A moral ideal convive com a razão e a lei inscrita no coração

Pe. José Victorino de Andrade, EP

Com certa força, reivindica-se hoje a aprovação de certas leis cuja índole a Igreja desaprova, o que constitui cada vez mais um desafio. Na verdade, o pós-modernismo tem tendência a desprezar as raízes da sua própria civilização, recusar qualquer hierarquia e suas representações e distanciar-se do Absoluto. Com reflexos no âmbito moral, este posicionamento fez com alguns pensadores pugnem por uma ética que não obrigue o legislador a ser influenciado por uma moral que se apoia na lei natural, a fim de unir os homens e fazê-los viver como se Deus não existisse.[1]

Entretanto, Sergio Belardinelli repara que “o esforço moderno de construir uma sociedade justa, feita de homens capazes de reconhecerem-se reciprocamente como se Deus não existisse, tem-se revelado um desastre”.[2] E adverte que pensar um mundo sem Deus, poderá significar em descaracterização e comprometimento do próprio homem. Flavia Monceri vai mais longe e pensa mesmo chamar ao diálogo aqueles que, sendo contrários à Igreja, possuem a responsabilidade histórica por tomarem certas posições filosóficas que resultaram no secularismo e no relativismo e consequente deriva niquilista da sociedade ocidental.[3]

Não é qualquer moral amiga da pessoa humana, conforme ensina Bento XVI na Caritas in Veritate (n. 45). É necessária uma moral descomprometida com ideologias e divergências, que não se submeta a tendências relativistas e transitórias de tempo e de lugar, mas que possa invariavelmente considerar o homem como imagem de Deus (Gn 1, 27). Esta moral não prescinde da razão, mas convive continuamente com Ela, tonificando-se por um lado e purificando-a por outro, a fim de que não se sobreponham interesses pessoais, mas subsista “a dignidade inviolável da pessoa humana e também o valor transcendente das normas morais naturais” (Caritas in Veritate, n. 45).

Em nossos dias, partindo da Revelação, a Igreja continua a provocar aquelas opções humanas redutoras do ser a utilitarismos hedonistas, egoístas e materialistas. Ela observa, julga e interage, colabora e intervém, para garantir que as perenes referências éticas não desrespeitem os mais básicos direitos humanos. Cria espaços para denunciar sempre que são feridos os princípios mais elementares da liberdade e da legítima autonomia institucional, ou mesmo quando certas decisões, apoiadas por massas equivocadas, optam por posições contrárias à dignidade e existência do ser, ou corrompem a recta razão e aquela ordem cujas referências nos foram deixadas pela Sabedoria Eterna e Encarnada.


[1] Cf. LECALDANO, Eugenio (2008). Un’etica senza Dio. Roma: Laterza. Também HOTTOIS, Gilbert (2005). De la Renaissance à la Postmodernité: Une histoire de la philosophie moderne et contemporaine. 3. ed.  Bruxelles: De Boeck Supérieur.

[2] D’AGOSTINO, Francesco et all. Cinisello Balsamo (It): San Paolo Edizioni. p. 146

[3] Idem.

A Bioética cristã é a mais preparada para responder ao homem de hoje

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Pe. José Victorino de Andrade, EP

O Papa Bento XVI,  na Caritas in Veritate chamava a atenção para o perigo que existe na adopção de uma ética sem um forte compromisso cristão, pois acaba-se por “designar conteúdos muito diversos, chegando-se a fazer passar à sua sombra decisões e opções contrárias à justiça e ao verdadeiro bem do homem” mas é necessário uma ética “amiga da pessoa” (n. 45). Ora, continua ele, a Igreja “tem um contributo próprio e específico para dar, que se funda na criação do homem ‘à imagem de Deus’ (Gn 1, 27), um dado do qual deriva a dignidade inviolável da pessoa humana e também o valor transcendente das normas morais naturais” (n. 45).

O problema com uma dignidade meramente ética é que ela permanece sempre relativa e sujeita a juizos morais em desenvolvimento, instáveis. Torna-se necessário o recurso a uma dignidade humana que seja ontológica, e, portanto, inevitávelmente tendente à metafísica, além de uma dignidade teológica que se fundamente no absoluto, complementando-se ambas.1 Há que prestar atenção, pois quando se faz um apelo à ética, esta não deve consistir num qualquer sistema, vazio ou alienado em conteúdos. Esta questão envolve uma importância que deve estar longe de ser descurada. É perigoso considerá-la um negócio, passar por um jogo de interesses ou mesmo algo passageiro, mas tem de tornar-se um compromisso sério, radicado numa ética original e originária.2

Quando a bioética se funda em qualquer ética, corre-se sempre o risco de atropelar dignidade humana com ideologias impregnadas de utilitarismo, consequencialismo, e processualismo, aliás, várias faces de uma mesma moeda, cunhada inicialmente por Bentham e Mill, baseando em cálculos de felicidade e utilidade para os homens, valorizando o hedonismo, e julgado a bondade ou maldade do acto por sua utilidade, e não pelo facto em si, parecendo repetir o dito maquiavélico de que os fins justificam, ou absolvem os meios,3 desde que a satisfação, no seu geral, seja alcançada.

Não se tardaria a cair em morais populistas como as de Peter Singer, com todos os seus erros perniciosos, pois o homem não tardaria também a ser avaliado segundo esse modelo: assim, aqueles que não possuem uso da razão, quer seja porque não o possuem, ou porque o perderam, deixam de estar incluídas na categoria de pessoas, talvez por não serem úteis…4. Parecem estar assim justificados alguns dos maiores crimes que se cometem hoje contra a dignidade da pessoa.

A Bioética, para ser, de facto, uma ética da vida, terá de ter um referencial que a transcenda. Nós não inventamos a existência, ela é-nos dada, portanto, dom gratuito. Do ponto de vista da vida que recebemos, desse acto de amor de Deus criador, o nosso ponto rector tem necessariamente de se transcender, pois materialmente falando, não fundamenta nem justifica o nosso ser. Um mundo que vira as costas ao seu autor, e que dirige a visão para causas puramente materiais, torna-se incapaz de dar o necessário valor à vida, e ao próprio homem, para relativizá-los.

Escreveu de modo acurado o Cardeal Elio Sgreccia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, que o “silêncio da metafísica”, deu lugar ao relativismo, a uma ética racionalista laica, que não deveria deixar de se confrontar com o absoluto, pois a razão pede ao homem que se confronte com valores humanos e normas éticas cuja origem é transcendental.5 Realmente, uma ética sem qualquer fundamentação teológica ou metafísica está sujeita às frágeis bases do compromisso social.6

Acrescenta o Côn. Jorge Teixeira Cunha, no seu excelente Manual de Bioética, que a falta de confrontação com a evidência metafísica e o Absoluto nos pressupostos desta matéria, leva a um “bater de asas no vazio de uma egolatria sem horizonte”, pois “justificar racionalmente a norma do bem moral” não deve excluir, quanto ao seu juízo, a consideração do pensamento religioso e teológico cristão.7

Vemos, deste modo, que um conúbio entre a ética e a mística é fundamento e base para a vida em plenitude do homem peregrinante nesta terra, dom do Criador, preâmbulo daquela mesma felicidade eterna à qual todos estão chamados. Nas belas palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:

“Se o nosso fim próprio é conhecer, amar, louvar e servir a Deus, nossa natureza, máxime enquanto elevada à ordem sobrenatural, deve tender inteiramente para este fim. Ou seja, todas as nossas atividades mentais e físicas devem dirigir-se para o conhecimento da verdade e prática do bem. Tanto quanto no Céu, esta finalidade é real na vida terrena, pois nossa natureza se orienta toda para o que será na eternidade. Suas tendências fundamentais já são o que eternamente serão.

E como a vida terrena não pode ser contrária à nossa natureza, segue-se que ela já é de algum modo, a sua substância, no que tem de mais interno, essencial e íntimo, no plano natural como no sobrenatural, a mesma vida de contemplação, amor, louvor e serviço de Deus que teremos no Céu”.8

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1Cf. ALZATE RAMÍREZ, Luis Hernando; OSORIO, Byron. Op. Cit., p. 47; 50-51.

2 “El reto que se plantea para la ética es fundamental. Las posiciones éticas cotidianas  de los cristianos simplemente se confunden con la ética dominante que puede ser una defensa coyuntural de los derechos humanos. O también puede aparecer la iglesia defendiendo un vago humanismo como cualquier Organización no Gubernamental. O se predica un amor a los demás, universalizante y abstracto sin compromiso de la persona. La ética no se reduce a ser un ‘buen negocio’. El recurso al compromiso ético no es cuestión de ‘imagen’ (se puede ser ético para obtener ganancias y estatus) o de estar a la moda, sino de fundamentación y fundamentación en una ética original y originaria. Original por ser propia del cristianismo y originaria pues es fundante de toda acción social en el mundo”. (ARBOLEDA MORA, Carlos. Experiencia y testimonio. Medellín: UPB, 2010. p. 22).

3 Cf. MAQUIAVEL. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Ediouro, 2005. p. 73.

4 “Niños muy pequeños, débiles mentales, ancianos en demencia y sujetos permanentemente inconscientes no deberían ser considerados personas ni serían, por tanto, sujetos de los derechos básicos que habitualmente adscribimos a las personas. Desde semejante planteamiento tienen cabida el aborto, la eutanasia y todos aquellos males que se ciernen sobre los débiles de la sociedad”. CARRODEGUAS NIETO, Celestino. El concepto de persona a la luz del Vaticano II. In: Lumen Veritatis. São Paulo.  No. 12 (Jul. – Sept., 2010); p. 44.

5 Cf. SGRECCIA, Elio. Manuale de Bioetica. 4. ed. Milão: V&P, 2007. Vol. 1. p. 30.

6 Esta ideia está fundamentada na conferência feita pelo Arcebispo Jean-Louis Bruguès, abordando a Encíclica de João Paulo II Veritatis Splendor, no Seminário São Tomás de Aquino (São Paulo – Brasil) no dia 1 nov. 2010. Ver também o nº 53 do documento.

7 Cf. TEIXEIRA DA CUNHA, Jorge. Bioética Breve. Apelação (Portugal): Paulus, 2002. p. 6.

8 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A contemplação terrena, prenúncio da visão beatífica. Em: Revista Dr. Plinio. São Paulo. Ano IV. No. 42 (Set., 2001); p. 21.

Virtud y Felicidad

Pe. Juan Francisco Ovalle Pinzón, EPsta-teresinha

            

 

            Por encima de las aspiraciones humanas existe un fin esencial, ontológico en el orden del ser humano e intrínseco a la vida, sea cual sea esta; este es el fin último objetivo del ser en el cual se encuentra la satisfacción a los deseos humanos y en el cual no queda ninguno de ellos por fuera, que en suma solo puede ser Dios. A pesar de existir este fin es el fin perfecto de los hombres, estos en muchas ocasiones procuran un fin diferente que a pesar de no ser perfecto, ni sobrenatural, ni último (objetivamente hablando) es considerado por muchos como el fin último de sus vidas y en este aspecto adquiere el título de fin último subjetivo, pues depende de la intención que tenga el sujeto agente a su respecto y del bien que la persona tome para su vida. Del fin que el hombre escoja para su vida dependerá su forma de existencia, debido a que el fin especifica los actos humanos[1] y les imprime moralidad, por lo menos subjetiva, a la existencia individual.

            Objetivamente hablando, el cumplimiento de la finalidad está intrínsecamente ligado a la práctica de las virtudes e inherente en la moralidad de los actos humanos, no apenas desde una perspectiva aristotélica, más aún, desde una que sea de mayor alcance en la perfección de la naturaleza del hombre. Pues la práctica de la virtud debe generar en el ser humano sensaciones de bienestar que se actualizan, por lo menos por recuerdos, a lo largo de la vida.

            A pesar de los beneficios que se presentan en el hombre virtuoso no son pocos los que volcándose únicamente hacia sí mismos, subjetivando el fin último, descartan y rechazan toda forma de virtud, estableciéndola como hostil en la procura de la felicidad. “Del conflicto entre la virtud y la felicidad surgen los distintos sistemas de la Filosofía moral”[2]  y por ende las diferentes concepciones de felicidad; estas concepciones, motivadas e influenciadas por un contexto determinado, han variado a lo largo de los siglos junto con el progreso de la sociedad humana.


[1] S.Th. I-II  c1  a3

[2] ENCICLOPEDIA UNIVERSAL Ilustrada Europa-América. Madrid: Espasa-Calpe, 1988.  p. 579.  Tomo XXIII.