A família: Formadora nos valores humanos e cristãos

familiasPe. Mariano Antonio Legeren, EP

Um dos principais desafios que a família cristã enfrenta é o de formar a consciência moral dos filhos, numa época na qual os valores morais vão sendo diluídos. Isto torna muito mais importante do que nunca que os filhos sejam educados no amor à verdade objetiva — baseada na natureza humana e na lei revelada —, à justiça, à caridade e à pureza de corpo e de alma.

Dificilmente os mais jovens saberão resistir à onda hedonista e relativista sem o aprendizado em família, o exemplo e o apoio dos pais. Urge, portanto, recolocar a família em seu devido contexto, como lugar principal e privilegiado de formação e educação, transmissora das virtudes e valores.

A Exortação Apostólica Familiaris Consortio faz referência ao ensinamento de São Tomás de Aquino, para ressaltar a alta missão dos pais a esse propósito. “O dever educativo recebe do sacramento do matrimônio a dignidade e a vocação de ser um verdadeiro e próprio ‘ministério’ da Igreja a serviço da edificação dos seus membros. Tal é a grandeza e o esplendor do ministério educativo dos pais cristãos, que São Tomás não hesita em compará-lo ao ministério dos sacerdotes: ‘Alguns propagam e conservam a vida espiritual com um ministério unicamente espiritual: é a tarefa do Sacramento da ordem; outros fazem-no quanto à vida corporal e espiritual o que se realiza com o Sacramento do matrimônio, que une o homem e a mulher para que tenham descendência e a eduquem para o culto de Deus’”.1

É no lar, e somente ali, que se podem desenvolver “alguns valores fundamentais que são imprescindíveis para formar cidadãos livres, honestos e responsáveis, por exemplo, a verdade, a justiça, a solidariedade, a ajuda ao débil, o amor aos outros por si mesmos, a tolerância, etc.”.

De pouco adiantará os governos se preocuparem em desenvolver o ensino, dotarem as escolas de equipamentos sofisticados e caros e investir na formação de professores, sem antes procurar fortalecer a instituição da família. Difícil será, sem a ajuda dela, combater a criminalidade, a corrupção e tantas outras mazelas.

A superação de todos os problemas da sociedade moderna — seja no nível psicológico, seja no social ou político — está condicionada, como vimos, à revitalização da sua célula básica: a família.

Porém, todos os esforços e as iniciativas humanas por fazer reflorescer esta instituição serão insuficientes sem que as bênçãos e a Graça de Deus se pousem sobre ela.

Só com a ajuda de Graças intimamente ligadas ao Sacramento do Matrimônio, a família poderá cumprir sua importante missão nesta Terra e preparar para o Céu as almas daqueles que a compõem.

Assim lembrou o Papa Bento XVI na clausura do V Encontro, celebrado em Valência, Espanha: “A família cristã — pai, mãe, filhos — está chamada a cumprir os objetivos assinalados não como algo imposto de fora, mas como um dom da graça do Sacramento do matrimônio infundida nos esposos. Se eles permanecerem abertos ao Espírito e pedirem a sua ajuda, Ele não deixará de lhes comunicar o amor de Deus Pai manifestado e encarnado em Cristo. A presença do Espírito ajudará os esposos a não perder de vista a fonte e medida do seu amor e entrega, e a colaborar com Ele para o refletir e encarnar em todas as dimensões da sua vida. Desta forma, o Espírito suscitará neles o anseio do encontro definitivo com Cristo na casa de seu Pai e nosso Pai”.2

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1 João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio, n. 38.

2 Bento XVI, homilia por ocasião do encerramento do V Encontro Mundial das Famílias, 9/7/2006.

Corrimãos da escada da vida

Mons. João S. Clá Dias, EP

A teologia moral de Santo Agostinho, tanto como a ética de Aristóteles, foram as fontes das doutrinasalianca escolásticas sobre a razão moral. Em De Libero Arbitrio, o bispo de Hipona afirmara que a moralidade exige da vontade humana sua conformidade com as prescrições da lei imutável e eterna, impressa na nossa mente. Tal lei, chamada de summa ratio (“razão suprema”), deve ser sempre obedecida. Por seus padrões é que são julgados os bons e os maus.[1]

Concorde com a tese agostiniana,[2] São Tomás procura definir meticulosamente a lei eterna acentuando de início que ela “não é senão a razão da sabedoria divina, na medida em que ela dirige todos os atos e movimentos”.[3] Essa lei — que se identifica com a Providência Divina — é, portanto, o princípio ordenador de todo o universo criado: “Toda a comunidade do universo é governada pela razão divina. E assim a própria razão do governo das coisas em Deus, como príncipe do universo, tem razão de lei”.[4] Assim, a suprema lei é o próprio Deus, sendo eterna como Ele é eterno; é a Sabedoria de Deus “que move todas as coisas para seu devido fim”.[5] E todas as coisas são avaliadas segundo a lei eterna, seguindo-se daí que dela todas participam de algum modo, e suas propensões para seus atos e fins próprios vêm da impressão em si dessa lei.

Nas questões 90 a 108 da Suma Teológica, parte I-II, São Tomás se estende genialmente sobre o significado e o alcance da lei eterna e sobre as outras leis que dela derivam: a lei natural, a lei divina e a lei humana.

Começando pela lei natural, ele a define como “a participação da lei eterna na criatura racional”, sendo proporcionada pela “luz do intelecto posta em nós por Deus, através da qual conhecemos o que devemos fazer e o que devemos evitar”,[6] por ser uma norma imperativa para dirigir os atos livres do homem.

Noutro lugar, São Tomás descreve a lei natural como os primeiros princípios da atividade moral humana, evidentes de si, não demonstráveis.[7]

Ninguém pode, com sinceridade e no uso normal de suas faculdades mentais,[8] negar a existência dessa lei natural, segundo a qual há obras boas e outras más por sua própria natureza. São Tomás afirma que todos os homens conhecem pelo menos os princípios comuns da lei natural.[9] Diz ele ainda que, “quanto aos princípios comuns da razão quer especulativa, quer prática, a verdade ou retidão é a mesma em todos, e igualmente conhecida”.[10] Quer dizer, não há quem não conheça a distinção entre bem e mal, e nossa obrigação de optar pelo primeiro e rejeitar o segundo se apresenta à inteligência com força de lei.

Também a lei humana positiva tem a obrigação de se conformar com a Sabedoria de Deus. É a ela que o Aquinate se refere quando afirma que, como “o fim último da vida humana é a felicidade ou bem-aventurança […] é necessário que a lei vise maximamente à ordem que é para a bem-aventurança”.[11] A lei temporal não pode colidir com a lei eterna, mas deve secundá-la.

A lei divina — consolidada nos Dez Mandamentos — mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e atingir seu fim. São Tomás se pergunta se, havendo já a lei natural e as leis humanas, é preciso também haver uma lei divina positiva. Ele inicia sua resposta lembrando que a bem-aventurança eterna, para a qual o homem foi criado, “excede a proporção da potência natural humana”. Assim faz-se necessário que, “acima da lei natural e humana, fosse dirigido também a seu fim pela lei divinamente dada”.[12]

Todas essas leis são como que corrimãos numa longa e difícil trajetória, numa escada colocada sobre um abismo. Pode ser que esses corrimãos pareçam limitações absurdas à liberdade. Na realidade, são anteparos que Deus nos concedeu para proteger a verdadeira liberdade e para nos auxiliar na ascensão até Ele.

Como estão equivocadas certas correntes de educação que procuram instilar na criança e no jovem a ideia de que os princípios morais são frios e cruéis! O certo, afirmam elas, seria optar por uma moral “amiga”, relativa, dependente apenas das circunstâncias, dos casos particulares, e esquecer tais princípios.

É supérfluo realçar a nocividade de tal doutrina para o tesouro acumulado a partir do primeiro olhar sobre o ser. E que resultados funestos trazem para a sociedade como um todo. Basta olharmos para o que vai se passando à nossa volta…


[1] De Libero Arbitrio, I, 1.6.15.48-49; 51: “Illa lex quae summa ratio nominatur cui semper obtemperandum est et per quam mali miseram, boni beatam vitam merentur […], potestne cuipiam intellegenti non incommutabilis aeternaque videri? An potest aliquando iniustum esse, ut mali miseri, boni autem beati sint? […] Ut igitur breviter aeternae legis notionem, quae impressa nobis est, quantum valeo, verbis explicem, ea est, qua iustum est, ut omnia sint ordinatissima”.

[2] Cf. S. Th. I-II, q. 93, a. 1: “Sed contra est quod Augustinus dicit quod lex aeterna est summa ratio, cui semper obtemperandum est”.

[3] S. Th. I-II, q. 93, a. 1. “Nihil aliud est quam ratio divinae sapientiae, secundum quod est directiva omnium actuum et motionum”.

[4] S. Th. I-II, q. 91, a. 1: “Tota communitas universi gubernatur ratione divina. Et ideo ipsa gubernationis rerum in Deo sicut in principe universitatis existens, legis habet rationem”.

[5] S. Th. I-II, q. 93, a. 1. “Moventis omnia ad debitum finem”.

[6] Collationes in decem praeceptis, Proœmium: “Lex naturae […] nihil aliud est nisi lumen intellectus insitum nobis a Deo, per quod cognoscimus quid agendum et quid vitandum”.

[7] Cf. S. Th. I-II, q. 94, a. 2. “Sunt quaedam principia per se nota”.

[8] “Alguma pessoa dotada de inteligência”, dizia Santo Agostinho (op. cit. 1.6.15.48).

[9] Cf. S. Th. I-II, q. 93, a. 2.

[10] S. Th. I-II, q. 94, a. 4. “Quantum ad communia principia rationis sive speculativae sive practicae, est eadem veritas seu rectitudo apud omnes, et aequaliter nota”.

[11] S. Th. I-II, q. 90, a. 2. “Oportet quod lex maxime respiciat ordinem qui est in beatitudinem”.

[12] S. Th. I-II, q. 91, a. 4. “Excedit proportionem naturalis facultatis humanae. Ut supra legem naturalem et humanam, dirigeretur etiam ad suum finem lege divinitus data”.

Pedagogia moderna: foco na inteligência apenas?

Pe. Ricardo Basso, EPFamilia2

Nas últimas décadas, notam-se louváveis esforços no sentido de resgate da visão do homem como um todo na educação, como Howard Gardner, professor de Neurologia na Boston School of Medicine e de Psicologia na Harvard University, com sua “Teoria das inteligências múltiplas” (1983), em que a inteligência humana é apresentada como tendo várias facetas, ampliando os horizontes pedagógicos que haviam se restringido apenas às inteligências lingüística e lógico-matemática. Estas por sinal são a base também para os testes de QI (Quociente Intelectual), hoje muito contestados, e com razão, porém, tanto em voga até há pouco. Encontramos casos curiosos de testes de QI aplicados a esportistas célebres que os apontaram no limite da debilidade mental… Outras inteligências – ou seja, talentos, capacidades e habilidades mentais – deveriam igualmente ser trabalhadas, segundo Gardner, como a visual/espacial, a corporal/cinestésica, a musical, a interpessoal e a intrapessoal. Por que matemática, por exemplo, seria mais importante do que música? Concepção essa mais holística, que é aceita geralmente pelos educadores contemporâneos. Um progresso, sem dúvida. Embora, diga-se de passagem, não esteja ainda nossa legislação educacional devidamente atualizada quando permite que os exames de reclassificação se restrinjam às disciplinas de português e matemática simplesmente. Quantos futuros artistas e esportistas que quiçá serão famosos, um dia, não estarão sendo prejudicados hoje?

Porém, o foco da atenção da grande maioria dos educadores modernos é o mecanismo da inteligência, o funcionamento do cérebro, a epistemologia no homem, o que não é suficiente, pois não abarca a pessoa inteira. Procura-se reduzir o homem à matéria, não considerando estudos científicos recentes que revelam como a percepção e as atividades mentais são metaneuronais.

Se a percepção é metaneuronal, com maior razão o deve ser a atividade mental, o pensamento. A primeira atividade mental é a formação de conceitos ou idéias, operação que consiste em eliminar o acidental de uma coisa, para ficar com sua essência. […] Portanto, devemos concluir que: se para chegar à abstração prescindimos de toda informação sensorial, que é a que nos proporcionam os neurônios, o processo de abstração há de ser metaneuronal. […] Se não é o cérebro o que se encarrega de abstrair, quem é o responsável desta função? Segundo Aristóteles […] é o entendimento agente, que como atividade anímica que é, não reside no cérebro mas corresponde à pessoa, composto substancial de corpo e alma (SANZ, 2007: 140-141, tradução nossa).

Naturalmente, as novas descobertas no campo da psicologia e da neurologia são muito úteis, porém, segundo aponta a antropologia cristã, há uma falha capital ao não se considerar a alma humana e o primordial papel da vontade na educação de uma criança. Estuda-se o corpo humano, sobretudo o cérebro e seu funcionamento; ignora-se a alma. Sobretudo ignora-se a realidade dos efeitos do pecado original nas potências da alma: inteligência, vontade e sensibilidade. Sendo o homem principalmente alma, a qual, como espírito, é superior à matéria, não se considera o que de mais importante há no ser humano. Daí, a crônica insuficiência notada na pedagogia moderna, nos seus múltiplos e variados sistemas de ensino.

Com todo o avanço técnico, não é recorrente a queixa entre os educadores quanto à baixa qualidade dos estudantes, e do nível de aprendizagem? Quem ousaria afirmar que os jovens de hoje aprendem mais e estão mais preparados que seus pais ou avós, na mesma idade?

Pelos frutos se conhece a árvore, diz o provérbio popular.

Santidade segundo o carisma e a espiritualidade carmelitanos

sta-teresinhaPe. Alex Brito, EP

O carisma carmelitano, sem escapar da definição geral proposta pela Doutrina Católica, possui particularidades que cumpre serem ressaltadas aqui.

Uma delas é a idéia de um Deus absoluto com leis absolutas, o qual governa o universo com bondade e misericórdia, sem deixar de exercer sua justiça para com aquelas criaturas que obstinadamente fogem de Seu Amor Misericordioso que constantemente as atrai para Si. O que trás como conseqüência lógica um desejo de reparação através de uma vida inteiramente dedicada ao seu serviço. É a isso que se refere implicitamente Berardino (1995: 75) ao falar sobre o primado de Deus na vida do carmelita. Para tanto, toma como arquétipo Maria Santíssima, a qual de tal maneira tinha a Deus como centro absoluto de sua vida, que mereceu conter o Verbo de Deus em seu claustro virginal, e a respeito da qual afirmam as Escrituras: “Sua mãe guardava todas estas coisas em seu coração”[1] (BÍBLIA SAGRADA, 2002: 1349), significando a maneira com que ela se dispunha a cumprir inteiramente a missão que lhe foi confiada, acompanhando todos os acontecimentos relacionados ao seu Divino Filho com grande atenção, tal era o seu ardente desejo de dedicar-se inteiramente a Ele.

Do que foi dito acima concluímos pertencer à tônica do carisma carmelitano um grande zelo pela glória de Deus, que se traduz num não menor zelo pela reparação de tantas ofensas perpetradas contra ela, e pela salvação das almas. O zelo ardoroso é o que define tal espiritualidade, que toma como protótipo o Profeta Elias, o qual ao ser interpelado por Deus no alto do Monte Horeb, respondeu-lhe: “Estou devorado de zelo pelo Senhor, o Deus dos Exércitos”[2] (BIBLIA SAGRADA, 2002: 392).

Outro aspecto relevante diz respeito ao despojamento de si mesmo que caracteriza o espírito carmelitano. Sem assumir os extremismos a que chegaram certas correntes quietistas que transformaram o processo de santificação numa espécie de busca nihilista muito semelhante em seus aspectos essenciais a certas religiões orientais, em especial o budismo, tem bem presente diante de si a vacuidade das criaturas contingentes com as quais se depara, procurando esvaziar-se de todo apego desordenado a elas, com o objetivo de aderir com todas as veras da alma ao Único Necessário. Para o Carmelita, tal busca é inspirada pelo próprio Deus, e trás como resposta a ação divina, ora por meio de purificações dolorosas, ora por meio de graças especialíssimas de consolação que conduzem certas almas privilegiadas até, usando a expressão de Saint-Laurent (1997), às alturas vertiginosas dos êxtases.

Faz-se preciso salientar que tais favores extraordinários não devem ser o objetivo final de uma alma autenticamente carmelitana, mas somente meios através dos quais a Providência lhe manifesta o seu apreço e a incentiva à perseverança. Para o carmelita, antes de tudo, tais favores não consistem na santidade, mas são uma via posta por Deus para alcançá-la. A santidade consiste antes de tudo na vontade inteiramente voltada para o Altíssimo, mesmo em meio aos mais atrozes sofrimentos e obscuridades. Amar não significa sentir amor, significa querer amar, viver o amor, morrer de amor. O principal favor que uma alma imbuída dessa espiritualidade deseja possuir é o amor de Deus, mesmo que para tanto se faça necessário o mais duro dos sacrifícios, ou seja, o absurdo da rejeição por parte de Deus. Mesmo se tal se sucedesse, o que é de potentia Dei ordinata[3] impossível, a alma continuaria a amá-lo com todas as suas veras.

Tal ideal parece mergulhar na impossibilidade diante da realidade do instinto de conservação que pertence à natureza humana. Entretanto, pode ser alcançado, desde que a pessoa humana se abandone inteiramente nas mãos de Deus. E é o abandono um dos pontos que mais merece destaque no carisma carmelitano.

Um outro aspecto interessante reside no fato de esse amor ser uma fonte de inspiração para uma vida autenticamente apostólica, pois o zelo pela glória de Deus trás como conseqüência o desejo de vê-lo inteiramente servido pela universalidade dos homens, porque a alma se dinamiza ao perceber tal não ser ainda realidade. É por esta causa que Saint-Laurent (1997) chama Santa Teresa de Ávila a Santa do Apostolado.


[1] Lc 2, 51

[2]1Rs 19,10

[3] Expressão latina que se refere ao poder de Deus ordenado a um fim por Ele estabelecido.

O conceito autêntico da Paz

Diác. Leonardo Barraza Aranda, EPliriocruz

O que é a ordem? Com base na doutrina tomista podemos dizer que a ordem é a reta disposição das coisas segundo sua natureza e finalidade. Assim, um corpo humano, vai estar em ordem, quando os membros que o compõem estão dispostos de tal maneira que cumprem com o objetivo para o qual existem. Logo, tranqüilidade e ordem são duas condições fundamentais para a existência da paz. Mas deixemos ao próprio Santo Agostinho (1964, p.169) em sua obra “A Cidade de Deus ” que exponha a sua doutrina:

A paz do corpo é a ordenada complexão de suas partes; a da alma irracional, a ordenada calma de suas apetências. A paz da alma racional é a ordenada harmonia entre o conhecimento e a ação, a paz do corpo e da alma, a vida bem ordenada e a saúde do animal. A paz entre o homem mortal e Deus é a obediência ordenada pela fé sob a lei eterna. A paz dos homens entre si, sua ordenada concórdia. A paz de casa é a ordenada concórdia ente os que mandam e os que obedecem nela; a paz da cidade a ordenada concórdia entre governantes e governados. A paz da cidade celeste é a ordenadíssima e concordíssima união para gozar de Deus e, ao mesmo tempo,em Deus. A paz de todas as coisas, a tranqüilidade da ordem.

Em síntese, para o Santo Doutor, a paz em quanto belo dom de Deus “é o mais consolador, o mais desejável e o mais excelente de todos”. 34

“A paz na terra, anseio profundo de todos os homens de todos os tempos, não se pode estabelecer nem consolidar senão no pleno respeito da ordem instituída por Deus.” (JOÃO XXIII, 1962, n.1)

Com estas palavras, o Beato João XXIII, iniciou sua Encíclica Pacem in Terris dedicada ao tema da paz. Depois de expor a doutrina católica a respeito da ordem que Deus imprimiu na criação, passa a deplorar que dita ordem não prevaleça no relacionamento entre os seres humanos. Em outras palavras, a paz só se estabelecerá quando a humanidade respeitar a harmonia que Deus instituiu na criação e na alma do homem como um reflexo de suas infinitas perfeições.

Com efeito, João XXIII, (1962, n.4) afirma: “Contrasta clamorosamente com essa perfeita ordem universal a desordem que reina entre indivíduos e povos, como se as suas mútuas relações não pudessem ser reguladas senão pela força.” E seguindo sua linha de argumentos, o Santo Padre expõe a doutrina católica a propósito da existência no íntimo do ser humano de uma ordem, que a consciência deste se manifesta e obriga peremptoriamente a observar: “mostram a obra da lei gravada em seus corações, dando disto testemunho a sua consciência e seus pensamentos” (Rm 2, 15).

O reconhecimento da existência de uma lei moral que regule as relações entre os homens e o respeito por ela, é uma das claves apontadas por João XXIII para a sustentação da paz. Principio que os pontífices posteriores não deixaram de repetir.

Com efeito, o Papa Bento XVI (2007, n.3), em seu discurso para o Dia Mundial da Paz, relembrou esta doutrina:

O meu venerado predecessor João Paulo II, dirigindo-se à Assembléia Geral das Nações Unidas no dia 5 de Outubro de 1995, teve a ocasião de dizer que nós « não vivemos num mundo irracional ou sem sentido, mas […] existe uma lógica moral que ilumina a existência humana e torna possível o diálogo entre os homens e os povos ». A “gramática” transcendente, ou seja, o conjunto de regras da acção individual e do recíproco relacionamento entre as pessoas de acordo com a justiça e a solidariedade, está inscrita nas consciências, nas quais se reflecte o sábio projecto de Deus. Como recentemente quis reafirmar, « nós cremos que na origem está o Verbo eterno, a Razão e não a Irracionalidade ».A paz é, portanto, também uma tarefa que compromete cada indivíduo a uma resposta pessoal coerente com o plano divino. O critério que deve inspirar esta resposta não pode ser senão o respeito pela “gramática” escrita no coração do homem pelo seu divino Criador.

A procura pelo respeito desta “gramática” a qual aludem os recentes Pontífices, guarda uma relação íntima com a prática da virtude, em contraste com o pecado. O termo justiça significa nas Sagradas Escrituras a observância plena dos mandamentos da lei de Deus e a prática das virtudes, ou seja, a santidade da vida. Por isso, Nosso Senhor Jesus Cristo diz: ” Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça” (Mt 5, 6). A Paz e a justiça são inseparáveis.

Já os padres do Concilio Vaticano II na Constituição Pastoral Gaudium et

Spes (1965, n.78) haviam destacado esta importante verdade da doutrina católica:

A paz não é ausência de guerra; nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação despótica. Com toda a exactidão e propriedade ela é chamada «obra da justiça» (Is. 32, 7). É um fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana, e que deve ser realizada pelos homens, sempre anelantes por uma mais perfeita justiça.

E ao mesmo tempo reiteram que o cuidado da paz demanda um domínio para evitar o pecado:

Com efeito, o bem comum do género humano é regido, primária e fundamentalmente, pela lei eterna; mas, quanto às suas exigências concretas, está sujeito a constantes mudanças, com o decorrer do tempo. Por esta razão, a paz nunca se alcança duma vez para sempre, antes deve estar constantemente a ser edificada. Além disso, como a vontade humana é fraca e ferida pelo pecado, a busca da paz exige o constante domínio das paixões de cada um e a vigilância da autoridade legítima.

Analisando estes ensinamentos, podemos concluir que a paz não é possível sem um espírito e uma mentalidade que tenham como fundamento uma harmonia no interior do ser humano. Na verdade, a raiz mais profunda da discórdia e desentendimentos surgem no coração do homem. Só o amor autentico a um bem supremo, a saber, Deus, ao qual todos reconheçam e respeitem como legislador, pode conseguir o respeito mútuo e a fraternidade entre os homens e os povos. É por isso que os Pontífices Romanos são categóricos ao afirmar que nunca haverá verdadeira e duradoura paz na terra sem a prática das virtudes cristãs.

O Carisma dos Fundadores

Pe. Santiago Canals Coma, EPjesus

Houve um Fundador que, pertencente à melhor estirpe real, veio a este mundo na mais humilde das condições. Passou a maior parte da existência terrena na obscuridade, preparando Sua curta vida pública. Ao empreender a atividade apostólica, abalou Ele com a doutrina que ensinava inúmeros conceitos de Sua época, sem temer a reis, a imperadores ou a pontífices. Defendeu Sua religião e filosofia em praças públicas, diante de multidões, conferindo, por meio de milagres inimagináveis, aval às Suas palavras. Por onde passou deixou as indeléveis marcas de Sua bondade, reconciliando com Deus cada um dos que lhe pediam a mediação. Por Sua ilimitada misericórdia pertransivit benefaciendo (At 10, 38): passou por este mundo fazendo o bem, mas apesar disso foi condenado ao mais infamante tipo de morte daquele tempo, ao ser levado ao patíbulo. Do alto da cruz, atraiu o mundo inteiro a Si (Jo 12,32).

Os Fundadores de famílias religiosas são reflexos dos múltiplos aspectos de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Sua missão. Porém estudá-los não é fácil e simples. Vários autores que tratam do assunto deixam claro que esse tema não foi satisfatoriamente estudado ao longo da História face à sua enorme complexidade, pois estudar os Fundadores pode ser comparado a adentrar os mistérios do próprio Deus (Cf. ROMANO, 1991, pp. 63-64).

É muito significativa a dificuldade encontrada pelo Pe. Antonio Romano. Na elaboração de seu aprofundado estudo sobre o tema afirma ele não ter achado em nenhum dicionário anterior à primeira metade do século XX – eclesiástico ou não – referências ao termo “fundador”. De modo análogo, quase não encontrou ele documentos da Igreja com informações claras para a compreensão jurídica desse vocábulo (Cf. ROMANO, 1991, pp. 34-35). Outra evidência de ser o tema “fundadores” de estudo recente na Igreja é a constatação de que apenas em 1947 foram estabelecidos os requisitos necessários para que alguém possa ser considerado Fundador de uma família religiosa. Assim, conforme documento emanado da Sagrada Congregação dos Ritos,

Para se designar alguém Fundador ou Fundadora de uma família religiosa exige-se, antes de tudo, que tal pessoa tenha reunido em torno de si um núcleo, ainda que pequeno, de seguidores, de lhes ter fixado uma meta específica; em segundo lugar, ter deixado leis ou regras – por escrito ou oralmente – especificando a meta e os meios para a alcançar. Há ainda outra observação que se pode fazer: quando um fundador toma como base uma regra anterior já aprovada, então o autor desta se torna o Patriarca ou pater desse instituto religioso. Assim, por exemplo, São Bento é o Patriarca de todas as famílias monásticas que têm como fundamento a regra beneditina; São Francisco de Sales é o Pai dos salesianos, porque São João Bosco se inspirou na legislação e nos escritos do Santo Doutor. Outros exemplos poderiam amplamente se multiplicar. SCR.SH.66, Nova Inquisitio, XVII .

É certo, porém, que sob o ponto de vista carismático-teológico os Papas sempre consideravam os Fundadores como homens inspirados pelo Espírito Santo, apesar de tal tema não ter sido estudado em profundidade sob o aspecto jurídico (Cf. ROMANO, 1991, p. 65-67, 71). Foi Paulo VI quem pela primeira vez, em um documento do Magistério oficial (Evangelica Testificatio), confirmou essa doutrina ao utilizar a expressão carisma dos fundadores: “Só assim podereis despertar de novo os corações para a Verdade e para o Amor divino, segundo o carisma dos vossos Fundadores, suscitados por Deus na sua Igreja” (PAULO VI, 1971, n.p.). Do mesmo modo, o Papa João Paulo II lançou mão dessa expressão em diversos documentos, como, por exemplo, na Mensagem à XIV Assembléia Geral da Conferência dos Religiosos do Brasil: “Anima-vos aquilo que é o sentido ínsito à vida consagrada: crescer no conhecimento e no amor, para serdes testemunhas e profetas de Cristo no mundo de hoje, em fidelidade dinâmica à vocação religiosa e ao carisma dos vossos Fundadores” (JOAO PAULO II, 1986).

Entre os papas, um se destaca por ser conhecedor das profundas realidades eclesiais produzidas pelo Espírito Santo: Bento XVI. Desde muito antes de sua ascensão ao trono pontifício o Cardeal Ratzinger já observava e acompanhava o surgimento de novos movimentos no seio da Igreja. É esse o testemunho do Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, Cardeal Stanislaw Rylko, dado na introdução de uma obra de BENTO XVI:

O Papa Bento XVI segue, desde há muitos anos, com paixão de teólogo e de pastor, o fenómeno dos movimentos e das novas comunidades que nasceram na Igreja depois do Concílio Vaticano II. Os seus primeiríssimos contatos com estas realidades eclesiais remontam a meados dos anos 60, quando ainda era professor em Tubinga. Depois, com o passar do tempo, essas relações intensificaram-se e aprofundaram-se, transformando-se numa verdadeira amizade (2007, pp. 25-26).

Porém não foi apenas por uma experiência pessoal que Bento XVI se converteu em um ponto de referência para os novos movimentos. Dado o importante papel que exerceu ao lado de João Paulo II como prefeito da Congregação para a a Doutrina da Fé, podemos considerá-lo um fiel intérprete do magistério dos movimentos eclesiais.

Passemos então a abordar a inspiração dos Fundadores. Na abertura do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais em 1998 (quando ainda era o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé), ao comparar o nascimento da ordem franciscana com o nascer de um novo “movimento” o Cardeal Ratzinger assinalou a presença de uma inspiração personalizada na base dos movimentos religiosos:

Talvez possamos identificar com a máxima clareza um movimento no sentido próprio no desabrochar franciscano do século XIII. Na sua maioria, os movimentos nascem de uma carismática personalidade-guia, configurando-se em comunidades concretas que, em virtude da sua origem, revivem o Evangelho na sua inteireza e, sem hesitações, reconhecem na Igreja a sua razão de vida, sem a qual não poderiam subsistir (ibid, pp. 55-56).

Vejamos os desdobramentos da realidade teológica chamada pelo Papa de “carismática personalidade-guia”, que está na origem dos movimentos religiosos. Inicialmente devemos considerar o carisma dos Fundadores como algo que a Igreja assume como próprio quando aprova uma nova forma de vida religiosa. De acordo com Romano, o carisma dos fundadores tem uma dupla dimensão. Por um lado o Fundador, consciente de sua dependência total à Igreja, espera que ela reconheça e acolha seu carisma. Por outro lado, a Igreja vê um novo fruto do Espírito Santo, e o quer preservar de qualquer modo. Essa identidade com a Igreja é fundamental para o Fundador, pois dá a ele a certeza de que o espírito que o move, que o impulsiona no sentido de criar novos estilos de vida, e que o inflama com um “fogo profético”, é o mesmo Espírito Santo da Igreja. Ademais, por outro lado, isso fortalece as relações com seus discípulos, pois com freqüência na vida dos Fundadores “não há ninguém capaz de compreender totalmente a novidade e a profundidade do que ele é e do que ele contém em si” (Cf. ROMANO, 1991, pp. 72-73).

Este assunto é tão fundamental que uma das preocupações de Bento XVI sempre foi acolher e preservar com carinho as novas famílias religiosas, deixando claro que, junto com as igrejas locais, elas fazem parte da própria estrutura viva da Igreja. E, portanto, é necessário preservar esses novos dons para edificação de toda a mesma Igreja.

Depois de ter sido eleito Papa, Bento XVI não cessou de manifestar o seu afecto e a sua atenção pastoral a estas novas realidades. Bastará recordar as suas palavras dirigidas aos jovens reunidos em Colónia em Agosto de 2005 para celebrar o vigésimo Dia Mundial da Juventude:

“Formais comunidades na base da fé! Nos últimos decénios, nasceram movimentos e comunidades em que a força do Evangelho se faz sentir com vivacidade”. E as que sempre disse aos bispos alemães sobre o tema dos movimentos – “A Igreja deve valorizar estas realidades e, oportunamente, guiá-las com sabedoria e prudência pastorais, para que, com os seus diversos dons, contribuam da melhor maneira para a edificação da comunidade” –, acrescentando um pormenor importante: “As igrejas locais e os movimentos não se opõem mutuamente, mas constituem a estrutura viva da Igreja” (BENTO XVI, 2007, p. 29).

O tema da inserção eclesial dos novos carismas é muito complexo e não se relaciona diretamente com nosso assunto. Contudo desperta a atenção o aviso que o Papa faz aos bispos sobre a necessidade de valorizar tais realidades e saber guiá-las com sabedoria. De fato, com freqüência nos deparamos na História com fatos em sentido contrário que tantas incompreensões e mal-entendidos produziram. É o que nos explica ROMANO:

A fim de que a inserção de uma comunidade religiosa no tecido da Igreja local seja autêntica e conforme a inspiração do Espírito, existe o direito, por parte da autoridade eclesiástica, de discernir os carismas e, portanto, aprová-los. (…) Esta é uma enorme responsabilidade, que leva Girardi a afirmar que as pessoas aptas para verificar a iniciativa do Espírito deveriam tomar maior consciência disso para pôr mais atenção e munir-se de uma doutrina apropriada que permita interpretar verdadeiramente o impulso do Espírito. Se, por exemplo, um bispo nada soubesse a respeito da teologia dos carismas, como seria capaz de interpretar esses dons do Espírito? Essa é a razão da existência de tantos entraves na Igreja. Contudo, isso também forma parte do desígnio de Deus, desígnio misterioso… que permite que seus dons passem sempre através de um caminho Pascal de sofrimento e purificação. Assim como outros autores, Girardi situa a autenticidade de um carisma dentro da constante histórica da Cruz como verdadeiro critério e garantia de fecundidade (op. cit. pp. 27-28, 132, tradução minha).

Essa inserção não deve ser entendida como uma perda da própria identidade, mas, pelo contrário, a Igreja sempre insistiu na necessidade de salvaguardar cada carisma. Isto é feito com normas concretas dadas tanto às autoridades eclesiásticas como aos membros de cada família religiosa.

Igualmente, “corresponde à dita autoridade a obrigação de respeitá-los [os novos carismas], e, conseqüentemente, acolhê-los e conservá-los tal como foram dados pelo Espírito Santo. Cada um dos institutos tem direito à sua própria autonomia a fim de manter íntegro seu patrimônio espiritual e institucional; mais ainda, há o dever fundamental – tanto dos institutos em si como de cada um de seus membros – de conservar o carisma original, mesmo que seja preciso adaptá-los às mutantes exigências históricas da Igreja e do mundo (cc. 574, § 2; 576; 578; 586; 677 § 1).

Mantendo-se um instituto fiel a seu carisma e sendo respeitado por todos – inclusive pela autoridade hierárquica – por essa fidelidade, mais autêntica e eficaz será sua inserção na vida da Igreja, pois esta se realizará conforme a inspiração do Espírito”. Ghirlanda G., La vita consagrata nella vita della Chiesa, en Informationes SCRIS (2/1984)88.4 Podemos então chegar a uma conclusão: o Fundador pede o reconhecimento eclesial de seu carisma porque é consciente de ser o portador de um novo dom dentro do Corpo Místico. E a Igreja, ao concedê-lo, confirma a existência de um novo carisma, de uma nova inspiração do Espírito Santo, a ser desenvolvida para o bem do Povo de Deus.

BIBLIOGRAFIA

BENTO XVI. Os Movimentos na Igreja – presença do Espírito e esperança para os

homens. S. João de Estoril: Lucerna, 2007.

ROMANO, Antonio. Los fundadores profetas de la Historia – la figura y el carisma de los fundadores dentro de la reflexión teológica actual. Madrid: Claretianas, 1991.

CIARDI OMI, Fabio. Los fundadores, hombres del espíritu. Para una teología del carisma del fundador. Madrid: Ediciones Paulinas, 1983.

_____. Experiencia comunitaria de los fundadores. Vida Religiosa, Madrid, vol. 74, n. 1, enero, 1993.

_____. Riscoperta dei carismi dei fondatori. Vita Consacrata, Milano, n. 29, junio, 1993.

A lei conforme a razão, gravada no coração humano

Diác. Leopoldo Werner, EPint-Basilica

Existem normas de caráter universal
Já na Antiguidade, Cícero escreveu de modo preciso e conciso:
A razão reta, conforme a natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus mandatos, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo senado; não há que procurar para ela outro comentador nem intérprete; não é uma lei em Roma e outra em Atenas, uma antes e outra depois, mas una, sempiterna e imutável, entre todos os povos e em todos os tempos; uno será sempre o seu imperador e mestre, que é Deus, seu inventor, sancionador e publicador; não podendo o homem desconhecê-la sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se do seu caráter humano e sem atrair sobre si a mais cruel expiação, embora tenha conseguido evitar todos os outros suplícios. (CÍCERO, 2009: 53).
Nesta definição de Cícero devemos reter as seguintes noções: há uma lei que é conforme com a razão, gravada no coração humano, imutável, que prescreve o bem e proíbe o mal. Esta lei vale para todos os povos e em todos os lugares. Não varia com o passar do tempo, nem pode ser derrogada ou anulada pela vontade do povo e pelo arbítrio da autoridade.
Há, portanto, uma lei que provém da própria natureza do homem, dirigindo-o para seu fim, que é o bem. Chega-se a ela pela razão natural. Esta lei chama-se lei natural, para distinguir-se da lei sobrenatural, que é atingível pela fé. E por esta chega-se ao conhecimento de Deus e das coisas divinas. Há ainda a lei positiva, que é promulgada pela autoridade competente e obriga em razão da sua promulgação.
Santo Agostinho, Bispo de Hipona, defende a existência de normas de caráter universal. Utiliza a expressão “lei eterna” para se referir à lei moral natural que se encontra gravada no coração de todos os homens. A lei eterna manda conservar a ordem natural e proíbe perturbá-la. As leis temporais, ou civis, devem fundar-se nas leis eternas, respeitando-as.

Emana da Lei Eterna
São Tomás de Aquino, conhecido também como o Doutor Angélico, advoga a existência de uma lei universal que regula o comportamento de todos os seres, incluindo o comportamento humano.
Entre as demais, a criatura racional está sujeita à providência divina de um modo mais excelente, enquanto a mesma se torna participante da providência, provendo a si mesma e aos outros. Portanto, nela mesma é participada a razão eterna, por meio da qual tem a inclinação natural ao devido ato e fim. E tal participação da lei eterna na criatura racional se chama lei natural. (AQUINO, 2005, Vol. IV: 531).
Enquanto ordenador da conduta humana, a Lei Natural está em harmonia com toda ordem do universo, baseada, em última instância, na Lei Eterna ou Divina — um reflexo da sabedoria divina que dispôs todas as coisas para um fim determinado, que é a sua própria glória. É por isso que São Tomás afirma:
Portanto, como a lei eterna é a razão de governo no governo supremo, é necessário que todas as razões de governo que estão nos governantes inferiores derivem da lei eterna. (AQUINO, 2005, Vol. IV: 551).
Uma lei inscrita no íntimo dos corações, imagem da Sabedoria de Deus, é o que o papa João Paulo II ministra a respeito da lei natural ensinada pela Igreja:
A Igreja referiu-se frequentemente à doutrina tomista da lei natural, assumindo-a no próprio ensinamento moral. Assim, o meu venerado predecessor Leão XIII sublinhou a essencial subordinação da razão e da lei humana à Sabedoria de Deus e à Sua lei. Depois de dizer que “a lei natural está inscrita e esculpida no coração de todos e de cada um dos homens, visto que esta não é mais do que a mesma razão humana enquanto nos ordena fazer o bem e intima a não pecar”. Leão XIII remete para a “razão mais elevada” do divino Legislador: “Mas esta prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se não fosse a voz e a intérprete de uma razão mais alta, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem estar submetidos”. De fato, a força da lei reside na sua autoridade de impor deveres, conferir direitos e aplicar a sanção a certos comportamentos: “Ora, nada disso poderia existir no homem, se fosse ele mesmo a estipular, como legislador supremo, a norma das suas ações”.
E conclui: “Daí decorre que a lei natural é a mesma lei eterna, inscrita nos seres dotados de razão, que os inclina para o ato e o fim que lhes convém; ela é a própria razão eterna do Criador e governador do universo”. (JOÃO PAULO II, 1993: 44).
Se não houvesse essa luz infundida em nossa alma por Deus, quais seriam as relações dos homens entre si, ou mesmo a relação consigo mesmo? É urgente reacender essa luz nos homens para encontrar o farol que é o guia dos homens e a luz das nações. É o ensinamento de São Tomás de Aquino, assumido e relembrado pelo Papa João Paulo II:
[A lei natural] não é mais do que a luz da inteligência infundida por Deus em nós. Graças a ela, conhecemos o que se deve cumprir e o que se deve evitar. Esta luz e esta lei, Deus as concedeu na criação. (apud JOÃO PAULO II, 1993: 44).
Estas verdades parecem tão claras e evidentes que foram sempre aceitas como balizas para o pensamento humano. Leão XIII (1888) ensinou mais de uma vez essa doutrina tão própria a solidificar os fundamentos da sociedade humana em seu relacionamento mútuo. A razão humana é intérprete e voz de uma razão muito mais alta, que é a do próprio Deus, ao qual devem estar submetidos nosso entendimento e nossa vontade. A lei é reflexo de uma lei eterna que existe na mente da primeira Causa, o Criador e mantenedor do universo e de tudo que nele existe.
Tal é, acima de todas, a lei natural que está escrita e gravada no coração de cada homem, porque é a razão mesma do homem que lhe ordena a prática do bem e lhe interdiz o pecado. Mas esta prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se ela não fosse órgão e intérprete duma razão mais alta à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem obediência. Sendo, na verdade, a missão da lei impor deveres e atribuir direitos, a lei assenta completamente sobre a autoridade, isto é, sobre um poder verdadeiramente capaz de estabelecer esses deveres e definir esses direitos, capaz também de sancionar as suas ordens por castigos e recompensas; coisas todas que não poderiam evidentemente existir no homem, se ele desse a si próprio, como legislador supremo, a regra dos seus próprios atos. Disto se conclui, pois, que a lei natural outra coisa não é senão a lei eterna gravada nos seres dotados de razão, inclinando-os para o ato e o fim que lhes convenha; e este não é senão a razão eterna de Deus, Criador e Governador do mundo. (Leão XIII, 1888: 6).

Base moral para a construção da sociedade
O Catecismo da Igreja Católica ensina que:
A lei natural exprime o sentido moral original, que permite ao homem discernir, pela razão, o que é o bem e o mal, a verdade e a mentira. A lei “divina e natural” mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e atingir seu fim. (CIC, 2001: 516).
É por isso que o papa João Paulo II insistiu sobre a necessidade da recuperação da doutrina da Lei Natural, como a fonte de certeza moral para toda a humanidade. Por isso, ele afirma que a lei natural:
Pertence ao grande patrimônio da sabedoria humana, que a Revelação, com sua luz, tem contribuído para purificar e desenvolver ulteriormente. A lei natural, acessível por isso mesma a toda criatura racional, indica as normas primeiras e essenciais que regulam a vida moral. (JOÃO PAULO II, 2004: 5).
A lei natural é o fundamento sólido do edifício das regras morais e a base moral para construção da sociedade. É o que ensina o Catecismo da Igreja Católica a este respeito:
Obra excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos sobre os quais pode o homem construir o edifício das regras morais que orientarão suas opções. Ela assenta igualmente a base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens. Proporciona, enfim, a base necessária à lei civil que se relaciona com ela, seja por uma reflexão que tira as conclusões de seus princípios, seja por adições de natureza positiva e jurídica. (CIC, 2001: 518).
A natureza da pessoa humana fica assim atendida quando atinge seu fim; seus deveres e seus direitos são reconhecidos plenamente. E ela se sente dignificada na sua pessoa, como um ente racional, dotada de todas as prerrogativas que lhe garantem uma estabilidade de vida que condiz com a sua condição humana. A este respeito, corroboram as palavras de João Paulo II ao discorrer sobre tema tão importante:
Pode-se agora compreender o verdadeiro significado da lei natural: ela refere-se à natureza própria e original do homem, à “natureza da pessoa humana”, que é a pessoa mesma na unidade de alma e corpo, na unidade das suas inclinações tanto de ordem espiritual como biológica, e de todas as outras características específicas, necessárias para a obtenção do seu fim. “A lei moral natural exprime e prescreve as finalidades, os direitos e os deveres que se fundamentam sobre a natureza corporal e espiritual da pessoa humana. Portanto, não pode ser concebida como uma tendência normativa meramente biológica, mas deve ser definida como a ordem racional segundo a qual o homem é chamado pelo Criador a dirigir e regular a sua vida e os seus atos e, particularmente, a usar e dispor do próprio corpo.” (JOÃO PAULO II, 1993: 50)

Tende a unir todos os homens
É necessário, pois, contribuirmos para solidificação de princípios estáveis, imutáveis, de conduta de todos os seres humanos entre si, para haver a fecunda e duradoura prosperidade e a paz entre os homens, tanto no nível de suas próprias comunidades como também da convivência fraterna universal:
Convido-vos a promover iniciativas oportunas com a finalidade de contribuir para uma renovação construtiva da doutrina da lei moral natural, buscando também convergências com representantes das diversas confissões, religiões e culturas. (JOÃO PAULO II, 2004: 5)
A lei natural se estende além das fronteiras da própria personalidade humana e tende, pela sua unidade e universalidade, a unir todos os povos em busca de um bem comum, que é a felicidade e a prosperidade de todas as nações. Esta lei é a certeza da amizade entre as nações e um pacto de aliança entre os indivíduos que procuram um alicerce firme para uma convivência pacífica, duradoura e próspera. Por isso, a lei natural deve ser o fundamento para as relações pacíficas entre as diversas nações.
Embora o gênero humano, por disposição de ordem natural estabelecida por Deus, esteja dividido em grupos sociais, nações ou Estados, independentes uns dos outros, no que respeita ao modo de organizar e dirigir a sua vida interna, acha-se, contudo, ligado por recíprocos vínculos morais e jurídicos, numa grande comunidade, organizada para o bem de todos os povos e regulada por leis especiais que tutelam a sua unidade e promovem a sua prosperidade.
Ora, não há quem não perceba que a autonomia absoluta do Estado põe-se em aberto contraste com esta lei imanente e natural, ou melhor, nega-a radicalmente, deixando à mercê da vontade dos governantes a estabilidade das relações internacionais e tirando a possibilidade de uma verdadeira união e fecunda colaboração no que respeita ao interesse geral. Porque, veneráveis irmãos, para a existência de contatos harmônicos e duradouros e de relações frutuosas, é indispensável que os povos reconheçam e observem aqueles princípios de direito natural internacional, que regulam o seu normal funcionamento e desenvolvimento. Tais princípios exigem o respeito dos relativos direitos à independência, à vida e à possibilidade de um desenvolvimento progressivo no caminho da civilização; exigem, além disso, a fidelidade aos pactos estipulados e ratificados segundo as normas do direito das gentes. (PIO XII, 1939: 54)
A lei natural, inserida na sua natureza, atende aos anseios mais internos do coração humano e delineia claramente as relações com seus semelhantes, tornando o convívio humano digno de ser vivido em todos os níveis da sociedade humana, e lança uma base firme para um diálogo fecundo com todos os homens de boa vontade. Sobre isso, no seu discurso aos membros da Comissão Teológica Internacional, assim se expressou o papa Bento XVI a respeito da Lei Natural:
Com esta doutrina, alcançam-se duas finalidades essenciais: por um lado, compreende-se que o conteúdo ético da fé cristã não constitui um delineamento ditado à consciência do homem a partir de fora, mas uma norma que encontra o seu fundamento na própria natureza humana; por outro, partindo da lei natural por si mesma acessível a todas as criaturas racionais, lança-se com ela a base para entrar em diálogo com todos os homens de boa vontade e, de modo mais geral, com a sociedade civil e secular. (BENTO XVI, 2007a)
A mesma idéia é repetida com outras palavras pelo Papa:
A lei natural, escrita por Deus na consciência humana, é um denominador comum a todos os homens e a todos os povos; é um guia universal que todos podem conhecer e em cuja base todos se podem compreender. (BENTO XVI, 2008: 1)
Antes de prosseguirmos com nosso estudo, é interessante ver como os conceitos de ordem, paz e harmonia são conexos com o tema do direito natural que estamos desenvolvendo. Vejamos o que o iminente pensador católico Plinio Corrêa de Oliveira escreveu sobre este interessante assunto.
Em artigo publicado no Catolicismo, o catedrático brasileiro começa por mostrar quanto a ordem, a paz e a harmonia são noções que têm relação direta com a pessoa humana bem formada, são valores que devem ser procurados numa sociedade bem constituída. A partir desses conceitos universais, pode-se ter uma ideia da perfeição de uma organização social baseada na lei natural, reflexo de sua natureza e fim.
A ordem, a paz, a harmonia, são características essenciais de toda a alma bem formada, de toda a sociedade humana bem constituída. Em certo sentido, são valores que se confundem com a própria noção de perfeição.
Todo o ser tem um fim próprio, e uma natureza adequada à obtenção deste fim. Assim, uma peça de relógio tem fim próprio, e, por sua forma e composição, é adequada à realização deste fim. (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1951: 1)

Para que uma sociedade esteja em ordem, é necessário que seus componentes ajam de acordo com a natureza mais profunda do seu ser e o fim da mesma sociedade, que é a vida em comum, harmonizados todos em ordem à felicidade geral. Neste sentido, o autor continua:

A ordem é a disposição das coisas, segundo sua natureza. Assim, um relógio está em ordem quando todas as suas peças estão ordenadas segundo a natureza e o fim que lhes é próprio. Diz-se que há ordem no universo sideral porque todos os corpos celestes estão ordenados segundo sua natureza e fim.
Existe harmonia quando as relações entre dois seres são conformes à natureza e o fim de cada qual. A harmonia é o operar das coisas umas em relação às outras, segundo a ordem. (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1951: 1)

Dessa harmonia em torno de um objetivo comum, segundo a ordem posta por Deus na natureza humana, gera a tranquilidade social e paz entre os indivíduos e as comunidades. Comunidades essas que projetam e se expandem, desde as mais próximas de cada um até os mais vastos agrupamentos nacionais e internacionais.

A ordem engendra a tranquilidade. A tranquilidade da ordem é a paz. Não é qualquer tranquilidade que merece ser chamada paz mas apenas a que resulta da ordem. A paz de consciência é a tranquilidade da consciência reta: não pode confundir-se com o letargo da consciência embotada. O bem estar orgânico produz uma sensação de paz que não pode ser confundida com a inércia do estado de coma. (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1951: 1)

A lei natural deve ser compreendida na sua natureza e fim. Pois dessa compreensão é que se entenderá a profundidade e sabedoria de Deus que não deixou o homem a mercê dos vagalhões de suas paixões, mas lhe deu os meios necessários para atingir seu fim e alcançar a perfeição e a paz.
E, logo a seguir, no mesmo estudo, mostra como a posse da verdade religiosa é a condição essencial da ordem, da harmonia, da paz e da perfeição:
Quando um ser está inteiramente disposto segundo sua natureza, está em estado de perfeição. Assim, uma pessoa com grande capacidade de estudo, grande desejo de estudar, posta em uma Universidade em que haja todos os meios para fazer os estudos que deseja, está posta, do ponto de vista dos estudos, em condições perfeitas.
Quando as atividades de um ser são inteiramente conformes à sua natureza, e tendem inteiramente para seu fim, estas atividades são, de algum modo, perfeitas. Assim, a trajetória dos astros é perfeita, porque corresponde inteiramente à natureza e ao fim de cada qual.
Quando as condições em que um ser se encontra são perfeitas, suas operações o são também, e ele tenderá necessariamente para o seu fim, com o máximo da constância, do vigor e do acerto. Assim, se um homem está em condições perfeitas para andar, isto é, sabe, quer e pode andar, andará de modo irrepreensível.
O verdadeiro conhecimento do que seja a perfeição do homem e das sociedades depende de uma noção exata sobre a natureza e fim do homem.
O acerto, a fecundidade, o esplendor das ações humanas, quer individuais, quer sociais, também está na dependência do conhecimento de nossa natureza e fim.
Em outros termos, a posse da verdade religiosa é a condição essencial da ordem, da harmonia, da paz e da perfeição. (CORREA DE OLIVEIRA, 1951: 1)

Evangelização: Iluminar toda a realidade humana

Pe. Luiz Henrique, EPpe-antonio-vieira

1.1.1 Características da Evangelização

A evangelização pode variar conforme as diversas circunstâncias do tempo, do lugar e da cultura, mas em síntese, podemos dizer com o Papa Paulo VI (1975) que a evangelização compreende o testemunho de vida, o anúncio explícito, a liturgia da Palavra, a catequese, a utilização dos meios de comunicação social, o contato pessoal, os sacramentos e a religiosidade popular.

1.1.1.1 Importância

Não podemos nos esquecer que o principal e o maior serviço que a Igreja oferece ao ser humano é comunicar-lhe a Boa Nova, convidando-o a participar da vida divina, iluminando, desta forma, toda a realidade humana.

Evangelizar é a missão central da Igreja e de todos os crentes. De acordo com o decreto “Ad Gentes” de Paulo VI (1965a) sobre a atividade missionária da Igreja, toda a Igreja é missionária. A obra da evangelização é um dever fundamental do Povo de Deus.

Nessa linha, nada mais claro do que a afirmação de São Paulo na primeira carta aos Coríntios: “Anunciar o Evangelho não é glória para mim; é uma obrigação que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!”[1] (BÍBLIA SAGRADA, 2001, p. 1473).

1.1.1.2 Tarefa de todos

De acordo com a 3ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (DOIG K., 1992), a missão evangelizadora é de todo o povo de Deus. Esta é uma vocação primordial, sua identidade mais profunda. É a sua felicidade. O povo de Deus com todos os seus membros, instituições e planos existe para evangelizar. Precisamos escutar, com renovado entusiasmo, o mandato do Senhor: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”[2] (BÍBLIA SAGRADA, 2001, p. 1344).

Por isso, cada casa pode tornar-se escola do Evangelho. Em qualquer lugar o cristão deve fazer resplandecer a sua luz a fim de que quem lhe passe perto possa encontrar a fé. A Igreja deve despertar essa consciência e tornar capazes e críveis as testemunhas.

1.1.1.3 Evangelizar em profundidade

Na própria 3ª Conferência Episcopal Latino-Americana, citada a pouco, chegou-se à conclusão de que a evangelização deve orientar-se para a formação de uma fé pessoal, adulta, interiormente formada, operante e constantemente confrontada com os desafios da vida atual nesta fase de transição.

E isso importa evangelizar “não de maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital, em profundidade, e isto até às suas raízes – a cultura e as culturas do homem” (DOIG K., 1992, p. 203).

Tullio Faustino (BERETTA, 1995) acentua que são sujeitos da Evangelização – como Cristo quis – todos os homens de todos os tempos, de todos os lugares, de todas as condições… de qualquer raça e idade, de qualquer mentalidade e em qualquer situação.

1.1.2 Evangelização cristocêntrica

O Evangelho é uma notícia, e uma notícia boa. Mas não somente isto. De acordo com José Prado Flores (1993, p.7), o Evangelho é o anúncio alegre de algo que já sucedeu: “a salvação integral do homem e de todos os homens, realizada pela morte, ressurreição e glorificação de Cristo Jesus. A proclamação está baseada em um feliz anúncio: Jesus já nos salvou!”

Na 3ª Conferência Episcopal Latino-Americana, foi visto que é dever nosso anunciar claramente, sem deixar dúvidas ou equívocos, o mistério da encarnação: tanto a divindade de Jesus Cristo, tal como professa a fé da Igreja, quanto a realidade e a força de sua dimensão humana e histórica (DOIG K, 1992).

Ainda nesta conferência, ficou claro que, durante a Evangelização, nós “não podemos desfigurar, parcializar ou ideologizar a pessoa de Jesus Cristo, nem fazer dele um político, um líder, um revolucionário ou um simples profeta, nem reduzir ao campo meramente privado Aquele que é o Senhor da história”. (DOIG K, 1992, p.300).

Portanto, evangelizar significa comunicar a todos os povos o plano de salvação desejado pelo Pai, realizado pelo Filho, difundido e anunciado pelo Espírito Santo por meio da Igreja.

 


[1] 1 Cor 9,16.

[2] Mc 16,15.