensas obras levadas a cabo por São Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Alberto Magno e outros grandes santos, concluímos que esses homens, apesar de suas atividades quase incessantes, mantiveram-se na mais constante união com Deus, pois foi pela contemplação das coisas divinas que eles hauriram sua amplíssima capacidade de ação.

Para São Tomás[1], aqueles que são chamados às obras da vida ativa, erram se julgam que este dever os dispensa da vida contemplativa. Tal dever é um acréscimo desta vida e não lhe diminui a intensidade. Desta forma, “as duas vidas, longe de se excluírem, reclamam-se, supõem-se, misturam-se, completam-se mutuamente; e, se por alguma circunstância, tivermos que preferir uma à outra, é sem dúvida a vida contemplativa que se deve escolher, pois é a mais perfeita e a mais necessária” (CHAUTARD, 1962, p. 54).

Em geral, o homem moderno tem uma errônea concepção do que seja propriamente a vida contemplativa, e desconhece a importância da contemplação como elemento propulsor da ação, pois os verdadeiros místicos ou contemplativos

“são homens de senso prático e de ação, não (só) de raciocínio e teoria. Têm o espírito da organização, o dom do comando, e revelam-se muito bem dotados para os negócios. As obras que fundam, oferecem condições de vida e duração; em conceber e dirigir as suas empresas dão prova de prudência e arrojo, e dessa justa apreciação das possibilidades que caracteriza o bom senso. E, de feito, o bom senso parece ser a sua qualidade principal: um bom senso que não é perturbado por exaltação alguma doentia ou imaginação desordenada, e a que anda junto o mais raro poder de penetração” (MONTMORAND citado por TANQUEREY (1955, p. 62).

Chautard (1962) nos adverte que: “a ação, para ser fecunda, carece da contemplação; quando esta atinge certo grau de intensidade, difunde sobre a primeira algum tanto do seu excedente e, por meio dela, a alma vai haurir diretamente no coração de Deus as graças que a ação se encarrega de distribuir”.

O mesmo autor também afirma que na alma dos santos, a ação e a contemplação se unem formando uma perfeita harmonia. Por esta razão se pode afirmar que São Tomás foi ao mesmo tempo um contemplativo, bem como um dos homens mais ativos de seu século. A vida contemplativa vivifica as ocupações exteriores; só ela é capaz de comunicar simultaneamente o caráter sobrenatural e a real utilidade das coisas. A união das duas vidas, contemplativa e ativa, constitui o verdadeiro apostolado.

“O apostolado supõe almas capazes de estuar de entusiasmo por uma idéia, de se consagrar ao triunfo de um princípio. Sobrenaturalize-se a realização desse ideal pelo espírito interior […], e logo teremos a vida mais perfeita em si mesma, a vida por excelência, visto como os teólogos a preferem à simples contemplação: Praefertur simplici contemplationi” (CHAUTARD, p. 56).

É desta ação brotada na contemplação que fez com que São Tomás de Aquino e outros grandes santos fossem ao mesmo tempo ardentes contemplativos e apóstolos valorosos. Podemos até dar tréguas a nossos trabalhos exteriores; mas, pelo contrário, nunca devemos diminuir nossa aplicação às coisas espirituais.

Pois de acordo com Chautard(1962, p. 57):

“Bom é contemplar a verdade; porém, melhor ainda é comunicá-la aos outros. Refletir a luz é algo mais que recebê-la. Iluminar vale mais que luzir debaixo do alqueire. Pela contemplação, a alma alimenta-se; pelo apostolado, dá-se (Sicut majus est illuminare quam lucere solum, ita majus est contemplata aliis tradere, quam solum contemplare).[2]


[1] Recorda-se aqui a afirmação de São Tomás: “Quem é chamado da vida contemplativa para a ativa, não sofre uma subtração, mas deve fazer antes uma adição” (Cum aliquis a contemplativa vita ad activam vocatur, non fit per modum substractionis, sed per modum additionis, Suma Teológica, 2, 2.ae, q. 182, a. 1).

[2] “Pois, assim como é mais o iluminar do que somente luzir, assim, é mais transmitir aos outros o fruto da contemplação do que somente contemplar”. (Suma Teológica, IIa IIae, q. 188, a. 6)