Relativismo e consciência

Diác. Inácio Almeida, EP

Uma das manifestações mais evidentes do relativismo contemporâneo liga-se a uma nova compreensão do conceito de consciência, que tem acarretado profundas implicações tanto no campo gnosiológico quanto moral.

Segundo essa nova teoria, cada consciência é autônoma, infalível e independente. Ela funciona como uma espécie de tribunal de última instância, capaz de ditar por si mesma as regras de toda conduta moral e social. Ratzinger considera esta interpretação do conceito de consciência como uma espécie de deificação da subjetividade, pois o critério da verdade acaba sendo ditado pelo próprio ego interior: “Consciência, na modernidade, tornou-se a divinização da subjetividade, enquanto que na tradição cristã é exatamente contrário. A consciência é a convicção de que o homem é transparente e pode sentir em si mesmo a voz da própria razão, a razão que dá fundamento do mundo”.1

Com efeito, a tradição cristã compreende a consciência como a capacidade que o homem tem de abrir-se à verdade objetiva e universal e que constitui não somente um direito, mas também um dever de buscar aquilo que é verdadeiro. 2 Dessa forma, a consciência deve ser entendida como unidade de conhecimento e verdade, sem ser confundida com a autoconsciência, pois viver conforme a consciência não significa encerrar-se na própria convicção.

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1) Dialogo fra Ratzinger e Galli della Loggia su storia, politica e religione. In: Tosatti, Marco. Il dizionario di papa Ratzinger: Guida al pontificato. Milano, Baldini Castoldi Dalai, p. 34 (tradução nossa): “Coscienza, nella modernità, diventa la divinizzazione della soggettività, mentre nella tradizione cristiana è proprio il contrario, è la convinzione che l’uomo è trasparente e può sentire in se stesso la voce della ragione stessa, della ragione fondante del mondo”.

2) Cf. Idem. El elogio de la conciencia: la Verdad interroga al corazón. Madrid: Palabra, 2010, p. 45.

Cristo, novo Adão

Nas suas conferência quaresmais de 1981, quando era arcebispo em Munique, Joseph Ratzinger fez belas considerações cuja tradução transcrevemos a seguir:

 Cristo se converte num novo Adão com o qual o ser humano começa novamente.   Ele que, desde o fundamento, é nosso ponto de referência, o filho, restabelece corretamente de novo as relações.  Seus braços estendidos são a referência aberta, que continua a estar aberta para nós.  A cruz, o lugar da sua obediência, se converte na verdadeira árvore da vida.  Cristo se converte na imagem oposta da serpente como diz João em seu evangelho  (Jo 3, 14).

Desta árvore vem, não a palavra da tentação, mas a palavra do amor salvador, a palavra da obediência, na qual Deus se fez obediente para oferecer-nos sua obediência como espaço da liberdade. A cruz é a árvore da vida novamente acessível.  Com a Paixão, Cristo fez obedecer o som, por assim dizer, inflamado da espada, atravessou o fogo e levantou a cruz como o verdadeiro eixo do universo sobre o qual este de novo ficou reto.  Por isso, a Eucaristia, como presença da cruz, é a verdadeira árvore da vida que está sempre em nosso centro e nos convida a receber o fruto da verdadeira vida.  Isto significa que a Eucaristia nunca poderá ser uma simples purificação comunitária.  Recebê-la, comer da árvore da vida significa, por isso, receber o Senhor Crucificado, isto é, aceitar sua forma de vida, sua obediência, seu Sim, à medida de nosso ser criatura.  Significa aceitar o amor de Deus que é nossa verdade, aquela dependência de Deus que não significa para nós uma determinação estranha, como tão pouco para o filho, é a filiação uma resolução estranha.  Precisamente esta dependência é liberdade porque é Verdade e Amor.

Que este tempo da Quaresma nos ajude a sair das nossas negativas, do receio da aliança de Deus, da falta de medidas e da mentira da nossa “auto-determinação”, para ir em busca da árvore da vida que é nossa medida e nossa esperança.

E que nos encontremos de novo com as palavras completas de Jesus: o Reino de Deus está próximo.  Convertei-vos e crede no evangelho (Mc 1, 15).

Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que n’Ele crer tenha a vida eterna (Jo 3, 14 –15)

(RATZINGER, Joseph. Creación y pecado. (Navarra): Ediciones Universidad de Navarra, 2005. p. 103-104 ).

Essência do culto cristão

 

cardeal-ratzingerRATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Herder, 1970. p. 136.

 

 

 

A essência do culto cristão não se encontra no sacrifício das coisas, nem em alguma substituição qualquer, como se lê repetidamente nas teorias sobre a Missa, a partir do século XVI – segundo as quais, deste modo, seria reconhecido o supremo domínio de Deus sobre tudo. Todas estas considerações são ultrapassadas pelo acontecimento de Cristo e por sua interpretação bíblica. O culto cristão consiste no absoluto do amor, tal como podia oferecê-lo somente alguém no qual o amor divino se tornou amor humano; consiste na forma nova da representação incluída neste amor, a saber, que ele ocupou o nosso lugar e nós nos deixamos tomar por ele. Portanto, significa que nos cumpre deixar de lado nossas tentativas de justificação que, no fundo, não passam de desculpas, colocando-nos uns contra os outros – como a tentativa de Adão em desculpar-se foi uma escusa e um jogar a culpa sobre o outro, finalmente uma tentativa de acusar o próprio Deus: “A mulher que pusestes ao meu lado, ela foi quem me deu daquela árvore, e eu comi” (Gen  3,12). Este culto exige que, ao invés de opor afirmação destrutiva, da autojustificação, aceitemos a dádiva do amor de Jesus Cristo por nós, que nos deixemos unir nele, tornando-nos adoradores com ele e nele.