Se tudo é verdade, o que é a verdade?

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Diác. José Victorino de Andrade, EP

O homem hodierno julgar-se-ia menos moderno se não criticasse os antigos. Para ele, as verdades passaram a possuir uma validade. As descobertas do passado foram ultrapassadas pelo presente, e sofrerão reparos no futuro. Tudo é transitório. Apenas a opinião alheia se enche de brios, pouco disposta a dialogar, ou pelo menos, a reconhecer uma verdade exterior.

Consequentemente, muitos autores contemporâneos, ao pretenderem apoderar-se da verdade, sentam-se em sua cátedra embevecida de pretensões infalíveis, cujos escritos destilam os seus próprios dogmas, muito distantes, por vezes, do mundo real. E quanto mais escandalosos, provavelmente, mais publicitados e comentados.

As fátuas inverdades emanadas vão ao encontro de homens ávidos de mudanças que transformem a sua existência, consequência do vazio deixado pelo rechaço à metafísica e aos seus interlocutores. Ao enveredarem por novas vias que criam uma ruptura com as antigas, aderem facilmente a novos projectos que lhes tragam uma libertação dos velhos preconceitos éticos.

Numa cultura hedonista, na qual as a igreja foi substituída pelo shopping, a beleza da virtude pela estética corporal, o jejum e a penitência pela dieta e o suor no ginásio, uma religião de dogmas e prescrições morais só poderia surgir ao pensamento contemporâneo como algo ultrapassado, impositivo, que asfixia a própria pretensão de verdade.

Assim, nega-se a verdade na sua transcendência absoluta, da qual dimanam todas as demais, e corre-se o sério risco de “panteistizá-la”. Todos com a verdade, e a verdade com todos. Se tudo é verdade, terá sentido o próprio termo? Como convidar o homem a sair de si, e dos seus preconceitos recentemente criados, a esmo, conforme o cardápio apresentado por verdades relativizadas, engolidas sem mastigar, que o empanturram de critérios pouco judiciosos, assimilados com a mesma rapidez com que muda o canal da TV?

A resposta não é uma verdade abstracta, mas uma pessoa concreta: Jesus Cristo, a “Palavra eterna que se exprime na criação e comunica na história da salvação” (Verbum Domini n. 11). Para o cristão, a Verdade absoluta, Deus, encarnou e fez-se homem (Cf. Jo 1, 14), possui um rosto — “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9) — e um nome, não havendo debaixo do céu salvação em nenhum outro (Cf. At. 4, 12). Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (Cf. Jo 14, 6). Esta é a grande novidade do cristianismo, um Deus pessoal, não distante, que entra na História.

Como renunciar Àquele que possui palavras de vida eterna (cf. Jo 6, 68), e trocá-las por palavras humanas, levadas e esquecidas pelo tempo, ou superadas por uma nova erudição ou pensamento falível? Em Jesus, “a Palavra não se exprime primariamente num discurso, em conceitos ou regras; mas vemo-nos colocados diante da própria pessoa de Jesus. A sua história, única e singular, é a palavra definitiva que Deus diz à humanidade” (VD n.11). Esta, excede toda e qualquer capacidade intelectual humana que “com as suas próprias capacidades racionais e imaginação, jamais teria podido conceber” (Loc. Cit.).

Como chegarmos à conclusão de que não nos enganamos? São João é nossa testemunha: “‘Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de verdade’ (Jo 1, 14b). A fé apostólica testemunha que a Palavra eterna Se fez Um de nós” (VD n. 11). Apenas a Revelação poderia trazer uma verdade plena que orientasse os homens em sua peregrinação terrena e os levasse a um seguro conhecimento, tanto quanto possível à sua natureza limitada.

Descobrimos assim que a verdade não é abstracta, variável, limitada, mas que é o próprio Deus encarnado, que entrando na história concreta dos homens, com Palavras de vida eterna, orienta-os na sua peregrinação terrena, convidando-os a conformar a sua vida à luz da Revelação.

A escravidão a Nossa Senhora enquanto suprema liberdade

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Dr. José Mário da Costa

A forma suprema da liberdade consiste em aceitar a autoridade daqueles que nos ajudam a praticar a verdade e o bem, ou seja, a fazer aquilo que de fato queremos. Não há, portanto, forma mais cristalina e mais sublime de liberdade do que sermos escravos de Nossa Senhora. É o auge da dignidade humana, porque é fazer, em tudo, aquilo para onde as nossas melhores apetências caminham.

Qual é a conseqüência disso para nós, quando formos nos consagrar a Nossa Senhora? É levarmos um espírito amoroso de autoridade, isto é, compreendendo a função da autoridade, compreendendo a função da obediência e compreendendo que, fazendo-nos tão pequenos diante dEla, fazemos uma coisa sublime, uma coisa altamente dignificante. Não devemos nunca nos envergonharmos de obedecer, de seguir um outro, porque exatamente aí está a mais alta dignidade do homem.

Neste ponto de nossa argumentação, alguém poderia perguntar: “Esta doutrina da escravidão de amor a Virgem Maria é linda! Mas qual seria a sua utilidade prática? E que relação teria com a tese da nossa pesquisa?”

É São Luiz Maria Grignion de Montfort quem vai responder a estas duas perguntas. O capítulo V do seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem tem como título:  Esta devoção conduz à união com Nosso Senhor. (Grignion de Montfort, 1961, p. 145).

Em seguida, explica o santo: “Esta devoção é um caminho fácil, curto, perfeito e seguro para chegar à união com Nosso Senhor, e nisto consiste a perfeição cristã.” (idem, p. 145). Ele faz uma longa demonstração desta tese em seu Tratado. (ibidem, p. 146-163).

Portanto, conforme ensina São Luiz de Montfort, a perfeição cristã consiste na união com Nosso Senhor, e a escravidão de amor a Virgem Maria, ensinada por ele, é um caminho fácil, curto, perfeito e seguro para se chegar a esta união.

Em resumo, a doutrina do santo consiste na consagração de si mesmo a Jesus pelas mãos de Maria. “Assim será um fiel e amoroso escravo de Jesus e Maria quem, pelas mãos de Maria Santíssima, se entregar inteiramente ao serviço deste Rei dos reis, e que não reserva nada para si”. (ibidem, p. 131).

Em vista disso, uma grande difusão dessa forma de devoção à Santíssima Virgem seria um forte instrumento para conduzir os homens à vida eucarística, trazendo assim de volta ao redil de Cristo as ovelhas desgarradas.

O sacrum convivium de Jesus com os discípulos de Emaús

Mons. João S. Clá Dias, EPjesus-e-apostolos

A acolhida afetuosa, o grande respeito dos três interlocutores entre si, a elevação do tema tratado, o tônus da conversa e, sobretudo, a delicadeza e a didática de Jesus fazem do encontro de Jesus com os discípulos de Emaús um dos mais belos episódios do relacionamento humano.

É com vistas a nos ensinar quão benéficos são os efeitos da hospitalidade — qualidade de alma própria àquele que ordenadamente usa de seu instinto de sociabilidade — que a Liturgia de hoje nos propõe considerar a beleza da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús. Nesta narração, ambos deixam entrever o quanto possuem um coração afetuoso, caritativo e generoso para com um desconhecido que os alcança pelo caminho. Eles não têm a menor fímbria de respeito humano em explicar ao forasteiro os principais aspectos da vida, paixão e morte de Jesus, como o próprio desaparecimento de seu Sagrado Corpo, sempre levados por uma sociabilidade virtuosa tão rara nos dias de hoje e tão indispensável para um convívio agradável.

Consideremos o grande respeito usado pelos três entre si nesse episódio, como também a elevação do tema por eles tratado e o tônus da conversa. Como seria altamente formativo o poder-se reconstituir tal qual se deu esse convívio dos dois com o Divino Mestre ressurrecto! De imediato, configurar-se-ia diante de nossos olhos o grande contraste com os encontros tão comuns e correntes na atualidade. Quanto teríamos a aprender desse sacrum convivium!

As fontes que saciam a sede de sublimidade

aliancaDiác. José Victorino de Andrade, EP

O homem foi criado com uma alta finalidade, a bem-aventurança — contemplação direta de Deus —, e “para antecipar em alguma medida este objetivo já nesta vida, ele deve progredir incessantemente para uma vida espiritual, uma vida em diálogo com Deus”,1 procurando a perfeição a que o Senhor chama (cf. Mt 5, 48), e assemelhando-se cada vez mais ao Modelo Divino.

Entretanto, coube também aos homens cooperar com o Criador no aperfeiçoamento da criação e imprimir nos elementos desta terra, o cunho espiritual que eles próprios receberam. Ao longo dos tempos fizeram maravilhas. Saíram das suas mãos obras de arte esplendorosas: pinturas, esculturas, catedrais, jardins… Encontram-se um pouco por todo o mundo obras de grande valor histórico, cultural e artístico inspiradas em valores metafísicos que continuam deslumbrando repetidas gerações.

Assim sendo, de acordo com Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, o homem tem necessidade de fixar a atenção sobre determinadas cenas do cotidiano, sejam elas uma paisagem, um monumento ou um evento social, entre muitas outras, extraindo as suas próprias conclusões, tirando da observação ou daquilo que os sentidos lhe indicam, elações que poderão passar pela impressão que tenha de algo ser verdadeiro ou falso, bom ou mau, e diante disto, tirar uma série de princípios. Sendo profundamente comunicativo, o homem transmitirá de alguma forma as impressões que as coisas lhe causam, isto é, comunica o que lhe vai na alma, fala da abundância do coração, e isto conduz também ao serviço, pois, o homem, pela sua própria natureza, serve aquilo que ama.2

É patente a necessidade da alma humana entrar em contato com múltiplos objetos externos, sem descurar aspectos como a beleza, a sublimidade e o sagrado. Porém, o homem poderá elevar-se a um ato de louvor através da contemplação ou rejeitar esta elevação de alma e se deter na fruição egoística e circunscrita do ser que tem diante de si. Isto traz como consequência o realce da matéria e a negação das relações daquilo com o Ser absoluto.3 A sua hipotética carência levaria a alma a um operar tão defeituoso e resultaria num tal desequilíbrio que o homem correria o risco de atrofiar suas potências.4

Sentindo a necessidade de sair da rotina e da monotonia de sensações que lhe possam ser causadas, inclusive, por um trabalho cotidiano e repetitivo, compreendem-se múltiplas formas lícitas de lazer e entretenimento que lhe possam ser oferecidas. Aqui entra o importante papel do Estado no oferecimento de alternativas formativas que permitam ao homem desfrutar de lícitos prazeres e atrações. Embora estes jamais possam suprir a necessidade espiritual, inerente ao homem por força da atração exercida por Deus e nunca substituída por qualquer outra atividade que não compreenda este aspecto, como a participação na eucaristia dominical. É em Cristo, fonte de água viva, que o homem sacia a sua sede, enquanto as outras apenas temporariamente satisfazem e não conduzem à vida eterna (cf. Jo 4, 10-15).

Neste sentido, a ordem espiritual pode ser uma poderosa aliada da temporal, quando se trata de imprimir aos objetos saídos de suas mãos um caráter de verdadeiro, bom e belo. Uma sociedade edificada sobre tais alicerces, que favoreça este desabrochar metafísico no homem, seria fruto de uma harmonia e concórdia entre a esfera civil e religiosa, uma vez que a Igreja não retira à sociedade temporal nada do que lhe é próprio; pelo contrário, sublima, conforme atesta a Lumen Gentium: “[A Igreja] não subtrai coisa alguma ao bem temporal de nenhum povo, mas, pelo contrário, fomenta e assume as qualidades, as riquezas, os costumes e o modo de ser dos povos, na medida em que são bons; e assumindo-os, purifica-os, fortalece-os e eleva-os” (n. 13).

Vemos assim que a Igreja tem algo a dizer a esta sociedade, que a religião abre novas fronteiras e visualizações, sobretudo quando os homens decidem cooperar com a voz da Graça. Compreende-se assim o conselho dado por João Paulo II: “Vós, sobretudo, homens e mulheres da cultura, da arte e da política, deveis sentir a religião como a vossa aliada. Ela encontra-se ao vosso lado para oferecer aos jovens sérios motivos de compromisso. De fato, que ideal é capaz de mobilizar para a procura da verdade, da beleza e do bem do credo em Deus, que abre a mente, de par em par, aos horizontes incomensuráveis da Sua suma perfeição?”.5

Desta forma, o Evangelho e a tradição cristã podem e devem oferecer aos homens de hoje um enriquecimento ímpar, que marque não só o campo da cultura, do ensino e das artes, como impregnar todos os outros aspectos, de tal forma que represente um testemunho d’Aquele que é a Bondade, a Verdade, e a Beleza. E neste contributo, conforme a exortação Christifidelis Laici, todo o cristão deve empenhar-se, transmitindo e sendo testemunha das “originais riquezas do Evangelho” (n. 44).

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1 BENEDETTO XVI. Udienza Generale: Mercoledì, 29 ago. 2007. In: Insegnamenti, III, 2 (2007). p. 174. (Tradução nossa).

2 Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Notas para a Conceituação da Cristandade. Década de 50. p . 7.

3 Loc. cit.

4 Cf. Ibid. p. 8.

5 JOÃO PAULO II. Viagem Apostólica ao Azerbaijão e à Bulgária. Baku, 22 de Maio de 2002. 22/05/2002. In: Insegnamenti. Vaticano: Editrice Vaticana, 2004. Vol. XXV, 1. p. 847. Tradução nossa).

A Consciência

janelaMs. Thiago Geraldo

A consciência é algo intimamente ligado à moral, no sentido de ser a juíza do ato que vai ser praticado ou que já o foi. Nesta concepção pode-se definir a consciência da seguinte forma, segundo Royo Marín: “O ditame ou juízo do entendimento prático acerca da moralidade do ato que vamos realizar ou já realizado, segundo os princípios morais”. Desta forma, a consciência é um ato produzido pelo intelecto, mas de forma prática e concreta com base no hábito da prudência. Ela julga de forma subjetiva o ato praticado, e quando aplica no julgamento as justas leis, será um bom juízo, ou pelo menos não será mau, mas quando não fizer uso dos bons princípios, mesmo que o ato praticado não seja um ato imoral, será julgado de forma subjetivamente má.

A função primordial da consciência é julgar o ato que está para ser praticado. Mas de forma secundária, ela também julga o ato já realizado, aprovando-o caso seja bom ou reprovando-o através do remorso. Ademais, a consciência pressupõe princípios morais tanto da fé como da razão natural. Ela unicamente terá a função de aplicar tais princípios nos atos a serem realizados, e não julgar os próprios princípios; ou seja, se não utilizar tais princípios, muito facilmente poderá equivocar-se em seu julgamento.

In: Lumen Veritatis, n. 13

Bento XVI afirma que formação acadêmica de padres deve ser acompanhada por crescimento na fé

Papa2Cidade do Vaticano (Segunda-feira, 21-02-2011, Gaudium Press) Não é apenas a formação acadêmica que é necessária na preparação para o sacerdócio, mas também a espiritual, recordou o Papa para a comunidade do Pontifício Colégio Filipino em Roma. Membros da instituição de ensino foram recebidos em audiência neste sábado pelo Santo Padre por conta do 50º aniversário da fundação do Colégio, pelo Papa João XXIII.

Bento XVI encorajou os sacerdotes filipinos a viver seu período no Pontifício Colégio como uma oportunidade para “adquirir maturidade espiritual e teológica” para a futura missão. Segundo o Papa, uma “completa formação sacerdotal incluiu não apenas a acadêmica, acima e sobretudo o componente intelectual oferecido a eles aqui; mas os estudantes do Colégio são também formados espiritualmente através da história viva da Igreja de Roma, e do exemplo luminosos dos seus mártires”, observou o Papa.

O pontífice também recordou a necessidade de levar o cuidado pastoral à grande comunidade filipina que vive em Roma. Ele pediu aos presentes que “sempre procurassem um equilíbrio saudável entre cuidados pastorais locais e as exigências acadêmicas”.

O Pontifício Colégio Filipino recebe sacerdotes diocesanos filipinos enviados por seus bispos para estudos superiores nas universidades pontifícias romanas.

Papel do arquétipo na família patriarcal

Sérgio UedaFamilia2

O patriarca é o arquétipo da família. É a ele que se mantêm unidos todos os que dele descendem. É graças a ele que se sentem unidos entre si, e aos que constituem o “protoplasma” da grande família. E isto, não pela força, mas pelo vínculo de uma venerabilidade que toca no temor reverencial, devido à sua exemplaridade. É o velho varão, que mais tarde vai desembocar no barão, posto como denominador comum entre todos da sua estirpe, afirmando, confirmando e conformando aqueles valores que estão na pluralidade das diversas personalidades.

No patriarca, todos contempla o unum daquela riquíssima variedade na qual está contida, como na semente da Cequóia, a imensa fronde de uma futura nação. É ele que, pela força centrípeta da sua personalidade possante impede que a força centrífuga das múltiplas personalidades, ainda em formação, disperse aquele conjunto nascente. O patriarca é o arquétipo que personifica essa obra-prima da unidade na variedade e da variedade na unidade, sem a qual a sociedade humana se precipita na anarquia ou na tirania.

A verdadeira felicidade

caminhoThiago de Oliveira Geraldo

Mesmo entre as diversas opiniões existentes na atualidade, a ordem moral prevalece sobre todas as demais relacionadas com o operar humano, pois diz respeito ao homem enquanto tal, e as outras ao homem em face a fins particulares.1

Para São Tomás, a moral não se restringe ao âmbito dos religiosos e muito menos a uma atitude particular, mas sustenta ele que o ato humano praticado afeta o ser humano no seu conjunto — “o homem enquanto homem e enquanto moral”.2

Entretanto, o ser humano não é inerte, mas movimenta-se em direção à felicidade que é própria à sua natureza, ou seja, a bem-aventurança. Portanto, o homem percorre uma caminhada neste mundo a fim de atingir a meta de plena felicidade — apesar de não a alcançar por inteiro nesta vida.3

Se a moral tomista, portanto, nos coloca diante da perspectiva da unidade do ser humano enquanto praticante do ato e desejoso da felicidade com vistas a um fim último, pode-se dizer que uma força intrínseca move o homem à prática do bem.4

A expressão “força intrínseca” ressalta o papel criador de Deus, que opera por meio das três Pessoas da Santíssima Trindade. Isto incorre em que o homem contém em si certas verdades estabelecidas por Deus, não com o intuito de aprisioná-lo numa moral cruel, mas de libertá-lo para a verdadeira felicidade que consiste em praticar os atos moralmente bons e, com isto, assemelhar-se mais a Ele.5

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1 Cf. JOÃO PAULO II. La perenne validità dell’etica tomista. In: Doctor Comunnis. Roma, 1992, ano XLV, n. 1, p. 4.

2 S Th I-II, q. 21, a. 2.

3 Cf. PIEPER, Josef. Felicidade e contemplação, lazer e culto. São Paulo: Herder, 1969, p. 17-18.

4 Cf. Veritatis Splendor, n. 7.

5 Cf. LAUAND, Luiz Jean. Tomás de Aquino, hoje. Curitiba: Champagnat, 1993, p. 41.

Predomínio do frenesi e da instantaneidade

Mons. João S. Clá Dias, EPtibidabo

Em um de seus últimos documentos — “O rápido desenvolvimento”, sobre os meios de comunicação —, João Paulo II ressaltou um aspecto da pós-modernidade:

“As modernas tecnologias aumentam de maneira impressionante a velocidade, a quantidade e o alcance da comunicação, mas não favorecem de igual modo aquele intercâmbio frágil entre uma mente e outra, entre um coração e outro, que deve caracterizar qualquer forma de comunicação ao serviço da solidariedade e do amor” (n. 13).

Sem deixar de apontar a necessidade de os católicos aprimorarem sua participação nos chamados “grandes areópagos” dos meios de comunicação, é importante salientar que seria suicida uma posição ingênua e acrítica desses meios, como se só trouxessem vantagens, e não acarretassem, concomitantemente, perigos colaterais…

Em um mundo no qual predomina uma “cultura do instantâneo”, da permanente mudança, do descartável, do relativo, as transmissões ao vivo pela televisão e a rapidez de interação oferecida pela internet só podem agravar o quadro geral. Tal ambiente facilita a queda do edifício de certezas próprio da mente humana.

Não parecem atuais as respostas perenes, nem as regras que não caducam, nem normas éticas objetivas. Em nosso tempo todos os valores são arrastados na enxurrada da instantaneidade, no torvelinho de um devir que não deixa nada de pé.

Desaparecem as normas morais objetivas, ruem os princípios imutáveis da filosofia, e, mais ainda, os da teologia.

Tout passe, tout casse, tout lasse et tout se remplace… parece o único dogma a permanecer de pé.

Mais do que nunca é necessário voltar ao essencial, ao diretamente relacionado com o ser, ao robustecimento desse senso do ser do qual fizemos aqui objeto de análise.

Os ventos de 1968 (o ano dos movimentos contestatários, especialmente o da Sorbonne) deixaram, a esta altura, seus grandes desiludidos. Uma grande multidão se interroga sobre a validade do “tout passe…” e se volta à procura do perene, do estável, daquilo que tem o selo da credibilidade.

Os funerais de João Paulo II reuniram milhões de pesarosos fiéis em Roma (além de pessoas que, independentemente de suas convicções religiosas, foram à Cidade Eterna prestar uma homenagem ao finado Papa). Do mesmo modo, a escolha do Cardeal Ratzinger para ocupar o trono papal atraiu as atenções do mundo inteiro. As exéquias de um e a eleição do outro foram acompanhados à distância por milhões de pessoas que se utilizaram dos modernos meios de comunicação. Esse fenômeno não só evidenciou sinais de respeito e admiração pelo Papado, mas também foi uma exuberante e incontestável prova da atração por símbolos, ritos, cores e cerimonial, que alguns teóricos consideravam como “varridos” pelos ventos da História.

A ruptura da lei perante Deus

Diác. José de Andrade, EPluz

A inobservância da lei Divina e natural acarreta em si uma forma de penalidade munida de contornos próprios. Desta forma, a perturbação e o não cumprimento das prescrições definidas poderão conduzir ao pecado,1 que consiste precisamente numa transgressão à Lei de Deus, embora coincida com a violação da lei natural. Uma vez que Deus ordena desde toda a eternidade o que é conveniente e proporcionado à natureza racional,2 consistiria numa ruptura com esta ordem e, portanto, com Deus, se o homem viesse a recusar e menosprezar a lei natural enquanto participação da criatura racional na lei eterna. Consequentemente, romper com a Lei pode trazer uma sanção na vida futura, que consiste na perda eterna da felicidade.

De acordo com São Tomás de Aquino, Deus ama os homens chamando-os à visão de Deus, que supera o comum estado da natureza, outorgando-lhes não só a graça nesta terra, como a glória no Céu. Porém, aqueles que pecam fazendo mau uso de sua liberdade, e de seu livre arbítrio, perdem nesse mesmo instante a graça, e o Supremo Juiz reprova-os imputando-lhes a devida culpa que é causa de uma pena eterna, aplicada na vida futura.3 Verifica-se então uma dupla decorrência relativa à transgressão: em sua peregrinação terrena o pecador perde a posse de Deus – antecipação da felicidade eterna – consequência que se assemelha, de certo modo, a um prelúdio daquela mesma reprovação eterna que se dá após o juízo.

Entretanto, também o não cumprimento das leis humanas, quando providas das condições que as legitimam e validam, obrigam em consciência diante de Deus e a sua transgressão poderá constituir um verdadeiro pecado,4 cuja gravidade dependeria, sobretudo, do grau de rompimento com a lei divina a ela adjacente.

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1 Ver, por exemplo, um estudo relativamente recente de FUCEK, Ivan. Il Peccato Oggi. Roma: Università Gregoriana, 1996. Em geral no capítulo VI, La natura del peccato e dei peccati; em particular nas páginas 169 e 175.

2 Cf. ROYO MARÍN, Antonio. Teologia moral para seglares. 2. ed. Madrid: BAC, 2007. Vol. I. p. 129.

3 Cf. S. Th. q. 23, a. 3; 7.

4 ROYO MARÍN, Antonio. Op. Cit. p. 140.