A família: Formadora nos valores humanos e cristãos

familiasPe. Mariano Antonio Legeren, EP

Um dos principais desafios que a família cristã enfrenta é o de formar a consciência moral dos filhos, numa época na qual os valores morais vão sendo diluídos. Isto torna muito mais importante do que nunca que os filhos sejam educados no amor à verdade objetiva — baseada na natureza humana e na lei revelada —, à justiça, à caridade e à pureza de corpo e de alma.

Dificilmente os mais jovens saberão resistir à onda hedonista e relativista sem o aprendizado em família, o exemplo e o apoio dos pais. Urge, portanto, recolocar a família em seu devido contexto, como lugar principal e privilegiado de formação e educação, transmissora das virtudes e valores.

A Exortação Apostólica Familiaris Consortio faz referência ao ensinamento de São Tomás de Aquino, para ressaltar a alta missão dos pais a esse propósito. “O dever educativo recebe do sacramento do matrimônio a dignidade e a vocação de ser um verdadeiro e próprio ‘ministério’ da Igreja a serviço da edificação dos seus membros. Tal é a grandeza e o esplendor do ministério educativo dos pais cristãos, que São Tomás não hesita em compará-lo ao ministério dos sacerdotes: ‘Alguns propagam e conservam a vida espiritual com um ministério unicamente espiritual: é a tarefa do Sacramento da ordem; outros fazem-no quanto à vida corporal e espiritual o que se realiza com o Sacramento do matrimônio, que une o homem e a mulher para que tenham descendência e a eduquem para o culto de Deus’”.1

É no lar, e somente ali, que se podem desenvolver “alguns valores fundamentais que são imprescindíveis para formar cidadãos livres, honestos e responsáveis, por exemplo, a verdade, a justiça, a solidariedade, a ajuda ao débil, o amor aos outros por si mesmos, a tolerância, etc.”.

De pouco adiantará os governos se preocuparem em desenvolver o ensino, dotarem as escolas de equipamentos sofisticados e caros e investir na formação de professores, sem antes procurar fortalecer a instituição da família. Difícil será, sem a ajuda dela, combater a criminalidade, a corrupção e tantas outras mazelas.

A superação de todos os problemas da sociedade moderna — seja no nível psicológico, seja no social ou político — está condicionada, como vimos, à revitalização da sua célula básica: a família.

Porém, todos os esforços e as iniciativas humanas por fazer reflorescer esta instituição serão insuficientes sem que as bênçãos e a Graça de Deus se pousem sobre ela.

Só com a ajuda de Graças intimamente ligadas ao Sacramento do Matrimônio, a família poderá cumprir sua importante missão nesta Terra e preparar para o Céu as almas daqueles que a compõem.

Assim lembrou o Papa Bento XVI na clausura do V Encontro, celebrado em Valência, Espanha: “A família cristã — pai, mãe, filhos — está chamada a cumprir os objetivos assinalados não como algo imposto de fora, mas como um dom da graça do Sacramento do matrimônio infundida nos esposos. Se eles permanecerem abertos ao Espírito e pedirem a sua ajuda, Ele não deixará de lhes comunicar o amor de Deus Pai manifestado e encarnado em Cristo. A presença do Espírito ajudará os esposos a não perder de vista a fonte e medida do seu amor e entrega, e a colaborar com Ele para o refletir e encarnar em todas as dimensões da sua vida. Desta forma, o Espírito suscitará neles o anseio do encontro definitivo com Cristo na casa de seu Pai e nosso Pai”.2

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1 João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio, n. 38.

2 Bento XVI, homilia por ocasião do encerramento do V Encontro Mundial das Famílias, 9/7/2006.

Os professores e o ensino: Aportes da Igreja

aulaDom J. B. Chautard. A ALMA DE TODO APOSTOLADO. São Paulo: Editora coleção, p. 90

 

O professor sem vida interior julga ter cumprido o dever, conservando‑se exclusivamente dentro das balizas de um programa de exame. Se tivesse vida interior, uma frase que lhe escapasse dos lábios e do coração, uma comoção que se lhe espelhasse no rosto, um gesto expressivo, que digo? só a maneira de fazer o sinal da cruz, de dizer uma oração antes ou depois de uma aula, embora fosse aula de matemática, poderiam exercer maior eficácia nos alunos que um sermão.

 

Sto. Agostinho De Magistro (Do Mestre) Cap. VIII

 Todo homem que aprecie as coisas pelo seu justo lado e valor, a um charlatão que dissesse: “Ensino para falar”, responderia: “Homem, e por que antes não falas para ensinar?” […] as palavras, pois, existem para que as usemos, e as usamos para ensinar. Logo, é melhor ensinar que falar, e, assim, é melhor o discurso que a palavra. Muito melhor que as palavras é, portanto, a doutrina.

 

 

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI 13 dezembro 2007

[…] deve ser dedicada especial atenção às jovens gerações, mostrando-lhes que elas são a primeira riqueza de um país; a sua educação integral é uma necessidade primordial. De facto, não é suficiente uma formação técnica e científica para fazer deles homens e mulheres responsáveis na sua família e em todos os níveis da sociedade. Para esta finalidade, é preciso privilegiar uma educação nos valores humanos e morais, que permita que cada jovem tenha confiança em si próprio, confie no futuro, tenha a preocupação pelos seus irmãos e irmãs em humanidade e queira assumir o seu lugar no crescimento da nação, com um sentido cada vez mais profundo do próximo.

Aportes para o discernimento de um autêntico progresso: Da Populorum Progressio à Caritas in Veritate

Diác. José de Andrade, EP

 

 

relo“Hoje o mundo está cheio de convites ao progresso. Ninguém quer ser ‘não progressista’. Trata-se, todavia, de saber em que consiste o verdadeiro progresso”.[1] De acordo com Corrêa de Oliveira, este resume-se “no reto aproveitamento das forças da natureza, segundo a Lei de Deus e a serviço do homem”. Porém, “nem é o progresso material de um povo o elemento capital do progresso cristãmente entendido.” Mas, sobretudo, “no pleno desenvolvimento de todas as suas potências de alma, e na ascensão dos homens rumo à perfeição moral”.[2]

            Conforme o filósofo espanhol contemporâneo Ferrater Mora, o progresso pode considerar-se como um processo ou evolução, porém, onde se incorporam os valores.[3] Estes são fundamentais para um saudável e sustentável desenvolvimento, sem o qual, corre-se o risco de tudo desmoronar, pois não estaria construído sobre solo firme. E que solo mais firme haveria do que a “rocha de Pedro”? De facto, ao longo da história, a Igreja preocupou-se com um pleno desenvolvimento, repleto de valores, servindo-se para isso de uma atenta análise do decorrer dos tempos, munida das escrituras, a fim de servir-se da Palavra de Deus que interpela os homens de todos os tempos.

 

Fundada para estabelecer já neste mundo o reino do céu e não para conquistar um poder terrestre, a Igreja afirma claramente que os dois domínios são distintos, como são soberanos os dois poderes, eclesiástico e civil, cada um na sua ordem. Porém, vivendo na história, deve estar atenta aos sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho. Comungando nas melhores aspirações dos homens e sofrendo de os ver insatisfeitos, deseja ajudá-los a alcançar o pleno desenvolvimento e, por isso, propõe-lhes o que possui como próprio: uma visão global do homem e da humanidade.[4]

 

            Uma superficial consideração do mundo de hoje leva a crer que a Igreja é contra o progresso, tal seria, pois, enquanto tal e na verdadeira acepção da palavra, é uma coisa boa. A este respeito, escreveu Paulo VI em seu último livro, ainda enquanto Cardeal Montini, em 1963:

 

A cristandade não é um obstáculo ao progresso moderno porque não o considera apenas nos seus aspetos técnicos e econômicos, mas no total de seu desenvolvimento. Os bens temporais poderão certamente ajudar o completo desenvolvimento do homem, mas eles não constituem o ideal da perfeição humana ou a essência do progresso social.[5]

 

            O problema com o aparente progresso, este sim, criticado pela Igreja, está no fato de ter vindo acompanhado de uma filosofia de vida que parecia dispensar Deus e confiar na mera técnica, ou no próprio homem, tal como advertiu o então cardeal Ratzinger:

 

Não é a expansão em si das possibilidades técnicas que é má, mas a arrogância iluminista que, em muitos casos, esmagou estruturas desenvolvidas e calcou as almas de homens cujas tradições religiosas e éticas foram postas de parte de forma displicente. O desenraizamento das almas e a destruição de estruturas comunitárias que então ocorreram, são certamente o principal motivo pelo qual a ajuda ao desenvolvimento apenas muito raramente tenha conduzido a resultados positivos.[6]

 

            Thomas S. Kuhn, chegou mesmo a colocar o dedo na ferida e a levantar o problema para onde caminhava a ciência em meados do séc. XX, pois, seu processo parecia partir de estágios primitivos e aparentava não levar a pesquisa para mais perto da verdade ou em direção a algo, o que significava que um número inquietante de problemas poderiam advir.[7]

            Anteriormente, já Kierkegaard alertava que, tornando-se a ciência um modo de vida, então esse seria o modo mais terrível de viver: “encantar todo o mundo e se extasiar com as descobertas e a genialidade, sem, no entanto, [o homem] conseguir compreender-se a si mesmo”.[8]

            No decorrer da 2ª Guerra Mundial, o mundo ocidental fica chocado com as práticas abusivas de médicos nazis que em nome da ciência, cometem as maiores atrocidades contra o ser humano em nome da ciência. Surge então o desenvolvimento de um código ético que se condensa com o nome da Bioética e formula-se aí também a idéia que a ciência não é mais importante que o homem. O progresso técnico deve ser controlado e acompanhar a consciência da humanidade sobre os efeitos que pode ter no mundo e na sociedade para que as novas descobertas e suas aplicações não fiquem sujeitas a todo o tipo de interesses.[9]

            Como o progresso não se reduz a questões científicas, muito pelo contrário, a Populorum Progressio, documento fundamental para o âmbito deste estudo, trouxe-nos importantes aportes: “Combater a miséria e lutar contra a injustiça, é promover não só o bem-estar mas também o progresso humano e espiritual de todos e, portanto, o bem comum da humanidade”.[10] Esta forma de progresso integral vem muito bem delineado no recente Compêndio de Doutrina Social da Igreja:

 

A humanidade compreende cada vez mais claramente estar ligada por um único destino que requer uma comum assunção de responsabilidades, inspirada em um humanismo integral e solidário: vê que esta unidade de destino é freqüentemente condicionada e até mesmo imposta pela técnica ou pela economia e adverte a necessidade de uma maior consciência moral, que oriente o caminho comum. Estupecfatos pelas multíplices inovações tecnológicas, os homens do nosso tempo desejam ardentemente que o progresso seja votado ao verdadeiro bem da humanidade de hoje e de amanhã. (n. 6)

 

 

            O remédio para os males e um falso progresso estão na caridade, porém, caridade na Verdade, ou seja, em Jesus Cristo. Se d’Ele não se tivesse afastado o homem, não teria o progresso sofrido tal desvio. Ao voltar-se para Deus, e valorizar o amor conforme o mandamento novo trazido por Jesus, o progresso se desenvencilhará de suas deturpações e produzirá os frutos mais excelentes. Tal como afirma Bento XVI na sua mais recente encíclica:

 

A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o autêntico desenvolvimento, não é assegurada pelo simples progresso técnico e por meras relações de conveniência, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre à reciprocidade das consciências e das liberdades. (Caritas in Veritate, n. 7)

VICTORINO DE ANDRADE, José. Aportes para o discernimento de um autêntico progresso: Da Populorum Progressio à Caritas in Veritate. Projecto de Mestrado em Teologia Moral. UPB. Escuela de Teología, filosofía y humanidades. Facultad de Teología, 2009. p. 3-5.


[1] JOÃO PAULO II. Visita pastoral à paróquia romana de São Clemente. Domingo, 2 de Dezembro de 1979. in: <www.vatican.va>.

[2] CORRÊA DE OLIVEIRA. Plinio. RCR. in: Catolicismo, nº100, 1959. p. 31.

[3] FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Tradução de António José Massano e Manuel Palmeirim. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978. p. 231.

[4] Populorum Progressio, n. 13.

[5] MONTINI, Giovanni Battista. The Christian in the Material World. Baltimore: Helicon, 1964. (tradução minha).

[6] RATZINGER, Joseph. Fé, Verdade, Tolerância. Traduções UCEDITORA: Lisboa, 2007. P. 71

[7] Cf. REALE, Giovanni. História da Filosofia: Do romanismo até nossos dias. V. 3. São Paulo: Paulus, 1991. p. 1046.

[8] Idem, p. 250.

[9] Cf. SÓNIA. Ética: Emergências Médicas – 2º ano. in: Bioética. Doc. Prefeitura de Araquara, 1997. p. 1.

[10] Populorum Progressio, n. 76.

A cultura levada à plenitude pelo Evangelho

Diác. José Victorino de Andrade, EP

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  O Evangelho assumiu desde sempre um papel fundamental na cultural ocidental. Entende-se aqui por cultura no seu sentido mais elevado, que na Grécia parecia chamar-se paideia, no sentido de educação, aquilo que plasma aos homens um modo de pensar, sentir e agir. É neste âmbito que se insere o Evangelho, modelando a sociedade, ou seja, o ser humano, enquanto participe de uma comunidade – o que é inerente à cultura – identificando-se desta forma na formação coletiva que revela modos de vida criados, adquiridos e transmitidos de uma geração para a outra. As almas impregnadas do espírito verdadeiramente cristão e do mandamento novo trazido por Cristo foram desde sempre especialmente chamadas a ser exemplo na construção de uma sociedade mais justa e próspera É inegável que encontramos estas frondosas raízes na sociedade Européia e nos países por ela evangelizados e que devem o que são hoje – sua cultura – a valores e conceitos indeléveis e que lhes foram oferecidos pelo catolicismo. Apesar das múltiplas tentativas de hoje em desassociar a cultura hodierna do fenômeno religioso, eis que o mundo ocidental parece voltar a ser terra de evangelização e os fiéis leigos têm de assumir um papel preponderante e fundamental na consecratio mundi, através da cultura, conforme a exortação Christifidelis Laici:

 

Perante o progresso de uma cultura que aparece divorciada não só da fé cristã mas até dos próprios valores humanos, bem como perante uma certa cultura científica e tecnológica incapaz de dar resposta à premente procura de verdade e de bem que arde no coração dos homens, a Igreja tem plena consciência da urgência pastoral de se dar à cultura uma atenção toda especial. Por isso, a Igreja pede aos fiéis leigos que estejam presentes, em nome da coragem e da criatividade intelectual, nos lugares privilegiados da cultura, como são o mundo da escola e da universidade, os ambientes da investigação científica e técnica, os lugares da criação artística e da reflexão humanística. Tal presença tem como finalidade não só o reconhecimento e a eventual purificação dos elementos da cultura existente, criticamente avaliados, mas também a sua elevação, graças ao contributo das originais riquezas do Evangelho e da fé cristã (n. 44).

 

            Desta forma, o Evangelho e a tradição cristã pode e deve oferecer aos homens de hoje um enriquecimento impar, que marque o campo da cultura, do ensino e das artes, entre tantos outros, de tal forma que possa levar aos homens um testemunho d’Aquele que é a Bondade, a Verdade, e a Beleza. E neste contributo deve empenhar-se todo o cristão.

 

VICTORINO DE ANDRADE, José. A Igreja e o Verdadeiro Progresso: Sacralização e Pleno Desenvolvimento no mundo contemporâneo. 17 f. Trabalho (Mestrado em Teologia Moral) – UPB, 2009. p. 12.