João Paulo II: Um Papa carismático e popular

papa-joao-paulo-iiSão Paulo (Domingo, 1º de maio, 2011, Gaudium Press)

Carismático e popular. Se há dois predicados que emanam sobre a personalidade de João Paulo II em um primeiro momento são esses. Foi sob essa aura de forte empatia e afinidade com o rebanho católico que João Paulo II conduziu seu duradouro papado de 26 anos, um dos mais longevos da história recente da Igreja. Mas João Paulo II, o Papa, foi mais que uma personalidade de carisma e popularidade, e diversas outras alcunhas lhe são atribuídas por conta da maneira, como “Papa peregrino”, “João de Deus”, o “Papa dos jovens”…
Tudo começou no dia 16 de outubro de 1978. Naquele dia, perdurava o conclave que se reunia novamente menos de três meses após ter eleito o cardeal Albino Luciani Papa João Paulo I (no dia 28 de setembro, 1 mês e três dias após a eleição, João Paulo I falecia de enfarte, tornando-se assim um dos Papas mais breves da Igreja).
Depois de algumas horas de votação, o cardeal Pericle Felici vinha à Praça de São Pedro, onde a multidão se reunia ansiosa, e anunciava para o mundo, antes da aparição do Papa eleito:
“Annuntio vobis gaudium magnum: (Anuncio-vos com grande alegria)
Habemus Papam! (Já temos o papa!)
Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum (O Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor)
Dominum Carolum (Dom Carlos (Karol)
Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinalem Wojtyla (Cardeal da Santa Igreja Romana, Wojtyla)
Qui sibi nomen imposuit (Que adotou o nome)
Joannis Pauli de João Paulo II)”
Começava ali o terceiro maior pontificado da história da Igreja Católica, que durou quase 27 anos, sendo superado apenas por São Pedro, o primeiro Papa, que reinou ao longo de 34 anos, e pelo Papa Pio IX, cujo pontificado se estendeu por 31 anos.

Números
O pontificado de João Paulo II foi de recordes, muito graças a idade relativamente baixa com que assumiu o trono de Pedro. João Paulo II tinha 58 anos. Durante o seu pontificado, o Papa Wojtyla proclamou 482 santos e 1.314 beatos (Desde 2005, Bento XVI beatificou 790 pessoas e canonizou 34 santos). Como já dito, foi João Paulo II quem primeiro abriu o precedente de não esperar por cinco anos após a morte do candidato às honras do altar para que o processo de beatificação tenha início. João Paulo II beatificou Madre Teresa de Calcutá apenas quatro anos após seu falecimento.
Karol Wojtyla, o primeiro papa eslavo e polonês da história e o primeiro não-italiano em mais de quatro séculos, escolheu o nome pontifício de João Paulo II em homenagem ao seu antecessor, morto precocemente. Como lema, elegeu “Totus Tuus”, homenagem à Virgem Maria: “Sou todo teu, Maria”, sendo que ele colocou toda a sua vida sacerdotal sob a proteção da Virgem.
Aliás, foi João Paulo II Papa que revelou o terceiro segredo de Fátima, contido na carta da Irmã Lúcia, e que estava sob sigilo dos papas desde a década de 40. E o segredo falava justamente de um atentado a um pontífice. A ele.
Em 13 de maio de 1981, durante uma audiência papal a céu aberto na Praça de São Pedro, o Papa João Paulo II abaixou-se para abraçar uma menina que estava vestida com um pequeno retrato de Nossa Senhora de Fátima. Naquele preciso momento, Ehmet Ali Agca, um assassino turco, disparou dois tiros em direção à sua cabeça, a curta distância. As balas erraram o Papa mas acertaram dois peregrinos que estavam próximos.
Agca disparou novamente atingindo o Papa no abdômen. Se ele não tivesse se abaixado para abraçar aquela menina usando o retrato de Maria, aquelas duas balas teriam varado o seu crânio provavelmente matando-o instantaneamente. Levou seis meses para que ele se recuperasse totalmente das feridas. João Paulo II visitou Ali Agca. E o perdoou.
João Paulo II foi o Papa que mais viajou na história, façanha que o levou a ser chamado de “Papa peregrino”, visitando 129 países durante o seu pontificado. No Brasil, ficou conhecido como “João de Deus”, e esteve quatro vezes – três oficiais. Estima-se que falava cerca de 13 línguas: polonês, italiano, latim, francês, alemão, inglês, espanhol, português, ucraniano, russo, servo-croata, esperanto e grego.
O Papa Wojtyla também é considerado o “Papa dos Jovens”. Foi ele quem institui o instituidor das Jornadas Mundias da Juventude, em 1985, que desde então são realizadas a cada três anos em uma determinada cidade.
João Paulo II escreveu 14 encíclicas ao longo de seu pontificado.

Pedro Ozores Figueiredo, com agências

A presença dos religiosos nos movimentos eclesiais

José Manuel Jiménez Aleixandre

Cat            A natureza dos chamados “movimentos eclesiais” tem algumas características comuns a todos eles[1], consideradas por muitos autores como sendo, em parte semelhantes, em parte diferentes, a tantas outras formas carismáticas suscitadas pelo Espírito Santo na Igreja, ao longo dos séculos, pois, quanto à origem carismática dos mesmos, há acordo entre os autores.

Podemos dividir as características dos atuais “movimentos eclesiais” em: comuns aos movimentos de outras épocas, às quais podemos chamar características históricas; novas, adequadas ao novo milênio no qual a Igreja entra, que denominaremos características atuais.

A análise das respostas dadas ao longo da História, pelo mesmo Espírito Santo, para dar forma jurídica eclesiológica aos carismas, pode servir de moldura para ajudar a compreender como considerar as características históricas.

Mas a novidade trazida pelos novos movimentos e por seus fundadores (que se manifesta nas características atuais, muitas delas nunca vistas na Igreja) causa muitas vezes perplexidade. Aliás, compreensível, uma vez que, como temos analisado[2], um carisma só é bem compreendido por quem o recebe: seja este recebido diretamente, no caso do fundador; seja através de terceiros, como é o caso dos discípulos.

A presença de religiosos[3] nos movimentos eclesiais[4] enquadra-se nessa questão e merece algumas considerações.

            A questão torna-se particularmente incisiva quando se considera que uma Igreja Particular (uma diocese, uma prelatura em território de missão, etc.) não tem sua origem numa graça carismática fundante, mas na própria estrutura da Igreja, Povo de Deus em caminho. De modo diferente, os Institutos Religiosos[5] sempre nascem de um carisma fundacional, concedido pelo Espírito Santo em geral a uma só pessoa, que o encarna; e o transmite aos seguidores sob forma não jurídica, mas por uma paternidade espiritual que se comunica de pessoa a pessoa. Por isso, um religioso tem a obrigação de conformar sua vida à do fundador.[6]

            Os movimentos eclesiais, seguindo a opinião geral dos autores e do Magistério pontifício recente[7], são, eles próprios, nascidos de um carisma fundacional; parece assim ter alguma coisa a ver com os Institutos de Consagrados, já que ambos não se originam da estrutura hierárquica, e possuem uma forma vitae dada pelo fundador.

            O religioso estaria, então, sujeito a dois carismas fundacionais: o do instituto, e o do movimento.

Jiménez Aleixandre, José. Como regular a presença dos religiosos nos movimentos. In: Lumen Veritatis, n.7, Abril a Junho 2009. p. 29-31.


[1] Este artigo é um capítulo traduzido da tese de Mestrado apresentada pelo autor no “Studium Generale Marcianum” do Patriarcado de Veneza, sob o título “Le recenti proposte di configurazione canonica dei nuovi movimenti ecclesiali”, Venezia 2009 pro manuscripto.

[2] Em outros capítulos da tese de mestrado, da qual se publica aqui um excerto.

[3] Para efeitos deste artículo, empregamos o termo religioso no seu sentido jurídico canónico, definido pelos câns. c. 573 § 2 e 607: membro de um Instituto Religioso. No seu sentido comum entre o povo de Deus, a palavra designa, na realidade, qualquer pessoa que dedica sua vida à Igreja pela prática dos Conselhos Evangélicos levando vida comunitária, seja numa forma “canonicamente religiosa”, seja adotando outra forma canônica “não religiosa”: Instituto Secular, Sociedade de Vida Apostólica, uma “Nova Forma” segundo o c. 605; e até algumas formas canonicamente “laicas” como as atuais associações de fiéis com vida comunitária e celibato, por exemplo, os “Memores Domini” ou os “focolares”. Poderiam ser fazer analogias entre os dois conceitos escondidos no mesmo termo, mas seria objeto de outro estudo particular.

[4] A distinção feita por ZADRA, em I movimenti ecclesiali e i loro statuti, vem a propósito desse assunto. Ele considera como movimentos laicais aqueles que são constituídos apenas por leigos e que, em geral, colaboram nas paróquias (como a Ação Católica). Denomina movimentos espirituais aqueles que não têm uma forma particular de vida ou de ação apostólica, mas possuem específicas práticas devocionais, particulares ou realizadas em torno de um grupo. Por outro lado, considera como movimentos eclesiais aqueles nos quais convergem pessoas de todas as categorias existentes na Igreja: celibatários ou casados, clérigos e leigos, religiosos e seculares.

[5] A expressão è empregado aqui no seu sentido canônico, se bem que, como è notório, o mesmo se pode dizer de tantos outros “institutos de perfeição”, ou como denominar-se queira, e seja qual for a forma jurídica adotada: instituto secular ou sociedade de vida apostólica, assumindo os conselhos evangélicos. Ver as observações da nota anterior.

[6] Mesmo sendo um aspecto colateral ao estudo, fazemos referência aqui ao estudo de CANALS. Para os discípulos, diz ele, “é um dever de consciência dos mais importantes harmonizar-se constantemente com o espírito do Fundador” (p. 17), o qual, segundo São Jerônimo é “um homem no qual habita o espírito de Deus” (nota 8). Além do mais, na nota 9, CANALS acrescenta uma citação de FURET (Cronicas maristas – I el fundador, Zaragoza, Luis Vives, 1979, 18-19): “Os religiosos que não têm o espírito do fundador, ou o perderam, devem ser considerados e considerar-se a si próprios como membros mortos: […] Para um religioso, o espírito de seu estado, o espírito do fundador não é algo assim como uma prática somente útil, é uma necessidade, é uma coisa indispensável: não há graça, nem virtude, nem paz, nem dita neste mundo, nem salvação e dita eterna após a morte, para quem não possua esse espírito” (grifo meu).

[7] São tão numerosos os pronunciamentos de João Paulo II e Bento XVI neste sentido, que resulta sem sentido citar apenas um ou outro deles.

Compaginar os fundamentos eclesiológicos dos movimentos com o respaldo jurídico

Mons. João Clá Dias, EP

cooperadoresNestes últimos tempos tem-se generalizado o fenômeno dos chamados movimentos eclesiais, reunidos em torno de um carisma muito concreto e que, como apontam os recentes Pontífices Romanos, representam para a Igreja uma renovação, um surto de nova vitalidade. Embora dotados de vida e influxos de graça divina tão vicejantes, devem eles solucionar o problema de sua institucionalização, isto é, a necessidade de aprovação por parte da autoridade eclesiástica, tornando-os entes jurídicos inseridos na estrutura eclesial. Tal reconhecimento, além de conferir segurança do ponto de vista legal, representa a plena inserção na comunhão da Igreja, o que, por sua vez, costuma acarretar novos impulsos apostólicos, crescimento e consolidação do próprio grupo.

Entretanto, para os fundadores e suas respectivas obras, encontrar a forma canônica que sirva de baliza e preserve a vida do carisma sem engessá-lo, dando primazia à graça sobre a estrutura legal, tem sido historicamente algo perplexitante. Pois não raro parece, ao menos à primeira vista, que a adoção de formas jurídicas produza o efeito oposto ao desejado, ou seja, crie embaraços à ação da graça e tolha a produção de seus frutos.

É verdade que, mediante o reconhecimento, contornam-se com maior facilidade as dificuldades inerentes ao desenvolvimento rápido e, não raro, impetuoso dos movimentos, o qual se dá em meio a estruturas eclesiais organizadas, cujo dinamismo soe ser menos intenso. Favorece-se assim a manutenção de um ambiente de harmonia e de entendimento, frutos da paz deixada por Cristo à sua Igreja. Mas essa inegável vantagem não justificaria, por si só, a escolha precipitada de uma figura jurídica que não correspondesse à sua fisionomia verdadeira. […]

Para isso é necessário compaginar os fundamentos eclesiológicos dos movimentos com o respaldo jurídico oferecido pela atual legislação canônica, procurando encontrar assim uma estrutura que canalize a vida deste carisma sem tolher-lhe a vida, e o proteja sem impedir-lhe o posterior desenvolvimento.

CLÁ DIAS, João. Apresentação do argumento de tese em Direito Canônico: Motivações científicas. 2 mar. 2009. p. 2-3.

Os Carismas

Mons. João Clá Dias, EP

espirito

Os carismas, “quer extraordinários quer simples, são graças do Espírito Santo que, direta ou indiretamente, têm uma utilidade eclesial, pois são ordenados à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo” (CIC, n. 799; 800).[1]

Por meio deles, o Povo de Deus participa do múnus profético de Cristo, através do Espírito Santo que santifica e conduz a Igreja. Ele não apenas se beneficia com as riquezas doadas pela magnificência de Deus, mas assume as responsabilidades inerentes a essa participação em proveito da Igreja, como ensina o Concílio Vaticano II:

A todos os fiéis incumbe, portanto, o glorioso encargo de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens em toda a terra. […] A recepção destes carismas, mesmo dos mais simples, confere a cada um dos fiéis o direito e o dever de atuar na Igreja e no mundo, para bem dos homens e a edificação da Igreja, na liberdade do Espírito Santo, que ‘sopra onde quer’ (Jo 3, 8) e, simultaneamente, em comunhão com os outros irmãos em Cristo, sobretudo com os próprios pastores (Apostolicam Actuositatem, n. 3).

 

Caberá, evidentemente, a critério superior das autoridades eclesiásticas fazer o julgamento sobre a autenticidade desses dons e ordenar seu exercício, provando-os e ficando com aqueles que sejam bons (cf. LG 12; 1 Tes 5, 12), pois o próprio Espírito submeteu à autoridade dos Apóstolos até os carismáticos (LG 7; 1 Cor 14). A esse propósito, assim se exprimiu João Paulo II:

Como conservar e garantir a autenticidade do carisma? É fundamental, a respeito disso, que cada movimento se submeta ao discernimento da autoridade eclesiástica competente. Por essa razão, nenhum carisma dispensa da reverência e da submissão aos Pastores da Igreja.[2]

 

Cumpridas essas condições, os carismas devem ser acolhidos com reconhecimento e generosidade, não só por quem os recebe, mas também por todos os membros do Corpo Místico de Cristo. E se, por um lado, cabe aos pastores discernir a autenticidade divina desses dons e carismas, compete-lhes, por outro lado, zelar especialmente para não se extinguir a ação do Espírito, buscando a cooperação de todos em sua diversidade e complementaridade (cf. LG 12).[3]

Tais carismas, que manifestam a presença atuante do Espírito Santo, não são atributos de funções eclesiásticas particulares — segundo George e Grelot (1966, p. 120) — mas podem encontrar-se em qualquer batizado, seja qual for seu ministério ou função na Igreja. São concedidos com o objetivo de dar o poder e a graça para corresponder à própria vocação e ser útil à comunidade, a fim de que seja edificado o Corpo de Cristo.

 

CLÁ DIAS, João. Os novos movimentos: Quando espírito e jurisprudência se encontram…

 in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 6, jan-mar 2009. p. 11-13.


[1] A esse respeito também interessa a afirmação de João Paulo II no discurso aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos, em 30 de maio de 1998: “Não esqueçais que cada carisma é dado para o bem comum, isto é, em benefício de toda a Igreja!”

[2] Discurso aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, de João Paulo II, em 30 de maio de 1998. Disponível em: <www.vatican.va>. Acesso em: <15 maio 2008>.

[3] “Esses carismas, quer eminentes, quer mais simples e mais amplamente difundidos, devem ser recebidos com gratidão e consolação, pois que são perfeitamente acomodados e úteis à necessidades da Igreja. […] O juízo sobre a autenticidade e seu ordenado exercício compete aos que governam a Igreja. A eles, em especial, cabe não extinguir o Espírito, mas provar as coisas e ficar com o que é bom (cf. 1Tes 5, 12 e 19, 21)” (LG 12).