Origem nominalista do jusnaturalismo moderno

Pe. Jorge Filipe Teixeira Lopes, EPnouvelle1

Se olharmos através da história podemos ver que na iminência de grandes acontecimentos, há sempre uma preparação longínqua; nemo sumo fit repenter, diz o velho adágio. Nos albores da Revolução Francesa vemos o resultado de um pensamento que não terá nada de imediato. O jusnaturalismo de setecentos tomará inicialmente ares bastante moderados. É no seio da própria contra-reforma, na época do siglo de oro espanhol, que se pressagiarão as novas correntes através do nominalismo de Francisco Suárez[1]. Suárez será precursor de Hugo Grotius, pai do direito moderno, pois há nele, de um lado a natureza como objecto conhecido pela razão; de outro a vontade de Deus; ou seja, o que define um acto humano de acordo com a razão e a natureza, e de acordo com aquilo que a razão decifrou da natureza é a vontade de Deus[2]. Suárez afirmará que a lei natural é uma verdadeira e autêntica lei divina e o seu autor é Deus[3], o que o fará antecipar-se aos modernos, no sentido em que afirma que a natureza, por si, não engendra a lei.

De qualquer forma, Maritain vê como bastante evidente a génese da modernidade em Hugo Grotius. Primeiro, porque a qualificação moral depende exclusivamente da natureza, ou seja, da sua conformidade à natureza apreendida pela recta razão. Segundo, porque se em S. Tomás a conformidade à razão constitui a qualidade moral de um acto, para Grotius, entretanto, a razão apenas constata que um acto está ou não conforme à natureza racional do homem, tendo em si mesmo a qualidade de ser moralmente ilícito ou moralmente necessário. Começa-se então a conceber como princípio, aquilo que na realidade seria uma conclusão: que um acto é conforme à natureza segundo a concepção da razão É o passo para se constituir a razão e a natureza humana como forças reguladoras, suficientemente coerentes e consistentes para estabelecer a lei[4]. Entretanto, se a lei natural se “racionaliza” ela não perde o seu carácter de universalidade. Segundo Maritain, “a lei natural torna-se um objecto construído a priori pelos filósofos de maneira a mais arbitrária, conforme as exigências e interesses sociais e políticos dos mesmos”[5].

TEIXEIRA LOPES, Jorge Filipe. Fundamentação dos direitos humanos na Lei Natural. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teologia, Filosofia y Humanidades. Licenciatura Canónica em Filosofia. Medellin, 2009.  p. 34-37.


[1]BEUCHOT, Mauricio. La ley natural en Suarez. Em: Francisco Suárez: Tradição e Modernidade. Lisboa: Colibri, 1999. p. 282.

[2] MARITAIN, La loi naturelle ou la loi non écrite, Op. Cit., p. 111. Esse pensamento levaria, mais tarde, a proclamar que de Deus só se pode conhecer a voluntas ordinata e, consequentemente, o próprio Deus poderia ter feito tudo de forma diferente do que fez. (Cfr. Bento XVI. Fé, Razão e Universidade: Recordações e reflexões. Discurso na Universidade de Regensburg. [Em linha]. <Disponível em: http:// www.Vatic an.va/holy_f ather/benedict _xvi/speeches /200 6/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20060912_university-regensburg_po.html> [Consulta: 19 Jun., 2009]).

[3] SUAREZ, Francisco. Las leyes. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1967. p. 124. Este pensamento de recurso à vontade do legislador divino para a apreensão da lei natural e de carácter nominalista, é contrário ao que afirma S. Tomás quando diz haver na natureza uma normatividade germinal na natureza que se explicita na lei. (Cfr. BEUCHOT, Op. Cit., p. 281-282).

[4] MARITAIN, La loi naturelle ou la loi non écrite, Op. Cit., p. 112-113. Por isso Maritain afirma que é em Grotius que se inicia, ainda que de forma velada, o processo de secularização da lei natural. É a razão que opera, determinando e estabelecendo a lei, pelo que se pode dizer assim: “este acto não é somente moralmente ilícito ou necessário, mas visto que Deus é o supremo sustentador da ordem universal, um acto moralmente ilícito é garantido por Deus, um acto moralmente necessário é ordenado por ele e, assim, encontramos, como em Suárez, natureza e vontade de Deus”.

[5] Ibid., p. 114.

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