A Estética Moral

Paris nocturna

BRUYNE, Edgar de. L’Esthétique du Moyen Age. Louvain: Éditions de L’Institut Supérieur de Philosophie, 1947. p. 109-113. Tradução a partir do original em francês e latim, por Pe. José Manuel Victorino de Andrade (IFAT) para a Revista Lumen Veritatis.

Podemos admitir duas espécies de beleza. Quando nós vemos alguém empreender um ato heróico, espontaneamente dizemos que isso é bonito: a beleza, nesse caso, é moral, espiritual, puramente inteligível. Se prestarmos atenção numa forma sensível e que consideramos agradável à vista, nós a dizemos bela: trata-se, aqui, da beleza visível. Essas duas formas de beleza são paralelas: é suficiente, para nos convencermos disso, analisarmos a maneira como nós as percebemos.

Se refletirmos na estrutura do ato moral que denominamos “honrar os parentes”, vemos que a intuição desse ato nos é agradável, que logo no começo aprovamos essa ação e espontaneamente louvamos aquele que a cumpre; julgamos tratar-se de algo conveniente. A beleza inteligível é, então, uma forma espiritual que aparece como deleitável à nossa experiência íntima, porque pela sua natureza é considerada como anterior ao nosso prazer: “natum est per se ipsum placere”.1 Se agora quisermos saber o que é a beleza visível, consultemos novamente as reações de nossa sensibilidade, desta vez na sua dependência face aos sentidos externos. Confiemo-nos ao seu testemunho, como no caso da consciência moral.2 O que é a beleza visível? Uma forma que nos parece de maneira anterior, de direito e por ela mesma, deleitar a visão daqueles que a observam: “Pulchrum visum dicimus quod natum est per se ipsum placere spectantibus et delectare secundum visum”.3

Eis-nos diante de uma concepção original da beleza. Não se trata mais de a definir por ações sensíveis de harmonia, de grandeza, de cor, mas de fazer um apelo a uma noção mais espiritual: aquilo que convém de direito. Levamos em nós mesmos uma aspiração incompreensível ao ideal, à perfeição, àquilo que nós julgamos “dever ser”. Desde que um dado, seja ele qual for — moral ou sensível —, apareça na consciência com as qualidades “daquilo que convém de maneira absoluta” e nos sobressalte de emoção, nós somos agradavelmente surpreendidos, empreendemos o louvor e julgamos que “devemos fruir”. Ao caráter objetivo “quod per se decet”,4 corresponde uma reação subjetiva que se impõe de direito: “Quod natum est per se ipsum placere et delectare”.5

O belo nasce, portanto, do encontro do dado (considerado na sua estrutura conveniente) com a nossa alma (de acordo com sua tenção para um ideal). Desde que o contato se faça, produz-se necessariamente (natum est), por sua vez, visão e prazer: “Est enim delectatio conjuntio convenientis cum conveniente”.6

Não procuremos mais longe. Para definir a beleza moral de um ato como o de “honrar os parentes”, basta constatar que a percepção do sentido de um tal ato agrada imediatamente, de modo natural, pela sua “conveniência” à nossa consciência íntima, que não é senão o sentido espontâneo do nosso élan para o conveniente ou o belo. Mesmo quando queremos definir a beleza física de uma simples cor, não é necessário referirmo-nos a outra coisa que não seja a relação da coloração à sensibilidade estética do olhar: “Ab ipso colore non est separabile actu vel ratione hoc ipsum quod est visibile et hoc est quoniam visibilitas essentia ejus est”.7 A essência da cor se identifica com a percepção, mas a própria percepção não se distingue do prazer estético: “Nec aliud est delectatio subjecto et essencia quam visio ipsa… necessario (enim apprehensio) delectabilis”.8

Está claro que partindo destas bases, Guillaume projeta por sua vez a estética na moral, e a moral na estética. Teremos apenas de segui-lo na sua comparação da consciência do bem e do mal com a do belo e do feio.

Não haveria vantagens em salientar, neste momento, as influências aristotélicas que traem seu ciceronianismo, em particular na sua interpretação emocionalista da consciência. Se a alma, como ele a considera, não se distingue das suas faculdades, conhecer é experimentar sentimentos. Ver o belo está em fruir, porque isto é o ato de amar.9

Quanto às consequências da emoção estética, procuremos recordar o essencial: a percepção é acompanhada do prazer ou todavia se identifica com ele; o prazer é seguido de uma aprovação, “puchrum laudabile est”,10 e esta última, de um élan para o belo, “intuentium animos delectat et ad amorem sui allicit”.11

Tudo isso se explica metafisicamente de acordo com os princípios tradicionais: “Nada é belo, que não agrade a Deus”. Se, em consequência, nós nos deleitamos espontaneamente com o belo, é porque, na forma “que convém por si mesma”, descobrimos um reflexo de Deus, que é o Ideal absoluto, isto é, que se impõe como absolutamente digno do ser. Em nossa alma “que se reporta à bela forma”, sentimos de maneira confusa um élan enigmático para Deus. O sentimento confuso — mas quão profundo e deleitável —, do belo, seja moral, seja físico, é portanto o sinal do reencontro consciente de uma parcela realizada da almejada perfeição, com nosso movimento pré-consciente rumo ao ideal infinito.

Guillaume ainda vai mais longe: a ação das criaturas não é senão uma expressiva parte da Atividade divina que lhes é imanente. O desejo do belo, a alegria da visão, o élan para a beleza, é a Atividade primeira que se manifesta: “Hoc cogit vehementia et velut torrens primi fluxus”.12 Deus nos preenche à maneira de um rio de bondades, à semelhança de uma torrente de suavidades que inunda veementemente inumeráveis córregos e riachos.13 Não é apenas a Beleza divina que nós fruímos nas belas formas criadas, mas a nossa própria potência de fruir é um sinal particular de seu Ato presente e agindo em nós.14

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1Nasceu para agradar por si mesmo (Et. III, 75).

2 Ib. 75.

3 Dizemos que a beleza visível nasceu por si mesma para agradar aos que a contemplam e deleitar através da visão (Ib. 73).

4 Que convém por si.

5 Que nasceu para agradar e deleitar por si mesmo.

6 O deleite é efetivamente a união da conveniência com o conveniente (Ib. 77).

7 Da própria cor não é separável pelo ato ou pela razão aquilo que é visível devido à visibilidade pertencer à sua essência (Ib. 86).

8 Nem é outro deleite sujeito e essência quanto a própria vista… necessariamente (na verdade percepção) deleitável (Ib. 82).

9 Ib. 80, 81, 72.

10 A beleza é louvável.

11 Contemplando deleita as almas e alicia para o seu amor (Ib. 72).

12 Por isso aumenta o volume com veemência tal como a torrente do primeiro fluxo (De Trin. XI, 15b-16a).

13 Ib. XI, 16ª et XII, 16b (cf. J. de Finance, Etre et agir, 1945, pp. 216 ss).

14 J. de Finance, Op. cit. p. 217.

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