A lei da Igreja é lex libertatis

Roma - Brazao PontificioPe. José Victorino de Andrade, EP

Uma definição atual que resuma o que é em sua essência o Direito Canônico não é tão simples como poderá parecer. E isso tanto pela sua vastidão, multiplicidade e abrangência, como também por sua complexidade aos olhos contemporâneos pouco afeitos e muitas vezes desconhecedores da estrutura jurídica da Igreja. O reitor emérito da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma oferece uma sintética e completa demarcação dos limites de nosso atual Código:

“Em sua essência é o conjunto das relações entre os fiéis dotados de obrigatoriedade, enquanto determinadas pelos vários carismas, pelos sacramentos, pelos ministérios e funções, que criam regras de conduta. Como direito positivo, é, então o conjunto das leis e das normas positivas dadas pela autoridade legítima que regulam o cruzamento de tais relações na vida da comunidade eclesial e que deste modo constituem instituições canônicas, cuja totalidade dá o ordenamento jurídico da Igreja. Por isso o direito eclesial deve ser teologicamente fundado e ser considerado uma ciência sagrada, radicada na Revelação”.1

Apesar do desconhecimento por parte do grande público, e mesmo dos fiéis, a respeito do conteúdo do Código de Direito Canônico, há uma inegável universalidade que lhe está adjacente e o torna ímpar enquanto ordenamento jurídico. De acordo com o cardeal Herranz, o Código de Direito Canônico, nas suas variantes latina e oriental, é válido para bilhões de cristãos, tendo sido traduzido para 17 línguas, entre as quais o chinês, o vietnamita, o japonês, o indonésio e o coreano, além de outras 60 edições bilíngues e um milhão de cópias feitas. Além disso, existem 31 Faculdades e Institutos de Direito Canônico, e operam em vários continentes 18 sociedades canônicas.2

O Papa Bento XVI oportunamente justificava, no seu anual discurso para o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, a importância da divulgação e cumprimento do Direito Canônico:

“Antes de tudo, a lei da Igreja é lex libertatis: lei que nos torna livres para aderir a Jesus. Por isso, é necessário saber apresentar ao Povo de Deus, às novas gerações e a quantos são chamados a fazer com que seja respeitada a norma canônica, o vínculo concreto que ela tem com a vida da Igreja, para a salvaguarda dos delicados interesses das realidades de Deus, daqueles que não dispõem de outras forças para se fazer valer, mas também em defesa daqueles delicados “bens” que cada fiel recebeu gratuitamente em primeiro lugar o dom da fé, da graça de Deus que na Igreja não podem permanecer desprovidos de uma adequada tutela da parte do Direito”.3

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1 GHIRLANDA, Gianfranco. O Direito na Igreja. Aparecida; São Paulo: Santuário, 2003. p. 64.

2 Cf. Herranz. Il Dirito Canonico, Perché? Lezione all’Università Cattolica di Milano. 29 aprile 2002.

3 Discurso no XXV Aniversário da Promulgação do Código de Direito Canônico, 25 de Janeiro de 2008.

Maria Assunta em corpo e alma à glória celestial

imaculada

Pe. Pedro Morazzani Arráiz, EP

Resplandecente de glória, a alma santíssima de Nossa Senhora reassumiu seu virginal corpo, tornando-o completamente espiritualizado, luminoso, sutil, ágil e impassível. E Maria — que quer dizer “Senhora de Luz” — elevou-se em corpo e alma ao Céu, enquanto as incontáveis legiões das milícias angélicas exclamavam maravilhadas ao contemplar sua Soberana cruzando os umbrais eternos:

“Quem é esta que surge triunfante como a aurora esplendorosa, bela como a lua, refulgente e invencível como o sol que sobe no firmamento e terrível como um exército em ordem de batalha?” (Cf. Ct 6, 10).

E ouviu-se uma grande voz que dizia:

“Eis aqui o tabernáculo de Deus” (Ap 21, 3). A Filha bem-amada do Pai, a Mãe virginal do Verbo, a Esposa puríssima do Espírito Santo foi coroada, então, pelas Três Divinas Pessoas para reinar no universo, pelos séculos dos séculos, “à direita do Rei” (Sl 44, 10).

A verdade desta glorificação única e completa da Santíssima Virgem foi definida solenemente como dogma de Fé pelo Papa Pio XII, no dia 1º de Novembro de 1950, com estas belas palavras:

“Depois de termos dirigido a Deus repetidas súplicas, e de termos invocado a luz do Espírito de verdade, para a glória de Deus onipotente que à Virgem Maria concedeu sua especial benevolência, para a honra de seu Filho, Rei imortal dos séculos e triunfador do pecado e da morte, para aumento da glória de sua augusta Mãe e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados Apóstolos São Pedro e São Paulo e com a Nossa, pronunciamos, declaramos e definimos que: A Imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”.

Revista Arautos do Evangelho, n. 32. p. 20.

Os hospitais e as obras de beneficência

Dom Miguel de Mañara fundador Santa Caridad SevillaPe. Carlos Alberto, EP

Já desde o século IV a caridade cristã engendrara uma instituição desconhecida no mundo pagão antigo: os hospitais. Segundo LLorca, Villoslada e Montalban (1960, p. 876, tradução nossa) essas instituições “não eram de início casas de enfermos, senão casas destinadas a acolher os necessitados que se encontravam sem lugar”, daí o termo hospital, do latim hospes (hóspede, estrangeiro, viajante). Estes eram “por conseguinte, lugar de refúgio de pobres, peregrinos, enfermos, gente sem albergue; casas onde se exercitava a mais pura caridade cristã sob a direção mais ou menos imediata do bispo.” (LLORCA, VILLOSLADA E MONTALBAN, 1960, p. 876, tradução nossa). Segundo os mesmos autores,

Ao lado de todas as catedrais se foram erigindo hospitais e asilos para os pobres e peregrinos. Em Mérida, de Espanha, era bem conhecido o levantado no século VI pelo grande bispo Masona, com uma boa equipe de médicos, enfermeiros e enfermeiras; (LLORCA, VILLOSLADA E MONTALBAN, 1958, p. 192, tradução nossa)

Além disso, segundo os referidos historiadores, “é sabido que desde o século IX vão surgindo em diferentes países associações religiosas consagradas à caridade e beneficência” (LLORCA, VILLOSLADA E MONTALBAN, 1958, p. 193, tradução nossa). Concluindo, afirmam os autores:

Assim surgiram estas obras de beneficência, que são uma das glórias mais puras do cristianismo. São o produto mais típico do espírito cristão, que sequer se concebe em meio do egoísmo pagão. Deste modo, ao crescer o cristianismo, se multiplicaram em todas as partes estas instituições de caridade, e em fins do século VII haviam tomado um auge extraordinário, sinal evidente do verdadeiro espírito do cristianismo que reinava em todas as partes. (LLORCA, VILLOSLADA E MONTALBAN, 1958, p. 193, tradução e grifos nossos)

A divisão das virtudes

luzPe. Erick Maria Marchel

As virtudes estão divididas em três esferas:

As humanas; As cardeais; As teologais;

As virtudes humanas são disposições habituais da inteligência e da vontade que modelam os nossos atos. Regulam ordenadamente, guiadas pela razão e a Fé, nossas inclinações ao mau, facilitando-nos assim uma vida em conformidade com a finalidade de todo homem. Proporcionam ao ser humano o convívio íntimo com o amor divino (CEC 1804).

As Cardeais são aquelas que têm a função de eixo ou gonzo.

Quatro virtudes têm um papel de “dobradiça” (que, em latim, se diz “cardo, cardinis”). Por esta razão são chamadas “cardeais”: todas as outras se agrupam em torno delas. São a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança (CEC 1805).

As Teologais são aquelas que têm relação diretamente com Deus. Tais virtudes têm como origem, motivo e objeto, o próprio Deus, que as utiliza como meios pelos quais adaptando as capacidades do atuar humano, nos faz participar de Sua Natureza e herdeiros da vida eterna (CEC 1812-1813). São elas a Fé, a Esperança e a Caridade.

A Estética Moral

Paris nocturna

BRUYNE, Edgar de. L’Esthétique du Moyen Age. Louvain: Éditions de L’Institut Supérieur de Philosophie, 1947. p. 109-113. Tradução a partir do original em francês e latim, por Pe. José Manuel Victorino de Andrade (IFAT) para a Revista Lumen Veritatis.

Podemos admitir duas espécies de beleza. Quando nós vemos alguém empreender um ato heróico, espontaneamente dizemos que isso é bonito: a beleza, nesse caso, é moral, espiritual, puramente inteligível. Se prestarmos atenção numa forma sensível e que consideramos agradável à vista, nós a dizemos bela: trata-se, aqui, da beleza visível. Essas duas formas de beleza são paralelas: é suficiente, para nos convencermos disso, analisarmos a maneira como nós as percebemos.

Se refletirmos na estrutura do ato moral que denominamos “honrar os parentes”, vemos que a intuição desse ato nos é agradável, que logo no começo aprovamos essa ação e espontaneamente louvamos aquele que a cumpre; julgamos tratar-se de algo conveniente. A beleza inteligível é, então, uma forma espiritual que aparece como deleitável à nossa experiência íntima, porque pela sua natureza é considerada como anterior ao nosso prazer: “natum est per se ipsum placere”.1 Se agora quisermos saber o que é a beleza visível, consultemos novamente as reações de nossa sensibilidade, desta vez na sua dependência face aos sentidos externos. Confiemo-nos ao seu testemunho, como no caso da consciência moral.2 O que é a beleza visível? Uma forma que nos parece de maneira anterior, de direito e por ela mesma, deleitar a visão daqueles que a observam: “Pulchrum visum dicimus quod natum est per se ipsum placere spectantibus et delectare secundum visum”.3

Eis-nos diante de uma concepção original da beleza. Não se trata mais de a definir por ações sensíveis de harmonia, de grandeza, de cor, mas de fazer um apelo a uma noção mais espiritual: aquilo que convém de direito. Levamos em nós mesmos uma aspiração incompreensível ao ideal, à perfeição, àquilo que nós julgamos “dever ser”. Desde que um dado, seja ele qual for — moral ou sensível —, apareça na consciência com as qualidades “daquilo que convém de maneira absoluta” e nos sobressalte de emoção, nós somos agradavelmente surpreendidos, empreendemos o louvor e julgamos que “devemos fruir”. Ao caráter objetivo “quod per se decet”,4 corresponde uma reação subjetiva que se impõe de direito: “Quod natum est per se ipsum placere et delectare”.5

O belo nasce, portanto, do encontro do dado (considerado na sua estrutura conveniente) com a nossa alma (de acordo com sua tenção para um ideal). Desde que o contato se faça, produz-se necessariamente (natum est), por sua vez, visão e prazer: “Est enim delectatio conjuntio convenientis cum conveniente”.6

Não procuremos mais longe. Para definir a beleza moral de um ato como o de “honrar os parentes”, basta constatar que a percepção do sentido de um tal ato agrada imediatamente, de modo natural, pela sua “conveniência” à nossa consciência íntima, que não é senão o sentido espontâneo do nosso élan para o conveniente ou o belo. Mesmo quando queremos definir a beleza física de uma simples cor, não é necessário referirmo-nos a outra coisa que não seja a relação da coloração à sensibilidade estética do olhar: “Ab ipso colore non est separabile actu vel ratione hoc ipsum quod est visibile et hoc est quoniam visibilitas essentia ejus est”.7 A essência da cor se identifica com a percepção, mas a própria percepção não se distingue do prazer estético: “Nec aliud est delectatio subjecto et essencia quam visio ipsa… necessario (enim apprehensio) delectabilis”.8

Está claro que partindo destas bases, Guillaume projeta por sua vez a estética na moral, e a moral na estética. Teremos apenas de segui-lo na sua comparação da consciência do bem e do mal com a do belo e do feio.

Não haveria vantagens em salientar, neste momento, as influências aristotélicas que traem seu ciceronianismo, em particular na sua interpretação emocionalista da consciência. Se a alma, como ele a considera, não se distingue das suas faculdades, conhecer é experimentar sentimentos. Ver o belo está em fruir, porque isto é o ato de amar.9

Quanto às consequências da emoção estética, procuremos recordar o essencial: a percepção é acompanhada do prazer ou todavia se identifica com ele; o prazer é seguido de uma aprovação, “puchrum laudabile est”,10 e esta última, de um élan para o belo, “intuentium animos delectat et ad amorem sui allicit”.11

Tudo isso se explica metafisicamente de acordo com os princípios tradicionais: “Nada é belo, que não agrade a Deus”. Se, em consequência, nós nos deleitamos espontaneamente com o belo, é porque, na forma “que convém por si mesma”, descobrimos um reflexo de Deus, que é o Ideal absoluto, isto é, que se impõe como absolutamente digno do ser. Em nossa alma “que se reporta à bela forma”, sentimos de maneira confusa um élan enigmático para Deus. O sentimento confuso — mas quão profundo e deleitável —, do belo, seja moral, seja físico, é portanto o sinal do reencontro consciente de uma parcela realizada da almejada perfeição, com nosso movimento pré-consciente rumo ao ideal infinito.

Guillaume ainda vai mais longe: a ação das criaturas não é senão uma expressiva parte da Atividade divina que lhes é imanente. O desejo do belo, a alegria da visão, o élan para a beleza, é a Atividade primeira que se manifesta: “Hoc cogit vehementia et velut torrens primi fluxus”.12 Deus nos preenche à maneira de um rio de bondades, à semelhança de uma torrente de suavidades que inunda veementemente inumeráveis córregos e riachos.13 Não é apenas a Beleza divina que nós fruímos nas belas formas criadas, mas a nossa própria potência de fruir é um sinal particular de seu Ato presente e agindo em nós.14

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1Nasceu para agradar por si mesmo (Et. III, 75).

2 Ib. 75.

3 Dizemos que a beleza visível nasceu por si mesma para agradar aos que a contemplam e deleitar através da visão (Ib. 73).

4 Que convém por si.

5 Que nasceu para agradar e deleitar por si mesmo.

6 O deleite é efetivamente a união da conveniência com o conveniente (Ib. 77).

7 Da própria cor não é separável pelo ato ou pela razão aquilo que é visível devido à visibilidade pertencer à sua essência (Ib. 86).

8 Nem é outro deleite sujeito e essência quanto a própria vista… necessariamente (na verdade percepção) deleitável (Ib. 82).

9 Ib. 80, 81, 72.

10 A beleza é louvável.

11 Contemplando deleita as almas e alicia para o seu amor (Ib. 72).

12 Por isso aumenta o volume com veemência tal como a torrente do primeiro fluxo (De Trin. XI, 15b-16a).

13 Ib. XI, 16ª et XII, 16b (cf. J. de Finance, Etre et agir, 1945, pp. 216 ss).

14 J. de Finance, Op. cit. p. 217.

A beleza nos símbolos e sua importância

pescadorMons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

A mente divina é infinitamente rica de seres possíveis e, embora Deus os possa criar todos, somente alguns Ele torna realidade. Assim, cada um de nós existiu como um possível na consideração de Deus, desde toda a eternidade1. Apesar d’Ele não ter querido criar todos os seres possíveis, é enorme a quantidade de criaturas vindas à existência pelo seu poder. Essa superabundância, como ocorre com todos os atos de Deus, foi intencional; entre outras razões, procedeu Ele dessa forma para espelhar uma maior quantidade de perfeições,2 ou mesmo evitar a sensação de monotonia que poderia facilmente se produzir na alma humana. Nessa imensa obra que O levou a descansar no sétimo dia, o Criador quis colocar uma nota de altíssima beleza: o simbolismo. Sobre isso, ensina-nos o Catecismo da Igreja Católica:

“Na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar importante. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e símbolos materiais. Como ser social, o homem precisa de sinais para se comunicar com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus (n. 1146)”.

Nesta terra de exílio, um dos melhores modos de nos comunicarmos com Deus e termos, assim, algum antegozo da visão beatífica é contemplar os símbolos do Criador postos no universo, pois “as perfeições invisíveis de Deus, o Seu sempiterno poder e divindade, tornam-se visíveis à inteligência, por suas obras” (Rm 1, 20). Ou seja, desde que queiramos, é-nos dado discernir o Invisível no visível, o Infinito no finito, o Criador nas criaturas.

Não há dúvida que a beleza estética pura e simples tem grande valor, mas a intelecção desse valor não atingirá sua plenitude enquanto não remeta, de alguma forma, através de seu simbolismo, para o próprio Deus. Daí que a beleza simbólica tenha uma categoria muito superior à estritamente física.

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1 Cf. S. Th. I, q. 15, a. 2-3.

2 Cf. S. Th. I, q. 47, a. 1.

A homilia

bento-xviPe. Mário Sérgio, EP

Entre as formas de pregação, destaca-se a homilia, que é parte da própria liturgia e se reserva ao sacerdote ou diácono; nela se devem expor, ao longo do ano litúrgico, a partir do texto sagrado, os mistérios da fé e as normas da vida cristã.

A Sagrada Teologia que é traduzida pelo sacerdote de forma acessível aos fiéis deve-se apoiar na Sagrada Escritura que é a “alma”, de todo ministério profético, sobretudo da homilia1. Por esta razão, a Igreja determina que em todas as missas que se celebram com participação do povo, nos domingos e festas de preceito, deve-se fazer a homilia, que não se pode omitir, a não ser por causa grave2.

À suficiente participação do povo, recomenda-se vivamente que se faça a homilia também nas missas celebradas durante a semana, principalmente no tempo do advento e da quaresma ou por ocasião de alguma festa ou acontecimento de luto3, pois os jovens afastados da participação dos mistérios recuperam o senso católico no encontro com o sacerdote nestas ocasiões, muitas vezes retornando à participação das Missas dominicais.

Ressalta a Evangelii Nuntiandi, que na homilia, “a evangelização não seria completa se ela não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social, dos homens”4. Entretanto, convém que a doutrina cristã seja apresentada de modo apropriado à condição dos ouvintes e, em razão dos tempos, adaptada às necessidades.  O Código de Direito Canônico estimula aos párocos que “as pregações, que se denominam exercícios espirituais e santas missões, ou ainda outras formas adaptadas às necessidades”5.

Deve-se ressaltar que os párocos, devem mostrar-se solícitos a fim de que a palavra de Deus seja anunciada também aos fiéis que, por sua condição de vida, não podem usufruir suficientemente da ação pastoral comum e ordinária, ou que dela são totalmente privados, sobretudo, àqueles que mais afetados pelo secularização do mundo, os não-crentes, pois “paradoxalmente, neste mesmo mundo moderno não se pode negar a existência de verdadeiras pedras de junção cristãs, valores cristãos pelo menos sob a forma de um vazio ou de uma nostalgia. Não seria exagerar o falar-se de um potente e trágico apelo para ser evangelizado”6.

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1 DV 24

2 SC 52

3 PAULUS VI. Litt. Ap. Sacram Liturgiam, 25. 1964, III. AAS 56 (1964) 141.

4 EN 29

5 CIC 770; CD 28; CD 30.

6 EN 55,58

No Código de Direito Canônico, a justiça torna-se caridade

Pe. José Victorino de Andrade, EPTesto

A lei canônica enquanto honesta, justa e possível — características que lhe transmitem força moral —, obriga em consciência à execução. Entretanto, este motivo é ainda mais enraizado e profundo, de acordo com Ghirlanda:

“A obrigação de consciência das leis eclesiásticas baseia-se no fato de que o exercício da autoridade na Igreja só pode ser concebido como um ministério sagrado, um serviço, porque se trata de uma autoridade magisterial, conferida por Cristo para que a palavra de Deus seja anunciada autenticamente”.1

Desta forma, ela é portadora de vinculabilidade enquanto lei ordenada ao bem comum e promulgada, enriquecida em si com um fim ministerial, tornando-se querida e obrigatória perante Deus. Por isso, todo aquele que a ela resiste, conforme afirma São Tomás de Aquino, torna-se pelo menos “réu em consciência” (S. Th. I-II, q. 7, a. 4.).

Apesar de a coerção não ser estritamente fundamental ao Direito, há quem defenda que a lei canônica não é jurídica por carecer de coercibilidade, o que revela um desconhecimento de sua natureza. Na verdade, a Igreja zela pelo cumprimento da lei também através de medidas coativas. Deste modo, encontramos no Livro VI do Código de Direito Canônico as sanções penais ou outros remédios e penitências a serem aplicadas aos possíveis infratores, presumida a imputabilidade e excluída a incapacidade de delito. Da mesma forma que a Igreja reconhece a competência da autoridade judiciária civil nos delitos de âmbito temporal, ela também não pode abjudicar dos seus próprios instrumentos judiciais. O Código de Direito Canônico é claro quanto a esta competência: “Os fiéis, caso sejam chamados a juízo pela autoridade competente, têm o direito de ser julgados de acordo com as prescrições do direito, a serem aplicadas com equidade” (C. 221 § 2).

É preciso considerar que, ao aplicar as penas, o legista eclesiástico não visa a mera repressão ou o uso da força, mas a própria caridade evangélica que manda reprimir o erro para o bem das almas, oferecendo um exemplo para a comunidade e uma advertência para o transgressor. Por isso o Codex Iuris Canonici tem como norma geral punir somente “com justa pena, quando a gravidade especial da transgressão exige a punição e urge a necessidade de prevenir ou reparar escândalos” (C. 1399). Desta forma, a justiça que a lei tutela torna-se caridade e se revela exemplar para as demais formas de governo de qualquer comunidade.

1 GHIRLANDA, Gianfranco. Introdução ao direito eclesial. São Paulo: Loyola, 1998.

São Bento e a ação benfazeja dos monges no Ocidente

Mons. João S. Clá Dias, EPS_Bento_05

A entrada de Paulo na comunidade cristã impulsionou o caráter universal da Igreja. Investido de um especial carisma para levar a boa nova do Evangelho às nações pagãs, alargou os limites da Igreja, como ele mesmo testifica: “viram que a evangelização dos incircuncisos me era confiada, como a dos circuncisos a Pedro (porque aquele cuja ação fez de Pedro o apóstolo dos circuncisos, fez também de mim o dos pagãos)” (Gl 2, 7-8).

O Espírito foi inspirando, dessa forma, os mártires e as virgens, os monges e os missionários, os doutores e confessores da fé. No século terceiro apareceu o monacato, com Santo Antão Abade e São Basílio. No século quinto o Espírito suscitou o grande Santo Agostinho. Mais tarde, o patriarca São Bento deu origem a um dos maiores movimentos de espiritualidade surgidos na era cristã, verdadeiro sopro de renovação que atingiu o ocidente.

O essencial da obra de Bento de Núrsia consistiu em fermentar uma sociedade cindida por revoltas, crises e guerras, transformando-a, aos poucos, na era “em que a filosofia do Evangelho governou os Estados ”. “No grande eclipse da civilização antiga que sobreveio no tempo das invasões, apenas permaneceu outra luz, excetuando o florescente império visigótico, que aquela que teve de se refugiar na brilhante constelação de mosteiros espalhados pela França e os países setentrionais, especialmente na remota Irlanda. Os monges foram os transmissores do saber antigo para os séculos futuros ”.

No século sexto o monacato se enriqueceu, com São Gregório Magno, de um caráter missionário, incorporando os povos germânicos à Igreja e estabelecendo as bases da Europa cristã. Assim se exprime Colombás (1998, p. 362):

Os antigos mosteiros, e mesmo os solitários independentes, desenvolveram, pela própria força das coisas, uma ampla atividade apostólica, no comum dos casos não sacramental nem ministerial, mas puramente espiritual. Isto é, os monges atuaram não em qualidade de clérigos, senão de “homens de Deus”. Sua ação emanava de sua espiritualidade. Impulsava-os a necessidade das almas, quando não a vontade dos bispos.

No século nono os monges Cirilo e Metódio levaram a palavra evangélica ao mundo eslavo, e no século décimo a reforma monástica de Cluny, iniciada pelo abade São Bernon e continuada com êxito por seus quatro sucessores, entre os quais destaca-se Santo Odilon, deu origem ao movimento devocional e renovador que configurou definitivamente a idéia de Europa e de cujo dinamismo brotou, no século XI, São Gregório VII e a denominada reforma gregoriana.

A verdadeira vantagem de Cluny vem, portanto, de haver tido à sua cabeça, sobretudo nos primeiros cem anos, homens excepcionais por sua têmpera, cultura, intuito organizador e político e, sobretudo, dotados de um carisma espiritual arrebatador.

Pode-se dizer que o esplendor dessa época, deveu-se, em grande parte, à influência da ação benéfica surgida dos claustros. Os grandes vôos da ordem temporal tiveram sua raiz nesses movimentos soprados pela graça no seio da Igreja, já que a missão destes não se limitava apenas ao empenho pela santificação de seus membros, mas estendia-se para o resto da sociedade, visando à sua sacralização.

Não é possível fechar os olhos à ação benfazeja que exercem [os monges] universalmente não só nos mosteiros de todo o Ocidente, mas nas cortes dos reis e dos papas, nos palácios dos bispos e nos castelos dos nobres. Eles põem em todas partes o levedo evangélico, que, cedo ou tarde, fermenta e produz frutos de santidade, de espiritualidade, de reforma dos costumes (LLORCA et at. 2003, p. 243).

Por amor, obediente até à morte

Mons. João S. Clá Dias, EPVitral-CrucifixiónPquia-ND-L'Epine_img_0086

Para São Tomás, a essência do oferecimento de Jesus, como vítima na Cruz, encontra seu verdadeiro valor espiritual não só na paciência com que suportou a Paixão, ou no auge da dor moral e física a que foi submetido. Ele chama a atenção para a obediência suprema da Divina Vítima, disposta a sofrer o auge de humilhação e dor, até à morte. Com efeito, abdicando de Sua vontade humana — “não seja feito como Eu quero, mas como Tu queres” (Mt 26, 39) — contradiz a soberba do homem pecador (cf. Rm 5, 19), conferindo assim méritos infinitos a Seus sofrimentos e morte (cf. Super Philip. cap. 2, lec. 2.).

É notória, como ressalta o próprio Doutor Angélico, a ligação íntima entre a obediência de Cristo e Sua ardente caridade. Sua obediência exímia “procedia da dileção que possuía pelo Pai e por nós” (Super Rom. cap. 1, lec. 5.). Ao mesmo tempo, por atingir o extremo de submissão e humilhação, mostrou-nos “a largura, o comprimento, a altura e a profundidade” de Seu amor “que ultrapassa todo o conhecimento” (Ef 3, 18-19).

Ao provar no artigo 2 da questão 22 que Cristo foi sacerdote e vítima ao mesmo tempo, São Tomás dá como principal argumento as palavras do Apóstolo: “Cristo nos amou e Se entregou a Deus por nós em oblação, como vítima agradável” (Ef 5, 2). Parece depreender-se daí que o amor de Jesus por nós foi a causa de Sua total entrega em holocausto (cf. Super Eph. cap. 3, lec. 5.).